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Regime previdenciário municipal

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13/04/2011 às 13:03
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5. Espécies de Regimes Previdenciários

5.1. Considerações sobre os Regimes Previdenciários Civil e o Militar

A disciplina referente aos regimes próprios de previdência dos servidores públicos é, certamente, matéria controversa e que tem gerado significativa despesa para os tesouros públicos.

A celeuma em torno do tema, entretanto, tem ocorrido de uma forma irracional e sem referência com os fatos. De um lado, misturam-se, na discussão, sem diferenciá-los, regimes previdenciários absolutamente distintos, como os dos servidores civis e dos militares, que têm normas, histórias e tendências diversas.

Por outro lado, parece que nada foi feito no campo nos últimos anos, quando tivemos, no período recente, uma série de alterações no modelo, sendo a mais importante a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, chamada de "Reforma da Previdência", que, mesmo que se considere ter sido insuficiente, provocou uma verdadeira revolução no regime previdenciário dos servidores públicos civis, cujos efeitos já são fortemente sentidos em números. É certo que o volume atual das despesas previdenciárias com servidores públicos civis é devido a fatores que já ocorreram e que, em princípio, são irrepetíveis. Nestes termos, em primeiro lugar, desponta a excessiva generosidade das regras de aposentadoria existentes anteriormente à referida Emenda Constitucional nº 20, de 1998. Esse diploma legal provocou uma enorme alteração nesse campo. Estabeleceu-se idade mínima na regra geral e na transição, exigiu-se tempo de serviço público e no cargo público para aposentadoria, vedou-se a contagem de tempo fictício e a promoção e incorporações na aposentadoria, extinguiu-se a aposentadoria proporcional e, na prática, a especial do professor.

Além disso, o grande aumento das despesas com inativos e pensionistas ocorrida no início da década de 1990 teve lugar em razão da transferência feita pela União e pela maioria dos Estados e Municípios, dos seus servidores celetistas para o regime estatutário, efetivando-os de forma automática e liberando um enorme número de aposentadorias represadas.

O número de aposentadorias por ano na União partiu de um pico de 46.196, em 1991, primeiro ano de vigência do regime jurídico único, decresceu para 21.213, em 1992, e 14.152, em 1993, atingiu 17.622, em 1994, e passou a 33.848, em 1995; 26.807, em 1996; 24.831, em 1997; 19.754, em 1998; 8.786, em 1999; 5.951, em 2000; 6.222, em 2001 e em fins de 2007, cifrou 7.500 .

Assim, o nível de despesa atual é reflexo de um contexto no qual o número de servidores públicos era muito maior do que o atual. A redução do número de servidores ativos é factualmente constatada. O número de servidores civis ativos do Poder Executivo vem caindo, praticamente sem recuo, desde 1989, quando o total chegava a mais de 700.000. No final do ano de 2007, esse número já estava próximo a 450.000, representando uma redução de mais de 250.000 servidores, ou cerca de 35%, em pouco mais de dez anos.

Vale observar que o número de inativos civis da União vem caindo desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 1998. Esse quantitativo, que atingiu um pico de 410.200, em abril de 1999, já era, em novembro de 2007, de 395.196.

O nível atual de despesa, no entanto, somente será reduzido em longo prazo, com o falecimento dos inativos e seus pensionistas, não havendo como acelerar esse processo, salvo mediante o mecanismo perverso que combina inflação e não reposição das perdas remuneratórias.

Prospectamente, a Emenda da Reforma da Previdência equacionou o problema, quando facultou a instituição de sistema de previdência complementar para os servidores públicos, que teriam a sua aposentadoria paga pelos tesouros limitadas ao mesmo valor do regime geral de previdência social.

Esta matéria depende de regulamentação mediante lei complementar, que, quando aprovada, habilitará os entes públicos a instituir um regime previdenciário para seus servidores que retira, totalmente, o custo adicional do regime estatutário para a Administração Pública. Essa observação vale mesmo no caso de servidores que transitem entre o regime geral de previdência social e o regime próprio dos servidores públicos, em razão da Lei nº 9.796, de 5 de maio de 1999.

O diploma alhures citado prevê que o regime geral de previdência social e os regimes próprios dos servidores públicos se compensarão mutuamente pelos seus segurados e servidores que transitarem entre eles, na proporção dos respectivos tempos de contribuição, até o limite dos benefícios do regime geral. Ou seja, na hipótese em comento, a compensação é total.

O referido regime, inclusive, será, ao mesmo tempo, menos custoso para os tesouros públicos e mais vantajoso para os servidores do que o Regime Geral de Previdência Social. Isso ocorre porque, no caso daquele regime, o empregador tem, sempre, que contribuir com 20% do total da remuneração do empregado que, no entanto, somente poderá receber benefícios até o limite do respectivo teto. No caso do regime complementar aqui tratado, o servidor receberá tudo o que ele e a Administração capitalizaram em seu nome e a contribuição do ente público será, seguramente inferior a 20%, uma vez que, de acordo com o que estabelece o § 3º do art. 202 da Constituição, esta não poderá exceder a contribuição do segurado que, com certeza, não atingirá aquele percentual.

Enfatize-se que esse regime complementar somente será aplicado aos servidores que entrarem no serviço público após a sua instituição, adiando em muito a sua efetividade.

Por seu turno, comparando-se a evolução da participação de civis e militares na despesa total com inativos e pensionistas da União, pode-se verificar que enquanto em 1999 os civis representavam 69,1% das despesas previdenciárias da União, contra 30,9% dos militares, no ano de 2006, esses números já atingiam 57,8% para os civis e 42,2% para os militares, ressaltando-se que a despesa com pensionistas militares já ultrapassou, há muito, a despesa com pensionistas civis.

Assim, enquanto, como se viu, os civis foram fortemente afetados pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998, os militares passaram incólumes por ela.

A única alteração no regime previdenciário dos militares se deu com a edição da Medida Provisória nº 2.131, de 2000, que aumentou a sua contribuição previdenciária de cerca de 1% da remuneração ou provento, para 7,5% daqueles valores.

Acrescente-se que o diploma legal retirou dos militares o direito de receber a remuneração correspondente ao posto superior, quando passavam para a inatividade, e extinguiu, para os novos militares, a conhecida pensão da filha solteira, emblemática das especificidades da pensão militar e regulamentada pela Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960.

Todavia, fora permitido que os atuais militares mantivessem o direito de deixar a pensão para as filhas (e também para as irmãs ou pessoa designada do sexo feminino) solteiras, desde que descontem um adicional de contribuição de 1,5% da remuneração ou provento, que, observe-se, não dá a esse tipo de benefício qualquer sustentação atuarial, o qual somente pode manter-se com elevado grau de subsídio do Tesouro Nacional.

É uma espécie de vantagem que não tem, hoje, justificativa previdenciária, sendo um resquício da época em que as mulheres, pela sua total dependência da população masculina, não tinham como se sustentar se não se casassem, tanto que esse tipo de benefício era previsto para os servidores públicos civis pela Lei nº 3.373, de 12 de março de 1958, e para os segurados da previdência social pela Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960.

Nesse sentido, vale notar que, quando esse tipo de pensão foi extinta para os servidores civis, na edição da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e para os segurados do Regime Geral de Previdência Social, pela Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, não foi dado aos servidores ou segurados então em exercício o direito a manter a vantagem.

Este fato é grave quando se observa, como se referiu, que a despesa com pensionistas militares é maior do que aquela com pensões civis. Além disso, o número de pensionistas militares é superior ao de inativos (173.691 contra 129.731, em números de novembro de 2007, enquanto, no mesmo mês, tínhamos 229.951 pensionistas e 395.196 inativos civis). Podemos dizer, em tom de blague que, se a pensão civil é vitalícia, a militar é eterna.

A despesa com inativos e pensionistas militares que era de 4,6 bilhões de reais em 1999 atingiu 11,9 bilhões em 2007, um aumento de 160,5%, muito acima da variação da inflação no período que, como se referiu, foi de 78%.

Mesmo no tocante à relação com a receita corrente líquida, o custo da previdência militar da União aumentou, saindo de 6,5% em 1999 para 7,1% em 2007.

Deste modo, a despesa previdenciária militar é hoje relevante e, mantida a atual situação, pode se tornar mais custosa, em termos absolutos, do que a previdência dos servidores civis, especialmente porque não há perspectiva posta de alteração qualitativa do regime no futuro.

Do explicitado, vale reafirmar que não se pode negar a seriedade da situação de previdência dos servidores públicos nem afirmar que não há necessidade de fazer nada no campo. No entanto, é necessário reconhecer que, no caso dos servidores civis, muita coisa foi feita e o quadro é muito menos grave do que era antes da Emenda Constitucional nº 20, de 1998.

5.2. Noções Preliminares sobre Regimes Previdenciários Público, Próprios e Privados.

Um grande desafio que se impõe aos regimes previdenciários, seja público ou privado, é, sem dúvida, administrar o passado e a transição para a nova realidade. Com relação ao passado não há o que fazer, salvo manter a atenção e a gerência responsável, e, quanto à transição, resta a alternativa de acelerá-la, mediante a inclusão dos atuais servidores no regime complementar já previsto na Reforma da Previdência. Isso pode ser feito, em nosso entendimento, como já vem sendo aventado, por algum mecanismo que, levando em conta de forma proporcional e razoável os direitos em processo de aquisição dos atuais servidores públicos, considere de responsabilidade dos tesouros públicos a parcela da aposentadoria referente ao tempo já exercido sob as regras então vigentes.

Observa-se que essas soluções somente trarão resultados a longo prazo, implicando, no curto prazo, aumento do desembolso dos tesouros, uma vez que haverá redução nas contribuições previdenciárias dos servidores e os entes federados se verão obrigados a contribuir para os fundos complementares.

Em relação aos militares, parece-nos imprescindível uma reforma profunda em seu regime previdenciário, cujo perfil atual é insustentável. Ressalte-se que não se pode deixar de reconhecer a necessidade de os militares possuírem um regime especialíssimo de aposentadoria, considerado condição sine qua non para que eles possam cumprir a sua missão e que implica custos adicionais. O que não é possível é que se mantenham vantagens que extrapolam essa exigência.

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Assim sendo, conforme o já entrevisto nas considerações precedentes, para logo se denota a coexistência de três grandes segmentos de previdência social em nosso ordenamento constitucional. Assim, possível é de se enumerar os seguintes regimes no sistema de previdência pátrio: a) o Regime Geral de Previdência Social (arts. 194 e segs.); b) o Regime de Previdência Privada (arts. 21, VIII, e 201, §§ 7º e 8º); c) o Regime de Previdência do Servidor Público (art. 40).

Destaques-se, no entanto, que essa classificação não se apresenta absoluta, haja vista que, além desses três grandes segmentos da previdência, possível é ainda de se citar um outro regime, o qual, contudo, não encontra assento constitucional. Trata-se de regime atinente aos ministros de confissão religiosa ou membros de congregação religiosa. Dito regime existe desde 1963, quando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) criou o Instituto de Previdência do Clero (IPREC). Todavia, esse regime não se apresenta de filiação obrigatória aos sacerdotes e leigos a serviço da Igreja Católica no território brasileiro, mas sim facultativa, além do que não impede que aqueles que neles se inscreverem também se filiem ao Regime Geral de Previdência Social, ou seja, o regime gerido pelo INSS.

Não obstante a classificação ora adotada, que melhor atende aos propósitos do presente estudo, certo é que outra há, na qual é considerada apenas a existência de dois regimes em nosso sistema previdenciário, quais sejam: o Regime Geral de Previdência Social, administrado pelo INSS, de um lado, e, de outro, os demais, que são, por isso mesmo, denominados regimes especiais.


6. Regime Geral de Previdência Social - RGPS

Diante do exposto quando do exame da previdência social em nível constitucional, vêm os seus contornos basilares delineados nos artigos 194, 195, 201 e 202 da Constituição. Esses dispositivos, é certo, fornecem os princípios norteadores do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

No que concerne ao plano infraconstitucional, o Regime Geral de Previdência Social encontra atualmente a sua disciplina básica nas já citadas Leis nº s 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, sendo que a primeira, que se auto-intitula Lei Orgânica da Seguridade Social, dispõe sobre a organização da seguridade social e institui plano de custeio, enquanto a segunda versa sobre os planos de benefícios da previdência social. Ditas normas legais, aliás, nada mais constituem que mero cumprimento ao disposto nos artigos 58 e 59 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, uma vez que nesses artigos existe determinação, dirigida ao Executivo federal, no sentido de que apresentasse ao Congresso Nacional, no prazo máximo de seis meses a contar da promulgação da Carta Constitucional de 1988, projetos de lei relativos à organização da seguridade social e aos planos de custeio e de benefícios.

Este regime, convém aclarar, caracteriza-se por ser: a) universal, ou seja, destinado a todos os trabalhadores que não possuírem regime próprio de previdência (como, por exemplo, é o caso dos funcionários públicos não-integrados em regime próprio); b) básico, uma vez que busca oferecer o mínimo indispensável para a manutenção daqueles que dele dependam; c) obrigatório, já que compulsório, e d) administrado pelo Estado, haja vista que, como já referido, é gerido pelo INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social.

Essas, em apertadíssima síntese, as características básicas do Regime Geral de Previdência Social.

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Sobre o autor
Marciel Antonio de Sales

Especialista em Gestão Pública Municipal pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALES, Marciel Antonio. Regime previdenciário municipal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2842, 13 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18896. Acesso em: 25 abr. 2024.

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