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A ditadura civil

01/07/2000 às 00:00
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"Ninguém se iluda: o regime democrático está sendo trocado, a toque de caixa, ao contrário da redemocratização somente obtida de maneira lenta, gradual e segura, como planejado pelo General Geisel, por um indisfarçável autoritarismo, imposto não pela força dos tanques ou das baionetas, mas a golpes de emendas constitucionais, leis complementares e ordinárias ou medidas provisórias."

Essas palavras, do Procurador do Ministério Público Estadual Ismaelino Valente, em trabalho publicado no "site" da AMPEP (http://www.amazon.com.br/~ampep), retratam com perfeição, infelizmente, a realidade de nosso País.

A Constituição de 1988 não é mais a mesma. Se compararmos o texto originário com o atual, veremos que estamos diante de duas ordens constitucionais completamente distintas.

O mecanismo de freios e contra pesos na divisão do poder, essencial para a sobrevivência do Estado de Direito, no Brasil, certamente não funciona. O Presidente da República, através da edição e da reedição abusivas de medidas provisórias, criou uma nova ordem constitucional. Evidentemente, ao longo desses anos, têm ocorrido reações, embora insuficientes, por parte do Ministério Público e do Poder Judiciário. Para evitar essas reações contra o abuso de poder, o Governo pretende agora calar o Ministério Público, conforme denuncia o Dr. Ismaelino, através da Lei da Mordaça, da Lei de Exclusão de Punibilidade e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Diz ele que o verdadeiro objetivo da Lei da Mordaça é o de impedir que a população saiba quem são os criminosos de colarinho branco, os traficantes e os políticos corruptos. Diz ainda que a Lei de Exclusão da Punibilidade dará aos agentes públicos inescrupulosos verdadeira carta de alforria, ao conferir-lhes, a qualquer tempo e em qualquer caso, o foro privilegiado junto aos Tribunais de Justiça dos Estados, notoriamente incapazes de responder com a rapidez necessária, até pelo número insuficiente de desembargadores, à pletora de denúncias sobre a malversação de recursos públicos, que cairão irremediavelmente na prescrição extintiva. Diz, ainda, que a Lei de Responsabilidade Fiscal, ou Lei da Tesoura, poderá devolver à estaca zero as ampliações ocorridas, após a vigência da Constituição de 1.988, no pertinente às atribuições institucionais do Ministério Público.

O Doutor Hugo Nigro Mazzili, em trabalho intitulado "O AI-5 e a Democracia", diz: "Hoje não temos mais um militar que rasga a Lei Maior, mas um civil que trata como privilégios o que uma Constituição democrática assegura como direitos, e edita medidas provisórias para revogar direitos adquiridos."

O Ministro Celso de Mello responsabiliza o Poder Judiciário, pela sua omissão. Diz ele que a omissão da magistratura na repressão à formação de "sistemas marginais de poder", que desrespeitem a Constituição, significa "infidelidade à alta missão institucional que lhe foi atribuída". Diz Celso de Mello que "... Recusar a supremacia da Constituição, para sobre ela fazer prevalecer a vontade pessoal do governante, significa romper a normalidade jurídica do Estado democrático de Direito. Dentro desse específico contexto, cumpre registrar, com preocupação, que a experiência jurídica brasileira tem demonstrado a ocorrência de uma apropriação institucional, pela Presidência da República, do poder de legislar, que por imposição dos postulados que regem o Estado Democrático de Direito, pertence, exclusivamente, ao Congresso Nacional. Essa indevida ocupação, pelo Poder Executivo, do espaço constitucionalmente reservado à atuação da instituição parlamentar provoca graves distorções de caráter político-jurídico, pois as medidas provisórias - considerada a essência democrática do regime constitucional que prevalece no Estado brasileiro - não foram concebidas pela Assembléia Constituinte como instrumentos ordinários de substituição da atividade legislativa comum do Congresso Nacional. Na verdade, a indiscriminada utilização de medidas provisórias pelos diversos Presidentes da República tem representado, ao longo desses sucessivos mandatos presidenciais, comportamento institucional que não presta a necessária reverência ao texto da Constituição da República."

A conseqüência mais evidente desse desequilíbrio institucional, que rompe a normalidade jurídica do estado democrático de direito, é a insegurança do jurisdicionado, que hoje decorre do desrespeito aos seus direitos mais elementares, e da impossibilidade em que se encontra de obter do Estado uma garantia contra esse desrespeito.

Restringir a atuação do Ministério Público significará um retrocesso, porque sua atuação tem sido essencial na defesa da cidadania. Com o Ministério Público inerte e o Judiciário que não corresponde ao seu dever de tutelar os direitos, fazendo jus ao conceito de Ruy Barbosa, segundo o qual Justiça lenta não é Justiça, mas a suma injustiça, prevalecerão certamente a impunidade e o arbítrio.

Na realidade, o Estado Brasileiro, em seus três níveis, não tem demonstrado o menor respeito pelo cidadão e pelo contribuinte, porque não tem demonstrado, também, o mínimo respeito pela Lei Fundamental.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. A ditadura civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1893. Acesso em: 11 mai. 2024.

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Texto publicado no jornal A Província do Pará

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