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Injustiça ambiental laboral manauara

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RESUMO: Este artigo cuida da injustiça ambiental laboral manauara, mas não exclusivamente. Procura-se denunciar que o modelo de desenvolvimento econômico orquestrado resultou na incerteza do desemprego, na precarização do trabalho, na terceirização e quarteirização ilícitas, nos gritantes riscos ambientais laborais, na fragilização do movimento sindical, nos baixos salários, etc. Formula-se o entendimento de que a injustiça ambiental laboral deu-se em razão da menor resistência social que orientava os amazônicos, na medida em que o capital tende a convergir para áreas com menor nível de organização e capacidade de resistência, comunidades carentes de conhecimento, sem preocupações ambientais ou, ainda, fáceis de manejar, abandonando aqueles locais de maior organização político-cultural.

Palavras-chave: Meio Ambiente Laboral. Desenvolvimento Econômico. Sustentabilidade. Injustiça.


INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta uma reflexão sobre a importância da temática da injustiça ambiental laboral na metrópole manauara, em razão do modelo de desenvolvimento econômico empregado pelo poder público na implantação da Zona Franca de Manaus (ZFM).

A fim de contextualizar o tema, analisar-se-á inicialmente o movimento criado nos Estados Unidos da América nos anos 80, intitulado justiça ambiental, para, em seguida, discorrer-se sobre o movimento no Brasil, ainda que de forma aligeirada.

Evidencia-se, empós, a importância dos movimentos sindicais e das associações comunitárias, sob a perspectiva de um novo direito, na reconstrução do meio ambiente laboral para além dos portões das fábricas.


1 INJUSTIÇA AMBIENTAL

Como é cediço, no cabo da década de 80 restou constituído nos Estados Unidos da América um movimento fecundo, modificando substancialmente a abordagem até então levada a efeito pelas organizações ambientais quanto à temática ambiental, a qual se restringia à salvaguarda ambiental, isto em razão da preocupação no tocante às mazelas da frenética exploração dos recursos naturais.

O pano de fundo do citado movimento americano constituiu-se na defesa do interesse das populações que viviam nos contornos das metrópoles, as quais padeciam das perversões por resíduos industriais.

A novidade apresentada consistiu na denúncia de que os grupos sociais de menor renda são, em geral, os que recebem as maiores cargas dos danos ambientais do desenvolvimento, nascendo, a partir de então, uma nova faceta das questões ambientais, que começaram a ser pensadas em termos de distribuição e de justiça.

No Brasil – considerando que as mazelas sociais têm origens similares –, em setembro de 2001, foram discutidas as sequelas ambientais do padrão de desenvolvimento aqui dominantes, que de igual forma reserva as maiores cargas dos danos ambientais às populações socialmente mais vulneráveis, refletindo a enorme concentração de poder na apropriação dos recursos ambientais que caracteriza a história de nosso país.

Acselrad, Herculano e Pádua, de forma ditosa, apresentaram a acepção de justiça ambiental cunhada pelo ativista norte-americano Robert Bullard (2004, p. 9), nos seguintes termos:

[...] é a condição de existência social configurada através da ‘busca do tratamento justo e do envolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor, origem ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e reforço de políticas, leis e regulações ambientais. Por tratamento justo entenda-se que nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, raciais ou de classe, deva suportar uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas resultantes de operações industriais, comerciais e municipais, da execução de políticas e programas federais, estaduais, locais ou tribais, bem como das consequências resultantes da ausência ou omissão dessas políticas’.

Passou-se a conceber como justiça ambiental, pois, conforme os citados autores, "o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional de degradação do espaço coletivo" (2004, p. 10-11).

De outra parte, nas palavras dos referidos autores (2004, p. 10), passou-se a considerar como injustiça ambiental

a condição de existência coletiva própria a sociedades desiguais onde operam mecanismos sociopolíticos que destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, segmentos raciais discriminados, parcelas marginalizadas e mais vulneráveis da cidadania.

A temática em foco, não há dúvidas, internacionalizou-se, notadamente em razão dos apelos dos nacionais de países onde preponderam extraordinárias desigualdades, como, v. g., o Brasil, sobre o qual declararam Acselrad, Herculano e Pádua (2004, p. 10-11):

No Brasil, país caracterizado pela existência de grandes injustiças, o tema da justiça ambiental vem sendo reinterpretado de modo a ampliar seu escopo, para além da temática específica da contaminação química e do aspecto especificamente racial da discriminação denunciada. As gigantescas injustiças sociais brasileiras encobrem e naturalizam um conjunto de situações caracterizadas pela desigual distribuição de poder sobre a base material da vida social e do desenvolvimento. A injustiça e a discriminação, portanto, aparecem na apropriação elitista do território e dos recursos naturais, na concentração dos benefícios usufruídos do meio ambiente e na exposição desigual da população à poluição e aos custos ambientais do desenvolvimento. [...] No caso do Brasil, portanto, o potencial político do movimento pela justiça ambiental é enorme. O país é extremamente injusto em termos de distribuição de renda e acesso aos recursos naturais. Sua elite governante tem sido especialmente egoísta e insensível, defendendo de todas as formas os seus interesses e lucros imediatos, inclusive lançando mão da ilegalidade e da violência. O sentido de cidadania e de direitos, por outro lado, ainda encontra um espaço relativamente pequeno na nossa sociedade, apesar da luta de tantos movimentos e pessoas em favor de um país mais justo e decente. Tudo isso se reflete no campo ambiental. O desprezo pelo espaço comum e pelo meio ambiente se confunde com o desprezo pelas pessoas e comunidades. Os vazamentos e acidentes na indústria petrolífera e química, a morte de rios, lagos e baías, as doenças e mortes causadas pelo uso de agrotóxicos e outros poluentes, a expulsão das comunidades tradicionais pela destruição dos seus locais de vida e trabalho, tudo isso, e muito mais, configura uma situação constante de injustiça socioambiental no Brasil. Uma situação que vai além da problemática de localização de depósitos de rejeitos químicos e de incineradores da experiência norte-americana.

Entende-se que o movimento em tela – no Brasil –, houve por tratar da temática alusiva à justiça ambiental laboral apenas lateralmente, ao referir-se às agruras da classe trabalhadora enquanto vivente do entorno da fábrica, conquanto mereça a temática maior realce, notadamente no que se refere à metrópole de Manaus, em razão de suas características singulares.

É que o desprezo pelo espaço comum, pelo meio ambiente, pelas pessoas e comunidades na metrópole manauara se confunde com o desprezo pelos trabalhadores, aquartelados nas fábricas, fixados nas periferias, marginalizados, esquecidos pelo poder público, distantes da cidadania.

Pois bem, a Zona Franca de Manaus (ZFM), enquanto programa de governo respaldado na Constituição Federal de 1967, constituiu-se em uma implantação de um centro financeiro no sentido de viabilizar uma base econômica na Amazônia Ocidental, promover a integração produtiva e social da região ao país, garantindo a soberania nacional no tocante às fronteiras, na medida em que contemplou a região com pólos industrial – Pólo Industrial de Manaus (PIM) –, comercial e agropecuário.

Nas palavras de Botelho (Projeto ZFM: vetor de interiorização ampliado. s/ed, 2001), "ao estabelecer mecanismos de atração de investimentos privados através de isenções fiscais, assegurada a infraestrutura básica promovida pelo Governo Federal, contou em promover a ocupação estratégica da Amazônia Ocidental a partir da geração de empregos e renda para fazer frente à decadente economia regional baseada nas atividades extrativistas".

A estratégia do desenvolvimento da região fulcrou-se nos pilares do desenvolvimento econômico aliado à proteção ambiental, com o escopo de proporcionar melhor qualidade de vida aos seus viventes, sendo certo que além da contribuição para o desenvolvimento do comércio, a isenção alfandegária patrocinou a formação daquele expressivo distrito industrial, contando com aproximadamente 450 indústrias geradoras de quinhentos mil empregos diretos e indiretos.

Ocorre que, colateralmente, a Zona Franca de Manaus (ZFM) ensejou a concentração populacional da metrópole manauara, sendo que, nada obstante o Pólo Industrial de Manaus (PIM) não ser poluente em termos macros, uma vez que não produz insumos – os componentes são apenas montados –, causou em termos micros degradação ambiental, no caso, na zona urbana da metrópole, como, v. g., poluição de igarapés em razão de resíduos sólidos inabsorvidos pelo sistema ambiental, em face da desproporcional quantidade de indústrias instaladas e a capacidade de absorção do ecossistema; agrupamento populacional periférico desenfreado (desproteção social); mão de obra inativa, excluída e desqualificada, ensejadora de uma constante miséria.

Não fosse bastante, restringiu-se o poder público a atrair investimentos privados por meio de isenções fiscais, constituindo-se a contrapartida do setor privado a simples geração de emprego, olvidando do conteúdo deste tipo de política social, que, como é sabido, possui uma dimensão maior, qual seja, a do pleno emprego, denunciativo de um trabalho digno.

Resultado de citada política: a incerteza do desemprego; precarização do trabalho; terceirização e quarteirização ilícitas; gritantes riscos ambientais laborais, ensejadores de doenças e acidentes laborais; fragilização do movimento sindical; baixos salários.

Bem se amoldam as palavras de Bullard (2004, p. 43), no sentido de que a globalização "tornou fácil para o capital e as corporações trasnacionais fugirem para áreas com o mínimo de regulamentação ambiental, melhores taxas de incentivos, mão-de-obra barata e altos lucros".

Nesse sentido, faz-se oportuno trazer à colação as palavras de Melo (1997, p. 250):

O meio ambiente do trabalho adequado e seguro é um dos mais importantes e fundamentais direitos do cidadão trabalhador, o qual, se desrespeitado provoca agressão a toda a sociedade, que, no final das contas é quem custeia a previdência social, que, por inúmeras razões, corre o risco de não poder mais oferecer proteção até mesmo aos seus segurados do próximo século. Como é do conhecimento dos que acompanham os meios de comunicação, as estatísticas oficiais, cujos dados, como também se sabe, não são reais, mostram que os números de acidentes de trabalho e de doenças profissionais e do trabalho são assustadores, destacando-se entre estás últimas, a surdez profissional, LER (lesões por esforços repetitivos), doenças de coluna, silicose e intoxicação por chumbo e manuseio com agrotóxico na lavoura. Em conseqüência disso, o Brasil continua a figurar nos anais mundiais como recordista em acidentes de trabalho, perdendo feio para países da América Latina, como, por exemplo, a vizinha Argentina.

A transferência desenfreada e, sobretudo, desorganizada, das atividades predatórias para a metrópole manauara e, via de conseqüência, da injustiça ambiental laboral, deu-se, certamente, em razão da menor resistência social que norteava os viventes amazônicos, pois, como se sabe, o capital tende a convergir para áreas com menor nível de organização e capacidade de resistência, comunidades carentes de conhecimento, sem preocupações ambientais ou, ainda, fáceis de manejar, abandonando aqueles locais de maior organização político-cultural.

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Destarte, merecem transcrição as afirmações de Acselrad (2004, p. 32):

[...] O capital, por seu lado, mostra-se cada vez mais móvel, acionando sua capacidade de escolher seus ambientes preferenciais e de forçar os sujeitos menos móveis e aceitar a degradação de seus ambientes ou submeterem-se a um deslocamento forçado para liberar ambientes favoráveis para os empreendimentos. Os atores com menos força par escolher seus ambientes, por sua vez, organizam-se para resistir à degradação forçada que é imposta a seus ambientes ou ao deslocamento forçado a que são submetidos quando seus ambientes interessam à valorização capitalista.

Segundo notícia publicada no sítio da Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), o "faturamento dos cinco primeiros meses do Pólo Industrial de Manaus (PIM) teve crescimento de quase 60% em relação ao igual período de 2009, comprovando o momento de recuperação das indústrias da Zona Franca"

Os dados dos Indicadores de Desempenho do PIM divulgados "apontam aumento de 59,60% do faturamento com US$ 13,231 bilhões em 2010, contra US$ 8,290 bilhões de janeiro a maio de 2009", sendo que "o resultado também supera o acumulado dos cinco meses de 2008, quando o faturamento somou US$ 12,272 bilhões". [01]

De outra parte, conforme notícia veiculada no sítio da Previdência Social, os acidentes de trabalho aumentaram 13,4% do ano de 2007 para o ano de 2008, na medida em que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) registrou 747.663 acidentes de trabalho no ano de 2008. [02]

Conforme as estatísticas municipais de acidentes do trabalho, por situação do registro e motivo – 2007/2008, somente na metrópole manauara foram registrados 8.437 acidentes de trabalho no ano de 2008, sendo que destes 1.355 à míngua de expedição de Comunicação de Acidente de Trabalho. [03]

Oportunos, nesse diapasão, os escritos de Hirigoven (2008, p. 95-96):

Certas empresas são ‘espremedoras de sucos’. Fazem vibrar a corda afetiva, utilizam seu pessoal pedindo sempre mais, prometendo mil coisas. Quando o empregado, usado, não é mais suficientemente rentável, a empresa livra-se dele sem o menor escrúpulo. O mundo do trabalho é extremamente manipulador: mesmo quando, em princípio, o afetivo nele não está diretamente em jogo, não é raro que, para motivar seu pessoal, uma empresa estabeleça com ele uma relação que ultrapassa em muito a relação contratual normal que se pode ter com um empregador. Exigi-se dos empregados que invistam corpo e alma em seu trabalho, em um sistema que os sociólogos Nicole Aubert e Vicent de Caujelac qualificam de ‘managinário’, transformando-os, assim, em ‘escravos dourados’. Por um lado, exigem-se demasiado deles, com todas as consequências de estresse daí decorrentes; por outro lado, não há o menor reconhecimento em relação a seus esforços e a sua pessoa. Eles se tornam peões intercambiáveis. Além disso, em certas empresas age-se de modo que os empregados não fiquem por muito tempo no mesmo cargo, no qual poderiam adquirir um maior número de aptidões. Preferem mantê-los em estado permanente de ignorância, de inferioridade. Toda originalidade ou iniciativa pessoal perturba. Cassam-se os élans e as motivações recusando-se toda responsabilidade e toda formação. Os empregados são tratados como colegiais indisciplinados. Não podem rir ou ter um ar descontraído sem serem chamados à atenção. Às vezes se lhes pede que façam uma autocrítica durante as reuniões semanais, transformando assim os grupos de trabalho em humilhação pública.

Cognominando tal fato de "coisificação", "robotizacão dos indivíduos", adverte o citado autor que a maior parte dos trabalhadores veem-se em uma situação "excessivamente frágil para fazer algo mais que protestar interiormente e baixar a cabeça, à espera de dias melhores" (2008, p. 96).

Nesse sentido acentuaram Acselrad, Herculano e Pádua (2004, p. 12):

Não há como chamar de progresso e desenvolvimento o processo de empobrecimento e envenenamento dos que já são pobres. Entendem os atores defensores de uma aproximação entre as lutas sociais e ambientais que não é justo que os altos lucros das grandes empresas se façam à custa da miséria e da degradação do espaço de vida da maioria. Mais do que isso, os propósitos da justiça ambiental não podem admitir que a prosperidade dos ricos se dê através da expropriação ambiental dos pobres. Este tem sido o mecanismo pelo qual o Brasil tem ganho os recordes em desigualdades social no mundo: concentra-se a renda e concentram-se também os espaços e recursos ambientais nas mãos dos poderosos.

Pessoas pobres geralmente trabalham em empregos mais perigosos, vivem nas comunidades mais poluídas, fruto de agrupamento populacional periférico desenfreado (desproteção social), de mão de obra excluída, desqualificada, miserável, sendo patente que o desprezo pelo espaço comum, pelo meio ambiente, pelas pessoas e comunidades se confunde com o desprezo pelos trabalhadores, aquartelados nas fábricas, fixados nas periferias, marginalizados, esquecidos pelo poder público, causando à classe trabalhadora a incerteza do desemprego, a precarização do trabalho, terceirização e quarteirização ilícitas, gritantes riscos ambientais laborais, ensejadores de doenças e acidentes laborais, fragilização do movimento sindical, além de baixos salários.

É fato que são os trabalhadores forçados a fazerem sacrifícios pessoais no tocante à segurança, saúde e higiene do trabalho, sendo o local de trabalho, nas palavras de Bullard (2004, p. 51), "uma arena onde inevitáveis barganhas entre emprego e locais de trabalho perigosos são realizadas, e os trabalhadores que procuram manter seus empregos devem trabalhar sob condições que podem ser perigosas para eles, suas famílias e suas comunidades".

Essa prática – cotidiana –, segundo o citado autor, equivale a uma "chantagem do emprego", correspondendo a uma escravidão econômica, sendo certo que parte considerável dos sindicatos silenciam, temendo demissões e fechamento de fábricas (BULLARD, 2004, p. 51).

Para Bullard (2004, p. 52), o conflito, o medo e a ansiedade são usualmente construídos sob a falsa suposição "de que as regulamentações ambientais estão diretamente relacionadas à perda de postos de trabalho", tornando a ameaça de fechamento da fábrica uma chantagem real.

Subsidiar poluidores, destarte, conforme Bullard (2004, p. 50), "não é somente um péssimo negócio, mas também não faz sentido ambiental.".

Na metrópole manauara, resultado do modelo de desenvolvimento aplicado pelo poder público, a classe trabalhadora resta subjugada, padecendo de péssimas condições de saúde, excluída pelos grandes empreendimentos mobiliários que a empurram para os bairros pobres, desprovidos de segurança pública, coleta de lixo e de sistema de água e esgoto, péssima qualidade do transporte coletivo e, portanto, de mobilidade, onde são alarmantes os índices de violência, inclusive doméstica, conseqüência flagrante da ausência de atividades de lazer.

A nossa época perdeu, mesmo que após a modernidade, como escreveu Ost (1995, p. 10), "o sentido do vínculo e do limite das suas relações com a natureza". São duas as representações observáveis desta representação, segundo o autor: "a que faz da natureza um objeto e a que, por uma simples alteração de signo, a transforma em sujeito". Então propõe: não teria o projeto moderno de domínio tecnológico triunfado bem de mais? Não terá a supranatureza transformado a sua congênere em "natureza morta"? (1995, p. 11)

E realça (1995, p. 14):

O homem deixa então de ser «medida de todas as coisas»: esta alarga-se, com efeito, ao universo inteiro (widening the circle, «alargar o círculo», é uma das palavras de ordem constantes do movimento). O homem é, assim, descentrado e recolocado na linha de uma evolução, no seio da qual não tem qualquer privilégio particular a fazer valer. Trata-se de adoptar, a partir de agora, o ponto de vista da natureza («pensar como uma montanha», poder-se-ia dizer), em que a organização é fonte de toda a racionalidade e de todos os valores (nature knows best, «a natureza é sábia», dir-se-ia também). As suas leis de cooperação, de diversificação e de evolução impõe-se como modelo a seguir. Enquanto elemento deste mundo vivo, cada espécie, cada lugar, cada processo, é revestido de um valor intrínseco. No plano jurídico, tratar-se-á de reconhecer-lhe a personalidade e conferir-lhe os direitos subjectivos que lhe são necessários, como o direito de pleitear.

Diante de tal quadro, poder-se-ia falar então em desenvolvimento sustentável na metrópole manauara? A resposta é desenganadamente negativa.

Ao discorrer sobre desenvolvimento econômico e meio ambiente, escreveu Silva (2010, p. 23):

O desenvolvimento econômico tem consistido, para a cultura ocidental, na aplicação direta de toda a tecnologia gerada pelo Homem no sentido de criar formas de substituir o que é oferecido pela Natureza, com vista, no mais das vezes, à obtenção de lucro em forma de dinheiro; e ter mais ou menos dinheiro é, muitas vezes, confundido com melhor ou pior qualidade de vida. Pois ‘numa sociedade que considera o dinheiro um de seus maiores valores, já que tem poder de troca maior que qualquer outra mercadoria, quem tem mais pode ter melhores condições de conforto’. Mas o conforto que o dinheiro compra não constitui todo o conteúdo de uma boa qualidade de vida. A experiência dos povos ricos o demonstra, tanto que também eles buscam uma melhor qualidade de vida. ‘Porém, essa cultura ocidental, que hoje busca uma melhor qualidade de vida, é a mesma que destruiu e ainda destrói o principal modo de obtê-la: a Natureza, patrimônio da Humanidade, e tudo o que pode ser obtido a partir dela, sem que esta seja degradada’.

Sobre a sustentabilidade, asseverou o citado constitucionalista (2010, p. 25-26):

[...] E podemos começar mostrando que esse é um conceito que tem fundamentos constitucionais, pois quando o art. 225 da CF impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ‘para as presentes e futuras gerações’ está precisamente dando o conteúdo essencial da sustentabilidade. E essa é uma cláusula que imana todos os parágrafos e incisos daquele artigo. Requer, como seu requisito indispensável, um crescimento econômico que envolva equitativa redistribuição dos resultados do processo produtivo e a erradicação da pobreza (CF, art. 3°), de forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor atendimento da maioria da população. Se o desenvolvimento não elimina a pobreza absoluta, não propicia um nível de vida que satisfaça as necessidades essenciais da população em geral, ele não pode ser qualificado de sustentável. [...] Vale dizer, enfim, que o desenvolvimento econômico não pode ser definido apenas em termos de PVB (Produto Nacional Bruto) real por habitante ou consumo real por habitante, porque deve ser alargado, a fim de incluir outras dimensões, tais como a educação, a saúde, a qualidade do meio ambiente e, conseqüentemente, a qualidade de vida.

Segundo Bobbio (2008, p. 5), os direitos do homem (fundamentais) são direitos históricos, vale dizer, surgidos em determinadas circunstâncias, "caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas", reconhecendo que ao lado dos direitos sociais – direitos de segunda geração –, "emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração". E arremata:"O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído".

Fiorillo, de outra parte, acerca do desenvolvimento sustentável, declarou (2010, p. 78-87):

Constata-se que os recursos ambientais não são inesgotáveis, tornando-se inadmissível que as atividades econômicas desenvolvam-se alheias a esse fato. Busca-se com isso a coexistência harmônica entre economia e mio ambiente. Permite-se o desenvolvimento, mas de forma sustentável, planejada, para que os recursos hoje existentes não se esgotem ou tornem-se inócuos. Dessa forma, o princípio do desenvolvimento sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição. [...] Por isso, delimita-se o princípio do desenvolvimento sustentável como o desenvolvimento que atenda às necessidades do presente, sem comprometer as futuras gerações.

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Sobre o autor
Raimundo Paulino Cavalcante Filho

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Especializado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. Juiz do Trabalho Titular da 3ª Vara do Trabalho de Boa Vista, aprovado em concurso público de provas e títulos no ano de 2006. Professor Assistente das Disciplinas Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho junto ao Instituto de Ciências Jurídicas (ICJ) da Universidade Federal de Roraima - UFRR, aprovado em concurso público de provas e títulos no ano de 2013. Sócio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Autor do livro "Greve ambiental individual", publicado no ano de 2013 pela RiMa Editora e coautor dos livros "Perspectivas de direito e processo do trabalho", publicado no ano de 2010 pela Editora Juruá, "Desenvolvimento e meio ambiente: o pensamento econômico de Amartya Sen", publicado no ano de 2011 pela Editora Fórum, e "Estudos avançados de direito e processo do trabalho: atualidades em debate", publicado no ano de 2014 pelo Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho - CONEMATRA. Detém experiência na área da Ciência do Direito, com realce em Direito Constitucional, Ambiental, do Trabalho e Processual do Trabalho. Palestrante e autor de diversos trabalhos científicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE FILHO, Raimundo Paulino. Injustiça ambiental laboral manauara. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2854, 25 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18970. Acesso em: 23 dez. 2024.

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