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Prestação de serviços: o fato gerador das contribuições previdenciárias

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6 A incompatibilidade da súmula 368, III do TST com a tese de que o fato gerador das contribuições previdenciárias é o pagamento

Para finalizar o presente estudo, deve-se chamar atenção para a grave incoerência existente entre a Súmula 368, III do TST, o art. 144 do CTN e o entendimento de que o fato gerador das contribuições previdenciárias é o pagamento.

Segundo a Súmula 368, III do TST, a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, deve ser calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas em vigor em cada um deles, bem como observando o limite máximo do salário de contribuição então em vigor em cada um deles:

SÚMULA Nº 368 DO TST

Descontos Previdenciários e Fiscais - Competência - Responsabilidade pelo Pagamento - Forma de Cálculo

III - Em se tratando de descontos previdenciários, o critério de apuração encontra-se disciplinado no art. 276, § 4º, do Decreto n º 3.048/99 que regulamentou a Lei nº 8.212/91 e determina que a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, seja calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário de contribuição. (ex-OJ nº 32 - Inserida em 14.03.1994 e OJ 228 - Inserida em 20.06.2001) (grifo do autor)

A referida súmula, ao prever que cálculo das contribuições previdenciárias deveria observar o regime de competência, observando, em cada mês, as alíquotas então vigentes, bem como o teto do salário-de-contribuição então em vigor, implicitamente reconheceu que o fato gerador é a prestação dos serviços. Essa constatação é facilmente percebida através da análise do art. 144 do CTN:

Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.

§ 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.

O caput do art. 144 trata da legislação tributária material e estipula a regra da aplicação da legislação vigente à data do fato gerador. Já o §1º refere-se, fundamentalmente, à legislação formal, como se percebe pela referência às normas que tenham instituído "novos critérios de apuração ou processos de fiscalização".

Assim, quando lança um tributo, a autoridade competente deve aplicar a legislação material que estava em vigor no momento da ocorrência do fato gerador, mesmo que tal legislação já tenha sido modificada ou revogada (art. 144, caput do CTN). A legislação material (substantiva) deve ser entendida como as que definem fatos geradores, bases de cálculo, alíquotas, contribuintes, etc [22].

Por outro lado, a modificação de uma norma procedimental não muda a essência da obrigação tributária já surgida com a ocorrência do fato gerador, mas tão-somente a forma de sua apuração, tal como prescreve o art. 144, §1º do CTN.

Destarte, na medida em que a Súmula 368, III do TST determina a aplicação das alíquotas e do teto do salário-de-contribuição (base de cálculo) em vigor nos meses da prestação do serviço, inexoravelmente reconhece que o fato gerador é o serviço prestado, sob pena de se considerar como não escrita a regra do art. 144, caput do CTN.

O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar diversas vezes no sentido de que a alíquota aplicável à obrigação tributária é a vigente na data da ocorrência do fato gerador, tal como estipula o art. 144 do CTN:

TRIBUTÁRIO. AFRMM. FATO GERADOR. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.

1. Nos termos do art. 144 do CTN, aplica-se a legislação tributária vigente à época da ocorrência do fato gerador.

2. O DL 2.404, de 20/12/87 indica ser o fato gerador do AFRMM o momento de entrada da mercadoria no porto de destino.

3. Legislação editada após o embarque da mercadoria, mas antes da sua descarga, seja em benefício ou não do contribuinte, é a que deve ser observada.

4. Medida Provisória 158/90 que reduziu a alíquota do AFRMM deve ter aplicação, porque vigente quando da ocorrência do fato gerador.

5. Recurso especial conhecido e improvido. [23] (grifos do autor)

Para se manter a coerência do sistema jurídico brasileiro, portanto, faz-se essencial sejam aplicadas corretamente as normas tributárias.

Desse modo, caso se considere, equivocadamente, que o fato gerador é o pagamento, devem ser aplicadas as alíquotas em vigor quando do efetivo pagamento, sem que seja observada a apuração mês a mês a que se refere a Súmula 368, III do TST. Outrossim, deve ser observado o teto do salário-de-contribuição em vigor quando do mês do pagamento, sem que se possa proceder à apuração mês a mês.

Por outro lado, na hipótese de, corretamente, considerar-se a prestação dos serviços como fato gerador das contribuições sociais, deve ter plena aplicação a Súmula 368, III do TST, fazendo incidir, inclusive, os encargos moratórios previstos no art. 35 da Lei 8.212/91.

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REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado, 3ª Ed., São Paulo: Editora Método, 2009.

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF. 14ª Ed. São Paulo: Método, 2008.

CARLOS MAXIMILIANO. Hermenêutica e Aplicação do Direito.16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário, ed. LTr, 4ª ed, 2001.

MARION, José Carlos.Contabilidade Empresarial, 8.ª ed., São Paulo: Atlas, 1998.


Notas

  1. ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF. 14ª Ed. São Paulo: Método, 2008. p. 10-11.
  2. STF, RE 138.284/CE, Plenário, Rel. Min. Carlos Veloso, Data de julgamento: 01/07/1992, Data da publicação: 28/08/1992.
  3. STF, RE 138.284/CE, Plenário, Rel. Min. Carlos Veloso, Data de julgamento: 01/07/1992, Data da publicação: 28/08/1992.
  4. STF, AI-AgR 508398, Rel. Min. Carlos Velloso, Data da publicação 14.10.2005.
  5. STF, RE 90466/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Rafael Mayer, Data de julgamento: 16/12/1980, Data de publicação: 04/03/1981.
  6. CTN. Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.
  7. CLT. Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.
  8. CLT. Art. 459. § 1º Quando o pagamento houver sido estipulado por mês, deverá ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido.
  9. CTN. Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
  10. CF/1988. Art. 195. § 5º. Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
  11. CF/1988. Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
  12. STJ, AgRg no REsp 1018189/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão, Julgamento 15/05/2008, DJ 02.06.2008. STJ, AgRg no Ag 727948/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, Julgamento 29/06/2006, DJ 28.08.2006. STJ, REsp 542109/SC, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, Julgamento 19/09/2006, DJ 24.10.2006. STJ, REsp 501252/PR, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, Julgamento 05/09/2006, DJ 17.10.2006 p. 271. STJ, AgRg no Ag 586342/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, Julgamento 21/06/2005, DJ 01.07.2005. STJ, AgRg no REsp 711945/RS, Rel, Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, Julgamento 21/06/2005, DJ 03.10.2005. STJ, AgRg no Ag 550961/SC, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, Julgamento 16/12/2004, DJ 02.05.2005. STJ, AgRg no Ag 550912/SC, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, Julgamento 17/02/2004, DJ 10.05.2004. STJ, REsp 513585/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, Julgamento 05/08/2003, DJ 01.09.2003. STJ, REsp 361950/RS, Ministro Rel. Garcia Vieira, Primeira Turma, Julgamento 07/02/2002, DJ 25.03.2002. STJ, REsp 221362/RS, Ministro Rel José Delgado, Primeira Turma, Julgamento 09/11/1999, DJ 17.12.1999.
  13. TRT02, AP 01350200303702000, 2ª Turma, Rel. Juiz Sérgio Pinto Martins, j. 29.06.2006, DOE-PJ 14.07.2006. TRT02, RO 00834, Ac. 20070068709, Segunda Turma, Rel. Juiz Sérgio Pinto Martins, Julg. 08/02/2007, DOESP 27/02/2007. TRT15, AP 00931-1994-044-15-85-2, Ac. 2226/07, Oitava Câmara, Rel. Des. Vera Teresa Martins Crespo, DOESP 12/01/2007, Pág. 92. TST, AIRR 595/1989-001-13-40.5, Primeira Turma, Rel. Min. Vieira de Mello Filho, DJU 17/11/2006, Pág. 725. TRT15, Proc. 2822-1997-052-15-00-4, Ac. 51560/06, Décima Primeira Câmara, Rel. Des. Maria Cecília Fernandes Álvares Leite, DOESP 01/11/2006, Pág. 93. TRT15, RO 0065-2005-029-15-00-8, Ac. 41179/06, Oitava Câmara, Rel. Des. Vera Teresa Martins Crespo, DOESP 06/09/2006, Pág. 26. TRT02, APet 03137, Ac. 20050224861, Segunda Turma, Rel. Juiz Sérgio Pinto Martins, Julg. 14/04/2005, DOESP 03/05/2005. TRT12, Processo: Nº 01068-2007-055-12-00-3, Juiz Jorge Luiz Volpato, Publicado no TRTSC/DOE em 23/07/2008. TRT12, Processo: Nº 05768-2000-039-12-00-1, Juíza Sandra Márcia Wambier, Publicado no TRTSC/DOE em 23/07/2008. TRT12, Processo: Nº 03932-2005-028-12-85-0, Juíza Licélia Ribeiro, Publicado no TRTSC/DOE em 14/07/2008.
  14. CF/1988. Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
  15. CF. Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
  16. I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

    a)a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

  17. TÍTULO IX: DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS; CAPÍTULO II: DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. Art. 480. Argüida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, ouvido o Ministério Público, submeterá a questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo.
  18. CARLOS MAXIMILIANO. Hermenêutica e Aplicação do Direito.16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 251.
  19. MARION, José Carlos.Contabilidade Empresarial, 8.ª ed., São Paulo: Atlas, 1998, p. 96.
  20. DE CASTRO, Carlos Alberto Pereira e LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 4ª Ed. São Paulo: LTr, 2001, pg. 271.
  21. Ibid., pg. 269.
  22. Ibid., pg. 273.
  23. ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3ª Ed., São Paulo: Editora Método, 2009, Pág. 355.
  24. STJ. REsp 324582/SP, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, Data do Julgamento: 28/05/2002, Data da Publicação: 05/08/2002.
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Sobre o autor
Antonio Henrique de Amorim Cadete

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Integrada do Recife - FIR. Procurador Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CADETE, Antonio Henrique Amorim. Prestação de serviços: o fato gerador das contribuições previdenciárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2842, 13 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18890. Acesso em: 26 abr. 2024.

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