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O ministério cristão do sacerdote católico no âmbito do trabalho religioso

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3 – O trabalho religioso e o Direito brasileiro

O tratamento dado ao trabalho religioso pelo Direito brasileiro é cercado de problemas e desafios. Não existe legislação trabalhista específica sobre a matéria, até porque inexiste o trabalhador religioso enquanto categoria profissional. Por outro lado, a produção acadêmica e a bibliografia a respeito do assunto ainda são incipientes. Desse modo, a questão é deixada principalmente aos cuidados dos Tribunais trabalhistas, que procuram posicionar-se sobre o assunto, nos casos que lhes compete apreciar. [10] Considerando essa realidade, é importante a discussão acerca do tratamento jurídico do trabalho religioso em nosso país, especialmente no âmbito da Jurisprudência e da doutrina trabalhistas.

3.1 – O trabalho religioso e a Jurisprudência trabalhista nacional

Em decisão considerada pioneira, proferida em 1981, [11] a 12ª Junta de Conciliação e Julgamento de Belo Horizonte, sob a Presidência da Juíza Alice Monteiro de Barros, apreciou uma ação trabalhista ajuizada por um padre católico em face de um hospital, no qual o sacerdote atuava como capelão. A sentença decidiu por julgar o autor carecedor do direito de ação, com base na tese de inexistência de contrato de trabalho.

Nos fundamentos da sentença, a configuração da relação de emprego é afastada levando-se em conta os propósitos ideais e o fim de ordem espiritual do trabalho religioso. O texto diz ainda que "celebrar missa não é relação de natureza contratual, mas dever de religião," e, com base no entendimento de Cabanellas, afirma que a retribuição recebida pelo padre em razão dos serviços por ele prestados não podem ter natureza salarial, mas são "pagamento de um serviço, comumente prestado por quem comparte iguais sentimentos religiosos que o sacerdote." Por fim, faz a ressalva de que aquele posicionamento não significa que os religiosos, de maneira geral, não possam ser empregados. Eles podem figurar numa relação de emprego desde que, afora as atividades sacerdotais, exerçam outras funções, como o magistério, por exemplo, e ainda assim se o beneficiário do seu trabalho não for o ente eclesiástico a que os religiosos pertençam.

Os argumentos utilizados na fundamentação da referida sentença contribuíram, de maneira precursora, para o delineamento da evolução jurisprudencial brasileira a respeito do trabalho religioso. A partir de então, muitos julgadores passaram a negar o vínculo empregatício nos casos de trabalho desenvolvido no âmbito religioso, católico ou não, com base na tese de que se trata de trabalho confessional, e não, profissional. Esse entendimento continua tendo muita aceitação na Jurisprudência trabalhista atual.

Existem, porém, particularidades que merecem análise mais cuidadosa por parte da Jurisprudência, no que se refere à descaracterização de vínculo empregatício, no caso do trabalho religioso. Algumas delas são tratadas em outra decisão considerada também paradigmática. Trata-se de um Acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, do ano de 2003, que teve como relator o Ministro Ives Gandra Martins Filho [12], e que versa sobre o caso de um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, que havia pleiteado a condição de empregado daquela Igreja.

Em seu voto, o Ministro Relator, tomando como ponto de partida conceitos teóricos explicitados em obra por ele coordenada, [13] faz a distinção entre seis modalidades de básicas de trabalho: assalariado, eventual, autônomo, temporário, avulso e voluntário. Em seguida, lembra que a controvérsia medieval a respeito do trabalho religioso foi resolvida com a distinção entre profissão e estado. A primeira, caracterizada pelo trabalho "no meio do mundo", a ser retribuído por salário ou honorário. O segundo, como prestação de serviço religioso a Deus e à comunidade, como resposta à vocação divina, com retribuição de natureza "extra-terrena." Esta não poderia ser considerada salário, sob pena do trabalhador vocacionado incorrer no pecado de simonia. [14] Com base nessas premissas, o texto do Acórdão deduz que:

Todas as atividades de natureza espiritual desenvolvidas pelos religiosos, tais como administração dos sacramentos (batismo, crisma, celebração da Missa, atendimento de confissão, extrema unção [15], ordenação sacerdotal ou celebração do matrimônio) ou pregação da Palavra Divina e divulgação da fé (sermões, retiros, palestras, visitas pastorais, etc), não podem ser consideradas serviços a serem retribuídos mediante uma contraprestação econômica, pois não há relação entre bens espirituais e materiais, e os que se dedicam às atividades de natureza espiritual o fazem com sentido de missão, atendendo a um chamado divino e nunca por uma remuneração terrena. Admitir o contrário seria negar a própria natureza da atividade realizada.

Advirta-se, porém, que segundo o entendimento do Ministro Ives Gandra, a natureza não profissional dessas atividades poderia ser descaracterizada em casos de desvirtuamento do trabalho. Isto pode ocorrer tanto com relação à pessoa que desenvolve o trabalho ? quando esta perde o sentido da sua vocação ?, quanto em relação à instituição a que a pessoa se vincula ? quando a instituição transforma-se em "mercadora de Deus". Na primeira hipótese, o desvirtuamento não permitiria o reconhecimento da relação empregatícia, pois os integrantes da hierarquia ou as autoridades das Igrejas se confundiriam com a própria instituição. No entanto, no caso de desvirtuamento da instituição, poderia haver o reconhecimento do vínculo, haja vista que algumas Igrejas equivaleriam, de fato, a empresas comerciais.

3.2 – O trabalho religioso e a doutrina jurídica brasileira

O livro Apontamentos sobre o trabalho realizado no meio religioso (NUNES: 2007), aborda sintética e sistematicamente alguns aspectos do trabalho religioso, que são relevantes para a doutrina jurídica. Após discorrer sobre questões mais amplas e propedêuticas, como o sentido e o alcance do termo religião, a relação desta com o humanismo, a dimensão social do fenômeno religioso e a relação entre Religião e Direito, a obra passa a analisar o tratamento jurídico-dogmático do trabalho religioso no Brasil. Em seguida, dedica um capítulo ao estudo do trabalho religioso e o voluntariado, no qual o autor conclui que o trabalho religioso em nosso país, notadamente o desenvolvido no seio da Igreja Católica, deve ser enquadrado juridicamente como trabalho voluntário, nos termos da Lei 9.608/98.

No decorrer da abordagem feita no referido livro, contata-se que não existe no Direito brasileiro uma categoria jurídica formal de trabalhadores religiosos, diferente do que ocorre com outras categorias profissionais. Por sua vez, a ausência de organização desses trabalhadores numa categoria profissional gera problemas para a doutrina jurídica. Um deles ? talvez o principal ? consiste na delimitação precisa entre as atividades de índole essencialmente confessional e os serviços que, mesmo desenvolvidos no âmbito religioso, caracterizam-se pelo "ânimo de emprego e/ou intento de retribuição pelo trabalho" (NUNES: 2007, p. 34). Mas a despeito de todas as dificuldades enfrentadas pelos doutrinadores brasileiros, alguns deles têm dado importante contribuição para elucidar o tema.

Alice Monteiro de Barros propõe uma distinção baseada na natureza das atividades ? religiosas ou não ? prestadas ao ente a que pertencem os religiosos. Para tanto, faz-se necessário delimitar o que se deve entender por religiosos ? poderíamos também denominar trabalhadores religiosos ? e por atividades religiosas. A formulação clara desses conceitos pode contribuir para um tratamento científico mais adequado da matéria, pois, como se sabe, a linguagem científica se nutre da precisão terminológica.

Para Alice Monteiro, o termo religioso deve ser utilizado em sentido amplo, designando tanto os clérigos, quanto os religiosos em sentido estrito, a exemplo de monges e freiras. Uns e outros, de acordo com o direito canônico, integram a grande família dos fiéis, incorporados a Cristo pelo batismo. Entretanto, entre esses fiéis, existem os ministros sagrados ou clérigos, que receberam o sacramento da ordem, e os fiéis cristãos leigos. Estes podem até exercer funções ministeriais e se consagrarem a determinadas ordens, mas, se não receberem o sacramento da ordem, não fazem parte da estrutura hierárquica da Igreja. [16] Quanto às atividades religiosas, estas podem ser de natureza "espiritual, carismática ou secular", desenvolvidas tanto no âmbito interno do ente eclesiástico, como em benefício de terceiros, sejam entes públicos ou privados. As atividades essencialmente espirituais, por sua vez, seriam aquelas ligadas à administração dos sacramentos e ao ministério da Palavra, considerados "deveres da religião," e que pertencem, segundo a terminologia católica, ao múnus de santificar da Igreja.

Com base nesses argumentos, a doutrinadora chega à conclusão de que o trabalho tipicamente religioso não se reveste de natureza empregatícia. Primeiro porque, sendo voltado para a assistência espiritual e a propagação da fé, não é economicamente avaliável. Além disso, o trabalho religioso prestado ao ente eclesiástico não pode ser considerado contrato, em razão da inexistência de interesses distintos, já que aqueles que o desenvolvem, o fazem na condição de integrantes da mesma comunidade a que o trabalho se destina, movidos por sentimentos de fé e caridade. Por essas razões, o trabalho religioso estaria excluído do ordenamento jurídico-trabalhista, situando-se na esfera do direito canônico.

É possível, porém, a ocorrência de trabalho não religioso, prestado por religiosos, a entes eclesiásticos a que estes pertencem. É o caso, por exemplo, do trabalho desenvolvido por clérigos ou religiosos em sentido estrito, no âmbito do magistério ou da assistência hospitalar. Nesse caso, existem controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais tanto no direito comparado quanto no direito brasileiro, embora, em nosso país, seja possível perceber certa convergência entre muitos doutrinadores e a Jurisprudência trabalhista, no sentido de não caracterização de contrato de trabalho em tais hipóteses.

Situação diferente é de atividades desenvolvidas por não religiosos ? ou fiéis leigos ? em benefício dos entes eclesiásticos. Nesses casos, o disciplinamento do trabalho desenvolvido por eles não se situa exclusivamente na órbita do direito canônico, e podem compreender atividades inerentes à secularidade laical específica da identidade dos fiéis cristãos leigos, como também ofícios relacionados ao secularismo em geral. [17] Dependendo do caso, podemos ter relações de trabalho de vários tipos, entre os quais a relação de emprego e o voluntariado.

Os sacristães, por exemplo, exercem funções destinadas a guardar e zelar o templo e os objetos sagrados, podendo desenvolver suas atividades até mesmo no momento do culto religioso. Em geral são escolhidos entre os membros da comunidade eclesial. No entanto, não são clérigos ? portanto, não integram a hierarquia da Igreja ?, tampouco religiosos em sentido estrito, já que não se vinculam a institutos de vida consagrada. Desse modo, se a sua atividade é realizada nos moldes do art. 3º da CLT, ou seja, trabalho não eventual, subordinado e remunerado, não há qualquer razão para que não sejam considerados empregados, mesmo que compartilhem a mesma fé da Igreja para a qual prestam seus serviços.

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O mesmo raciocínio pode ser aplicado àquelas pessoas que tocam instrumentos ou cantam nas missas ou casamentos, e ainda os que tocam o sino das igrejas. Ocorre que, no caso dos primeiros, quase sempre eles integram as chamadas equipes de liturgia, exercendo seu trabalho de modo voluntário, sem receber qualquer remuneração por isso. E quando recebem algum pagamento dos noivos, no caso dos casamentos, a quantia pode ser vista como gratificação (ou cachê), sem que isso implique vínculo empregatício com o ente eclesiástico. Quanto aos que se dedicam ao trabalho nos campanários, geralmente se trata de trabalho eventual e não remunerado. E se um fiel fizer alguma doação pecuniária por esse serviço ? em algumas comunidades ainda sobrevive o costume de se tocar o sino por ocasião de cortejos fúnebres, com o pagamento de gorjeta ao sineiro ?, a situação será análoga a dos noivos que gratificam os músicos, sem que disso resulte contrato de trabalho do sineiro com a Igreja.

Outra atividade religiosa digna de nota é a colportagem. A palavra colportor é derivada do termo francês colporteur, empregada para designar o vendedor ambulante, que oferecia seus produtos de porta em porta, acondicionando as mercadorias em tabuleiros ou canastras atadas por uma correia em forma de alça, que lhe passava pelo pescoço (porteur à col). Atualmente é um termo utilizado por várias Igrejas evangélicas para designar a pessoa que oferece literatura religiosa, geralmente de porta em porta, ao mesmo tempo em que realiza o trabalho de propagação da fé. Sendo assim, o colportor é considerado muito mais que um vendedor de livros, haja vista que, pelo seu trabalho, ele contribui para o crescimento espiritual do povo de Deus. Isso não impede, porém, que por meio da colportagem, muitas pessoas ganhem dinheiro e dela tirem seu sustento.

Para algumas Igrejas evangélicas, os colportores são tidos como vendedores autônomos. Credenciados para fazer a comercialização do material produzido por entidades ligadas às Igrejas ? que hoje não se resume a livros, mas incluem revistas, jornais, CDs e DVDs, entre outros ?, a eles são dados descontos e prazos especiais de pagamento para revenda desse material. Outras igrejas, porém, consideram-nos trabalhadores voluntários, fazendo-os assinar um termo em que declaram o propósito de se dedicarem ao trabalho de disseminação da literatura impressa pela Igreja, sem fins lucrativos, movidos tão-somente por motivação de natureza espiritual. Em ambos os casos, a tendência da doutrina e da Jurisprudência tem sido negar o vínculo empregatício entre os colportores e as Igrejas.


4 - Peculiaridades do trabalho do sacerdote católico no âmbito do trabalho religioso

Os sacerdotes católicos, como integrantes da Igreja, vista como Povo de Deus, fazem parte da grande comunidade dos fiéis cristãos. Estes, gozando da mesma dignidade e liberdade de filhos de Deus, participam do sacerdócio comum de Cristo. [18] Nessa perspectiva, não lhes cabe qualquer distinção hierárquica. Entre os fiéis cristãos, que devem viver de forma justa e fraterna, deve imperar o direito à igualdade, haja vista que somente entre iguais é possível o estabelecimento de relações justas e fraternas. Por conseguinte, os sacerdotes também têm os mesmos deveres comuns a todos os fiéis cristãos, entre os quais estão os deveres de comunhão eclesial e santificação da Igreja, além do dever/direito de anunciar o Evangelho.

Ao mesmo tempo, aos padres é transmitida uma participação singular no sacerdócio de Cristo ? um sacerdócio ministerial ?, o que é feito pelo sacramento da Ordem. Por meio deste, a missão confiada por Cristo a seus Apóstolos continua a ser exercida na Igreja. Desse modo, os sacerdotes passam ao estado clerical, na condição de presbíteros, integrando a hierarquia da Igreja. Esta, porém, não deve representar motivo de engrandecimento pessoal do presbítero, mas exercício de serviços específicos no seio da comunidade dos fiéis cristãos, já que o Verdadeiro Sacerdote é Cristo, e os presbíteros são apenas seus ministros.

Os ministros ordenados, também denominados ministros sagrados ou clérigos, além do sacerdócio comum de todos os fiéis, exercem um sacerdócio distinto dos demais, por receberem um poder sagrado para o serviço dos irmãos. Tais serviços decorrem do múnus de ensinar e de santificar, próprios da Igreja, e se concretizam em atividades como a pregação da Palavra e administração dos sacramentos, de modo especial a celebração da Missa. Todas essas atividades dizem respeito à missão do sacerdote, que é eminentemente espiritual, por ser voltada para conduzir os seres humanos a Deus, educando-os na fé e comunicando-lhes eficazmente a graça de Cristo por meio dos sacramentos.

Devido a seu estado diferenciado, os clérigos têm obrigações e restrições específicas. Destacam-se entre elas, conforme previsão do Código de Direito Canônico: o dever de obediência ao Romano Pontífice e ao respectivo Ordinário, ou seja, ao bispo da Igreja particular a que o clérigo seja incardinado (cân. 273); [19] a obrigação de rezar, todos os dias, a liturgia das horas e participar de retiros espirituais (cân. 276, § 2, 3º e 4º); a obrigação do celibato para os clérigos do rito latino (cân. 277) ? nas Igrejas orientais apenas os bispos são obrigados à "continência perfeita"; presbíteros e diáconos recebem o interdito ao matrimônio apenas depois de ordenados; o dever de formação permanente (cân. 279); no caso do paróco, a obrigação de residir em sua paróquia (cân. 533) e mesmo que não tenham ofício residencial, a proibição se ausentarem da própria diocese por "tempo notável", sem licença do Ordinário (cân. 283); a proibição do exercício de negociação ou comércio, salvo licença da autoridade eclesiástica (cân. 286); a proibição de participação ativa nos partidos políticos e na direção de associações sindicais, a não ser que, a juízo da competente autoridade eclesiástica, o exijam a defesa dos direitos da Igreja ou a promoção do bem comum (cân. 287, § 2).

Em contrapartida, as normas jurídicas da Igreja concedem aos clérigos vários direitos específicos. Os clérigos seculares ? aqueles que não são religiosos em sentido estrito ? têm direito de associar-se para finalidades conformes ao estado clerical (cân.278), o que representa um incentivo a união dos ministros sagrados para a promoção da espiritualidade e o compromisso pastoral. Todavia, o direito canônico adverte que os clérigos se abstenham de participar de associações cujo fim ou atividade não sejam compatíveis com os princípios da fé católica. Além disso, têm direito à remuneração e previdência social (cân. 281, §§ 1 e 2), bem como a férias (cân. 283, § 2). Estes últimos, à primeira vista, poderiam ser confundidos com típicos direitos trabalhistas. Entretanto, quando olhados sob a ótica do direito canônico, ganham contornos bastante peculiares.

De acordo com MÜLLER, há diferença entre remuneração pelo ministério e remuneração pelo trabalho:

O ministério é aquela prestação de serviço livre, como o trabalho de um voluntário ou como aquele serviço caseiro, semelhante ao serviço efetuado em família, como cuidar de uma pessoa doente, lavar pratos ou outra atividade espontânea. O trabalho, por sua vez, é o exercício de uma profissão, que visa a remuneração e o sustento da pessoa. No caso do clérigo, tendo como base a sua vocação a serviço do Povo de Deus que lhe é confiado, o ministério que ele exerce se confunde, na maior parte do tempo, com o seu trabalho. Assim como o dentista, o médico o psicólogo, o professor ou qualquer outro profissional recebe pelo exercício de sua profissão, também o clérigo precisa de uma remuneração para o seu sustento (2004, p. 83).

Por outro lado, a remuneração do ministério sacerdotal cristão não poderia ser tida como direito tipicamente trabalhista também por razões históricas. O Direito do Trabalho, como sabemos, só passou a existir formalmente com o advento da Revolução Industrial. Já a remuneração condizente com o exercício do ministério sacerdotal cristão já era previsto na época dos Apóstolos, como se verifica em passagens do Novo Testamento. [20]

Também não se deve perder de vista que não existe uma remuneração fixa para os clérigos. Eles não têm um "salário normativo", nem recebem o pagamento das mãos do bispo. A regra é que os sacerdotes retirem o pagamento para seu sustento da caixa comum da paróquia ou do ente eclesial em que exercem seus ministério, caixa essa que é resultado de doações espontâneas dos fiéis, seja como dízimo, seja como outras doações, a exemplo de espórtulas da missa. E tudo isso deve ser feito mediante prestação de contas, marcada pela transparência, não havendo razão para que o sacerdote seja acusado de simonia apenas por retirar da contribuições dos fiéis o dinheiro necessário para para que tenha uma vida digna.

A dignidade da vida humana, aliás, tem sido a grande razão para o amadurecimento da consciência da Igreja acerca do direito dos sacerdotes à previdência social. Não seria justo que, após dedicarem sua vida ao ministério de levar as pessoas à salvação, os sacerdotes fossem relegados à própria sorte quando chegassem à velhice.

A propósito, o artigo 12, V, "c", da Lei 8.212/91, dispõe que os ministros de confissão religiosa, entre os quais se incluem os sacerdotes, são segurados obrigatórios da previdência social, como contribuintes individuais. Isso não significa que eles sejam verdadeiros profissionais liberais, já que não prestam serviços para indivíduos ou empresas mediante contraprestação sinalagmática (MARTINEZ: 1998, p. 442). Apenas foram equiparados, pela Previdência Social, à condição de autônomos. Por outro lado, também não são tidos pela Previdência como trabalhadores subordinados, já que não existe previsão legal de contribuição previdenciária patronal por parte dos entes eclesiásticos, em relação ao trabalho desses ministros.

No tocante às férias, estas também têm uma regulação própria no direito canônico. O Código de Direito Canônico de 1917 previa períodos diferenciados para as férias de determinados clérigos. Os bispos tinham direito a dois ou três meses de férias (cân. 338, §2), enquanto aos párocos era facultado dois meses (cân. 465, § 2). O Código vigente (1983) reduziu esse tempo para um mês, limitando esse direito a clérigos ligados a determinados ofícios. Em alguns casos, o código nem fala expressamente no termo férias, mas em afastamento por no máximo um mês contínuo ou intermitente, a exemplo da disposição relativa aos Bispos diocesanos (cân. 395, § 2), e extensiva ao Administrador diocesano, por aplicação do cânon 427. Para o Bispo coadjutor e o Bispo auxiliar, o código prevê a ausência da diocese por motivo de férias, que não se alonguem por mais de um mês (cân. 410). Quanto ao pároco, a este é lícito, salvo razão grave em contrário, ausentar-se anualmente da paróquia a título de férias, no máximo por um mês contínuo ou intermitente, devendo para tanto avisar o Ordinário local (cân. 533, § 2º). Essa faculdade é concedida também ao vigário paroquial, de acordo com o cânon 550, § 3. Aos demais clérigos, aplica-se a previsão geral do cânon 283, § 2, que não especifica a duração das férias, mas remete o disciplinamento quanto à duração para o direito universal ou particular.

Portanto, todos esses direitos, a despeito da similitude com direitos trabalhistas, de modo especial com os direitos humanos do trabalhador ou direito humanístico do trabalho [21], não implicam configuração de contrato de trabalho entre os sacerdotes e os entes eclesiais, pois dizem respeito a direito próprio da Igreja Católica. Por outro lado, ainda que o ofício do sacerdócio guarde semelhanças com o voluntariado, a ele não se aplica as exigências da Lei 9.608/98, que regulamenta o trabalho voluntário em nosso país. Pois como vimos, as atividades religiosas do sacerdote, mais do que um trabalho espontâneo submetido à lei civil, é um ministério sagrado regido pelo direito canônico.

Nesse sentido, é sintomático que o Acordo entre a Santa Sé e o Estado brasileiro estabeleça um tratamento diferenciado entre os fiéis ordenados ou consagrados mediante votos ? respectivamente, clérigos e religiosos em sentido estrito ? e os demais trabalhadores que desenvolvem suas atividades no meio religioso. Os primeiros, segundo a primeira parte do Artigo 16, não devem se submeter à legislação trabalhista, a não ser em caso de desvirtuamento da natureza do seu ministério. Os outros, porém, poderão desenvolver suas atividades a título voluntário, e, nesse caso, deverão observar a legislação estatal brasileira.

Não se inclui, porém, nas normas do Código de Direito Canônico, o trabalho desenvolvido por clérigos que ingressem nas Formas Armadas como capelães militares. Estes, mesmo sendo ministros sagrados e desenvolverem atividades espirituais, são regidos por legislação especial, conforme previsto pelo Cânon 569 do referido Código. No caso brasileiro, a Lei 6.923/81, que dispõe sobre o Serviço de Assistência Religiosa nas Forças Armadas, trata do regime jurídico dos capelães militares.

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Sobre o autor
Antônio Cavalcante da Costa Neto

Juiz da Vara do Trabalho de Guarabira (PB). Professor da UEPB. Mestre em Direito pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba). Autor dos livros "Direito, Mito e Metáfora: os lírios não nascem da lei" (Editora LTr), Bem-vindo ao direito do trabalho (Papel e Virtual) O sentido da vida (Publit Soluções Editoriais) e Lazer, direitos humanos e cidadania (Ed. Dialética).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA NETO, Antônio Cavalcante. O ministério cristão do sacerdote católico no âmbito do trabalho religioso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2860, 1 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18998. Acesso em: 2 nov. 2024.

Mais informações

Este texto foi publicado na revista COMPLEJUS - AMATRA 21 - v.1. n. 1, jan/jun. 2010.

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