A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) pode ser entendida como um instrumento de controle abstrato de constitucionalidade instituído pela Constituição Federal de 1988 que tem como objeto a defesa da própria Constituição e que permite a exclusão de lei ou ato normativo que contrarie suas regras e princípios. Sua pretensão fundamental é a declaração da inconstitucionalidade dos mesmos para que seja preservado o ordenamento constitucional.
A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) também faz parte do controle objetivo de constitucionalidade e serve à preservação das regras e princípios constitucionais. Sua função, entretanto, cinge-se à declaração da conformidade de uma determinada lei à Constituição, de maneira que não restaria qualquer possibilidade de decretação incidental de inconstitucionalidade da mesma.
A questão restringe-se em saber se as duas ações acima descritas são ações dúplices, ou seja, se existe ambivalência entre as mesmas, se o resultado produzido por uma é idêntico, ou melhor, diametralmente oposto ao da outra, fazendo com que a procedência de uma delas signifique a improcedência da outra.
Como se sabe, com a Emenda Constitucional nº 03 foi previsto a eficácia contra todos e o efeito vinculante apenas no que se refere à ADC. Eis a redação do § 2.º do art. 102. da Constituição Federal: "As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo."
Apesar disso, entendia-se que a ADI e a ADC era na verdade a mesma ação com o sinal trocado, e assim, a procedência da ADI equivaleria à improcedência da ADC e a improcedência da ADI seria a procedência da ADC.
Para o Ministro Gilmar Ferreira Mendes1, o caráter dúplice das ações envolvidas, decorria até mesmo da intelecção do art. 24. da Lei n. 9.868/99 que preceitua que "Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória."
André Ramos Tavares compartilha do mesmo entendimento, ao afirmar que a natureza dúplice das ações foi encampada pelo art. 24. da Lei n. 9.868/99. Entende que "qualquer dos resultados possíveis (constitucionalidade e inconstitucionalidade) pode ser obtido por meio de qualquer uma das ações diretas (ADC ou ADI). Uma vez fixada a conclusão sobre a constitucionalidade ou não do ato impugnado, os efeitos das decisões proferidas em cada uma dessas ações serão absolutamente idênticos."2
Com a promulgação da EC 45, não restaram dúvidas que as ações são dúplices e seus efeitos são equivalentes já que a previsão da eficácia geral e o efeito vinculante decorria da própria literalidade do art. 102, § 2º: "As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal."
O último doutrinador citado ainda vai além discorrendo sobre a natureza das ações em questão, afirmando que o ideal não seria apenas a padronização, mas a unificação das mesmas existindo apenas uma única ação direta: "referida ‘padronização’, de há muito solicitada para o processo objetivo no Brasil pela doutrina, não foi realizada de maneira adequada pela Reforma. Isso porque se as referidas ações têm, efetivamente, ‘natureza dúplice’, como se costuma denominar, teria sido mais oportuna sua reunião em uma única ação direta." 3
Destaque-se, ainda, manifestação de Nilson Dias de Assis Neto confirmando os posicionamentos até aqui destacados, consignando que "quando da análise do controle de constitucionalidade do Brasil, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), corroborando o eminente jurista e ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes, são, em real verdade, a mesma ação com sinal trocado. Ambas as ações seriam fruto da mutação acontecida quando da passagem de um modelo tão somente concreto e difuso de influência dos Estados Unidos para um modelo misto no qual, outrossim, também há influência euro-continental. ADI e a ADC estão cada vez mais próximas, haja vista a diminuição paulatina das diferenças entre os dois instrumentos de controle abstratos e concentrados, o que tem levado a configuração daquela natureza dúplice ou ambivalente das ações: a procedência de uma ADC equivale à improcedência de uma ADI e, por sua vez, a improcedência de uma ADC equivale à procedência de uma ADI – vice-versa e respectivamente, tendo em vista que as ações têm o sinal trocado." 4
Para o Supremo Tribunal Federal tratam-se realmente de ações de natureza dúplice. Apenas para ilustrar, registre-se o seguinte julgado que aborda a natureza da decisão de ambas as ações: "as decisões de mérito da ADI ou da ADC – ações dúplices -, por sua própria natureza, repelem a desconstituição por ação rescisória, delas podendo resultar tanto a declaração de inconstitucionalidade quanto de constitucionalidade. Esclareceu-se que, no caso de se declarar a inconstitucionalidade, a desconstituição dessa decisão restabeleceria a força da lei antes eliminada, o que geraria insegurança jurídica. Por sua vez, na hipótese de declaração de constitucionalidade, a segurança jurídica também estaria comprometida se essa decisão, vinculante de todos os demais órgãos da jurisdição e da administração pública, pudesse ser desconstituída por força de simples variações na composição do STF, sem mudança relevante do contexto histórico e das concepções jurídicas subjacentes ao julgado rescindido." 5
Enfim, as ações chegam a uma mesma determinação, diferenciando-se apenas quanto ao ângulo inicial de visão da norma jurídica frente à Constituição Federal.
É certo que existem peculiaridades próprias de cada uma das ações. Entretanto, não são suficientes para descaracterizar a ambivalência existente entre as mesmas.
Por tudo isto, não resta qualquer dúvida, que a ADI e a ADC são ações dúplices que geram essencialmente a mesma solução jurídica, qual seja, a declaração da inconstitucionalidade ou da constitucionalidade das leis E ATOS NORMATIVOS.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS NETO, Nilson Dias de. Controle de Constitucionalidade: A Dialética Relação entre a ADC e a ADI pelo Caráter da Ambivalência. Disponível em https://www.df.trf1.gov.br/revista_eletronica_justica/dezembro/artigo_Nilson5.html
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2154/DF e ADI 2258/DF. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 14/02/2007.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC nº 01. Relator: Min. Moreira Alves. Brasília, DF, 27/10/1993.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4. Ed. São Paulo: Método, 2010.
TAVARES, André Ramos. ADI versus ADC. Disponível em: https://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=132.
Notas
1 MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009 (p. 1178).
2 TAVARES, André Ramos. ADI versus ADC. Disponível em: https://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=132
3 TAVARES, André Ramos. ADI versus ADC. Disponível em: https://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=132
4 Nilson Dias de Assis Neto. Controle de Constitucionalidade: A Dialética Relação entre a ADC e a ADI pelo Caráter da Ambivalência. Disponível em https://www.df.trf1.gov.br/revista_eletronica_justica/dezembro/artigo_Nilson5.html.
5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2154/DF e ADI 2258/DF. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 14/02/2007.