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CPI dos Bancos: ilegalidade e inconstitucionalidade da prisão de Chico Lopes

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1. FATO OCORRIDO

No último dia 26/04/1999 tivemos a prisão em flagrante do Sr. Francisco Lopes, ex-presidente do Banco Central do Brasil, determinada pelo Senador Bello Parga, Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Senado Federal para a apuração de irregularidades referentes à ajuda prestada pelo citado banco aos bancos Marka e FonteCindam, em razão de não ter aquele obedecido uma ´ordem legal´ do presidente da CPI, no sentido de assinar um termo de compromisso de "dizer a verdade", como "testemunha", e ainda por tê-lo desacatado.

Segundo consta, o Sr. Francisco Lopes foi autuado em flagrante, na delegacia da Polícia Federal, pelos crimes de "desobediência" e "desacato".


2. MOTIVO DA PRISÃO

Fundamentam, o presidente e os senhores membros da CPI citada, que Francisco Lopes estava ali, perante a comissão, como "testemunha", e por isso, não poderia se negar a assinar o termo de compromisso de dizer a verdade.

Outros, dentre os quais, segundo consta, o defensor do Sr. Francisco Lopes, entendem que ele estava ali como indiciado, e, portanto, não poderia ser obrigado a assinar termo de advertência de dizer a verdade.

A questão que surgiu, a nível nacional, é de se saber se tal prisão foi legal ou não.

Pois bem, no meu entendimento, com a devida vênia de posições diversas de juristas renomados, a prisão supra foi ilegal e inconstitucional.


3. SURGIMENTO DA CPI E PREVISÕES CONSTITUCIONAIS RESPECTIVAS

O instituto da Comissão Parlamentar de Inquérito surgiu na Inglaterra, no século XVI, tendo ingressado no nosso direito na Constituição Federal de 1934, onde foi previsto da seguinte forma:

"Art. 36. A Camara dos Deputados creará commissões de inquerito sobre factos determinados, sempre que o requerer a terça parte, pelo menos, dos seus membros".

A Constituição Federal de 1937 ignorou as CPIs, que foram novamente previstas na Constituição de 1946, a saber:

"Art. 53. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal criarão comissões de inquérito sôbre fato determinado, sempre que o requerer um têrço dos seus membros".

Na Constituição de 1967 foi previsto da seguinte forma:

"Art. 39. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, em conjunto ou separadamente, criarão comissões de inquérito sôbre fato determinado e por prazo certo, mediante requerimento de um têrço de seus membros".

Tal previsão foi repetida na íntegra no artigo 37 da Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 01 de 1969.

Na atual Constituição Federal as CPIs encontram previsão específica no artigo 58, parágrafo 3º, que estabelece:

"As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores".


4. PREVISÃO LEGAL

Sob a égide da Constituição Federal de 1946 foi sancionada a Lei Federal nº 1579, de 18 de março de 1952, que tratou especialmente das CPIs.

Tal lei foi totalmente recepcionada pelas constituições de 1.967 e 1.967 com redação dada pela emenda nº 01 de 1.969, uma vez que entre estas e aquela não há qualquer incompatibilidade.

Contudo, com relação à atual constituição, a mesma lei foi quase totalmente recepcionada, pois no tocante à previsão do parágrafo único, do artigo 3º, desta, que estabelece: "em caso de não comparecimento da testemunha sem motivo justificado, a sua intimação será solicitada ao juiz criminal da localidade em que resida ou se encontre, na forma do artigo 218 do Código de Processo Penal", podemos afirmar que a constituição não o recepcionou, pois previu no seu parágrafo 3º, do artigo 58, que a CPI tem "poderes de investigação própria das autoridade judiciais", o que significa dizer que se tornou dispensável qualquer requerimento a juiz criminal para a intimação ou condução coercitiva da testemunha, razão pela qual, só neste ponto a citada lei não foi recepcionada pela constituição vigente.

Desta forma, é de se concluir que, salvante a previsão do parágrafo único do artigo 3º, o restante da Lei Federal nº 1.579/52 continua em plena vigência.

Assim, é esta lei que deve reger a atuação das CPIs, acrescido das previsões do ´regimento interno´ do Senado, naquilo em que este não for incompatível com aquela, pois, embora a constituição tenha estabelecido, de forma genérica, que os regimentos internos poderiam prever outros poderes às CPIs, resta evidente que estes poderes devem estar, de forma específica, harmônicos com as previsões da lei (recepcionada pela CF) sobre a matéria, uma vez que o regimento interno é firmado por meio de uma resolução, e esta não tem o condão de revogar lei, devendo, sim, estar em consonância com ela.

Logo, a matéria referente a CPI, no presente caso, além de prevista constitucionalmente, está regulada na Lei Federal nº 1.579/52, bem como no Regimento Interno do Senado, a Resolução nº 93, de 1.970, esta por força da previsão constitucional referida.


5. ANÁLISE DOS MOTIVOS DA PRISÃO - INDICIADO

Estabelecidos os textos legais que regem a matéria, partamos para os motivos alegados para a prisão ocorrida.

É evidente que, embora os Srs. Senadores da CPI tenham afirmado que o Sr. Francisco Lopes estava ali como testemunha, ele era, na verdade, um "indiciado", pois a imprensa em geral já havia divulgado várias informações, a maior parte delas originárias da própria CPI, que o colocavam nesta situação.

O fato de se afirmar a um indiciado que ele vai ser ouvido como testemunha não muda a sua situação de indiciado, de suspeito, de provável autor da infração que se apura.

Não é a designação dada pela autoridade processante, mas sim as circunstâncias do fato que envolvem a pessoa que será ouvida que vão determinar se se trata de uma testemunha ou de um indiciado, e no caso, as circunstâncias eram todas no sentido de indicar que Francisco Lopes poderia ser "o" ou "um dos" autores da infração que se pretendia apurar, portanto, indubitavelmente era "indiciado".

Desta forma, era irrelevante o fato dos Srs. Senadores terem intitulado o Sr. Francisco Lopes como "testemunha".

Sendo indiciado, não tinha ele a obrigação de dizer a verdade, ou mesmo de dizer qualquer coisa, pois como tal tinha o direito constitucional e legal de permanecer calado, nos termos dos artigos 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, e 186, 1ª parte, do Código de Processo Penal, respectivamente.

Além disso, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada pelos Estados Americanos em 22/11/1.969, que vige no Brasil desde 25/09/1.992, com força de lei federal, assegura em seu artigo 8º, inciso II, alínea ´g´, entre outras garantias, "a toda pessoa acusada de delito, o direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada".

Portanto, se o Sr. Francisco Lopes não tinha a obrigação legal ou constitucional de dizer a verdade, como indiciado que era, não tinha o dever de assinar qualquer "termo de compromisso de dizer a verdade", e a sua recusa em assiná-lo descumpria uma ordem ilegal em sentido contrário, o que, por óbvio, não caracteriza o crime de "desobediência", e muito menos de "desacato", uma vez que não descumpriu qualquer ordem legal, nem ofendeu ou menosprezou ninguém, mas apenas usou de um direito que lhe é assegurado.

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O desconhecimento de tal direito é que pode ter dado a impressão de uma desobediência, uma afronta, uma ofensa a autoridade constituída, impressão essa falsa, pois, como dito, Francisco Lopes apenas exerceu, tão somente, um direito seu.


6. ANÁLISE DOS MOTIVOS DA PRISÃO - TESTEMUNHA

Mesmo que admitíssemos que o Sr. Francisco Lopes estava perante a CPI como "testemunha", ainda assim a sua prisão não poderia ter ocorrido.

Isto porque, estabelece a Lei nº 1.579/52, em seu artigo 6º, que "o processo e a instrução dos inquéritos obedecerão ao que prescreve esta Lei, no que lhes for aplicável, às normas do processo penal".

Logo, como era de se esperar, a lei supra fez uma previsão expressa de aplicação do Código de Processo Penal subsidiariamente, vale dizer, aquilo que não for previsto como norma processual na lei própria deverá ser buscado no Código de Processo Penal.

Ocorre que, com relação à oitiva de testemunha, nem o código, nem a lei citados prescrevem a obrigação da testemunha de, antes de depor, "assinar algum termo de compromisso".

O compromisso é deferido pela autoridade processante à testemunha, oralmente, e independe de manifestação de vontade da mesma, isto significa dizer que, mesmo que a testemunha não queira ela deverá ser compromissada a dizer a verdade e advertida das conseqüências do crime de falso testemunho, tudo oralmente.

Assim, também aqui o Sr. Francisco Lopes não tinha a obrigação de "assinar algum termo de compromisso", por falta de previsão legal a respeito, em apoio ao princípio constitucional da legalidade, previsto no artigo 5º, inciso II, que estabelece que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Poderia a CPI, que tem poder judicial, nos termos da Constituição Federal, já citada, deferir, ao Sr. Francisco Lopes, o compromisso de dizer a verdade e a advertência das conseqüências do crime de falso testemunho, e isto independeria de manifestação de vontade dele, e, como "testemunha", teria a obrigação de dizer a verdade, sob pena de responder, em tese, pelo crime citado.

Ressaltamos, ad argumentandum tantum, que, mesmo que a CPI assim tivesse agido, o Sr. Francisco Lopes, ao depor como "testemunha", não seria obrigado a dizer a verdade sobre fatos que o comprometesse criminalmente, e, nessas hipóteses, não cometeria o crime de falso testemunho, isto porque estaria agindo em autodefesa, atendendo a um princípio maior, no sentido de que "ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si próprio", com base nos mesmos fundamentos constitucionais e legais citados, inclusive o previsto no Pacto de São José da Costa Rica, que autorizam ao indiciado ou réu a não produzir prova contra si próprio.

Considerando que a prisão do Sr. Francisco Lopes ocorreu em razão de ele ter se recusado a assinar um "termo de compromisso de dizer a verdade", pelos motivos supra, foi tal prisão ilegal e inconstitucional.

Ainda que viéssemos a admitir que a oitiva do Sr. Francisco Lopes, "como testemunha", deveria atender aos preceitos do direito processual civil, atendendo não o que preceitua a Lei nº 1.579/52, mas, erroneamente, o que preceitua o artigo 90, parágrafo único, da Resolução do Senado Federal nº 93, de 1.970 (Regimento Interno do Senado), mesmo assim, também não teríamos qualquer amparo legal para exigir que o depoente assinasse algum "termo de compromisso de dizer a verdade", por falta de previsão legal a respeito, valendo aqui o que já foi dito quanto a forma de compromissar a testemunha e o Princípio Constitucional da Legalidade.


CONCLUSÃO

Quer se admita que o Sr. Francisco Lopes estava perante a CPI para depor como "indiciado" (que é o correto), quer se admita que estava como "testemunha", sua prisão em flagrante foi ilegal e inconstitucional, porque, no meu entender, ele não praticou os crimes de "desobediência ou desacato", pelos motivos já discorridos, e qualquer autoridade judiciária que tivesse determinado tal prisão, poderia, em tese, responder criminalmente por sua conduta, o que não ocorre com os NOSSOS PARLAMENTARES que, pelas IMUNIDADES que possuem e "enquanto elas perdurarem", NÃO PODEM SER PROCESSADOS normalmente, como todo cidadão, por força do que preceitua o artigo 53 e parágrafos da Constituição Federal.

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Sobre os autores
Kleber Leyser de Aquino

juiz de Direito em São Paulo (SP)

Luciana R. Aro

advogada criminalista em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AQUINO, Kleber Leyser ; ARO, Luciana R.. CPI dos Bancos: ilegalidade e inconstitucionalidade da prisão de Chico Lopes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 32, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1911. Acesso em: 27 dez. 2024.

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