5 – Considerações finais
O estudo dos aspectos culturais e sociológicos da religião e do sacerdócio nos faz verificar que, em todos os tempos e lugares, a experiência religiosa tem sido fundamental para a construção e reconstrução das sociedades humanas. Por meio da experiência religiosa ? e, no âmbito desta, da atuação dos sacerdotes ?, é possível uma maior harmonia nas relações dos seres humanos, uns com os outros, e entre estes e a divindade.
Por sua vez, o delineamento histórico do sacerdócio cristão nos permite enxergar com mais clareza as raízes judaicas desse sacerdócio, e, principalmente, a origem do sacerdócio cristão no sacerdócio de Jesus Cristo. Este, com o seu sacrifício supremo e definitivo, estabeleceu de uma vez por todas o único paradigma legítimo do exercício do sacerdócio cristão, que é o sacerdócio ministerial.
Esse sacerdócio ministerial é exercido no contexto do trabalho religioso, caracterizado pelo desenvolvimento de atividades essencialmente espirituais. Sendo assim, por não ser um trabalho profissional, e sim, confessional, o direito tem dificuldades em lidar com questões que envolvem o trabalho religioso, como se verifica pelos diversos posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários do Direito brasileiro.
No caso do trabalho do sacerdote católico, é possível identificar particularidades que dizem respeito a matérias disciplinadas pelo direito canônico. Sendo assim, ainda que essas particularidades guardem certa semelhança com matérias atinentes ao direito trabalhista, é possível afirmar que ao trabalho religioso dos sacerdotes católicos não se deve aplicar a legislação comum aos demais trabalhadores, a não ser que haja desvirtuamento na realização de suas atividades.
Portanto, o Direito brasileiro, notadamente no que se refere à Jurisprudência trabalhista e a doutrina juridica nessa área, ainda que de modo incipiente, tem dado um tramento adequado a essa questão. Por outro lado, não há razão para temer a previsão do artigo 16 do Acordo entre o Vaticano e o Estado brasileiro, imaginando que a sua incorporação ao Direito brasileiro venha a prejudicar direitos dos trabalhadores religiosos em geral, e particularmente, dos sacerdotes, haja vista que a redação do referido dispositivo legal apenas consolida uma posição não apenas majoritária na Jurisprudência trabalhista nacional, mas também com sólidos fundamentos na Doutrina jurídica brasileira.
6 – Referências
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Notas
- A Declaração do Concílio Vaticano IIsobre a relação da Igreja Católica com as religiões não cristãs assim se posiciona: "A Igreja de Cristo reconhece que sua fé e sua vocação começam com os patriarcas, com Moisés e com os profetas, segundo o mistério da salvação divina. Professa que todos os fiéis, na fé, são filhos de Abraão, participam de seu chamado, e que a saída do povo eleito da terra da servidão prefigura misticamente a salvação da Igreja" (Nostrae aetate, n. 862, p. 342).
- Segundo McKENZIE (1983, p. 816), as origens do sacerdócio israelita não são claras: "A tradição hebr. é explícita quando afirma que antes da construção do templo de Salomão (e, na verdade, depois dele também) os israelitas prestavam culto nos numerosos santuários espalhados pelo território. Cada um desses santuários era servido por seus próprios sacerdotes; ademais, com toda probabilidade, eram de origens diversas." Acrescenta ainda que, nas tradições, até mesmo a posição de Levi não é certa, e os direitos sacerdotais de Aarão discutíveis, contradizendo a descrição do Pentateuco.
- Essa expressão é utilizada no Dicionário de Liturgia Paulus, estando em sintonia com a ideia corrente de que Moisés foi o grande legislador do povo judeu, tanto que se fala em Lei de Moisés. Todavia, o Estudo Perspicaz das Escrituras (p. 489) refuta essa concepção, sob o argumento de que embora Moisés fosse usado para transmitir a Lei em Israel, em nenhum sentido era ele o legislador. "O Legislador era Jeová Deus (Is 33:22), que usou os anjos para transmitir a Lei pela mão do mediador Moisés - Gál 3:19."
- A respeito dos sacerdotes no Egito, informa McKENZIE (1983, p.816) que ocasionalmente eles eram isentos de impostos e de trabalho forçado. Formavam um grupo numeroso, chegando, na época de Ramsés III a cerca 1/10 da população. Eram divididos em classes com funções especializadas e às vezes exerciam funções judiciais.
- Sobre a diferença entre carta e epístola explica HARRINGTON (1985, p. 502) que os escritos epistolares dividem-se em duas classes: "1) Cartas propriamente ditas. Foram escritas numa ocasião particular a determinada pessoa ou grupo de pessoas, e só se destinam a esses leitores. 2) Epístolas. São tratados vazados em moldes epistolares e dirigidos a vasto círculo ou, simplesmente, a qualquer leitor." No caso da Carta (Epístola) aos Hebreus, afirma-se que ela é na verdade quase um enigma literário, que se inicia como tratado, depois toma a forma de sermão, para terminar como epístola (BROWN: 2004, p. 899).
- De acordo com a Bíblia de Jerusalém (rodapé, p. 2058): "os ‘helenistas’: judeus que tinham vivido fora da Palestina, haviam adotado certa cultura grega e dispunham em Jerusalém de sinagogas particulares, onde a Bíblia era lida em grego. Os ‘hebreus’ eram os judeus autóctones; falavam o aramaico, mas liam a Bíblia em hebraico nas sinagogas."
- Cf. At 15, 2. 4.6.22ss; 16,4)
- Gl 2,2-9;
- A palavra seminário provém do vocábulo latino seminare (semear), que, por sua vez, deriva de semen (semente). Há quem afirme, porém, que o grande objetivo do seminário era manter a coesão ideológica do catolicismo, controlar o celibato clerical e reafirmar a hierarquia eclesiástica.
- Na introdução do livro Apontamentos sobre o trabalho realizado no meio religioso (2007, p. 13), o professor Cláudio Pedrosa Nunes observa que o estudo e disciplina do trabalho religioso são tratados pelos nossos tribunais nos poucos casos gerados das práticas cotidianas, acrescentando que a carência de estudos acadêmicos e de bibliografia sobre a matéria revelam a necessidade de enfrentamento das questões relativas a esse tipo de trabalho.
- "Sentença precursora." É assim que a ela se refere a Revista do TRT da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 48, n. 78, p. 273.
- Proc. NU: AIRR - 3652/2002-900-05-00 - DJ - 09/05/2003
- Manual do Trabalho Voluntário e Religioso (Ives Gandra Martins Filho, LTr 2002 - São Paulo),
- De acordo com o Catecismo da Igreja Católica (n. 2121), simonia é a compra ou venda de realidades espirituais.
- O Catecismo da Igreja Católica (n. 1499 e seguintes) prefere a denominação Unção dos enfermos, pois não se trata de sacramento ministrado apenas a doentes terminais ou moribundos
- Cf. cânones 204 a 207 do Código de Direito Canônico.
- De acordo com MÜLLER (2004, p. 49), o secularismo "incorpora todos os leigos em geral, enquanto a secularidade laical é específica da identidade dos fiéis leigos. Esta identidade consiste na relação religiosa e cristã com o mundo. Depende sempre do seu envolvimento no mundo, não como simples leigos, mas como leigos cristãos, que trazem na fronte a marca registrada da sua incorporação no Povo de Deus, através do batismo cristão." Desse modo, o trabalho do agricultor ou do professor, entre outras profissões, mesmo desenvolvidos em benefício do bem comum não seriam trabalhos religiosos mas profanos, diferente, por exemplo, de quem desenvolve trabalhos, como leigos, mas relacionados às várias pastorais da Igreja.
- Cf. Cân. 208 do Código de Direito Canônico.
- De acordo com o Dicionário de direito canônico (SALVADOR: 1993, p. 391), incardinação é a "adscrição de um clérigo a uma Igreja particular, a uma Prelazia pessoa, ou a um instituto de vida consagrada ou sociedade que tenha faculdade de adscrever clérigos acéfalos ou ‘vagos’ (cân. 265)."
- Cf. Lc 10,7; Mt 1010; 1Cor 9,7-14; 1Tm 5,18.
- Direitos humanos do trabalhador é expressão utilizada por NASCIMENTO (1998, p. 286), que os distinguem dos direitos trabalhistas em geral. Estes compreendem direitos mais amplos e diversificados, podendo ser patrimoniais e extrapatrimoniais, individuais, coletivos, econômicos e disciplinares, enquanto os primeiros seriam mais importantes e inerentes à pessoa do trabalhador, merecendo, assim a máxima tutela do Estado. Já a expressão direito humanístico do trabalho é empregada por NUNES (2009, p. 33), para enfatizar a concepção humanística do Direito do Trabalho, "no sentido de que o elemento humano deve estar sempre em evidente tutela de modo a que tenha preservada sua dignidade. Economia é Direito Econômico; trabalho é Direito do Trabalho e, por via de conseqüência, humanismo, humanidade."