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Breves considerações a respeito da responsabilidade civil no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor

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14/05/2011 às 16:03
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VII – A RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Como é cediço, o Código Civil de 1916 não abordava a matéria de forma satisfatória, pois, nos arts. 159 e 160 estabelecia, sinteticamente, os parâmetros da responsabilidade civil, voltando a tratar, de forma desordenada, o assunto na parte especial do código. Conforme VENOSA, tal fato se deu porque "no final do século XIX e inicio do século XX, quando elaborado o diploma, a matéria ainda não havia atingido um estágio de maturidade teórica e jurisprudencial". [26]

Além da parca regulamentação, o código de 1916 apresentava um grave vício conceitual no principal dispositivo balizador do tema, o art. 159: "Aquele que, por ação ou omissa voluntária, negligencia, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".

A falha na redação é abissal, pois somente a transgressão de um direito não implica, automaticamente, em reparação, devendo esta violação estar aliada a um dano ou lesão para ensejar a obrigação de compensar o dano. Doutrina e jurisprudência são unanimes ao afirmar que, em regra, inexiste responsabilidade se não há prejuízo.

Diferentemente do anterior, o novo diplomo civilista abordou de forma mais ampla o instituto, mantendo, todavia, a regra geral da culpa como fundamento da responsabilidade civil, conforme se verifica do art. 186:

"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

No entanto, urge salientar que o novo diploma não afastou a possibilidade de responsabilidade civil sem culpa, pelo contrário. O Código Civil de 2002 introduziu, expressamente, a responsabilidade, denominada objetiva, sem culpa, em duas hipóteses: nos casos previstos expressamente em lei e também quando a atividade desenvolvida pelo interessado implicar risco.

Neste sentido é a redação do art. 927, parágrafo único:

"Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". (Grifei)

Silvio de Salvo Venosa alerta que "esse alargamento da noção de responsabilidade constitui, na verdade, a maior inovação do Código deste século em matéria de responsabilidade e requererá, sem dúvida, um cuidado extremo da nova jurisprudência". [27]

Noutra quadra, em que pese a inovação do estatuto civilista, nunca é demais lembrar que, antes mesmo da promulgação do novo Código Civil, já havia dispositivos, inclusive de ordem constitucional, estipulando a responsabilidade objetiva em várias situações.

A Constituição Federal de 1988 fez alusão expressa a esta possibilidade no art. 37, §6º:

"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Tão importante quanto à previsão constitucional, foi a menção expressa da responsabilidade objetiva dos fornecedores de produtos e serviços no CDC:

"Art. 12 - "o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos".

Neste ponto, urge salientar que o Código de Defesa do Consumidor, diferentemente do Código Civil, adotou como regra a responsabilidade objetiva, relegando a responsabilidade subjetiva a hipóteses pontuais e excepcionais.

Na mesma esteira também dispõem o Código Brasileiro de Aeronáutica (Decreto Lei n.º 483/38), a Lei de Acidentes do Trabalho (Lei n.º 8.213/91), a Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n.º 6.938/81), a Lei de Atividades Nucleares (Lei n.º 6.453/97) e uma série de diplomas legislativos que procuram alargar o âmbito de alcance da responsabilidade civil tornando dispensável a comprovação da culpa.


VIII – A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO CONSUMERISTA

Afinado com as mais recentes tendências do direito estrangeiro, o Código de Defesa do Consumidor adotou, expressamente, como regra, a teoria objetiva da responsabilidade civil nas relações de consumo. Como já mencionado, de acordo com o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, o fabricante, produtor, construtor e importador responderão pela reparação dos danos causados independentemente da existência de culpa.

No mesmo sentido dispõe o art. 14 do CDC: "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

Contudo, alerta Silvio Luís Ferreira da Rocha que "a responsabilidade imposta no Código de Defesa do Consumidor, embora prescinda da prova da culpa do fornecedor, e, portanto, objetiva, não é uma responsabilidade por risco da empresa. Não é absoluta. Admite causas de exclusão, que mais adiante apreciaremos". [28]

Neste sentido, também leciona Leonardo de Medeiros Garcia ao esclarecer "que a responsabilidade adotada pelo CDC foi a do risco da atividade e não a do risco integral. Isso se demonstra claramente, pois o artigo previu hipóteses que irão mitigar tal responsabilidade". [29]

Sendo assim, de acordo com o art. 12, §3º, do CDC, o fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Questão polêmica diz respeito à possibilidade do fornecedor alegar o caso fortuito ou a força maior como causas excludentes de responsabilidade civil no âmbito consumerista. A discussão se dá porquanto o CDC, diferentemente do Código Civil, silenciou a respeito de tais causas como mitigadoras da responsabilidade.

Nelson Nery Júnior refuta tal possibilidade, ou seja, não admite o argumento do caso fortuito ou força maior como supedâneo para afastar a responsabilidade civil do fornecedor. Para ele, "apenas e tão-somente as circunstancias mencionadas no CEC em numerus clausus como causas excludentes do dever de indenizar é que efetivamente podem ser invocadas pelo fornecedor a fim de eximi-lo desse dever". [30]

Na mesma toada, mas com fundamento diverso, leciona Silvio Luis Ferreira da Rocha. Para este autor, o caso fortuito e força maior não são causas de exclusão de responsabilidade civil no CDC porquanto "a responsabilidade do fornecedor pressupõe a existência de um defeito no produto introduzido no mercado. Esse defeito deve ser causado por um fato necessário, cujo efeito era impossível evitar ou impedir (caso fortuito ou força maior). Ora, se causado antes do produto ter sido colocado em circulação, restaria ao fornecedor sempre uma oportunidade, por mínima que fosse, de, antes de introduzir o produto no mercado, verificar as condições de seu produto e certificar-se da existência do defeito. Se causado depois do produto ter sido colocado em circulação, o defeito inexistia no momento da colocação do produto no mercado e, portanto, a responsabilidade está afastada, não pelo caso fortuito ou força maior, mas pelo disposto no art. 12, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor". [31]

Silvio de Salvo Venosa, por sua vez, observa que "o fato do caso fortuito ou força maior não terem sido expressamente colocados como excludentes da responsabilidade, no rol do § 3 aqui transcrito, pode levar à apressada conclusão de que não exoneram a indenização. A questão não pode, porém, ser levada a extremo, sob pena de admitirmos o risco integral do fornecedor, que não foi intenção do legislador. Os fatos imprevisíveis obstam que se conclua pela existência do nexo causal. Essa matéria não apenas é de Lógica, mas decorre do sistema de responsabilidade civil. Impõe-se, pois, que o juiz avalie o caso concreto se os danos ocorreram, ainda que parcialmente, em razão de defeito ou vício o produto ou do serviço. Se o produto, por exemplo, não funciona porque depende de energia elétrica e esta inexiste no local, é evidente que a força maior ocorre, ou melhor, não há nexo causal. Se o fato é externo e não guarda relação alguma com o produto, não pode haver responsabilidade do fornecedor. Trata-se do chamado fortuito externo. O caso fortuito interno, aquele que atinge o produto durante sua fabricação, como, por exemplo, queda de material estranho no interior do motor, caracteriza-se como defeito do produto e não exonera a indenização" [32].

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Entendemos, com a devida venia, que a questão se resolve na adoção da teoria, já mencionada, reiteradas vezes, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, do fortuito interno e fortuito externo. O fortuito interno diz respeito ao evento imprevisível, porém, relacionado aos próprios riscos da atividade e do negócio, v. g., infarto do motorista do ônibus durante o transporte dos passageiros, o furo de um pneu que causa a colisão do coletivo e lesões nos passageiros etc. Nestas hipóteses, apesar de imprevisíveis, os fatos são inerentes ao risco da atividade, razão pela qual não afastarão a responsabilidade civil do fornecedor.

Noutra quadra, o fortuito externo consiste no evento imprevisível estranho à atividade negocial do fornecedor de produtos ou serviços, como, por exemplo, uma bala perdida que atinge o passageiro de ônibus. Neste caso, o fato imprevisível não guarda qualquer relação com os riscos da atividade prestada (fortuito externo), razão pela qual estará afastada a responsabilidade civil do fornecedor.

Neste sentido, trago à colação recentes decisões do STJ a respeito do tema:

CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EMPRESA DE ÔNIBUS. APEDREJAMENTO. PASSAGEIRA. FERIMENTO. CASO FORTUITO. CONFIGURAÇÃO. SOCORRO MÉDICO. PRESTADO. RESPONSABILIDADE. INEXISTÊNCIA. FATO EXTERNO. RECURSO NÃO CONHECIDO.

I. Tendo o arremesso da pedra sido ocasionado por terceira pessoa, que se encontrava inclusive fora do coletivo, não há que se falar em responsabilidade da transportadora, ainda mais por haver esta prestado o correto socorro e atendimento à passageira. Precedentes do STJ.

II. Recurso especial não conhecido. (GRIFEI)

(Resp. 919823. Min. Rel. Aldir Passarinho Junior. Quarta Turma. DJe 29/03/2010)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ASSALTO A ÔNIBUS COLETIVO. MORTE DO COBRADOR. FATO ESTRANHO À ATIVIDADE DE TRANSPORTE. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. PRECEDENTES DA SEGUNDA SEÇÃO. RECURSO PROVIDO.

1. A jurisprudência consolidada no âmbito da Segunda Seção do STJ considera assalto em interior de ônibus causa excludente da responsabilidade de empresa transportadora por tratar-se de fato de terceiro inteiramente estranho à atividade de transporte – FORTUITO EXTERNO.

2. Agravo regimental provido. (GRIFEI)

(AgRg no Resp. 620259/MG. Min. Rel. João Otávio de Noronha. Quarta Turma. DJe. 26/10/2009)

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE OCORRIDO COM ALUNO DURANTE EXCURSÃO ORGANIZADA PELO COLÉGIO. EXISTÊNCIA DE DEFEITO. FATO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AUSÊNCIA DE EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE.

1. É incontroverso no caso que o serviço prestado pela instituição de ensino foi defeituoso, tendo em vista que o passeio ao parque, que se relacionava à atividade acadêmica a cargo do colégio, foi realizado sem a previsão de um corpo de funcionários compatível com o número de alunos que participava da atividade.

2. O Tribunal depositivo ao qual pretendia dar vigência, que prevê a responsabilidade objetiva da escola. origem, a pretexto de justificar a aplicação do art. 14 do CDC, impôs a necessidade de comprovação de culpa da escola, violando o dis

3. Na relação de consumo, existindo caso FORTUITO INTERNO, ocorrido no momento da realização do serviço, como na hipótese em apreço, permanece a responsabilidade do fornecedor, pois, tendo o fato relação com os próprios riscos da atividade, não ocorre o rompimento do nexo causal.

4. Os estabelecimentos de ensino têm dever de segurança em relação ao aluno no período em que estiverem sob sua vigilância e autoridade, dever este do qual deriva a responsabilidade pelos danos ocorridos.

5. Face as peculiaridade do caso concreto e os critérios de fixação dos danos morais adotados por esta Corte, tem-se por razoável a condenação da recorrida ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais.

6. A não realização do necessário cotejo analítico dos acórdãos, com indicação das circunstâncias que identifiquem as semelhanças entres o aresto recorrido e os paradigmas implica o desatendimento de requisitos indispensáveis à comprovação do dissídio jurisprudencial.

7. Recursos especiais conhecidos em parte e, nesta parte, providos para condenar o réu a indenizar os danos morais e materiais suportados pelo autor". (GRIFEI)

(Resp. 762075/DF – Min. Rel. Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. DJE 26/06/2009)

"RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL. INCLUSÃO INDEVIDA EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. ABERTURA DE CONTA CORRENTE E FORNECIMENTO DE CHEQUES MEDIANTE FRAUDE. FALHA ADMINISTRATIVA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. RISCO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. ILÍCITO PRATICADO POR

TERCEIRO. CASO FORTUITO INTERNO. REVISÃO DO VALOR. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Inescondível a responsabilidade da instituição bancária, atrelada ao risco da própria atividade econômica que exerce, pela entrega de talão de cheques a terceiro, que mediante fraude, abriu conta bancária em nome do recorrido, dando causa, com isso e com a devolução do cheque emitido, por falta de fundos, à indevida inclusão do nome do autor em órgão de restrição ao crédito.

2. Irrelevante, na espécie, para configuração do dano, que os fatos tenham se desenrolado a partir de conduta ilícita praticada por terceiro, circunstância que não elide, por si só, a responsabilidade da instituição recorrente, tendo em vista que o panorama fático descrito no acórdão objurgado revela a ocorrência do chamado caso FORTUITO INTERNO.

3. A verificação da suficiência da conduta do banco no procedimento adotado para abertura de contas, além de dispensável, na espécie, demandaria reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado no âmbito do recurso especial, à luz do enunciado 7 da Súmula desta Corte.

4. O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que evidente exagero ou manifesta irrisão na fixação, pelas instâncias ordinárias, viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tornando possível, assim, a revisão da aludida quantificação.

5. Recurso conhecido em parte e, no ponto, provido, para reduzir indenização a R$ 12.000,00 (doze mil reais), no limite da pretensão recursal. (GRIFEI)

(Resp. 774640/SP. Min. Rel. Hélio Quaglia Barbosa. Quarta Turma. DJe. 05/02/2007)

De qualquer forma, importante concluir que o Estatuto Consumerista, diferentemente do novo Código Civil, adotou, expressamente, como regra, a responsabilidade objetiva por danos oriundos de fato ou vício de produtos ou serviços. A única exceção ao sistema da responsabilidade sem culpa, no Código de Defesa do Consumidor, ficou por conta da responsabilidade dos profissionais liberais no que tange a reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços (art. 14, § 4.º, CDC). Excepcionada esta hipótese, todos os demais danos serão ressarcidos independentemente da existência do elemento culpa.

Por fim, outro ponto peculiar do Código de Defesa do Consumidor, diz respeito a adoção da teoria unitária da responsabilidade civil. "Para as relações de consumo, pouco importa a clássica divisão do direito civil entre responsabilidade contratual e extracontratual (também chamada aquiliana). O que realmente importará e a existência de uma relação jurídica de consumo a ser pautada por vícios de qualidade (por insegurança e inadequação) e vícios de quantidade". [33]

Estes são, em breve síntese, os principais apontamentos que se fazem necessário ao estudo do tema.

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Sobre o autor
Volney Santos Teixeira

Defensor Público do Estado de São Paulo, Professor Universitário e Oficial da Reserva do Exército Brasileiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Volney Santos. Breves considerações a respeito da responsabilidade civil no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2873, 14 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19113. Acesso em: 23 abr. 2024.

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