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Breves apontamentos ao instituto da personalidade jurídica

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Este ensaio almeja o exame, de forma sintetizada, dos principais tópicos do instituto da Personalidade Jurídica, tentando instigar e demonstrar a importância do estudo teórico sobre o tema.

A personalidade jurídica é a atribuição do ente para ser titular de direitos e obrigações nas relações sociais, denominando-lhe, quando a detém, de sujeito de direito. Com essa prerrogativa, este passa a ter qualidade de pessoa.

A palavra pessoa vem do latim persona, que significava, consoante Miguel Reale, "[...] a máscara usada pelos artistas no teatro romano – do qual, por sinal, não participavam as mulheres – a fim de configurar e caracterizar os tipos ou ‘personagens’ e, ao mesmo tempo, dar maior ressonância à voz" [01]. Posteriormente, segundo o Professor Alexandre Couto Silva [02], a expressão proclamou o próprio indivíduo que representa papéis. Contudo, hodiernamente, entende-se pessoa como ser humano, ao passo que, em seu aspecto jurídico, define-se como sujeito de direito, ou seja, como pessoa dotada de personalidade jurídica [03], isto é, o titular de direitos e obrigações.

Portanto, em síntese, a personalidade civil é o atributo da pessoa, que a individualiza, especifica e qualifica, em razão dos direitos e deveres aferidos ao seu ente.

Com efeito, extraem-se de tal premissa, conforme o magistério do Professor Nelson Nery Júnior, diversas propriedades da personalidade, como o nome, o estado, o domicílio, a capacidade e a fama. Vejamos o que o mestre expõe:

"[...] Por meio desses atributos pode-se identificar juridicamente a pessoa, como um determinado sujeito a quem a ciência do direito e a técnica jurídica garantem posições jurídicas, positivas e negativas, muito bem delineadas, de acordo com sua própria experiência humana, conferindo-lhe segurança jurídica para as múltiplas situações jurídicas que por ele podem ser vivenciadas [...]" (Código Civil Comentado, São Paulo, Ed.Revista dos Tribunais, 2009, p.206)

Para o usufruto de tais atributos, com a conseqüente individualização do sujeito de direito, o Código Civil exige como conditio sine qua non, respectivamente, para a pessoa natural e jurídica o nascimento com vida (art.2º, CC) [04] e o registro de seus atos constitutivos (art.45, CC) [05], tendo como dies a quo da personalidade jurídica das pessoas tais fatos jurídicos.

Por outro lado, a extinção da personalidade jurídica advém com a morte da pessoa natural (art. 6º, CC) [06] ou com a dissolução da pessoa jurídica (art. 51, CC) [07], ressalvando-se a proteção jurídica post mortem [08]. Por oportuno, convém transcrever, corroborando o resguardo da personalidade após a sua resolução, o enunciado nº 01 da Jornada I de Direito Civil do Superior Tribunal de Justiça:

"A proteção que o Código confere ao nascituro alcança o natimorto, no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura."

Interessante tópico acerca deste tema é o vínculo entre os institutos da personalidade jurídica e da capacidade jurídica. O doutor Roberto Lisboa julga que a "personalidade, na acepção clássica, é a capacidade de direito ou de gozo da pessoa ser titular de direitos e obrigações [...]" [09], igualando a personalidade jurídica com a capacidade jurídica [10] lato sensu [11].

O nexo entre ambos os institutos é tão vigoroso que podemos afirmar, categoricamente, que a capacidade é a medida da personalidade [12], porquanto aquela é o exercício deste predicado.

Abonando tal linha de raciocínio, o Professor Ézio Luiz Pereira [13], em artigo publicado, cita a civilista Maria Helena Diniz [14], para explicar que, respectivamente, a personalidade jurídica tem como referência qualidade (quid) e a capacidade a quantidade (quantum). Cita, ainda, um texto do douto Caio Mário, compartilhando tal entendimento:

"Personalidade e capacidade completam-se: de nada valeria a personalidade sem a capacidade jurídica que se ajusta assim ao conteúdo da personalidade, na mesma e certa medida em que a utilização do direito integra a idéia de ser alguém titular dele." (Instituições de Direito Civil, 18. ed., v.I, Rio de Janeiro, Forense, 1996, p.161-166).

Logo, a capacidade jurídica é a aptidão, decorrente da personalidade jurídica, de uma pessoa ser titular de direitos e obrigações. Ela é dividida em capacidade de direito (Rechtsfähigkeit) e capacidade de exercício (Handlungsfähigkeit).

A capacidade de direito é determinada pelo art.1º do Código Civil, o qual dispõe: "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil" [15]. Ou seja, toda pessoa tem "capacidade in abstracto de ser sujeitos de direitos ou obrigações" [16], isto é, tem a aptidão de exercer direitos e cumprir obrigações. A capacidade de direito, sentido amplo da capacidade jurídica, corresponde à personalidade jurídica, conforme já delineado em linhas anteriores.

Já a capacidade de exercício, sentido estrito do gênero capacidade jurídica, é o exercício efetivo do direito subjetivo (facultas agendi) consubstanciado no direito objetivo (norma agendi). Aqui a restrição é quanto ao exercício do direito, não abrangendo a capacidade de adquiri-lo (capacidade de direito), mas apenas limitando o seu exercício. Ela indica, per si, a "medida da personalidade em concreto" [17].

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Nesse sentido, assinala Sílvio de Salvo Venosa que:

"A capacidade jurídica, aquela delineada no art.2º, e no art.1º do novo diploma, todos possuem, é a chamada capacidade de direito. Nem todos os homens, porém, são detentores da capacidade de fato. Essa capacidade de fato ou de exercício é a aptidão para pessoalmente o indivíduo adquirir direitos e contrair obrigações." (VENOSA, 2003, P.148).

Por fim, adverte-se, porém, que há algumas "figuras" [18] que não são pessoas, ou melhor, não podem figurar como sujeitos de direitos. Todavia, o ordenamento jurídico pátrio, excepcionalmente, lhes atribui personalidade judiciária, em face da defesa de seus interesses institucionais, equiparando-as às "pessoas formais" e lhes permitindo a participação como parte em processos judiciais (capacidade de estar em juízo) ou em outras posições jurídicas que a lei lhes conferir.

Assim sendo, finalizamos este ensaio com o desígnio de ter proporcionado e atendido, sucintamente, a abordagem dos principais pontos do instituto da Personalidade Jurídica, sem adentrar em maiores aprofundamentos, bem como tentando ratificar a imperiosidade do estudo teórico sobre o tema.


Notas

  1. Reale, Miguel. Lições preliminares de direito, São Paulo, Saraiva, 2002, p.231.
  2. Silva, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, São Paulo, Lrt, 1999, p.11.
  3. Nery Júnior, Nelson. Código Civil Comentado, São Paulo, Ed.Revista dos Tribunais, 2009, p.205.
  4. Doutrina majoritária defende que o art. 2º do CC adota a corrente natalista. Eis o citado artigo: "a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".
  5. Art. 45: Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
  6. Art. 6º: A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.
  7. Art. 51: Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua.
  8. Nery Júnior, Nelson. Código Civil Comentado, São Paulo, Ed.Revista dos Tribunais, 2009, p.208-209.
  9. Lisboa, Roberto Senise. Manual de Direito Civil, v.I, São Paulo, Saraiva, 2003, p.143.
  10. Como bem expõe o mestre Miguel Reale: "No plano jurídico a personalidade é isto: a capacidade genérica de ser sujeito de direitos[...]".(Lições preliminares de direito, São Paulo, 2002, p.232)
  11. Eis a definição de Sílvio de Salvo Venosa: "A personalidade, no campo jurídico, é a própria capacidade jurídica, a possibilidade de figurar nos pólos da relação jurídica." (Direito Civil: Parte Geral, 3.ed., São Paulo, 2003, p.147)
  12. Machado, Antônio Cláudio da Costa. Código Civil Interpretado: artigo por artigo, 3. Ed. – Barueri, SP: Manole 2010, p.27.
  13. Comentários ao Código Civil Brasileiro de 2002 – Parte Geral (artigo 1º), Revista Prática Jurídica, Ano IV, nº41, 31 de agosto de 2005, p.28-30.
  14. "Como pudemos apontar alhures, a personalidade jurídica tem sua medida na capacidade[...]" (Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.1, São Paulo, Saraiva, 1993, p.87.)
  15. Interessante notar que o atual Código Civil empregou o termo "pessoa", em detrimento da expressão "homem" (utilizada pelo CC/1916), acompanhando a orientação da comunidade internacional, haja vista que este último vocábulo não alcançava as pessoas jurídicas.
  16. Reale, Miguel. Lições preliminares de direito, São Paulo, Saraiva, 2002, p.232.
  17. Reale, Miguel. Lições preliminares de direito, São Paulo, Saraiva, 2002, p.232.
  18. Exemplos: condomínio, massa falida, família, nascituro e etc.
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Sobre o autor
Jáder Aurélio Gouveia Lemos Neto

Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas • Presidente da Comissão de Direito Comercial do Instituto dos Advogados de Pernambuco • Vice Presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB/PE • Membro da Comissão de Recuperação Judicial e Falência da OAB/PE • Membro do Quadro de Árbitros e Mediadores do CEMAPE • Membro do Grupo Permanente de Aprimoramento da Insolvência (GPAI) • Colaborador do Grupo de Trabalho do Projeto de Reforma da Lei de Falência • Colaborador do Grupo de Trabalho da Confederação Nacional do Comércio sobre o Projeto de Reforma do Código Comercial • Associado do Turnaround Management Association do Brasil (TMA Brasil) • Foi Presidente do Conselho de Administração da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (ADDiper)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS NETO, Jáder Aurélio Gouveia. Breves apontamentos ao instituto da personalidade jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2857, 28 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18992. Acesso em: 20 abr. 2024.

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