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Da (i)legitimidade e do Ministério Público como fiscal da lei para propor a revisão criminal

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30/04/2011 às 12:33
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2 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚLICO NO PROCESSO PENAL

2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Ainda hoje há controvérsias a respeito das origens do Ministério Público, todavia o mais comum é estabelecer suas raízes remotas na Ordenança de 1302, quando Felipe IV, rei da França, padronizou os procedimentos judiciais, assumindo o monopólio da disposição da justiça, que até então resultava somente dos arbítrios dos senhores feudais. [89] Contudo, mesmo que a instituição tenha despontado contemporaneamente na França, não se pode olvidar que o Ministério Público brasileiro desenvolveu-se de fato do direito português, pois durante algum tempo - antes da independência e depois dela – o desenvolvimento do Ministério Público esteve associado ao direito lusitano. [90]

A Constituição de 1824 não tratou da Instituição, referindo-se de forma superficial, sobre existência de um Procurador da Coroa e Soberania Nacional, a quem competia fazer a acusação no juízo dos crimes. [91]

O Ministério Público surgiu no Brasil com o Código de Processo Criminal de 1832, como "promotor da ação penal". Posteriormente, em 1843 sobreveio o Decreto nº 120 que estabeleceu a competência do Imperador do Município da Corte e dos Presidentes nas Províncias para nomear os promotores, que serviriam enquanto fosse conveniente ao serviço público. [92]

A Constituição de 1891 não fez referência ao Ministério Público enquanto instituição, contudo, com a sobrevinda dos Decretos nº 848 e nº 1.030 de 1890 que, respectivamente, organizaram a justiça federal e a justiça do Distrito Federal, o Ministério Público passou a ser considerado uma instituição. [93]

Preocupação maior com o Ministério Público teve a Constituição de 1934. Dentre as relevantes previsões, institui-se a necessidade de concurso público para admissão em sua carreira, a estabilidade e vedações aos membros do Ministério Público. Estabeleceu-se ainda a existência de Ministérios Públicos na União, no Distrito Federal e Territórios, e nos Estados, organizados por lei e o Chefe do Poder Executivo passou a nomear o Chefe do Ministério Público em âmbito federal. [94]

Não obstante a Constituição de 1937 ter realizado um retrocesso, observa-se relevante desenvolvimento do Ministério Público enquanto instituição durante o período republicano, inclusive no âmbito da legislação ordinária. O Código de Processo Penal de 1941 estabeleceu a titularidade do Ministério Público na promoção da ação penal, concedeu-lhe o poder de requisição de inquérito policial e diligências e lhe conferiu a atribuição de promover e fiscalizar a execução da lei. [95]

A Constituição de 1946 situou o Ministério Público em posição independente dos outros poderes, mantendo a necessidade de concurso público para admissão em sua carreira, a estabilidade e vedações aos membros do Ministério Público. Inovou, porém, determinando a participação do Senado Federal na escolha do Procurador Geral da República. [96]

Alterando a sistemática da Constituição anterior, a Carta de 1967 situou o Ministério Público dentro do Pode Judiciário. Todavia, com as Emendas Constitucionais nº 1, de 1969 e nº 7, de 1977, este posicionamento foi modificado, voltando o Ministério Público a posicionar-se dentro do Poder Executivo. Estabeleceu-se também a edição de lei complementar, para determinar normas gerais referentes à organização dos Ministérios Públicos Estaduais. [97]

Ainda, aperfeiçoando o desenvolvimento do Ministério Público, em 1981 adveio a Lei Complementar nº 40 que estabeleceu normas gerais para organização da instituição estadual, definindo suas principais funções, seus princípios institucionais, garantias e vedações e em 1985 a Lei da Ação Civil Pública lhe concedeu relevante iniciativa nas ações de proteção aos interesses difusos. [98]

Foi, contudo, com a promulgação da Constituição da República de 1988 que o Parquet atingiu seu crescimento maior, assumindo perfil singular. Nossa atual Carta Magna conceituou o Ministério Público, consagrando e ampliando suas garantias e funções e assentando seus princípios e vedações. [99] Longe de restringir o papel do Parquet à persecução penal, a disciplina da Constituição de 1988 o consagrou com independência funcional, liberdade, autonomia, à defesa do regime democrático, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Depois de um tratamento constitucional pormenorizado realizado pela nossa atual Constituição da República, identificou-se a necessidade de substituir a antiga Lei Complementar nº 40/81 por uma nova Lei Orgânica Nacional do Ministério Público que, harmonizasse os diversos Ministérios Públicos Estaduais, mas que não desprezasse a conveniência de cada Estado para disciplinar seu Ministério Público. [100] Para tanto, sobreveio em 12 de fevereiro de 1993, a Lei Ordinária nº 8.625, que institui a atual Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados.

2.2 FUNÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL

2.2.1 Funções Institucionais do Ministério Público

A Carta Magna de 1988 estendeu de modo relevante as atribuições do Ministério Público, consitutindo-o um autêntico defensor da sociedade, tanto na esfera cível, quanto na esfera penal. [101] Assim, nossa Constituição traz um rol exemplificativo das funções insituticionais do Ministério Público, definidas constitucionalmente no artigo 129. São elas: a) promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; b) zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; c) promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; d) promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; e) defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; f) expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;g) exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; h) requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais e i) exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Salienta-se, novamente, que o rol estabelecido constitucionalmente não é exaustivo, possibilitando ao Parquet exercer outras funções que lhe forem concedidas, desde que não sejam incompatíveis com o seu fim constitucional. Possibilita-se ainda o estabelecimento de outras funções a nível estadual, seja por meio de leis complementares dos Estados, seja pelas Constituições Estaduais, não havendo, porém, possibilidade de legislação municipal estabelecer funções ao Ministério Público atuante no Município. [102]

Neste sentido, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público elenca em seu artigo 25 outras atribuições ministeriais de profunda relevância, sendo elas: a) propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, em face à Constituição Estadual; b) promover a representação de inconstitucionalidade para efeito de intervenção do Estado nos Municípios; c) promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; d) promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos e para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem; e) manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei e, ainda, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções institucionais, não importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os processos; f) exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abriguem idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência; g) deliberar sobre a participação em organismos estatais de defesa do meio ambiente, neste compreendido o do trabalho, do consumidor, de política penal e penitenciária e outros afetos à sua área de atuação; h) ingressar em juízo, de ofício, para responsabilizar os gestores do dinheiro público condenados por tribunais e conselhos de contas e interpor recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.

No âmbito criminal destacam-se as funções institucionais do Ministério Público de atribuição privativa do Ministério Público na promoção da ação penal pública (à exceção da ação penal privada subsidiária), o exercício do controle externo da atividade policial e ainda a tarefa de instaurar inquérito policial e requisitar diligências. [103]

Da leitura dos dispositivos acima mencionados infere-se a relevância que o Ministério Público assumiu com a atual Carta Magna e seu importante papel na forma de composição do Estado brasileiro. [104]

2.2.2 Atribuição Constitucional de defesa da Ordem Jurídica e dos Interesses Individuais Indisponíveis

Nosso Constituinte de 1988 inseriu o Parquet no Capitulo IV da Constituição, que trata das funções essenciais à Justiça. Em verdade, o artigo 127 da Lei Maior [105], no que foi acompanhada pela Lei Ordinária nº 8.625/93 que institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e pela Lei Complementar nº 75/93 que dispõe sobre o estatuto do Ministério Público da União, define o Ministério Púbico como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado [106] e elenca as atribuições constitucionais, quais sejam: defesa da ordem jurídica, do regime democrático [107] e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Suficiente é essa conceituação constitucional do Ministério Público para concluir que, dentre outras, a incumbência da Instituição, especialmente no processo penal é promover privativamente a ação penal pública e defender a liberdade do condenado, quando entender congruente com a ordem jurídica. [108]

A redação do texto constitucional estabelece como objetivo da atuação do Ministério Público a defesa da ordem jurídica. Tal destinação deve ser entendida com base nos demais dispositivos constitucionais que disciplinam sua atividade, especialmente, à luz de sua finalidade de tutelar os interesses sociais e individuais indisponíveis. [109] Assim, o resguardo da liberdade do condenado pode ser identificado na própria definição legal contida no já referido caput do artigo 127 da Constituição, pois no aludido dispositivo está expressamente prevista a determinação para que o Ministério Público resguarde os direitos individuais indisponíveis, encontrando-se aí inserida, sem duvida, o direito de liberdade do condenado. [110]

A classificação dos direitos fundamentais adotada pelo nosso Direito Constitucional é realizada considerando o objeto a ser tutelado. Assim, conforme tal critério são identificados como direitos individuais "aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado". [111] Os direitos indisponíveis, por sua vez, são "aqueles que não se pode dispor; em outras palavras; os intransferíveis, inalienáveis, os naturais direitos do cidadão, enfim, são os Direitos Humanos de todos os indivíduos que estão no gozo do desempenho de suas prerrogativas constitucionais civis e políticas, desde a concepção, do nascimento até a morte". [112] Por conseguinte, o direito à liberdade é um direito individual indisponível, cabendo ao Ministério Público zelar pelo ius libertatis docondenado quando entender que assim consentâneo com a ordem jurídica. Neste sentido, demonstrando ser o direito à liberdade um direito individual e indisponível, é que para Hugo Nigro MAZZLLI a atribuição constitucional do Ministério Público na defesa dos interesses indisponíveis se resume em três objetos de atenção:

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Em suma, o objeto de atenção do Ministério Público se resume nesta tríade: a) ou zela para que não haja disposição alguma de um interesse que a lei considera indisponível; b) ou, nos casos em que a indisponibilidade é apenas relativa, zela para que a disposição daquele interesse seja feita conformemente com as exigências da lei; c) ou zela pela prevalência do bem comum, nos casos em que não haja indisponibilidade do interesse, nem absoluta nem relativa, mas esteja presente o interesse da coletividade como um todo na solução do problema. Apenas para exemplificar, na primeira categoria se insere o zelo pelo direito à vida, à liberdade, à educação, à saúde; na segunda, a fiscalização da venda de um bem de um incapaz; na última, podemos citar a defesa de interesses individuais homogêneos, quando haja extraordinária dispersão dos lesados, ou quando seja necessária para assegurar o funcionamento de todo um sistema econômico, social ou jurídico. [113]

A Constituição da República ao estabelecer a atribuição do Ministério Público na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis destina-o no zelo dos mais relevantes interesses da coletividade, assim, ora o interesse a ser zelado refere-se a toda a coletividade, ora com determinadas pessoas. O direito à liberdade, neste sentido, constitui direito individual que a lei considera indisponível, portanto objeto de zelo do Ministério Público.

2.2.3 Artigo 257 do Código de Processo Penal

O artigo 257 do nosso Diploma Processual Penal [114] delineia as funções exercidas pelo Ministério Público no Processo Penal. Logo, é possível dividir a atuação do órgão ministerial sob os seguintes aspectos: a) promovendo privativamente a ação penal pública e b) fiscalizando a execução da lei.

Referente a estas duas funções do Ministério Público poderia surgir uma possível contradição, eis que, ao mesmo tempo em que lhe cabe promover a acusação, poderá, defender alguns direitos ou pedir a absolvição do réu, conforme autoriza o artigo 385 do Código de Processo Penal [115]. Contudo, a mencionada contradição é meramente aparente, pois, na prática, há harmonização dessa dualidade de funções exercidas pelo Ministério Público no processo penal. [116] Afrânio Silva JARDIM bem sintetiza tais funções:

Entretanto no processo penal, o Ministério Público desempenha duas funções que se completam: exercita o direito de ação e busca um resultado justo. O Ministério Público manifesta a pretensão punitiva na ação condenatória e pugna pela correta aplicação da lei aos fatos provados, isto tanto na ação condenatória como nas várias espécies de ações penais não condenatórias. (...) O desempenho de uma destas funções não desnatura ou impede o pleno exercício da outra. [117]

O referido dispositivo atribui ao Ministério Público a função de parte no processo e de custus legis, desta forma, mesmo quando promove a ação penal, não perde ele a atribuição de fiscal da lei. [118] Independentemente de tratar-se de ação penal pública ou privada, cabe ao órgão ministerial fiscalizar a execução da lei. As duas formas de atuar do Ministério Público no processo penal integram sua incumbência de zelar pela ordem jurídica.

2.2.3.1 Ministério Público como Parte no Processo Penal

No processo penal são sujeitos da relação processual o juiz, o acusador e o réu. Visando consagrar o sistema acusatório e a imparcialidade do juiz, este se encontra em um patamar superior em relação aos outros sujeitos, pois a ele cabe resolver as postulações solicitadas pelos demais sujeitos da relação processual. Logo é possível afirmar que o juiz é sujeito, porém não é parte. Partes e sujeitos da relação processual são o réu, que assume posição passiva e, o acusador que assume posição ativa. [119] Neste sentido, se faz necessário entender a definição de parte, que, de acordo com LOPES JUNIOR é "aquele que formula e aquele contra quem se formula a pretensão acusatória objeto do processo penal, segundo as formas previstas na norma processual penal e tendo como destinatário o órgão jurisdicional". [120]

Nos crimes de ação penal privada quem assume a função de acusador é o ofendido ou quem o represente legalmente, pois neste caso, ainda que titular do jus puniendi, o Estado, concede exclusivamente o jus persequendi in judicio. [121]Já, nos crimes de ação penal pública assumirá o papel de acusador é o Ministério Público, ressalvado o disposto nos artigos 29 do Diploma Processual Penal [122] e 5º, inciso LIX, da Carta Magna [123]. [124] "Ele é parte como órgão (e não como representante) do Estado. O aspecto ritual do processo a tanto leva, porque, além de ser fiscal da lei, ele exerce a função de acusar. Esta é sua atribuição precípua, uma vez que o processo está organizado de forma contraditória, ainda que ao final se convença da inocência do acusado e peça absolvição". [125]

No processo penal a personalidade do Estado se ramifica em razão dos distintos papéis que exerce, sendo: a) titular da pretensão acusatória e b) titular da atividade jurisdicional e do poder de punir. [126] Esta divisão de funções é essencial, pois possibilita que o Ministério Público pratique uma pretensão unicamente acusatória, diferente da função punitiva do Estado. Inclusive, a criação do Ministério Público se deu exatamente por este fundamento, ou seja, frente à necessidade de garantir a imparcialidade do julgador e separar as atividades de julgar e acusar. [127] As funções de julgar, acusar e defender não se confundem.

A atuação do Parquet no processo penal como parte autora, contudo, enseja divergência em nossa doutrina. Alguns o compreendem como parte material e formal, outros como parte imparcial, alguns o consideram parte instrumental e há ainda quem sequer o reconheça como parte.

Segundo MARQUES, o Ministério Público revela o interesse punitivo do Estado, sendo parte em sentido formal (sujeito da relação processual) e material (representa o Estado na relação jurídica processual). Para autor não há que se falar na impossibilidade de se conceber o Ministério Público como parte, sob a afirmação de que este deve ser imparcial. Inicialmente, não há que se falar em imparcialidade neste sentido, pois se assim não fosse, não existiria a necessidade de um juiz para decidir sobre a acusação. No processo, o Ministério Público representa a função repressiva do Estado, cabendo àquele defender o interesse punitivo deste. Em segundo lugar, o que determina o caráter de parte é a titularidade de direitos relativamente ao conteúdo do processo e não a imparcialidade ou parcialidade. [128]

BONFIM afirma ser o Ministério Público parte imparcial no processo penal, pois ainda que titular da ação penal está autorizado a postular pela absolvição do réu quando entender justificável. [129]

OLIVEIRA por sua vez, afirma que ao Ministério Público apenas cabe a qualificação de parte em sentido processual ou formal [130], ou seja, enquanto estiver na situação de autor, demandando em nome próprio a atuação da lei. Contudo, com o oferecimento da denúncia, o Parquet não encontra-se mais vinculado à pretensão punitiva (não é parcial), pois já existentes a ampla defesa e contraditório, estando submetido somente ao Direito. Assim, a atuação do Ministério Público é fundamentalmente de fiscal da lei, sendo possível inclusive, se convencido quanto a improcedência da pretensão ou mesmo se houver dúvida quanto a ela, produzir prova no interesse da defesa. [131]

Fernando da Costa TOURINHO FILHO aduz que nas ações penais públicas o Estado, como titular do ius puniedi, deveria assumir o papel de acusador. Todavia, por ser pessoa jurídica criou o Ministério Público para representá-lo no processo, sendo este parte instrumental. [132]

Visto que o conceito de parte do Ministério Público no direito processual penal não possui entendimento pacífico em nossa doutrina, merece preponderar o entendimento doutrinário português, adotado por Jorge de Figueiredo DIAS, que compreende existir no processo penal, funções formalmente opostas, exercidas pelo acusado e pelo acusador. Assim, o Ministério Público somente pode ser entendido como parte em sentido formal, eis que seu devernão é influir para que o réu seja condenado em qualquer caso, mas somente nos casos em que entender ser este culpado. Ao Ministério Público não cabe a obrigatoriedade de alcançar a condenação, mas sim o dever de objetividade. [133] Assim, é que nas palavras do autor:

...O MP só pode ser visto como parte em sentido formal, uma vez que o seu dever é actuar no sentido da (e contribuir para a) condenação do arguido em todo e qualquer caso, mas só no caso de este ser culpado: o MP não tem pois um dever de obter condenações mas, tal como o juiz, só um dever de objectividade. E o que se diz do MP pode em um certo sentido repetir-se para o argüido: este possui, sem dúvida, um direito de defesa, mas de nenhum modo um dever de defesa, de sorte que também por este motivo pode não se dar uma necessária contraposição de interesses entre MP e argüido. [134]

Nega-se ao Ministério Público a qualidade de parte em sentido material, pois ele não objetiva a condenação do réu a todo e qualquer custo e em todos os casos. Ao contrário, "o principal conteúdo de sentido que se retira da caracterização do MP como órgão de administração da justiça, é assim sua incondicional submissão aos valores da descoberta da verdade e da realização da justiça, daqui decorrendo a exigência de que, em todas as suas intervenções no processo penal, obedeça a critérios de estrita objectividade jurídica". [135]

2.2.3.2 Ministério Público como Fiscal da Lei

Atualmente, na esfera criminal, o Ministério Público não assume tão somente o papel de mero acusador. Sua atuação está baseada no princípio da racionalidade, eis que detém autonomia profissional, liberdade e independência funcional, possuindo poderes para pedir absolvição, impetrar hábeas corpus em favor do réu, deliberar pelo arquivamento, tudo em atenção ao Estado Democrático, visando à prevalência das garantias fundamentais indeclináveis e investido na defesa da ordem jurídica, especialmente através da correta aplicação da lei, com vistas ao amparo dos Direitos Humanos. [136] Não é, o Ministério Público, órgão puramente acusador. Seu interesse maior é a realização do Direito, através da busca da verdade, quer para absolver o réu, se inocente, ou para condená-lo, se culpado. Sobre o assunto é a manifestação de BONFIM,em seu Código de Processo Penal Anotado:

O art. 257 deste Código determina que, além da promoção da ação penal pública, incumbe ainda ao Ministério Público fiscalizar a execução da lei. Atuará, portanto, sempre como custus legis, inclusive nos processos em que figure na posição de autor da ação penal, podendo, assim, interpor mandado de segurança, impetrar habeas corpus ou mesmo recorrer em favor do réu. Da mesma forma, poderá também requerer a absolvição do acusado, quando julgar não estarem presentes elementos probatórios indicadores da culpa do imputado. [137]

Além da promoção da ação penal pública é função do Ministério Público fiscalizar a correta execução da lei. A superioridade da atribuição de custus legis do Ministério Público é verificada em toda a ação penal, sendo indiferente que a promova. "Ora, se lhe compete fiscalizar a correta execução da lei, todas as vezes em que esta estiver sendo erroneamente aplicada, pouco importando se a favor ou contra os interesses da pessoa por ele acusada, o Ministério Público deverá contra isso se insurgir, mesmo que tal inconformismo redunde em benefício para o acusado". [138]

"Deflui com clareza meridiana que para além e acima da função acusadora do Ministério Público, pura exigência da estrutura dialética sobre a qual se assenta o processo penal, ele deve sempre ter como função primaz a defesa da ordem jurídica e democrática da nação". [139]

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Sobre a autora
Karina de Almeida Tres

Bacharel em Direito - Faculdades Integradas do Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRES, Karina Almeida. Da (i)legitimidade e do Ministério Público como fiscal da lei para propor a revisão criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2859, 30 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19012. Acesso em: 29 mar. 2024.

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