I – INTRODUÇÃO [01]
Coube-me tratar especificamente dos recursos em espécie previstos no Código de Processo Penal projetado, ora em tramitação na Câmara dos Deputados (Projeto de Lei do Senado nº. 156/2009), depois de ter sido aprovado no Senado Federal (Parecer nº. 1.636/2010).
Não houve preocupação em abordar a reforma processual penal brasileira como um todo.
Igualmente, não escreverei sobre as disposições gerais pertinentes aos recursos.
Tampouco, e por evidente, tratarei das ações autônomas de impugnação - Revisão Criminal, Habeas Corpus e Mandado de Segurança.
Portanto, incumbir-me-ei especificamente em analisar cada um dos meios recursais estabelecidos no Projeto de Lei do Senado nº. 156/2009.
II – DO AGRAVO
Os arts. 473 a 479 tratam do recurso denominado simplesmente de agravo, em substituição ao "atual" Recurso em Sentido Estrito. Lamentavelmente, repetiu-se o equívoco em indicar exaustivamente as decisões agraváveis, ao invés de estabelecer, genericamente, a possibilidade deste recurso contra as decisões interlocutórias [02], o que acabaria, em grande parte, com a (forçosa) interposição da correição parcial e com a impetração de mandados de segurança (por parte acusação), pois muitas decisões interlocutórias de natureza penal simplesmente continuarão irrecorríveis por força da taxatividade do rol estabelecido no art. 473, impelindo o Ministério Público, o querelante (na ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública) e, algumas vezes, o assistente da acusação, a continuar manejando a correição parcial e o mandado de segurança para combaterem decisões que lhe foram desfavoráveis. Quanto ao réu, continuará tendo o caminho do habeas corpus, nada obstante as restrições inadmissíveis impostas pelos nossos tribunais a esta garantia constitucional (vide, a título de exemplo, o Enunciado 691 da súmula do Supremo Tribunal Federal e a impossibilidade de revolvimento do conjunto probatório e do aprofundado exame de provas, conforme iterativa jurisprudência do Pretório Excelso).
De toda maneira, e nada obstante a taxatividade das hipóteses elencadas no referido artigo, será possível a utilização da analogia e a interpretação extensiva, com fundamento no disposto no art. 6º., do projeto, segundo o qual "a lei processual penal admitirá a analogia e a interpretação extensiva, vedada, porém, a ampliação do sentido de normas restritivas de direitos e garantias fundamentais". A vedação legal, evidentemente e muito pelo contrário, não atinge os dispositivos que tratam de recursos. O que não será possível, em respeito à regra da taxatividade dos recursos, é ampliar a utilização do agravo para situações não previstas no rol estabelecido na lei e não passíveis de serem abrangidas por interpretação extensiva. [03]
O agravo poderá ser interposto no prazo de dez dias.
Caberá contra a decisão que receber, no todo ou em parte, a denúncia, a queixa subsidiária ou os respectivos aditamentos, bem como da que indeferir o aditamento da denúncia ou da queixa subsidiária (aqui temos um exemplo do chamado recurso pro et contra, cabível nas duas hipóteses de sucumbência, ao contrário daquele secundum eventum litis).
Ainda que cabível o recurso, entendo que se as decisões de recebimento da denúncia, queixa subsidiária e aditamentos traduzirem manifesta ilegalidade ou abuso de poder, e tendo em vista a potencial ameaça ao direito à liberdade (ínsita sempre que alguém responde a um processo por crime), não se poderá deixar de admitir, ainda que excepcionalmente, a impetração de habeas corpus para afastar imediatamente, e com mais eficácia, a referida ameaça. Como se sabe, esta garantia constitucionaldeve ser também conhecida e concedida sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Logo, se a medida foi abusiva (não necessária), cabível a utilização do habeas corpus que visa a tutelar a liberdade física, a liberdade de locomoção do homem: ius manendi, ambulandi, eundi ultro citroque. Como já ensinava Pontes de Miranda, em obra clássica sobre a matéria, é uma ação preponderantemente mandamental dirigida "contra quem viola ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir." [04] (grifo nosso). Para Celso Ribeiro Bastos "o habeas corpus é inegavelmente a mais destacada entre as medidas destinadas a garantir a liberdade pessoal. Protege esta no que ela tem de preliminar ao exercício de todos os demais direitos e liberdades. Defende-a na sua manifestação física, isto é, no direito de o indivíduo não poder sofrer constrição na sua liberdade de se locomover em razão de violência ou coação ilegal." [05] Aliás, desde a Reforma Constitucional de 1926 que o habeas corpus, no Brasil, é ação destinada à tutela da liberdade de locomoção, ao direito de ir, vir e ficar, e, "desde a Constituição de 1946 é admissível a tutela antecipada mesmo em situações em que a prisão constitua evento apenas possível a longo prazo - essa característica tem permitido que o habeas corpus seja, entre nós, um remédio extremamente eficaz para o controle da legalidade de todas as fases da persecução criminal." [06]
E da decisão que não receber a denúncia ou a queixa subsidiária? Caberá apelação, já que se trata de uma decisão que extingue o processo, nos termos do art. 267, I e II: "São causas de extinção do processo, sem resolução do mérito, a qualquer tempo e grau de jurisdição: I – o indeferimento da denúncia ou queixa subsidiária; II – a ausência de quaisquer das condições da ação ou de justa causa, bem como dos pressupostos processuais".
Será igualmente agravável a decisão interlocutória na qual o Juiz decida acerca da competência do Juízo, seja declarando ou infirmando a competência (recurso também pro et contra). A propósito, segundo o projeto de lei, a incompetência territorial poderá ser reconhecida pelo Juiz de ofício (arts. 95, § 1º. e 443) ou no julgamento da respectiva exceção (art. 442). Em ambos os casos, as decisões serão agraváveis.
A decisão de pronúncia (art. 327) também desafiará este recurso, hipótese em que terá sempre efeito suspensivo, impedindo, portanto, a realização da sessão do Tribunal do Júri.
Também comportarão recurso de agravo as várias decisões relativas às medidas cautelares, sejam reais ou pessoais, a saber: as que deferirem, negarem, impuserem, revogarem, prorrogarem, mantiverem ou substituírem-nas. Estas medidas cautelares, reais e pessoais, estão disciplinadas e indicadas nos arts. 525 a 654 do PLS. Nada obstante a previsão recursal, entendo, pelos mesmos motivos ditos acima, ser cabível, excepcionalmente, o remédio heróico para evitar dano imediato e irreparável à liberdade de locomoção do indiciado ou acusado, quando patente a ilegalidade ou o abuso de poder (por exemplo, quando decretada a medida cautelar por Juiz incompetente ou tratar-se de decisão sem fundamentação [07]).
Também caberá agravo sempre que o Juiz conceder, negar ou revogar a suspensão condicional do processo, em qualquer das hipóteses previstas no Código (ou mesmo, e eventualmente, em lei extravagante, salvo disposição em contrário). Veja-se no projeto de lei o art. 266 ("Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)", bem como o art. 150: "Se o acusado, citado por edital, não apresentar resposta escrita, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar, mediante requerimento do Ministério Público ou do defensor público, a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar quaisquer das medidas cautelares previstas no art. 533".
Outrossim, são passíveis da utilização do agravo as decisões sobre produção e licitude da prova e seu desentranhamento ("Art. 167. São inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos e as delas derivadas. Parágrafo único. A prova declarada inadmissível será desentranhada dos autos e arquivada sigilosamente em cartório"), e também quando o Juiz recusar a homologação do acordo no procedimento sumário, previsto no art. 283.
Da decisão que inadmitir a apelação também caberá agravo, no prazo de dez dias, nos próprios autos do processo. Neste caso, o Juiz de Direito não poderá negar seguimento ao agravo, ainda que intempestivo. Se o fizer, para a acusação será cabível a interposição de correição parcial (ou mandado de segurança), e para a defesa o habeas corpus. Observa-se, mutatis mutandis, que a orientação já firmada pelo Supremo Tribunal Federal é a de que "os órgãos jurisdicionais de origem não podem reter o processamento de agravo de instrumento, destinado a assegurar o conhecimento de recurso extraordinário que sofreu juízo negativo de admissibilidade." (Reclamação 6074, relator Ministro Joaquim Barbosa).
Por fim, nos tribunais, da decisão que inadmitir o recurso extraordinário ou o recurso especial caberá agravo, no prazo de dez dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça.
Quanto ao procedimento, o agravo deverá ser interposto diretamente no tribunal competente (todavia, poderá a petição do agravo ser postada no correio com aviso de recebimento ou transmitida por meio eletrônico, na forma da lei ou dos regimentos internos dos tribunais), e a sua interposição não retardará o andamento do processo O relator sorteado para o recurso poderá, a seu critério, dar-lhe efeito suspensivo quando, sendo relevante a fundamentação do pedido, da decisão puder resultar lesão irreparável ou de difícil reparação (presentes, portanto, o fumus boni juris e o periculum in mora). Esta decisão somente é passível de reforma no julgamento do agravo, salvo se antes o relator a reconsiderar. Neste caso, ou seja, havendo reconsideração por parte do relator, entendo cabível o agravo regimental previsto no art. 39 da Lei nº. 8.038/90, caso haja evidente gravame causado ao agravante.
A petição de agravo será obrigatoriamente instruída com cópias da denúncia ou da queixa subsidiária, aditamentos e respectivas decisões de recebimento ou indeferimento, bem como da decisão agravada, certidão da respectiva intimação, além de outras peças que o agravante entender úteis; a formação do instrumento ficará a cargo do agravante, que declarará, sob as penas da lei, a autenticidade dos documentos juntados
É necessário e imprescindível que o recorrente, no prazo de três dias, requeira a juntada, aos autos do processo principal, de cópia da petição do agravo e do comprovante de sua interposição, assim como a relação dos documentos que o instruíram. Se não o fizer, o agravo será inadmitido. Neste caso, também entendo cabível o agravo regimental acima referido.
Caberá o juízo de retratação, ou seja, o juiz, em face de cópia da petição do agravo, do comprovante de sua interposição e da relação dos documentos que o instruíram (peças estas que também foram juntadas aos autos), poderá reformar a decisão, devendo ser o relator informado desta nova decisão, a fim de que se considere prejudicado o agravo. Se o Juiz reformar a decisão, entendo ser cabível a interposição de um novo agravo naquelas hipóteses em que cabe o recurso pro et contra (agora impetrado pela parte contrária), ou mesmo a apelação (art. 480, caput, c/c arts. 267 e 268).
No respectivo tribunal, e após a regular distribuição, o relator poderá negar-lhe seguimento, liminarmente, em caso de intempestividade ou quando for manifestamente inadmissível ou estiver prejudicado. Aqui também cabível o agravo regimental.
Se não for o caso de rejeição liminar, o recurso deverá ser conhecido e julgado no mérito se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com Enunciado de súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal. Também se houver Enunciado de súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido da decisão recorrida.
Caso entenda necessário, o relator poderá requisitar informações ao Juiz, que deverá prestá-las em até dez dias. O agravado deverá ser notificado para responder no prazo de dez dias, facultando- lhe juntar documentação que entender conveniente. Atentar para o art. 467 do projeto que exige a resposta do defensor a recurso interposto como condição recursal de validade ("A resposta do defensor é condição de validade do recurso, mesmo que a decisão seja anterior ao oferecimento da denúncia"). Porém, no caso de agravo contra o indeferimento de pedido de produção de prova, o agravado não será notificado se a medida puder comprometer a eficácia do recurso (quando, por exemplo, e por razões óbvias, tratar-se de um indeferimento da interceptação das comunicações telefônicas – arts. 245 e seguintes). Neste caso, entendo, o Juiz deverá fundamentadamente justificar as razões pelas quais não determinou a notificação do agravado, em respeito ao contraditório e à dialeticidade que caracteriza todo e qualquer procedimento recursal.
III – DA APELAÇÃO
Os arts. 480 a 491 tratam do recurso de apelação, cujo prazo de interposição será de quinze dias [08], sendo cabível contra decisões que extingam o processo, com ou sem resolução do mérito, dentre outras, aquelas elencadas no próprio projeto de lei, a saber (arts. 267 e 268):
1. Indeferimento da denúncia ou queixa subsidiária;
2.Ausência de quaisquer das condições da ação;
3.Ausência de justa causa;
4.Ausência dos pressupostos processuais;
5.Impronúncia (art. 328);
6.Absolvição sumária [09];
7.Extinção da punibilidade;
8.Aplicação da pena no procedimento sumário (art. 283);
9.Condenação (art. 423);
10.Absolvição própria e imprópria (art. 421).
De se observar, como dito acima, que caberá agravo quando o Juiz receber, no todo ou em parte, a denúncia, a queixa subsidiária ou os respectivos aditamentos, bem como da que indeferir o aditamento da denúncia ou da queixa subsidiária. As decisões de pronúncia (art. 327) e de desclassificação (art. 332) também desafiarão o agravo.
No caso de extinção da punibilidade, a apelação será cabível, segundo penso, ainda que a decisão tenha sido tomada antes de proposta a ação penal (art. 51), já que se trata de uma decisão de mérito, não agravável, portanto.
Das decisões proferidas pelo Tribunal do Júri caberá apelação:
1.Quando ocorrer nulidade posterior à pronúncia [10] (devendo o réu ser submetido a novo júri, caso procedente a apelação);
2.Quando a sentença do Juiz presidente for contrária a lei expressa ou à decisão dos jurados (caso em que o tribunal apenas fará a devida retificação);
3.Se houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança (também neste caso o tribunal tão-somente procederá à devida retificação) e, por último,
4.Na hipótese de veredicto manifestamente contrário à prova dos autos. Neste último caso, procedente o apelo, o tribunal sujeitará o acusado a novo julgamento, não se admitindo, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação, prevalecendo aqui a soberania dos veredictos (art. 5º., XXXVIII, c).
Caso o réu seja submetido a novo Júri (hipóteses 1 e 4), impossível a reformatio in pejus indireta, ou seja, a nova sentença a ser proferida no segundo julgamento, em nenhuma hipótese, poderá ser mais gravosa que a primeira; neste sentido, ainda que despiciendo (pois decorreria de interpretação constitucional [11]), há regra expressa contendo a proibição (art. 471).
A propósito, por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu pedido de Habeas Corpus (HC 89544) para cassar sentença que agravou a pena de um condenado por homicídio qualificado no terceiro julgamento pelo Tribunal do Júri. Pela decisão, não é possível reformar para pior uma sentença quando somente o réu houver apelado, mesmo em um julgamento do Júri Popular. Segundo afirmou o relator do processo, Ministro Cezar Peluso, a regra da reformatio in pejus, prevista no Código do Processo Penal, também se aplica ao Juiz do Tribunal do Júri. De acordo com ele, esse Magistrado deve "reverenciar" essa regra "no momento do cálculo da pena, sem que isso importe limitação de nenhuma ordem à competência do Conselho de Sentença nem à soberania de seus veredictos". O beneficiado pelo habeas corpus foi julgado três vezes pelo Tribunal do Júri. Na primeira vez, ele foi absolvido. O Ministério Público recorreu e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte determinou um novo julgamento, em que ele foi condenado por homicídio simples a seis anos de reclusão em regime inicial semiaberto. Dessa decisão quem recorreu foi a defesa do acusado, e um terceiro julgamento foi determinado pelo Tribunal de Justiça. Dessa vez, a condenação foi a 12 anos de reclusão em regime integralmente fechado por homicídio qualificado. Com o habeas corpus do Supremo Tribunal Federal, ficou restabelecida a condenação determinada no segundo Tribunal do Júri (Fonte: STF).
Atendendo-se à regra processual da unirrecorribilidade das decisões, o projeto de lei estabelece que quando cabível a apelação, não se admitirá agravo, ainda que se recorra somente de parte da decisão. Exemplo: caberá apelação, e não agravo, contra sentença condenatória, ainda que o apelante se insurja apenas em relação a medida cautelar imposta, mantida, revogada, substituída, etc. (art. 423, parágrafo único).
Quando interposto em favor do acusado, este recurso será recebido também no efeito suspensivo, devendo o juiz decidir, fundamentadamente, sobre a necessidade de manutenção ou, se for o caso, de imposição de medidas cautelares, sem prejuízo do seu conhecimento. Aqui deve prevalecer o princípio constitucional da presunção de inocência e a garantia ao duplo grau de jurisdição. A relativização do princípio e da garantia deve ser absolutamente excepcional e devidamente fundamentada.
Obviamente, como fiscal da lei e órgão de Justiça, o Ministério Público poderá apelar em favor do acusado ("Art. 57. O Ministério Público é o titular da ação penal, incumbindo-lhe zelar, em qualquer instância e em todas as fases da persecução penal, pela defesa da ordem jurídica e pela correta aplicação da lei"). [12]
Nos crimes da competência do Tribunal do Júri ou do Juiz singular, se da sentença absolutória, de impronúncia ou que extinguir a punibilidade não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal, terão legitimidade para o recurso a vítima ou, no caso de menoridade ou de incapacidade, seu representante legal, ou, na sua falta, por morte ou ausência, seus herdeiros, conforme o disposto na legislação civil, ainda que não tenha se habilitado como assistente. Neste caso, o prazo, contado a partir do dia seguinte em que terminar o do Ministério Público (recurso supletivo, portanto), será de cinco dias para o assistente e de quinze dias para a vítima não habilitada e demais legitimados.
Uma observação: a doutrina sempre justificou e admitiu este prazo em triplo concedido à vítima não habilitada como assistente (e aos seus sucessores), exatamente em razão do ofendido (e aquelas demais pessoas) não terem sido intimados da sentença (arts. 425 e 426 do projeto de lei [13]), razão pela qual se justificava um prazo maior pela dificuldade de conhecimento oficial da decisão. No entanto, estabelecendo o projeto de lei que da sentença será também comunicada a vítima, parece-nos, à luz do princípio da igualdade, que o prazo deve ser o mesmo de cinco dias (art. 91: "São direitos assegurados à vítima, entre outros: (...) V – ser comunicada: (...) d) da condenação ou absolvição do acusado. (...) § 2º. As comunicações de que trata o inciso V do caput deste artigo serão feitas por via postal ou endereço eletrônico cadastrado e ficarão a cargo da autoridade responsável pelo ato.").
Ressalte-se, com Humberto Ávila, que a igualdade (que ele denomina de postulado) "estrutura a aplicação do Direito quando há relação entre dois sujeitos em função de elementos (critério de diferenciação e finalidade da distinção) e da relação entre eles (congruência do critério em razão do fim)." Para ele, a proporcionalidade (que também seria um postulado) "aplica-se nos casos em que exista uma relação de causalidade entre um meio e um fim concretamente perceptível. A exigência de realização de vários fins, todos constitucionalmente legitimados, implica a adoção de medidas adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito." [14]
Tal princípio está previsto expressamente no art. 5º., caput da Constituição Federal e "significa a proibição, para o legislador ordinário, de discriminações arbitrárias: impõe que a situações iguais corresponda um tratamento igual, do mesmo modo que a situações diferentes deve corresponder um tratamento diferenciado." Segundo ainda Mariângela Gama de Magalhães Gomes, a igualdade "ordena ao legislador que preveja com as mesmas conseqüências jurídicas os fatos que em linha de princípio sejam comparáveis, e lhe permite realizar diferenciações apenas para as hipóteses em que exista uma causa objetiva – pois caso não se verifiquem motivos desta espécie, haverá diferenciações arbitrárias." [15]
Para Ignacio Ara Pinilla, "la preconizada igualdad de todos frente a la ley (...) ha venido evolucionando en un sentido cada vez más contenutista, comprendiédose paulatinamente como interdicción de discriminaciones, o, por lo menos, como interdicción de discriminaciones injustificadas." [16]
Como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, "há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando a norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada." [17] E se a vítima já faleceu? Entendemos que subsiste a obrigação de comunicação aos seus sucessores. Parece-nos que somente assim poderemos preservar a mens legislatoris (ver art. 92: "Os direitos previstos neste Título estendem-se, no que couber, aos familiares próximos e ao representante legal, quando a vítima não puder exercê-los diretamente, respeitadas, quanto à capacidade processual e legitimação ativa, as regras atinentes à assistência e à parte civil").
Ainda neste caso, observa-se o Enunciado 448 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, in verbis: "O prazo para o assistente recorrer, supletivamente, começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do Ministério Público" (é bem verdade que a redação deste enunciado encontra-se pendente de revisão preliminar, segundo questão de ordem resolvida pelo Pleno no julgamento do HC 50417 – RTJ 68/604).
O assistente da acusação arrazoará em cinco dias, após o prazo do Ministério Público. Em caso de ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, o Ministério Público terá vista dos autos para arrazoar, no mesmo prazo.
A apelação devolverá inteiramente ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada pela acusação, podendo também, neste caso, o tribunal conhecer de matéria que, de qualquer modo, favoreça o acusado, pois, como se sabe, é perfeitamente possível no processo penal a reformatio in pejus para a acusação ou a impropriamente chamada reformatio in mellius (art. 471, § 2º.).
Por óbvio, não terá efeito suspensivo a apelação da sentença absolutória devendo o réu ser posto imediatamente em liberdade. Tratando-se, porém, de apelação contra sentença absolutória imprópria (art. 421, parágrafo único, III), entendo que o recurso tem sim efeito suspensivo, devendo-se aguardar o trânsito em julgado do acórdão para o início do cumprimento da medida de segurança (como é cediço, trata-se de uma sentença em que o Juiz afirma a tipicidade e ilicitude de um fato, certifica a autoria e aplica uma medida de segurança restritiva – tratamento ambulatorial, ou privativa da liberdade - internação, razões pelas quais não pode ser executada imediatamente, em homenagem ao princípio da presunção de inocência).
Quanto ao procedimento no Juízo a quo, deverá o Juiz, ao receber a apelação, mandar dar vista ao apelado para responder, no prazo de quinze dias. Se houver mais de um recorrido, o prazo será comum, contado em dobro, devendo o juiz assegurar aos interessados o acesso aos autos. De toda maneira, em qualquer caso, o prazo será contado a partir da data da notificação das partes.
A propósito, entendo não ser possível a subida do recurso sem as razões e contrarrazões, em obediência ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. Neste sentido, atentar para o disposto no art. 467: "A resposta do defensor é condição de validade do recurso, mesmo que a decisão seja anterior ao oferecimento da denúncia. Ademais, é indispensável a intervenção do Ministério Público nas ações penais públicas e na ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública. Neste sentido, conferir o art. 57 do projeto de lei: "O Ministério Público é o titular da ação penal, incumbindo-lhe zelar, em qualquer instância e em todas as fases da persecução penal, pela defesa da ordem jurídica e pela correta aplicação da lei"; bem como o art. 158, II: "Serão absolutamente nulos e insanáveis os atos de cuja irregularidade resulte violação dos direitos e garantias fundamentais do processo penal, notadamente no que se refere à observância do contraditório e da ampla defesa"); além, evidentemente, do art. 129, I da Constituição. Apenas em relação ao assistente da acusação admito a subida dos autos sem as razões ou contrarrazões recursais.
A propósito, ao comentarem o art. 601 do atual Código de Processo Penal (que admite a subida dos autos sem as razões), afirmam Ada Pelegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Magalhães Gomes Filho que o dispositivo "infringe o princípio do contraditório", ferindo, outrossim, o princípio da dialeticidade dos recursos, pois deixa de estabelecer "o imprescindível contraditório em matéria recursal." [18]
Como se sabe, o devido processo legal vem consagrado pela Constituição Federal, ao estabelecer que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e ao garantir a qualquer acusado em processo judicial o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; todos estes direitos e garantias [19] estão estabelecidos taxativamente no texto constitucional. Aliás, dispõe o art. 3º. do projeto de lei que "todo processo penal realizar-se-á sob o contraditório e a ampla defesa, garantida a efetiva manifestação do defensor técnico em todas as fases procedimentais."
Como ensina Alberto Binder, "ninguém pode ficar indiferente em face da efetiva vigência destes direitos e garantias. Eles são o primeiro – e principal – escudo protetor da pessoa humana e o respeito a estas salvaguardas é o que diferencia o Direito – como direito protetor dos homens livres – das ordens próprias dos governos despóticos, por mais que estas sejam redigidas na linguagem das leis." [20]
Além do texto constitucional, refiro-me aos pactos internacionais subscritos e adotados pelo nosso Direito Positivo. Assim, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos firmado em Nova York, em 19 de dezembro de 1966 e promulgado pelo Governo brasileiro através do Decreto nº. 592/92, estabelece em suas cláusulas alguns preceitos garantidores e reveladores de um devido processo legal, assim como citado o Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, promulgado entre nós pelo Decreto nº. 678/92 (Convenção Americana sobre Direitos Humanos).
A propósito, Fábio Comparato ensina que "a tendência predominante, hoje, é no sentido de se considerar que as normas internacionais de direitos humanos, pelo fato de expressarem de certa forma a consciência ética universal, estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado. (...) Seja como for, vai-se afirmando hoje na doutrina a tese de que, na hipótese de conflitos entre regras internacionais e internas, em matéria de direitos humanos, há de prevalecer sempre a regra mais favorável ao sujeito de direito, pois a proteção da dignidade da pessoa humana é a finalidade última e a razão de ser de todo o sistema jurídico" [21]: é o chamado princípio da prevalência da norma mais favorável. [22]
Segundo o Ministro Gilmar Mendes, "(...) o direito de defesa constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana. Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva ("rechtliches Gehör") e fere o princípio da dignidade humana ["Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs."] (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck , 1990, 1I 18)." (HC 85294).
Por outro lado, não há devido processo legal sem o contraditório, mesmo porque, "para que haya un proceso penal propio de un Estado de Derecho es irrenunciable que el inculpado pueda tomar posición frente a los reproches formulados en su contra, y que se considere en la obtención de la sentencia los puntos de vista sometidos a discusión". [23] A exigência do contraditório representa a plena igualdade de oportunidades processuais. A respeito, Willis Santiago Guerra Filho afirma:
"Daí podermos afirmar que não há processo sem respeito efetivo do contraditório, o que nos faz associar o princípio a um princípio informativo, precisamente aquele político, que garante a plenitude do acesso ao Judiciário (cf. Nery Jr., 1995, p. 25). Importante, também, é perceber no princípio do contraditório mais do que um princípio (objetivo) de organização do processo, judicial ou administrativo – e, logo, um princípio de organização de um instrumento de atuação do Estado, ou seja, um princípio de organização do Estado, um direito. Trata-se de um verdadeiro direito fundamental processual, donde se poder falar, com propriedade em direito ao contraditório, ou Anspruch auf rechliches Gehör, como fazem os alemães." (grifos no original). [24]
Importante, outrossim, extrairmos esta lição de Bacigalupo, ao afirmar que o devido processo legal "aparece como un conjunto de principios de carácter suprapositivo y supranacional, cuya legitimación es sobre todo histórica, pues proviene de la abolición del procedimiento inquisitorial, de la tortura como medio de prueba, del sistema de prueba tasada, de la formación de la convicción del juez sobre la base de actas escritas en un procedimiento fuera del control público. Es, como la noción misma de Estado democrático de Derecho, un concepto previo a toda regulación jurídico positiva y una referencia reguladora de la interpretación del Derecho vigente." (grifo no original). [25]
A propósito, vejamos estes julgados, mutatis mutandis:
"O princípio da ampla defesa, no aspecto da defesa técnica, exige que sejam apresentadas as razões recursais em recurso interposto pela defesa. - É nulo o julgamento realizado sem que tenham sido apresentadas as razões recursais da defesa. - Se o Tribunal constatar que o apelo não se fez acompanhar das razões recursais, deve transformar o julgamento em diligência para que na comarca de origem elas sejam apresentadas pelo defensor e, caso este não o faça, nem seja indicado pelo réu outro advogado, deve ser nomeado um defensor público para fazê-lo, visando resguardar o princípio da ampla e efetiva defesa. - Ordem concedida para anular o julgamento e determinar a restituição do prazo para oferecimento de razões recursais (STJ, HC nº 44.994/RO, Quinta Turma, Rel. Des. Convocada Jane Silva, j. 07/08/2007, v.u., DJ 03/09/2007, p. 193). Grifo nosso.
"Habeas corpus. Processual penal. Recurso especial admitido sem as contra-razões. Ilegalidade. Resposta ao recurso devidamente protocolizada, dentro do prazo legal. Cerceamento de defesa. 1. In casu, o Desembargador 2.º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, na decisão de admissibilidade do recurso especial do Ministério Público, ressaltou não ter havido o oferecimento das contra-razões pela Defesa do ora Paciente. Contudo, ao que se denota dos documentos apresentados na impetração e das informações prestadas pelo Tribunal a quo, a resposta ao recurso especial foram devidamente protocolizadas, dentro do prazo legal. 2. Nesse contexto, afigura-se patente o constrangimento ilegal contra o Paciente, uma vez que, mesmo com o oferecimento das contra-razões, de forma tempestiva, acabou não sendo juntada aos autos, caracterizando, assim, evidente cerceamento ao seu direito de defesa. 3. Ordem concedida para determinar que as contra-razões apresentadas pela Defesa do ora Paciente sejam juntadas ao recurso especial interposto pelo Ministério Público." (STJ/DJU de 20/11/06, pág. 344, HABEAS CORPUS N.º 45.929-SC - Rel.: Min. Laurita Vaz/5.ª Turma -).
Apresentada a resposta, o Juiz, se for o caso, reexaminará os requisitos de admissibilidade do recurso. Da decisão que inadmitir a apelação caberá agravo, no prazo de dez dias, para o tribunal competente, nos próprios autos do processo. Como adiantei acima, neste caso, o Juiz de Direito não poderá negar seguimento ao agravo, ainda que intempestivo (se o fizer, poderá o apelante utilizar-se dos remédios constitucionais – mandado de segurança ou habeas corpus, conforme o caso – ou mesmo a correição parcial). Observa-se, mutatis mutandis, que a orientação já firmada pelo Supremo Tribunal Federal é a de que "os órgãos jurisdicionais de origem não podem reter o processamento de agravo de instrumento, destinado a assegurar o conhecimento de recurso extraordinário que sofreu juízo negativo de admissibilidade." (Reclamação 6074, relator Ministro Joaquim Barbosa).
O processo subirá em traslado se houver mais de um acusado e todos não tiverem sido julgados ou todos não tiverem apelado, o qual deverá ser remetido ao tribunal no prazo de quinze dias, cabendo ao serviço judiciário promover a extração das peças dos autos.
No Juízo ad quem, o tribunal, câmara, turma ou outro órgão fracionário competente poderá, mediante requerimento do apelante, proceder a novo interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências. É óbvio que neste caso, nada obstante o silêncio do projeto de lei deverão estar presentes um dos membros do Ministério Público que atuem junto ao respectivo órgão julgador e o advogado da defesa (ou um Defensor Público), sob pena de nulidade absoluta do ato processual, tendo em vista o descumprimento do devido processo legal.
Durante o processamento da apelação, as questões relativas à situação do preso provisório serão decididas pelo juiz da execução (e não mais pelo Juiz da causa), se necessário em autuação suplementar, ressalvada a competência do relator para decidir sobre a concessão ou não do efeito suspensivo, bem como acerca da necessidade de manutenção ou substituição das medidas cautelares, com comunicação da decisão ao juízo e posterior encaminhamento dos autos ao Ministério Público. Esta decisão do relator poderá ser contestada pelo já referido agravo regimental ou mesmo por habeas corpus, pelas razões acima expostas.
Lembremos que as decisões do Juiz da Vara de Execuções Penais sujeitam-se ao agravo previsto no art. 197 da Lei nº. 7.210/84 (Lei de Execução Penal, c/c Enunciado 700 da súmula do Supremo Tribunal Federal.
A apelação não será incluída em pauta antes do agravo interposto no mesmo processo. Se ambos os recursos houverem de ser julgados na mesma sessão, terá precedência o agravo.