2 PARA UMA RECONSTRUÇÃO
Trata-se de modificar, a partir de agora, o ponto de vista do meio ambiente laboral, no caso, sob a perspectiva de um novo direito, «pensar o direito como encontrado no piso das fábricas, e, sobretudo, além dos portões fabris», poder-se-ia assim dizer.
Importante, nesse ponto, colacionar o tema desenvolvido por Warat (1983, p. 13-14):
Nas atividades cotidianas – teóricas, práticas e acadêmicas – os juristas encontram-se fortemente influenciados por uma constelação de representações, imagens, pré-conceitos, crenças, ficções, hábitos de censura enunciativa, metáforas, estereótipos e normas éticas que governam e disciplinam anonimamente seus atos de decisão e enunciação sem interstícios. Um máximo de convenções lingüísticas que encontramos já prontas em nós quando precisamos falar espontaneamente para verificar o mundo compensar a ciência jurídica de sua essência. Visões, fetiches, lembranças, idéias dispersas, neutralizações que beiram as fronteiras das palavras antes que elas se tornem audíveis e visíveis, mas que regulam o discurso, mostram alguns dos componentes chaves para aproximar-nos da idéia do ‘senso comum teórico das juristas’.
É fato, conforme escreveu Bobbio (2008, p 23), que o principal problema em relação aos direitos do homem (direitos fundamentais), nos dias atuais, "não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los", pois se trata de um problema meramente político. Mas, como disse o citado jusfilósofo (2008, p. 128), "Que não triunfem os inertes!".
Oportunas e adequadas as palavras de Clifford (1997, p. 300-312):
[...] O Direito encontra-se simplesmente no mundo, como o sol ou o gado, tanto na forma infinita e grandiosa de tudo "que é sólido e durável, que sustenta e mantém, que impede a fraqueza e o fracasso", e na forma limitada e local de deveres específicos incorporados em regulamentos específicos, atribuídos a indivíduos específicos em situações também especificas. A obrigação de seus guardiães é protegê-lo, para que ele também os proteja. [...] O direito pode ter-se tornado secular, ou algo semelhante, e até mesmo causídico. Porém, não perdeu seu relacionamento com a vida social.
Grau (2008, p. 44), após observar que o direito é produzido a partir de múltiplas interrelações, compreendeu "a necessidade de o pensarmos dialeticamente, estudando-o em movimento, em constante modificação, formação e destruição – isto é, como de fato ocorre na realidade concreta."
Conforme o citado autor (2008, p. 113), uma nova realidade reclama um novo direito, na medida em que "o direito de nosso tempo já é outro, apesar da doutrina jurídica, apesar dos juristas, apesar do ensino ministrado nas faculdades de direito. Recorrendo aos versos da canção, o futuro já começou."
Dir-se-ia, como concebe Grau (2008, p. 116), que conduzimo-nos à pós-modernidade, diante do direito alternativo, do pluralismo jurídico, da nova hermenêutica, dos códigos de valores dominantes.
Falar-se-ia, então, como ressaltaram Acselrad, Herculano e Pádua (2004, p. 15), das práticas de apropriação do social do mundo material, consistentes nos "processos de diferenciação social dos indivíduos, a partir das estruturas desiguais de distribuição, acesso, posse e controle de territórios ou de fontes, fluxos e estoques de recursos materiais", ou como diria Joaquim Shiraishi Neto, um olhar desconfiado sobre o direito.
Ou, ainda, conforme Mialle (1994, p. 23):
[...] O mundo jurídico não pode, então, ser verdadeiramente conhecido, isto é, compreendido, senão em relação a tudo o que permitiu a sua existência e no seu futuro possível. Este tipo de análise desbloqueia o estudo do direito do seu isolamento, projecta-o no mundo real onde ele encontra o seu lugar e a sua razão de ser, e, ligando-o a todos os outros fenómenos da sociedade, torna-o solidário da mesma história social.
É que não se propõe uma revisitação à temática dos direitos da natureza, mas àquela inerente aos "direitos e interesses de cada membro da sociedade em assegurar a qualidade de vida, desde as condições necessárias à sobrevivência ao padrão de vida decente" (FUCKS, 2001, p. 74), acrescentar-se-ia, ao emprego decente.
Novamente com as palavras de Grau (2008, p. 269), "não merece o privilégio de viver o seu tempo quem não é capaz de ousar ... Ousar pelo social, jamais pelo individual de e em si mesmo." Citando von Ihering, ressaltou o autor (2008, p. 33):
Não é pois, o conteúdo abstrato das leis, nem a justiça escrita no papel, nem a moralidade das palavras, que decidem o valor dum direito; a sua realização objetiva na vida, a energia, por meio da qual o que é conhecido e proclamado, como necessário, se atinge e executa – eis o que consagra ao direito o seu verdadeiro valor.
CONCLUSÃO
A modificação da configuração da força do movimento ambientalista laboral, seja na metrópole manauara, seja nos rincões nacionais, pressupõe a implementação de novos instrumentos políticos, com foco na justiça ambiental laboral além dos muros das fábricas, com influencia na legislação, mas não somente.
Os movimentos sindicais, como nunca, podem – e devem – reconstruir a abrangência das lutas cotidianas – bom combate –, sempre na perspectiva da justiça ambiental laboral. A Constituição Federal de 1988 lhes assegura.
A saúde ocupacional deve encerrar um pleito de destaque nas pautas reinvidicatórias, o que na prática, lamentavelmente, não ocorre, na medida em que a questão econômica se sobrepõe à luta por melhores condições de trabalho.
O enfretamento da injustiça ambiental laboral demanda ainda organização das associações comunitárias, no sentido de exigirem-se políticas públicas aptas a evitar que no meio ambiente laboral também prevaleçam os causadores das desigualdades sociais.
O dever do poder público não se exaure na produção de instrumentos objetos de decisão de um órgão legislativo, uma vez que incapazes de por si sós garantir o direito que deve ser.
Ao poder público incumbe, além da produção legislativa, medidas efetivas e concretas, norteadas pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, com destaque em um sistema fiscal reparador, e, sobretudo, numa alentada e persistente política de educação ambiental, para só então crer-se em uma redução dos atuais níveis de degradação ambiental laboral.
REFERÊNCIAS
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ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José August. (org.). Justiça ambiental e cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2004.
BOBBIO, Norberto; AGOSTINETTI, Denise (trad.); LEITE, Silvana Cobucci (rev.). A era dos direitos. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
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BULLARD, Robert. Enfrentando o racismo ambiental no século XXI. . In: Justiça ambiental e cidadania. ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José August. (org.). Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2004.
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MELO, Raimundo Simão de. Meio ambiente do trabalho: prevenção e reparação – Juízo Competente. Repertório IOB de Jurisprudência n. 13/97, caderno 2.
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WARAT, Luiz Alberto. Senso comum teórico: as vozes incónitas das verdades jurídicas. Porto Alegre : SAFE, 1994.
Notas
- Disponível em: <http://www.suframa.gov.br/suf_pub_noticias.cfm?id=9452>. Acesso em: 28 jul. 2010.
- O Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho 2008 – publicação conjunta dos ministérios da Previdência Social (MPS) e do Trabalho e Emprego - já está disponível no portal do MPS. De acordo com o anuário, lançado nesta terça-feira (15), na reunião do Conselho Nacional Previdência Social (CNPS), o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) registrou 747.663 acidentes de trabalho em 2008, aumento de 13,4% em relação ao número de notificações de 2007, que foi de 659.523. Esse resultado reflete a adoção do Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP) em abril de 2007, que ajudou a combater a subnotificação do acidente de trabalho no restante daquele ano e em 2008. Desde a adoção do NTEP e demais nexos de doenças profissionais e do trabalho, benefícios que antes eram registrados como não-acidentários passaram a ser identificados como acidentários, a partir da correlação entre as causas do afastamento e o setor de atividade do trabalhador segurado, independentemente da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) pelo empregador. A adoção dessa nova metodologia vem contribuindo para melhorar a compreensão da realidade dos acidentes de trabalho, pois é uma nova fonte de informação sobre a quantidade de acidentes de trabalho ocorridos no país. Para o secretário de Políticas de Previdência Social, Helmut Schwarzer, apesar dos avanços, muito ainda precisa ser feito pelas empresas, pelos trabalhadores e pelo governo para reduzir ainda mais os índices de acidentalidade no país. "É necessário que todos repensem os processos de produção e invistam mais em capacitação e dispositivos de segurança modernos", enfatizou o secretário. "Somente com a adoção de políticas efetivas de combate aos acidentes criaremos ambientes laborais mais seguros, protegendo os trabalhadores e reduzindo o custo Brasil", concluiu. [...] Disponível em: <http://www.mpas.gov.br/vejaNoticia.php?id=36631>. Acesso em: 28 julho 2010.
- Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_091125-174333-023.xls>. Acesso em: 28 jul. 2010.