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A inconstitucionalidade da vedação absoluta à concessão de liberdade provisória

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13/04/2011 às 17:46
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CONCLUSÃO

De início, vislumbramos uma manifesta contradição entre o sistema de princípios cardeais da Constituição Federal e o garantismo delineado nas normas que vedavam de forma plena a concessão de liberdade provisória. Após extensa pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, encerramos aqui conclusões que já semeamos ao longo do trabalho, conforme cada tópico abordado. O constitucionalismo transmudou-se consideravelmente no século XX, conferindo aos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensões uma força normativa, consubstanciada em seus princípios instrumentais, jamais vista. Com efeito, a Constituição Federal de 1988, tratou da questão de forma objetiva e pontual ao garantir no art. 5º, §1, a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, dentre os quais se avulta o direito à liberdade. Numa escala de importância dos bens jurídicos podemos afirmar que a liberdade só perde em complexidade para o bem jurídico vida, que é não só o seu pressuposto básico, mas como de todos os demais direitos do ser humano. Assim, o bem jurídico em questão, de relevante magnitude, foi transferido pela Constituição para o seu núcleo intangível, alçado ao status de cláusula pétrea. Tal disposição do constituinte originário só expressa a delicadeza que o manejo desse direito importa, de modo que a sua restrição é medida excepcional, e não automática, impedindo assim qualquer espécie de intervenção ilegítima e imoderada por parte do Poder Público, que deve curvar sua atuação à satisfação dos interesses da lei maior.Impende esclarecer que defendemos veementemente a inconstitucionalidade da vedação absoluta à concessão de liberdade provisória porque admitir uma restrição desta natureza significa permitir a supressão de um direito inapagável. Malgrado a Constituição fincar as bases protetivas dos direitos elementares do cidadão, a sua eficácia concretizadora está jungida à forma como a mesma é aplicada.Por isso, defendemos, por conseguinte, que a segregação de liberdade deve estar impreterivelmente condicionada aos seguintes pressupostos: 1º) existência de procedimento judicial, 2º) controle de legalidade e oportunidade do ato por juiz de direito competente, 3º) verificação de interesse processual indispensável da medida constritiva, 4º) decisão fundamentada, expondo concretamente a necessidade da medida acautelatória.

Respeitadas tais garantias, de certo, prestigiam-se princípios informadores do direito à liberdade, tais como do devido processo legal, da presunção de não culpabilidade, do contraditório e da ampla defesa, da inafastabilidade da jurisdição e da prestação da tutela jurisdicional adequada, apenas num primeiro plano. A Constituição enquanto pedra angular do ordenamento jurídico confere o substrato de validade a todas as demais normas integrantes do sistema, vinculando, por oportuno, a produção legislativa infraconstitucional. Impõe-se a harmonização do sentido e alcance das normas ordinárias com um sentido compatível com a Constituição, sob pena de aquelas serem expurgadas do ordenamento.

Aduzir a constitucionalidade dessa atentatória forma de violação ao direito à liberdade, invocando o art. 5º, XLIII, não convence tampouco satisfaz um intérprete mais atento. A vedação expressa contida em tal dispositivo reporta-se à fiança, espécie do gênero liberdade provisória, e não sobre o instituto liberdade provisória em si. Ao se argumentar em decorrência que o constituinte destinou um tratamento penal mais rigoroso para os crimes hediondos e assemelhados, há que se ter em mente que essa severidade é cominada na aplicação da lei penal, de caráter material. A única medida expressa de caráter instrumental que a Constituição não admite é a prestação de fiança, que, historicamente só é admissível para crimes abstratamente menos nocivos.

A interpretação de um direito fundamental só pode ser extensiva, se estiver predisposta a aperfeiçoá-lo, pois a se a Constituição não foi precisa ao estabelecer suas limitações não se infere a ninguém fazê-lo sob risco de promover enorme insegurança jurídica. Essa falaciosa interpretação extensiva, que ao vedar a fiança, conduz automaticamente à proibição de liberdade provisória sem fiança, resgata desse modo a prisão obrigatória no Brasil, a qual a Constituição rechaça de plano ao exigir que todos os atos restritivos de direito emanem de decisão arrazoada de autoridade judiciária competente, sob pena de nulidade.

Aliás, tal operação hermenêutica importaria na supressão da competência do Poder Judiciário, posto que deslocaria para o Poder Legislativo o juízo de proporcionalidade a ser feito ante o caso concreto. O argumento de que o juízo de proporcionalidade seria efetuado pelo próprio constituinte originário no citado dispositivo constitucional, ao censurar com mais vigor determinadas condutas criminosas, não é mais substancioso do que a flagrante constatação de uma contradição normativa que afetaria a racionalidade da Constituição ao excetuar implicitamente a necessidade de fundamentação das medidas restritivas de liberdade.

Destarte, aceitar essa relativização do direito à liberdade provisória, mesmo contra legem neste caso, lastreando-se apenas na forma hermenêutica, revela ainda assim, de modo inequívoco, que a norma constitucional pode ser aplicada para realização de seus interesses maiores em virtude sua carga eficacial pós positiva. E para tanto, lancemos mão dos fins teleológicos de nossa Carta Republicana. Se a presunção de não culpabilidade não admite mitigações até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, não se pode pensar o processo penal com base em conjecturas ou abstrações, sendo possível mesmo assim resguardar os seus interesses. Se o devido processo legal universaliza os meios de desenvolvimento regular da relação processual, a sede de aplicação da lei a crimes mais graves não autoriza a cassação de um feixe de garantias individuais para descoberta da "verdade real". Se todo procedimento persecutório estabelece uma relação dialética entre os sujeitos submetidos à jurisdição, o contraditório e a ampla defesa não podem subsistir se a lei veda até mesmo a demonstração posterior de inexistência de razões acautelatórias por parte do acusado. Chancelar tal ideário a pretexto de fazer cumprir a Constituição não faz sentido algum, conquanto demonstrado o desatendimento aos fins constitucionais, subjetivizando-se o objetivo, numa odiosa equação!

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Por último, ressalte-se a eficácia vinculante decorrente da manifestação do Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade, mais precisamente, da aplicação virtual das leis. O Pretório Excelso foi categórico ao afirmar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3112/DF que a prisão ex lege, ou seja, por imposição legal é inconstitucional por contrariar os princípios da presunção de inocência, da necessidade de fundamentação das decisões judiciais, por inobservar o devido processo legal bem como o contraditório e a ampla defesa. Reitere-se que as decisões proferidas em sede de controle concentrado detêm eficácia erga omnes. A motivação esposada no mencionado julgado pelos eminentes Ministros do Supremo deve ser aplicada indistintamente a todos os diplomas legais ordinários que, como o Estatuto do desarmamento fazia, vedam de forma absoluta a concessão de liberdade provisória no ordenamento brasileiro, por influxo da incidência da teoria dos motivos determinantes, bem como pelo advento da lei 11.464/07, que possibilitou a liberdade provisória aos crimes hediondos e assemelhados. Portanto, a vedação à liberdade provisória, que tutela o direito fundamental à liberdade, jamais poderá ser incondicional, razão pela qual a lei do crime organizado, a lei da lavagem de capitais, a lei de tóxicos (para quem não a entende revogada pela nova redação da lei dos crimes hediondos) ou quaisquer outras que encetem a mesma espécie de proibição devem urgentemente ser reinterpretadas à luz dos princípios orientadores da Constituição Federal da República Federativa do Brasil.


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Sobre o autor
Eduardo Henrique Costa

Advogado. Graduado em Direito e Pós-graduado em Direito Processual pelo CESMAC (Centro de Estudos Superiores de Maceió)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Eduardo Henrique. A inconstitucionalidade da vedação absoluta à concessão de liberdade provisória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2842, 13 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18895. Acesso em: 18 nov. 2024.

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