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Comentários à Súmula 444 do STJ.

O que conta e o que não conta na fixação da pena base, no tocante aos antecedentes e à conduta social

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15/04/2011 às 12:17

Resumo:


  • A jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros tem excluído processos e procedimentos criminais em curso da avaliação para a fixação da pena base, salvo em casos de sentença condenatória irrecorrível.

  • Os antecedentes do réu devem se restringir a condenações definitivas que não caracterizem a reincidência, respeitando a garantia da situação de inocência até que haja trânsito em julgado.

  • Na avaliação da conduta social, apenas dados relativos à atuação do réu em seu ambiente social devem ser considerados, excluindo-se processos e procedimentos em curso, conforme orientação jurisprudencial recente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo

Considerando a garantia constitucional da situação de inocência [01], insculpida no art. 5º, LVII, o Superior Tribunal de Justiça, através do Enunciado da Súmula 444, em maio de 2010, ratificou entendimento que se vinha desenvolvendo na jurisprudência, no sentido de que apenas as condenações criminais definitivas têm o condão de agravar a pena base do sentenciado. As razões de ser dessa orientação estão em que, tradicionalmente, a doutrina e a jurisprudência nacionais viam nos antecedentes e na conduta social do réu, duas das chamadas circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, o espaço para análise de procedimentos criminais em curso como fator de majoração da reprimenda penal. Este artigo discute os contornos das duas circunstâncias antes citadas e sua conformação com o entendimento recendente do STJ.

Palavras-chave: Direito Penal; Fixação da Pena; Direito Constitucional; Garantias.


1. Introdução

Em maio de 2010, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 444, cujo enunciado afirma que "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base" [02]. Tal enunciado está em conformidade com a disposição constitucional que reflete o chamado princípio da situação jurídica de inocência, insculpido no art. 5º, LVII, da Constituição da República. De acordo com essa noção, até que transite em julgado sentença penal condenatória, eventuais procedimentos criminais instaurados e não encerrados em definitivo não podem funcionar para a majoração da pena-base, prejudicando o réu. Dessa forma, a visão tradicional da doutrina de que os antecedentes e a conduta social representam toda a vida pregressa do sentenciado e que podem ser representados por inquéritos policiais, termos circunstanciados de ocorrência e até por antecedentes infracionais precisa ser revista e remoldada.

O ponto de partida desta reconstrução da compreensão dos antecedentes e da conduta social como instrumento de dosagem da reprimenda penal está em uma revisão constitucionalmente adequada da individualização jurisdicional da pena, trazendo para o interior da discussão dogmática e da fundamentação das decisões judiciais as garantias constitucionais, especialmente a da situação jurídica inocência, que afirma a não-culpabilidade até o trânsito em julgado de sentença condenatória.

Analisando as garantias e os princípios constitucionais relativos ao Direito Penal e ao Processual Penal, Guilherme de Souza NUCCI (2010, p. 239), define situação de inocência:

No cenário penal, reputa-se inocente a pessoa não culpada, ou seja, não considerada autora de crime. Não se trata, por óbvio, de um conceito singelo de candura ou ingenuidade. O estado natural do ser humano, seguindo-se fielmente o princípio da dignidade da pessoa humana, base do Estado Democrático de Direito, é inocência. Inocente se nasce, permanecendo-se nesse estágio por toda a vida, a menos que haja o cometimento de uma infração penal e, seguindo-se os parâmetros do devido processo legal, consiga o Estado provocar a ocorrência de uma definitiva condenação criminal.

Assim, se o status jurídico de inocência apenas cede ao influxo de sentença transitada em julgado, nada mais adequado que deixar de lado na estipulação da pena, aqueles tantos fatos cuja definitividade ainda não se deu pela força da irrecorribilidade de uma decisão condenatória.

Este artigo, nas linhas que se seguem, pretende estabelecer os contornos e o alcance dos conceitos de antecedentes e de conduta social, duas das chamadas circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, utilizáveis na fixação da pena-base, a fim de que se possam verificar as diferenças havidas entre o posicionamento da doutrina chamada "tradicional" e o entendimento recentemente pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça e que já vinha, de algum modo, sendo praticado pelos Tribunais.


2. Da fixação da pena: O Método Trifásico

O art. 68, do Código Penal, diz que "A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento". À vista desse dispositivo legal, evidencia-se que lei penal brasileira adotou a chamada metodologia trifásica para a individualização judicial da pena já que, primeiro, consideram-se as circunstâncias judiciais; depois as circunstâncias legais, atenuantes e agravantes; e, por fim, as causas gerais e especiais de diminuição e aumento de pena, nesta ordem.

As regras do art. 68, do Código Penal, deixam clara a adoção de um critério misto de dosimetria da pena, que nem tolhe por completo a liberdade da atividade do Magistrado, mas que também não deixa toda esta a cargo da discricionariedade do Judiciário. Assim, há elementos que são legalmente valorados e outros que devem ser sopesados pelo órgão do judiciário responsável pela sentença condenatória. Essa forma de compreender a dosagem da pena promove certo equilíbrio entre regras legais cogentes e liberdade do Magistrado, na fixação da pena.

Sobre esse sistema já disse Mario GARRIDO MONTT (2001, 306/307) que:

A pena relativamente determinada é o sistema pelo qual majoritariamente se inclina a doutrina na segunda metade do presente século XX, que requer de uma coordenada e estreita cooperação do legislador e do juiz. Ao legislador corresponde "criar um marco penal que seja o mesmo para todos os casos que se subsumam no preceito legal"; se trata de um espaço relativamente amplo dentro do qual pode fixar-se a pena para o fato singular de que se trate. Ao juiz corresponde escolher, entre as distintas alternativas estabelecidas pela lei, a pena aplicável e sua magnitude, considerando a natureza e a gravidade do fato típico (fins preventivos gerais e seu merecimento); porém ademais há de considerar a culpabilidade e condições pessoais do autor, como também a possibilidade de remissão da sanção ou a aplicação de uma medida alternativa (fins preventivos especiais e sua necessidade). O juiz conta com uma relativa discricionariedade para a determinação da pena dentro do marco legal, porém essa discricionariedade não é absoluta, deve respeitar aos princípios jurídicos que a orientam e aos fins que esta persegue (prevenção geral e especial, merecimento e necessidade da sanção). De conseguinte, o juiz há de ter presente o princípio de igualdade ao impor ao caso singular a sanção e, de outro lado, o da culpabilidade do sujeito no fato e suas condições individuais para avaliar as consequências que em sua vida futura lhe acarretará a pena, as que necessariamente têm de ser levadas em conta na regulação da sanção. [tradução livre do espanhol]

No Brasil, quanto à metodologia de individualização da pena, historicamente, atribui-se o método trifásico ao magistério de Nelson Hungria. Para ele

o art. 59 só inclui as circunstâncias judiciais, e, por isso, (...) a aplicação da pena deve ser feita em três escalas: primeiro, atendendo às circunstâncias judiciais, do artigo 59, fixará o juiz a pena-base, "tendo-se em vista, necessariamente, a pena in abstracto"; em seguida, tendo em vista as circunstâncias legais (tanto as agravantes como as atenuantes), aumentará ou diminuirá a pena fixada in concreto, ou pena-base; por último, ocorrendo causa de aumento ou diminuição de pena, o juiz as aplicará com base na pena obtida na segunda operação. (MARQUES, 2002, 295) [03]

O método trifásico pugnado por HUNGRIA enfrentava a reação de Roberto LYRA – e também do próprio José Frederico MARQUES – que tendiam a entender a fixação da pena em apenas duas fases, não em três.

Roberto Lyra preconiza outro sistema: as circunstâncias agravantes e atenuantes, examinadas conjuntamente com as do art. 59, darão ao juiz os elementos para fixar a pena-base. Em seguida, aplicar-se-ão as causas de aumento e diminuição. O procedimento usado, portanto, se desenvolve em duas fases tão-somente. (MARQUES, 2002, 295) [04]

E José Frederico MARQUES, tomando a sério a proposta de Roberto LYRA, dizia:

Não nos parece que haja necessidade de separar as circunstâncias judiciais das circunstâncias legais, no juízo que o magistrado formula ao apreciar os elementos apontados no art. 59. Em primeiro lugar, o exame em bloco das circunstâncias todas do crime é muito mais racional, e também, mais indicado para a individualização judiciária da pena. Em segundo lugar, com bem argumenta Basileu Garcia, as circunstâncias legais não estabelecem cálculo a efetuar, como sucede com as causas de aumento e diminuição de pena. (...) Não há modificação quantitativa precisa quando se reconhece a existência de uma agravante ou atenuante. Supérfluo seria, assim, separá-las das circunstâncias judiciais, para efeito do cálculo da pena entre o máximo e o mínimo cominados. (MARQUES, 2002, 296/297)

Vencida essa discussão, prevaleceu, no texto reformado após 1984, a ideia preconizada por HUNGRIA. De sorte que há a separação em três etapas diferentes, a que a doutrina convencionou chamar de pena-base (primeira fase), pena provisória (segunda fase) e pena definitiva (terceira fase).


3. Fixação da pena-base

A primeira etapa da dosimetria da reprimenda penal (privativa de liberdade e multa [05]) constitui a fixação da pena-base. Para tanto, o órgão da função jurisdicional deve ter em conta as chamadas circunstâncias judiciais, previstas no art. 59, do Código Penal, que são "fatores legais de medição da pena, ou seja, elementos que o magistrado aprecia quando da determinação judicial da sanção penal" (PRADO, 2006, 502).

Quando se fala em circunstância, em geral, refere-se a fatos que circundam o delito, sem, no entanto, fazer parte da definição típica, podendo agravar ou diminuir a pena daquela conduta realizada (SHECAIRA, 2002, 264). Ou seja, são dados que, sem atingir a caracterização da infração penal, gravitam em seu redor, promovendo modificação na sua forma de punição. As circunstâncias judiciais, muito embora assim sejam chamadas, não têm exatamente natureza de circunstância, já que somente servem para informar o órgão da função jurisdicional na dosagem da pena, sem dizer respeito, nem indiretamente, ao fato criminoso mesmo.

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Sergio Salomão SHECAIRA e Alceu CORRÊA JÚNIOR já o afirmaram:

As denominadas circunstâncias judiciais não são, na verdade, "circunstâncias do crime", mas sim parâmetros que vinculam e condicionam a aplicação da pena pelo juiz, limitando assim sua discricionariedade, tendo em vista que deverá levar em consideração tais fatores no caso concreto, mormente para determinar a chamada "pena-base". (SHECAIRA, 2002, 264)

Visto este detalhe conceitual, as circunstâncias judiciais recebem essa nomenclatura por serem quesitos que, por não terem definição fechada pela legislação, servem para guiar a atividade do órgão da função jurisdicional na fixação da primeira etapa da dosimetria da pena. Essa atividade, portanto, passa a ser aberta e, em grande parte, valorativa. E, até por esta razão, acaba por possibilitar diversas compreensões acerca do alcance de cada um dos termos empregados em sua redação legal.

As circunstâncias judiciais devem ser analisadas cada uma, de maneira a que fiquem absolutamente claras as razões que levaram o Magistrado a dosar a pena em maior ou menor grau, observando a garantia constitucional da motivação das decisões judiciais, insculpida no art. 93, IX, da Constituição. No entanto, é o resultado obtido pela visão de conjunto dessas circunstâncias que deve informar a aproximação do máximo ou a aproximação do mínimo. Ou seja, embora analisadas uma a uma – fato que garante ao réu o pleno conhecimento dos motivos da majoração ou minoração de sua pena –, o que faz com que a pena-base esteja mais próxima do máximo ou do mínimo é o resultado, positiva ou negativamente valorado, do conjunto dessas circunstâncias. Se elas, tomadas em geral, forem desfavoráveis, a pena aproximar-se-á do máximo; se, do contrário, em geral, forem favoráveis, a pena deve estar mais próxima do mínimo.

E é, como já referido alhures, o art. 59, do CP, que define, pois, quais são as chamadas circunstâncias judiciais. Diz ele que:

Art. 59

- O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Para o presente artigo, tendo em vista o que inspirou o entendimento fixado na Súmula 444, do STJ – ora em comento –, interessa a compreensão constitucionalmente adequada de duas dessas circunstâncias: os antecedentes e a conduta social.


4. Os antecedentes

A questão da definição dos antecedentes é tormentosa. A doutrina adrede entendia o seguinte:

Deve o julgador observar, também, os antecedentes (bons ou maus) do agente. Verifica-se a vida pregressa do réu, com base no que constar do inquérito policial (art. 6º, incisos VIII e IX, do CPP) e nos demais dados colhidos durante a instrução do processo, apurando-se se já foi envolvido em outros fatos delituosos, se é criminoso habitual, ou se sua vida anterior é isenta de ocorrências ilícitas, sendo o delito apenas um incidente esporádico. (MIRABETE, 2008, 300)

No mesmo sentido, Fernando CAPEZ (2006, 436)

2) Antecedentes:

são todos os fatos da vida pregressa do agente, bons ou maus, ou seja, tudo o que ele fez antes da prática do crime. (...) Desse modo, antecedentes passaram a significar, apenas, anterior envolvimento em inquéritos policiais e processos criminais. Assim, consideram-se para fins de maus antecedentes os delitos que o condenado praticou antes do que gerou a sua condenação.

E Damásio Evangelista de JESUS [06](1995, 484):

Antecedentes são os fatos da vida pregressa do agente, sejam bons ou maus, como, p. ex.: condenações penais anteriores, absolvições penais anteriores, inquéritos arquivados, inquéritos ou ações penais trancadas por causas extintivas da punibilidade, ações penais em andamento, passagens pelo Juizado de Menores, suspensão ou perda do pátrio poder, tutela ou curatela, falência, condenação em separação judicial etc.

Nesse mesmo sentido era o magistério de Edgar Magalhães NORONHA (1987, 240), dizendo que

Os antecedentes entram como segundo elemento par ao exame. São tanto os bons como os maus, tanto os judiciais como os extrajudiciais. Aprecia-se, assim, o fato de haver o réu sido condenado anteriormente (abstraída a reincidência), de terem existido outros processos contra ele, de estar sendo processado por mais delitos etc.

Ou, nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt

Antecedentes – Por antecedentes devem-se entender os fatos anterior praticados pelo réu, que podem ser bons ou maus. São maus antecedentes aqueles fatos que merecem reprovação da autoridade pública e que representam expressão de sua incompatibilidade para com os imperativos ético-jurídicos. (BITENCOURT, 2009, p. 627) [07]

Com esses excertos, fica evidenciado que, na opinião desses autores, os antecedentes dizem respeito a toda a vida pregressa do réu sentenciado, podendo, pois, ser bons ou maus, e envolvendo, como se viu nos trechos acima, fatores que escapam ao próprio universo normativo do direito e atingem, por outro lado, o universo valorativo da moral [08].

Entretanto, a partir de uma aplicação mais adequada da garantia da situação de inocência [09], insculpida no art. 5º, LVII, da Constituição, o entendimento tem tendido a ser outro, ao menos para boa parte da doutrina e setor considerável da jurisprudência. Mormente, a partir da edição da Súmula 444, do STJ, objeto das digressões deste texto.

Rogério GRECO (2007, 563/564), em posicionamento diametralmente oposto aos que se transcreveram anteriormente, afirma que

Os antecedentes dizem respeito ao histórico criminal do agente que não se preste para efeitos de reincidência. Entendemos que, em virtude do princípio constitucional da presunção de inocência, somente as condenações anteriores com trânsito em julgado, que não sirvam para forjar a reincidência, é que poderão ser consideradas em prejuízo do sentenciado, fazendo com que a sua pena-base comece a caminhar nos limites estabelecidos pela lei penal. (...) Se somente as condenações anteriores com trânsito em julgado , que não prestem para afirmar a reincidência, servem para conclusão dos maus antecedentes, estamos dizendo, com isso, que simples anotações na folha de antecedentes criminais (FAC) do agente, apontando inquéritos policiais ou mesmo processos penais em andamento, inclusive com condenações, mas ainda pendentes de recurso, não têm o condão de permitir com que a sua pena seja elevada.

Não é outra a opinião da jurisprudência recente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Nos autos da apelação criminal de número 1.0471.05.045464-7/001(1),que tramitou na 3ª Câmara Criminal do TJMG, com julgamento em novembro de 2006, decidiu-se que:

EMENTA: ROUBO BIQUALIFICADO TENTADO - CORRUPÇÃO DE MENORES - INOCORRÊNCIA - MAUS ANTECEDENTES - INQUÉRITOS E AÇÕES EM ANDAMENTO - EXACERBAÇÃO DA PENA BASE E REGIME PRISIONAL - INADMISSIBILIDADE - QUALIFICADORAS - PERCENTUAL MÍNIMO - POSSIBILIDADE. (...). De acordo com o princípio constitucional da não-culpabilidade (art. 5.º, LVII/CF), inquéritos e ações em andamento, por si só, não autorizam a exacerbação da pena-base ou o regime prisional a título de maus antecedentes, pois somente a coisa julgada autoriza juízo desfavorável contra o réu. (...).

E, também, o Supremo Tribunal Federal já se tinha manifestado no seguinte sentido:

HABEAS CORPUS - INJUSTIFICADA EXACERBAÇÃO DA PENA COM BASE NA MERA EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS OU DE PROCESSOS PENAIS AINDA EM CURSO - AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CULPABILIDADE (CF, ART. 5º, LVII) - PEDIDO DEFERIDO, EM PARTE. - O princípio constitucional da não-culpabilidade, inscrito no art. 5º, LVII, da Carta Política não permite que se formule, contra o réu, juízo negativo de maus antecedentes, fundado na mera instauração de inquéritos policiais em andamento, ou na existência de processos penais em curso, ou, até mesmo, na ocorrência de condenações criminais ainda sujeitas a recurso, revelando-se arbitrária a exacerbação da pena, quando apoiada em situações processuais indefinidas, pois somente títulos penais condenatórios, revestidos da autoridade da coisa julgada, podem legitimar tratamento jurídico desfavorável ao sentenciado. Doutrina. Precedentes. (STF - 2ª Turma, HC 79966/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Celso de Mello, j. 13.06.2000; in DJU de 29.08.2003, p. 34).

E, mesmo o próprio STJ, antes até da edição da Súmula 444, já era de opinião que:

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E RECEPTAÇÃO. NECESSIDADE DE CORRETA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES. DOSIMETRIA DA REPRIMENDA. CONSIDERAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES E PERSONALIDADE DESAJUSTADA COM BASE EM PROCESSOS EM ANDAMENTO E ATOS INFRACIONAIS. ORDEM CONCEDIDA. 1- As decisões judiciais devem ser cuidadosamente fundamentadas, principalmente na dosimetria da pena, em que se concede ao Juiz um maior arbítrio, de modo que se permita às partes o exame do exercício de tal poder. 2- Inquéritos policiais e ações penais em andamento não constituem maus antecedentes, má conduta social nem personalidade desajustada, porquanto ainda não se tem contra o réu um título executivo penal definitivo. 3- Os atos infracionais praticados durante a adolescência do acusado não podem ser considerados como geradores de antecedentes, nem de personalidade desajustada. 4- (...). (STJ, HC 81.866/DF, Quinta Turma; Relatora Ministra Jane Silva, julgamento em 25 de setembro de 2007, publicado no DJ de 15 de outubro de 2007)

Assim, uma interpretação constitucionalmente adequada do disposto no art. 59, do CP, no que tange aos antecedentes, força o reconhecimento de que só podem ser consideradas as condenações criminais transitadas em julgado, que não sirvam para a conformação da reincidência. Não fosse assim, poderia o réu, em sua sentença, ver-se prejudicado em razão de fatos supostamente criminosos com relação aos quais ainda vigora a situação de inocência, já que não julgados em definitivo.

Ainda no contexto do estabelecimento do alcance dos antecedentes, levando a sério a definição de que são aquelas condenações que não servem à caracterização da reincidência, os tribunais superiores nacionais têm entendido que aquelas condenações que já sofreram o efeito da caducidade quinquenal prevista no art. 64, do Código Penal, servem a configurar antecedentes. Assim, mesmo que, entre o cumprimento de pena anterior e o novo crime, a reincidência desapareça, aquela condenação definitiva contará para a exasperação da pena-base.

Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode ver no julgamento do HC 30.211/SP, cujo relator foi o Ministro Felix Fischer:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. MAUS ANTECEDENTES. REINCIDÊNCIA. Decorrido mais de cinco anos, a sentença penal condenatória anterior não prevalece para efeito da reincidência (art. 64, I, do CP), subsistindo, no entanto, para efeito de maus antecedentes. Habeas corpus denegado.

E é essa, também, a orientação do Supremo Tribunal Federal, em recentíssima decisão:

EMENTA: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONDENAÇÕES EXTINTAS HÁ MAIS DE CINCO ANOS. MAUS ANTECEDENTES. CARACTERIZAÇÃO. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO. I - Embora o paciente não possa ser considerado reincidente, em razão do decurso do prazo de cinco anos previsto no art. 64, I, do Código Penal, a existência de condenações anteriores caracteriza maus antecedentes e demonstra a sua reprovável conduta social, o que permite a fixação da pena-base acima do mínimo legal. Precedentes. II - Recurso ordinário em habeas corpus desprovido. (RHC 106814 / MS Relator:  Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgado em 08 de fevereiro de 2011, pela primeira turma. Publicado em 24 de fevereiro de 2011).

Assim, tanto as condenações definitivas que não concretizem situação de reincidência, por não serem antecedidas por outra condenação irrecorrível ou que já tenham sofrido a caducidade de cinco anos, são eficientes para conformar a definição de antecedentes. Ao menos parece ser esta a opinião pacificada pelos Tribunais Superiores.

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Sobre o autor
André de Abreu Costa

Graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto/MG. Mestre em Teoria do Direito pela PUC-Minas.Professor de Direito no Instituto Metodista Izabela Hendrix. Professor de Direito da Faculdade de Pedro Leopoldo. Professor da pós graduação em Direito Público da UNIFEMM. Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, André Abreu. Comentários à Súmula 444 do STJ.: O que conta e o que não conta na fixação da pena base, no tocante aos antecedentes e à conduta social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2844, 15 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18908. Acesso em: 22 dez. 2024.

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