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Da (i)legitimidade e do Ministério Público como fiscal da lei para propor a revisão criminal

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30/04/2011 às 12:33
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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem o precípuo escopo de compreender o instituto da revisão criminal enquanto garantia constitucional do condenado, que permite o reexame das decisões criminais condenatórias alcançadas pela coisa julgada, quando: a) contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; b) fundada em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; c) quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que autorize diminuição especial da pena e, analisar as atribuições do Ministério Público, especialmente no âmbito do Processo Penal, como custus legis e como defensor dos interesses individuais indisponíveis, visando obter subsídios suficientes para que haja o convencimento da legitimidade do Parquet para propositura da revisão criminal.

Para tanto, inicialmente, analisar-se-á a síntese histórica da revisão criminal no direito brasileiro, mais especificamente o seu desenvolvimento nas Constituições brasileiras. Serão apresentados diversos conceitos doutrinários a respeito da revisão, abordando-se também, a divergência presente na doutrina referente à sua natureza jurídica, passando a elencar seus aspectos procedimentais, tais como, hipóteses de cabimento, prazo, reiteração, legitimação, competência para julgamento e processamento, efeitos de sua procedência e sua compatibilidade com as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri. Noutro instante, discorreu-se sobre o fundamento que possibilita que as sentenças alcançadas pela coisa julgada sejam revistas, tendo em vista que a nossa Constituição da República, assegura expressamente a segurança jurídica, representada pela coisa julgada, como uma garantia individual.

No segundo capítulo, far-se-á breves considerações sobre o desenvolvimento constitucional do Ministério Público no Brasil e identificar-se-á suas atribuições no processo penal, abordando suas funções institucionais, sua incumbência constitucional de defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis, especialmente quanto ao direito de liberdade e quanto ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, sua qualidade de parte e sua função de custus legis.

Finalmente no terceiro capítulo abordar-se-á a (i)legitimidade ativa do Parquet para propositura da revisão criminal, demonstrado a existência de posicionamentos divergentes, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência sobre o assunto. Mencionar-se-á também, neste capítulo, a existência do Projeto de Lei nº 4622/2009, que propõe a alteração da redação do artigo 623 do Código de Processo Penal, para que o Ministério Público integre o rol de legitimados para propor o pedido revisional e do Projeto de Lei nº 156/2009, de Reforma do Código de Processo Penal, que, dentre outras relevantes modificação acerca do instituto, também propõe a inclusão do Ministério Público no rol de legitimados para propor a ação de revisão criminal.


1 REVISÃO CRIMINAL

1.1 SINTESE HISTÓRICA DA REVISÃO CRIMINAL NO DIREITO PÁTRIO

A tradição brasileira em prever a revisão criminal (ainda que denominada revista) como garantia constitucional, surgiu em 1824 com a Constituição Imperial, que por influência da legislação lusitana, previa o recurso de revista, fixada competência do Supremo Tribunal de Justiça para concedê-la ou negá-la. [01]

O Código de Processo Criminal de Primeira Instância de 1832 tratou a revista de forma superficial. Por meio da Lei 261 de 1841, o Código foi reformado e, de maneira sistemática, estabeleceu as hipóteses de cabimento de revista. [02]

Com o advento da República foi abolido o recurso de revista para sobrevir à revisão criminal. Ressalta-se, porém que, mesmo antes da Constituição de 1891, o Governo Provisório inseriu a revisão na legislação pátria em substituição ao recurso de revista, por meio do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, que estabelecia em seu a competência do Supremo Tribunal Federal para a revisão das sentenças condenatórias definitivas provenientes de qualquer juiz ou tribunal julgador. [03]

A Constituição de 1891 disciplinou a revisão criminal em beneficio dos condenados, vedando inclusive, a possibilidade de agravar a pena revista, podendo ser requerida por qualquer do povo, ou ex officio pelo procurador geral da República e fixando a competência do Supremo Tribunal Federal para conhecê-la e julgá-la. [04]

A Carta Magna de 1934 não modificou a sistemática anterior, mantendo a competência da Corte Suprema para processar e julgar a revisão criminal, em beneficio do condenado e a requerimento do Ministério Público ou de qualquer pessoa. [05]

A Constituição de 1937, no entanto, trouxe relevante modificação referente ao instituto da revisão criminal, uma vez que suprimiu a competência privativa do Supremo Tribunal para seu processo e julgamento. Desde então, e com a vigência do atual Código de Processo Penal, conferiu-se competência a outros tribunais para conhecê-la e julgá-la. [06]

A Carta Magna de 1946 seguindo a mesma orientação das Constituições de 1891 e 1934, "realçou expressamente a revisão criminal como direito subjetivo do condenado, aos dispor que compete ao Supremo Tribunal Federal rever, em benefício dos condenados, as suas decisões criminais em processos findos (art. 101, n. IV)". [07]

A Constituição de 1967 manteve a previsão da revisão criminal, suprimindo, no entanto, a proibição de revisão pro societate, no que foi acompanhada pela Emenda Constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1969. [08]

Ainda que as Constituições posteriores à de 1934 não tenham oferecido à revisão criminal igual tratamento, ela foi, e continua sendo considerada uma garantia constitucional do condenado. [09] Nossa atual Carta Magna, embora não contenha previsão expressa sobre a revisão criminal em seu artigo 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais, insere o aludido instituto no § 2º do referido dispositivo, uma vez que decorre do regime e dos princípios por ela adotados, como também daqueles provenientes da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (artigos 10 [10] e 25.1 [11]), do qual o Brasil é signatário. [12] Neste sentido é a manifestação Denilson Feitoza PACHECO:

Contudo, apesar de não estar prevista no capítulo dos direitos e garantias fundamentais, tem sido considerada tradicionalmente como direito fundamental do condenado e remédio exclusivo da defesa. Essa noção da revisão criminal como direito fundamental do condenado toma maior força com a Constituição de 1988, ao prever, no art. 5º, § 2º: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. A Convenção Americana de Direitos Humanos, no art. 8.4, estabelece: O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. [13]

Evidente está que o artigo 5º, §2º, da Constituição da República [14] prevê o direito à revisão criminal ao condenado, pois as garantias e direitos nela particularizados não excluem os demais decorrentes dos princípios e regime por ela adotados, como também aqueles provenientes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Neste sentido, resta claro que a revisão é uma dessas garantias e direitos derivados dos postulados democráticos da nossa Carta Magna.

Para mais, nossa atual Constituição da República dedicou vários outros dispositivos à revisão, remetendo, ainda que implicitamente à lei ordinária, tais como o principio da ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes, encontrando-se aí compreendida a revisão criminal, ainda que indevidamente elencada como recurso pelo Código de Processo Penal (artigo 5º, inciso LV), a possibilidade de indenização ao condenado por erro judiciário, através do processo revisional (artigo 5º, inciso LXXV) e a competência conferida ao Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais para processar e julgar as revisões (artigo 102, inciso I, alínea j; artigo 105, inciso I, alínea e; artigo 108, inciso I, alínea b). [15]

Ainda, no plano de legislação ordinária, a revisão criminal está prevista no Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941), no Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969), nas Leis de Organização Judiciária e nos Regimentos Internos dos Tribunais, conforme previsão do artigo 628 do Código de Processo Penal.

1.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

O termo revisão origina-se do verbo rever, que denota analisar novamente. Em sentido jurídico lato, a revisio consiste na análise de alguma coisa para retirar dela o que não estiver em conformidade com o direito. Neste sentido, a revisão criminal possui um conceito mais limitado, pois atinge especialmente a sentença condenatória e absolutória, a depender da legislação. [16]

A doutrina brasileira apresenta diferentes conceitos de revisão criminal. Tal diversidade de definições ocorre em razão da não unanimidade a cerca da natureza jurídica do instituto, uma vez que alguns autores a consideram como ação, outros como recurso, registre-se ainda os que a consideram como remédio extraordinário, ou, finalmente misto de ação e recurso. [17] A título exemplificativo da diversidade de conceitos existentes em relação à revisão, vejamos algumas dessas diferentes definições.

Carlos Roberto Barros CERONI, sem adentrar no mérito da natureza jurídica, conceitua a revisão como "meio de que se vale o condenado para desfazer injustiças e erros judiciários, relativamente consolidados por decisão transitada em julgado, ou então, é um remédio jurídico-processual-último que dispõe o condenado para que seja reexaminada, a seu favor, a sentença condenatória definitiva e injusta". [18] Para o autor, a revisão criminal apresenta-se como último instrumento colocado á disposição e em favor do condenado, que possibilita sanar injustiças consolidadas pela sentença penal condenatória com transito em julgado.

Aury LOPES JUNIOR define a revisão criminal como "um meio extraordinário de impugnação, não submetida a prazos, que se destina a rescindir uma sentença transitada em julgado, exercendo por vezes papel similar ao de uma ação de anulação, ou constitutiva negativa no léxico ponteano, sem ver-se obstaculizada pela coisa julgada". [19]

Para Rogério Lauria TUCCI, de forma sintética, "a revisão criminal se apresenta, no âmbito da jurisdição penal, como a atuação judicial destinada à verificação de erro judiciário contido em sentença condenatória". [20]

Julio Fabbrini MIRABETE ressaltando a disponibilidade da revisão criminal somente em favor do condenado define a revisão como "um remédio que a lei confere apenas ao condenado, contra a coisa julgada, com o fim de reparar injustiças ou erros judiciários, livrando-o de decisão injusta". [21]

Eugênio Pacelli de OLIVEIRA define a revisão criminal demonstrando sua finalidade no processo penal e evidencia que a função do pedido revisional é permitir que a sentença condenatória alcançada pela coisa julgada seja novamente questionada, objetivando a melhor jurisdição. [22]

Alguns autores compreendem a revisão criminal como recurso. [23] Neste sentido é a exposição deEdgard Magalhães NORONHA em seu livro Curso de Direito Processual Penal que entende ser a revisão criminal um recurso de natureza especial, pois privativo do réu e pressupõe a existência da coisa julgada:

A revisão é um recurso misto, e sui generis. Muitos lhe negam até a natureza de recurso, afirmando antes a de ação, apontando o fato de ela dar-se após o processo findo e admitir a produção de novas provas. (...) Não há dúvida de que ela se aproxima da rescisória, mas difere em seus pressupostos, prazo e processamento. Trata-se, pois, de recurso (muitos a entendem como remédio) de natureza peculiar, sui generis, como se disse. [24]

Grande parte dos autores que consideram que a revisão criminal possui natureza jurídica de recurso, compreendem que trata-se de recurso excepcional, pois cabível apenas contra decisões alcançadas pela coisa julgada e limitam-se a esta simples afirmação, não sustentando os motivos do referido entendimento.

Interessante é o posicionamento de Hélio TORNAGHI [25], que considera a revisão um recurso excepcional por caber somente de sentenças alcançadas pela coisa julgada e para quem o dissenso existente na doutrina a cerca da natureza jurídica da revisão criminal (recurso ou ação) não comporta grande relevância prática:

Discute-se a natureza jurídica da revisão: recurso ou ação (prima-irmã da ação rescisória)? A dissidência perde substância para os que sustentam que todo recurso é ação. E mesmo para os que assim não entendem, a questão é bizantina: não tem importância prática que a lei discipline a revisão como ação rescisória ou como recurso. Nesse caso, será recurso excepcional pelo fato de só caber de sentenças finais, isto é, transitadas em julgado. [26]

Sérgio de Oliveira MÉDICI propõe outra definição, sem utilizar o caráter de ação ou de recurso da revisão criminal, merecendo registro:

Em nosso entendimento, a revisão constitui meio de impugnação do julgado que se aparta dos recursos como das ações, pois a coisa julgada exclui a possibilidade de interposição de recurso, e, ao requerer a revista da sentença, o condenado não está propriamente agindo, mas reagindo contra o julgamento, com o argumento da configuração de erro judiciário. A ação penal anteriormente vista é então revista por meio da revisão que, entretanto, não implica inversão das partes (em sentido processual). Ao propiciar a reabertura do processo, enseja o instituto novo julgamento a respeito do mesmo crime, imputado a mesma pessoa. Pode-se dizer, então, que a ação penal condenatória, julgada por decisão irrecorrível, fica submetida a outro julgamento por meio da revisão. [27]

Para o autor, a revisão criminal é meio de impugnação de decisão que se afasta tanto recursos, tendo em vista que a ocorrência da coisa julgada impede a interposição de recurso, quanto das ações, pois ao manejar a revisão criminal o condenado está somente "reagindo" contra o julgamento anterior com base em erro judiciário, não implicando em mudança das partes em aspecto processual.

Não obstante a existência de diversos conceitos doutrinários sobre a natureza jurídica da revisão criminal, a doutrina majoritária manifesta-se no sentido de que a revisão criminal, ainda que inserida no Código de Processo Penal no título dos recursos, tem natureza jurídica de ação penal. [28] Finalmente, há que se compreender a natureza jurídica da revisão criminal sob a ótica de José Frederico MARQUES, pois para o autor "a revisão criminal é ação penal constitutiva, de natureza complementar, destinada a rescindir sentença condenatória em processo findo. Ela é ação constitutiva porque visa desfazer os efeitos de sentença condenatória". [29] Para primoroso entendimento da natureza jurídica da revisão criminal são as palavras de Paulo RANGEL:

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A revisão criminal, não obstante encontrar-se, topograficamente, no Livro III, Título II, Capítulo VII, do Código de Processo Penal, não tem natureza de um recurso, pois este pressupõe decisão NÃO transitada em julgado e é interposto dentro da mesma relação jurídico processual. Porém, a revisão criminal somente pode ser proposta após o trânsito em julgado e instaura uma nova relação jurídico processual. Assim, a natureza jurídica da revisão criminal é de uma ação autônoma de impugnação regida pelo processo de conhecimento, constitutiva negativa, cuja pretensão é de liberdade. [30]

Não obstante a revisão criminal encontre-se elencada no Título II do nosso Código de Processo Penal, não pode ser considerada um recurso, pois este é cabível de decisões não alcançadas pela coisa julgada. A revisão criminal é ação autônoma impugnativa [31] da sentença alcançada pela coisa julgada, uma vez que pressupõe o transito em julgado da sentença penal condenatória e instaura nova relação jurídica processual. [32]

A legitimidade ativa para a ação de revisão criminal está estabelecida no artigo 623 do Código de Processo Penal. Tal dispositivo estabelece que a revisão poderá ser requerida pelo próprio réu, por seu procurador habilitado e, no caso de sua morte, pelo cônjuge, descendente, ascendente ou ainda pelo irmão. Á vista da concepção de família inserida na atual Constituição Federal, deve-se fazer uma interpretação extensiva do termo "cônjuge" para que a companheira ou companheiro sejam legitimados a propor a revisão. [33]

No caso de falecimento do condenado no curso da revisão, o presidente do tribunal nomeará curador, que será parte legítima para prossecução da ação.

Questão interessante que se coloca sobre a legitimação ad causam é relativa à presença do advogado para propositura da revisão criminal. Alguns autores [34] consideram a possibilidade da propositura do pedido revisional sem a presença de um advogado, outros, em contrapartida, entendem ser irrecusável a presença de um advogado devidamente habilitado nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. [35] Para obter-se uma melhor solução, deve-se buscar um ponto de equilíbrio entre o amplo acesso à Justiça e a defesa da liberdade com o princípio da indisponibilidade do advogado. [36]

Para maior parte da doutrina, o legitimado passivo do pedido de revisão criminal será o Ministério Público, representando o Estado-administração. [37] Entretanto, há autores que sustentam não haver parte passiva no pedido revisional, eis que o Ministério Público não intervém na revisão como parte contrária ao condenado e àquele não interessaria contrariar o pedido de revisional fundando em erro judiciário. [38]

1.3 ASPECTOS PROCEDIMENTAIS

1.3.1 Hipóteses de Cabimento

Inicialmente, da simples leitura do artigo 621, caput, do Código de Processo Penal, extraí-se que a primeira condição para que se admita o pedido revisional é a existência de sentença penal condenatória em processo findo. Por "processo findo" há que ser entender como existência de acórdão ou sentença penal condenatória transitada em julgado. [39] Sobre a essencialidade da certificação da ocorrência do transito em julgado da sentença, é a manifestação de Fauzi Hassan CHOUKR:

A revisão criminal não é um recurso porque instaura uma relação processual completamente diversa da anterior. Tem a revisão como um dos seus pressupostos, inclusive, a necessidade do encerramento completo da ação precedente, com a certificação de seu transito em julgado vez que, justamente seu objetivo é o de desconstituí-lo. A certificação da ocorrência do trânsito em julgado é essencial para que se possa exercer a revisão criminal. [40]

É, portanto, pressuposto essencial da ação de revisão criminal o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, que contenha error in procedendo ou error in judicando (erro de procedimento ou erro de julgamento). Pendendo qualquer recurso contra a sentença, não se admitirá a revisão criminal, sendo este o sentido da expressão "processo findo". [41]

O legislador fixou limites ao âmbito de incidência da revisão, determinando expressamente as hipóteses de cabimento no artigo 621 do Código de Processo Penal. Logo, as hipóteses de cabimento da revisão criminal se restringem aos casos admitidos em lei, sendo o rol estabelecido no referido artigo é taxativo, na medida em que se procura acautelar a segurança jurídica da coisa julgada. [42] A delimitação contida no referido dispositivo é de suma importância e necessidade, pois, se assim não fosse, geraria grande instabilidade e não haveria o resguardo da coisa julgada.

O primeiro fundamento da revisão criminal, prevista no inciso I do artigo 621 do Código de Processo Penal trata da hipótese de contrariedade da sentença condenatória com o texto expresso da lei penal.

Contrária ao texto expresso da lei é a sentença proferida em desconformidade com o que a lei estabelece. A contrariedade a que a lei se refere autoriza a propositura da revisão criminal tanto em situações em que haja ofensa às regras da lei material, quanto em situações que haja ofensa às regras da lei processual e não se restringe à violação de normas estritamente penais ou apenas de lei em sentido estrito. [43]

A interpretação controvertida dos tribunais não viola o texto expresso da lei, todavia, passando a haver posicionamento pacífico oposto, a revisão passa a ser admitida, em face de uma interpretação extensiva do artigo. [44] Da mesma forma com que a lei penal nova mais benigna retroage, a mudança de entendimento jurisprudencial também deve ter igual efeito, desde que orientação seja relevante e pacífica, sendo a revisão criminal o meio para a obtenção deste fim. [45] OLIVEIRA, em sua obra Curso de Processo Penal explica:

Contrariedade ao texto da lei, enquanto fundamento da ação, é, portanto, em regra, a reabertura da discussão enquanto à mais adequada interpretação do Direito, em atenção às peculiaridades do caso concreto. A amplitude de tal via dependerá da demonstração do grau de alteração hermenêutica sobre o tema. Poderá, ainda, tratar-se de alegação de contrariedade ao texto da lei, na hipótese de necessidade de alteração do Direito Penal aplicado, no que concerne à correta dosimetria da pena, à classificação correta do tipo penal ao fato imputado e reconhecido na decisão, ou a qualquer outra circunstância que tenha influência na fixação da pena. A contrariedade aqui será ainda acerca da questão de direito (e não de provas), ainda que sobre os fatos. [46]

A segunda hipótese de revisão contemplada no inciso I artigo 621 do Código de Processo Penal trata da possibilidade de a sentença condenatória ser contrária à evidência dos autos. Sobre esse fundamento, são as palavras de Edilson Mougenot BONFIM em seu Código de Processo Penal Anotado:

Nesse caso a contrariedade há de ser clara, frontal, estando a sentença em total descompasso com o conjunto probatório trazido durante a instrução. Com efeito, não basta a alegação de insuficiência ou precariedade dos elementos de prova, quando a condenação encontra respaldo nas provas carreadas aos autos. Há, porém, de ser respeitado o livre convencimento do julgador, mesmo que não embase sua decisão na versão predominante, conquanto esteja apoiada nos elementos de prova dos autos, mesmo que sejam aqueles produzidos à época da condenação. [47]

A contrariedade a que a lei faz referência há de ser evidente, representada pela sentença que se separa de todos os elementos probatórios suscitados durante a instrução, resguardado, entretanto, o exercício do livre convencimento do juiz, adotado por nosso sistema. Adotando entendimento diverso sobre esta hipótese de cabimento de revisão criminal, é o sustentando por LOPES JUNIOR em sua obra Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional:

Ainda que o senso comum teórico e jurisprudencial costume afirmar que a contrariedade deve ser "frontal", completamente divorciada dos elementos probatórios do processo, para evitar uma nova valoração da prova enfraquecendo o livre convencimento do juiz, pensamos que a questão exige uma leitura mais ampla. (...) Quando o tribunal julga uma revisão criminal, está, inexoravelmente, revalorando a prova e comparando-a com a decisão do juiz. (...) Não vemos como negar que neste momento ocorre, verdadeiramente, um juízo sobre o juízo do juiz. (...) Seria patológico que um desembargador, ao julgar uma revisão criminal, dissesse: eu não vejo prova suficiente para condenar e teria absolvido, mas, como existe "alguma" prova a amparar a tese acusatória (até porque, sempre existe "alguma" prova, sob pena de a denúncia nem ser recebida...), tenho que manter a (injusta) condenação... Ora, isso seria um contrassenso. [48]

Para o autor, a incerteza processual deve ser solucionada através do princípio in dúbio pro reo e da presunção constitucional da inocência. Embora, tradicionalmente apenas a decisão penal condenatória "frontalmente" contrária à evidência dos autos possa ser revisada, tal reducionismo não há mais de ser admitido, considerando nossa Constituição da República e o processo penal democrático. [49]

O inciso II do artigo 621 do Código de Processo Penal cuida da situação em que a sentença condenatória é fundada em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos. "Ou seja, a decisão acerca do caso penal está contaminada, pois se baseou em depoimentos, exames ou documentos falsos (portanto, o vício é de natureza penal, na medida em que essas falsidades constituem crimes autônomos). Essa prova penalmente viciada acaba por contaminar a sentença, que deve ser rescindida". [50]

Ressalta-se que a mera existência de prova falsa no processo, por si só, não autoriza a propositura da revisão criminal. Além da falsidade da prova, faz-se necessário que a sentença condenatória passada em julgado baseie-se, fundamentalmente, no elemento probatório falso, como bem explica MARQUES:

A falsidade da prova pode localizar-se ou no depoimento testemunhal, ou no laudo dos peritos, ou em algum documento. Desde que a sentença condenatória se fundou em elemento ou elementos de convicção comprovadamente falsos, evidenciado fica o error facti in judicando. Claro está que a prova do depoimento falso, ou da falsidade da perícia ou do documento, só importará a rescisão da sentença condenatória, se a base desta foi justamente esse elemento probatório que se demonstrou ser falso. [51]

Para admitir-se a revisão criminal, com fundamento no inciso II do artigo 621 do Código de Processo Penal, é necessário que tenha a sentença condenatória alicerce exclusivamente na prova falsa. Havendo outras provas válidas, que demonstrem a plausividade da manutenção da sentença condenatória, a revisão deve ser indeferida. [52]

Finalmente, o inciso III do artigo 621 do Código de Processo Penal admite a revisão criminal quando, após a sentença definitiva, surjam novas provas no sentido de inocentar o condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição da pena. Sobre o assunto são as palavras de OLIVEIRA:

O fundamento, então, é eminentemente de revisão de provas, quando se sustentará a existência de material probatório não apreciado no processo anterior. De tais provas poderá surgir a inocência, ou a não-culpabilidade do condenado, ou até a demonstração de circunstância não reconhecida anteriormente, cuja conseqüência seja a diminuição da pena. (...) A única exigência é no sentido de que se trate de novas provas. Por provas novas não se há de entender apenas aquelas surgidas posteriormente, mas todas aquelas que não tiverem sido objeto de apreciação judicial anterior, afinal não se pode estender o campo preclusivo dos atos processuais para além das exigências da realização do Direito. A inocência, nesse passo, ocupa espaço de proeminência. [53]

Nesta situação, para que seja admitido o pedido revisional, faz-se necessário o surgimento de novas provas acerca da inocência do réu ou de circunstância que determine ou autorize diminuição da pena. Por novas provas há de se entender aquelas que já existiam, porém não foram produzidas quando da instrução do processo ou as supervenientes a sentença condenatória alcançada pela coisa julgada. [54]

Os incisos I, II e III do artigo 621 do Código de Processo Penal, ao estabelecerem as hipóteses de cabimento da revisão, referem-se aos termos "sentença condenatória" e "condenado". Entretanto, a sentença absolutória imprópria, deve ser incluída no conceito de sentença condenatória, pois tem conteúdo eminentemente sancionatório. [55]

Cabe ressaltar também, que a revisão não se presta ao reexame de provas já avaliadas, uma vez que não exerce a função de uma segunda apelação. Contudo, como já mencionado, não se obsta a utilização de elementos instrutórios produzidos preexistentes a sentença condenatória, desde que não tenham sido apreciadas pelos órgãos judicantes antecedentes. [56]

1.3.2 Prazo, Reiteração e Competência

A revisão poderá ser requerida a qualquer tempo, antes ou após a extinção da pena, de acordo com reconhecimento explícito do artigo 622 do Código de Processo Penal. Destinada a corrigir o erro judiciário, a revisão criminal não está subordinada a prazo algum. A qualquer tempo, comprovada a ilegalidade ou erro na sentença penal condenatória com transito em julgado, é possível o pedido revisional, uma vez que o erro judiciário não pode obter força de coisa julgada. [57] Neste sentido, são as palavras de TORNAGHI:

Em qualquer tempo, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o meio idôneo para reparar o erro judiciário é a revisão. Portanto, mesmo depois de morto o condenado, como aliás está expresso no art. 623. (...) A revisão tem por finalidade uma reparação total do erro judiciário; compreende-se, por isso, que ela possa ser pedida não somente para evitar o cumprimento da pena, mas também para a reabilitação moral da vítima do erro, mesmo depois de extinta a pena. [58]

A ação revisional não está subordinada a prazo algum, podendo ser requerida em qualquer momento, mesmo após o cumprimento da pena ou da morte do condenado. A imprescritibilidade da revisão criminal é fundada em seus efeitos, que não somente reparam o erro judiciário e evitam o cumprimento da pena, mas também restauram a dignidade e a moral da vítima do erro.

Cabe salientar, porém, que, se no decorrer do processo ocorrer extinção da punibilidade previamente a sentença, será inviável a revisão, posto que nesta situação não há uma sentença com conteúdo condenatório para ser revisada, mas sim uma decisão declaratória da extinção da punibilidade. [59] Extinta a punibilidade no tocante a pretensão punitiva do Estado não é cabível o ajuizamento do pedido revisional , pois ao Estado não há mais o direito de punir.

Não é possível a reiteração do pedido revisional, salvo se fundado em novas provas, conforme previsão do parágrafo único do artigo 622 do Código de Processo Penal. "A razão é obvia, pois não podem os tribunais ficar ao dispor de réus sempre sequiosos da liberdade, impecendo e estorvando a marcha regular de seus serviços, por via de pedidos que são simples repetição do já indeferido e que assim terão o mesmo destino". [60]

Nosso Diploma Processual Penal restringe a possibilidade de reiteração do pedido revisional como forma de limitar a liberdade concedida ao condenado para requerer a revisão, não obstante, tal limitação imposta pelo parágrafo único do referido dispositivo deve ser analisada com cuidado, pois o que não se admite é a reiteração do pedido baseado no mesmo caso penal, com igual pedido e mesmo réu. Em vista disto, havendo alteração em relação a estes elementos, configura-se uma nova ação, não tendo aplicabilidade a restrição prevista no parágrafo único, do artigo 622, do Código de Processo Penal. [61]

A competência para o processamento e o julgamento da revisão criminal está estabelecida no artigo 624 do Código de Processo Penal, com redação determinada pelo Decreto-Lei nº 504 de 18 de março de 1969, que assim prevê: a) competência do Supremo Tribunal Federal quanto às condenações por ele proferidas; b) competência do Tribunal Federal de Recursos e dos Tribunais de Justiça ou de Alçada, nos demais casos.

Com a chegada da Constituição da República de 1988, extingue-se o Tribunal Federal de Recursos, sobrevindo os Tribunais Regionais Federais. Logo, atualmente, são competentes o Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar a revisão das condenações por eles proferidas e, nos casos de condenações de primeiro e segundo grau, competentes serão os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais.

Nossa Constituição da República também prevê a competência para a revisão criminal em vários de seus dispositivos, podendo-se sustentar, em resumo, que todos os tribunais com competência penal, inclusive o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Eleitorais e Militares, tem competência para processar e julgar a revisão criminal. [62] OLIVEIRA explica que "a competência para o processo e julgamento da revisão criminal é sempre de um órgão colegiado da jurisdição togada. Como se trata de revisão, e não de recurso, caberá ao próprio tribunal prolator da decisão revidenda a competência para a referida ação". [63]

Há que se salientar, porém, que quando os Tribunais Superiores não conhecem do recurso especial ou extraordinário interposto, não são competentes para o julgamento do pedido revisional, eis que, nessa situação, não apreciaram o mérito da sentença condenatória. [64]

Ainda, a respeito da competência para processar e julgar os pedidos revisionais, nosso Código de Processo Penal estabelece algumas normas de competência interna. Com a redação determinada pelo Decreto-Lei nº 504 de 18 de março de 1969, nosso Diploma Processo Penal prevê que o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Federal de Recursos seguirão o previsto em seus respectivos regimentos internos. Determina ainda que, o julgamento nos Tribunais de Justiça ou Alçada sejam efetuados por câmaras ou turmas criminais em sessão conjunta ou, quando não houver mais de uma, pelo tribunal pleno. Estabelece por fim que, poderão ser formados dois ou mais grupos de câmaras ou turmas criminais para o julgamento do pedido revisional, nos tribunais onde houver quatro ou mais câmaras ou turmas.

Da leitura dos dispositivos estabelecidos no nosso Código de Processo Penal, que tratam da competência para processar e julgar os pedidos revisionais infere-se que é essencial consultar o Regimento Interno do respectivo tribunal, tendo em vista que lá estarão previstas normas da organização interna.

1.3.3 Efeitos

Conforme previsão do artigo 626 e parágrafo único do Código de Processo Penal, procedente a revisão criminal, poderá o tribunal: a) alterar a classificação da infração; b) absolver o réu; c) modificar a pena; d) anular o processo. Sendo vedado, entretanto, agravar a pena imposta pela decisão revista.

Inicialmente, salienta-se que a primeira hipótese prevista no referido artigo revela que o pedido revisional é cabível tanto em processo criminal como em processo contravencional, posto que o dispositivo fala em "infração", abrangendo desta forma, tanto o crime quanto a contravenção penal. Para exemplificar, o tribunal pode alterar a classificação de um crime de furto qualificado para um furto simples; de um crime de estupro para um de sedução, sendo, contudo, como já mencionado, inadmissível agravar a situação do condenado. [65]

A segunda situação prevê a hipótese de absolvição do réu. A absolvição, como efeito da revisão criminal, consoante o disposto no artigo 627 do Código de Processo Penal, resulta no restabelecimento dos direitos perdidos em virtude da condenação, com vistas à restauração do status dignitatis. [66]

A modificação da pena é outro efeito da revisão criminal. Como exemplo, citamos a situação hipotética em que o réu, ainda que possua bons antecedentes e seja primário, é condenado pelo crime de furto qualificado a uma pena de oito anos de reclusão. Neste caso, o tribunal, poderá modificar a pena, diminuindo o quantum fixado, uma vez que a sentença é contrária à lei penal. [67]

O ultimo efeito decorrente da revisão criminal, se julgada procedente, é a anulação do processo. Alguns autores [68] afirmam a impossibilidade jurídica da revisão criminal, baseada na nulidade. Porém, a doutrina majoritária [69] manifesta-se no sentido de ser a existência de nulidade um fundamento para o pedido revisional por imposição legal do dispositivo 626 do Código de Processo Penal.

Conforme prevê o parágrafo único do artigo 626 do Diploma Processual Penal e segundo entendimento doutrinário predominante [70], em hipótese alguma a decisão proferida no pedido revisional poderá agravar a pena imposta pela decisão revista, eis que não existe na legislação pátria a revisão pro societate [71], que visaria à alteração da sentença penal transitada em julgado favorável ao réu.

Ainda, sobre os efeitos da procedência da revisão criminal, é o estabelecido no artigo 630 do Diploma Processual Penal que dispõe sobre a possibilidade de o interessado requerer, perante o tribunal, justa indenização pelos prejuízos sofridos, a ser liquidada no juízo cível, contra o Estado quando se tratar de condenação proferida pela Justiça Estadual ou contra a União na hipótese de condenação proferida pela Justiça Federal.

As alíneas a e b, do §2º, do artigo 630 do Código de Processo Penal apresentam-se como restrições ao direito de o interessado requerer justa indenização pelos prejuízos sofridos, uma vez que ela não será devida se o erro da decisão tiver sido causado pelo próprio condenado, como a ocultação de prova em seu poder ou a confissão, ou se a acusação tiver sido simplesmente privada. [72]

De acordo com o artigo 37, §6º, da Constituição da República [73] a responsabilidade do Estado é objetiva, sendo também, conforme o artigo 5º, inciso LXXV, da Carta Magna [74], indenizável o erro judiciário. A conduta danosa atribuída ao Estado sucede do ato decisório, pois é ele que produz a condenação. Neste sentido, a exclusão de responsabilidade prevista nas alíneas do §2º, do artigo 630, do Código de Processo Penal não se justificam, eis que não recepcionadas pela Constituição da República de 1988. Não há que se isentar a responsabilidade do Estado nos casos de ação penal de iniciativa privada, pois o ato danoso decorre de erro no julgamento e não da acusação. A situação de não cabimento de indenização quando o erro da condenação proceder de ato imputável ao próprio impetrante é mais complexa, tendo em vista que não há consenso quanto a responsabilidade objetiva do Estado nos casos em que o fato danoso é proveniente de dolo ou culpa da própria vitima. [75]

1.3.4 Revisão Criminal e Tribunal do Júri

Assunto interessante em sede de revisão criminal é a sua compatibilidade com as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, face ao princípio da soberania dos veredictos. Atualmente a doutrina majoritária manifesta-se no sentido de ser possível a revisão criminal em relação aos veredictos proferidos pelo Tribunal do Júri. [76] Assim é que para OLIVEIRA:

... o princípio da soberania dos veredictos e mesmo a garantia do próprio Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida foram instituídos em favor dos interesses da defesa. E, por isso, são garantias constitucionais individuais. Ora, a admissibilidade de uma revisão desses julgados em favor do condenado mantém-se na linha da preservação dos interesses da defesa, vedado que é, também ali, a reformatio in pejus (art. 626, parágrafo único, CPP), devendo ser recebida como mais uma garantia posta à disposição do cidadão. Preserva-se, então, a soberania dos veredictos, enquanto pena máxima a ser aplicada. [77]

Em que pese serem o princípio da soberania dos veredictos e o Tribunal do Júri garantias constitucionais individuais estabelecidas em favor dos interesses da defesa, ao se admitir a revisão dos julgados proferidos pelo Tribunal Popular, em favor do condenado, manter-se-ia os tais interesses, pois mantido também o princípio da reformatio in pejus. A decisão condenatória proferida pelo Tribunal do Júri é passível de ação revisional, pois esta é direito individual advinda da Carta Magna, tanto quanto o julgamento perante o Tribunal do Júri.

O Tribunal do Júri pode errar, e essa falha pode ser contra o condenado, neste sentido, nada obsta que este possa recorrer à revisão criminal, também estabelecida em seu favor, para remediar as imperfeições daquela decisão. Além do mais, vale lembrar que a Constituição da República prevê a amplitude da defesa com os recursos a ela inerentes, por meio do dispositivo constitucional artigo 5º, inciso LV, e a revisão criminal vem ao encontro deste amparo constitucional. [78]

A soberania dos veredictos [79] há de ser relativizada quando causar prejuízos ao condenado por uma prestação jurisdicional errônea. As garantias constitucionais da dignidade, liberdade e ampla defesa devem sobrepor-se à soberania dos veredictos, para que sejam supridos os erros que resultaram em uma decisão injusta. [80]

1.4 REVISÃO CRIMINAL COMO INSTRUMENTO DE TUTELA DA LIBERDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Nossa Lei Maior concedeu assento constitucional à coisa julgada e à segurança jurídica por meio do artigo 5º inciso XXXVI da Constituição da República [81], em face da importância da imutabilidade dos efeitos da sentença, que visam garantir o direito e conseqüentemente a paz social. [82]

O juiz deve procurar aplicar a lei sempre, eis que subordinado a ordem jurídica. Entretanto a decisão por ele proferida pode não ter sido justa, afastando-se assim, da causa finalis da jurisdição. Deste modo, em casos excepcionais e exaustivamente previstos pelo legislador, a inalterabilidade da coisa julgada pode ser afastada, para que se corrijam erros in procedendo ou erros in judicando, através da ação de revisão criminal que realiza a restauração do erro judiciário. [83] A falibilidade humana, portanto, é a base principal de existência da revisão criminal. Através deste instituto busca-se reparar o erro judiciário, em nome da restauração da dignidade e da liberdade do condenado. Sobre o respeito à coisa julgada e a possibilidade de rever decisões não mais sujeitas a recursos é a manifestação de Guilherme de Souza NUCCI:

O respeito à coisa julgada constitui garantia individual do ser humano, inserta, expressamente, no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Como poderia, então, haver revisão criminal de julgados contra os quais não mais cabe qualquer recurso? A resposta é encontrada justamente na natureza, também de garantia constitucional atribuída à revisão criminal (...). E inexistindo hierarquia entre os direitos e garantias individuais, devendo reinar entre eles a harmonia e a flexibilidade, a fim de se alcançar o bem comum, é curial proporcionar, como regra, ao cidadão o fiel respeito à coisa julgada. Porém, em situações excepcionais, nada impede o uso da revisão criminal para sanar o erro judiciário, mal maior, que deve ser evitado a qualquer custo. [84]

Em que pese a segurança jurídica, representada pela coisa julgada, seja uma garantia individual expressamente prevista na Constituição da República é também a revisão criminal uma garantia constitucional. Diante da não hierarquia entre tais garantias, faz-se necessário harmonizá-las, sendo, portanto, completamente aceitável que, em situações taxativamente previstas, admita-se a ação revisional a fim de sanar injustiças provenientes do erro judiciário.

No Estado Democrático de Direito em que vivemos, a privação da liberdade de um individuo somente pode ocorrer se respeitados os procedimentos estabelecidos em lei, com vistas a garantir o principio fundamental da dignidade da pessoa humana. Assim é possível estabelecer que a revisão tem por objeto as garantias e direitos constitucionais, que se traduzem, essencialmente, na dignidade da pessoa humana. [85] Para magistral compreensão da revisão criminal como instrumento de tutela da liberdade e da dignidade da pessoa humana, são as palavras de LOPES JUNIOR:

A revisão criminal situa-se numa linha de tensão entre a "segurança jurídica" instituída pela imutabilidade da coisa julgada e a necessidade de desconstituí-la em nome do valor da justiça. Se de um lado estão os fundamentos jurídicos, políticos e sociais da coisa julgada, de outro está a necessidade de relativização deste mito em nome das exigências da liberdade individual. [86]

Em atenção à justiça e, principalmente, à liberdade individual, relativiza-se a imutabilidade da sentença penal condenatória para correção de erros judiciários por meio da revisão criminal. Conforme o Preâmbulo da nossa Constituição da República, liberdade e justiça são valores máximos da sociedade. Ainda, nossa Carta Magna ao elencar as garantias e direitos fundamentais, determina respeito à lei, à liberdade e, ao estabelecer os princípios fundamentais assegura proteção ao principio da dignidade da pessoa humana. Logo, a decisão condenatória contra a lei atenta a dignidade da pessoa humana, que suporta as conseqüências de um erro judiciário. [87]

O que se deve almejar não é o sacrifício da Justiça em nome da segurança, mas sim compatibilizar a segurança com a Justiça, disciplinando a reparação dos erros judiciários. Assim, a revisão criminal deve ser entendida como instrumento do direito processual penal que valoriza a segurança jurídica representada pela coisa julgada, eis que a sociedade conta com a estabilidade de uma sentença justa e não com a perpetuidade de uma decisão caracterizada por erro judiciário. [88]

Neste contexto, o Ministério Público assume papel de suma relevância, uma vez que, cabe a ele a defesa da ordem jurídica e o zelo dos interesses sociais e individuais indisponíveis, estando aqui, indubitavelmente inserido o direto à liberdade. Para melhor compreensão acerca da importância do Ministério Público neste sentido, faz-se necessário identificar seu desenvolvimento constitucional e suas funções no processo penal, como adiante se fará.

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Sobre a autora
Karina de Almeida Tres

Bacharel em Direito - Faculdades Integradas do Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRES, Karina Almeida. Da (i)legitimidade e do Ministério Público como fiscal da lei para propor a revisão criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2859, 30 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19012. Acesso em: 22 dez. 2024.

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