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A decisão do STF sobre as relações homoafetivas

17/05/2011 às 16:22
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Passei duas tardes sintonizando a TV Justiça para assistir ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 realizado no Plenário da Corte nos dias 4 e 5 de maio deste 2011. O resultado (unânime) não deixa dúvidas sobre o que ficou decidido, embora o Acórdão ainda não haja sido publicado, mas dificilmente trará alguma novidade.

Desde então venho acompanhando as discussões, algumas apaixonadas. Difícil ficar sem tomar partido. Afinal, todos nós temos, intimamente, um posicionamento a respeito do tema. Que família hoje não tem um caso de relação homossexual ou não convive com alguém com essa opção?

Preliminarmente, creio que a questão não é, nem deve ser, encarada juridicamente do ponto de vista religioso. A meu ver, a CNBB era parte ilegítima para atuar no feito, ainda que como amicus curiae. O Estado laico pode até, em audiências públicas, ouvir a opinião da Igreja (quantas há hoje? Estão todas do mesmo lado? Que Igreja não tem em seus quadros algum homossexual ou os afasta ao descobrir?).

Sustento, faz tempo, que nem tudo ou é necessariamente (ou mutuamente exclusivo) constitucional ou inconstitucional. Por mais abrangente e excessivamente detalhista que nossa CF de 1988 seja (praticamente constitucionalizando tudo), restaram matérias a-constitucionais, não-constitucionais. Ou, ainda, infraconstitucionais.

Uma das criticas que li à decisão do Supremo foi sobre a invasão da prerrogativa do Poder Legislativo. Outra foi que não corresponde à maioria da opinião pública. Uma terceira foi quanto à inconstitucionalidade da decisão. Esta última a mais fácil de afastar.

É constitucional (ou inconstitucional) no Brasil aquilo que o STF disse ser. E ponto final. Se foi o Pleno da Corte que assim decidiu, não cabe recurso. No máximo, ao sair o Acórdão, meros Embargos de Declaração para esclarecer algum ponto que pareça obscuro ou contraditório, ou omisso quanto a "ponto que devia pronunciar-se" (CPC, art. 535).

O Poder Judiciário age quando provocado. E o que não está nos autos "não está no mundo (jurídico)". A decisão somente pode versar relativamente ao que fora pedido. Até onde se sabe, não houve nenhum pedido, por exemplo, para que fosse admitido o casamento entre pessoas de mesmo sexo. Ou que dissesse respeito à adoção por casais homossexuais. Nem mesmo, ao que eu me lembre, foi abordado algo sobre pensão previdenciária ou meação na cadeia sucessória.

O que se está discutindo, acaloradamente, pode nem constar do teor da decisão (Acórdão), que é o que faz coisa julgada.

Resumidamente, os Ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro se limitaram a dizer que duas pessoas de mesmo sexo podem constituir uma família, além de, apenas, pessoas de sexos opostos (homem e mulher). Na verdade, nem inovaram. Pai e filho, mãe e filha há muito podem ser considerados como compondo um núcleo familiar. Por que não irmãos/ãs?

O que provoca reações é que tal entendimento possa levar a que haja o reconhecimento de uniões estáveis suscitadas pelo interesse ou atração sexual entre pessoas de mesmo sexo – aliás, as reações vêm sendo quase que exclusivamente centradas na união ente homens, com um obsequioso silêncio sobre aquelas entre mulheres, tão ou mais frequentes (não é de hoje).

E que seja um primeiro passo para uma futura conversão em casamento.

E o divórcio será possível, quando o tesão acabar, pois raríssimos/as são os/as unidos/as pelo afeto (o que interessa, na quase unanimidade dos casos, é a relação sexual; se muito, conheci na vida uns três casos em que pessoas de mesmo sexo vivem juntos/as ligados/as por afeto, sem interesse ditado pelo sexo).

Argumenta-se que a família tem por objeto ter filhos, falsa alegação. A procriação não é algo obrigatório ou essencial no instituto da família. Certamente, todos conhecemos casais que, homem e mulher, decidem não ter filhos. Ou que não podem ter filhos. Deixariam de constituir uma família? Como diria o Ministro Marco Aurélio, a resposta e desenganadoramente negativa.

Teme-se, por outro lado, que seja a abertura de portas para que possam ser oficiados casamentos entre pessoas de mesmo sexo, o que é outra discussão. Jô Soares, quem não lembra, tinha um personagem (padre) que não casava ninguém pois partia do pressuposto de que eles iriam se separar ("casa, separa, casa separa,... não caso!").

A Igreja Católica não me parece que esteja obrigada, pela decisão do STF, a ministrar o sacramento do matrimônio e promover a cerimônia religiosa contra sua tradição, bíblica ou não. Como não casa quem não seja batizado, quem não seja católico, quem seja divorciado, ou simplesmente separado judicialmente após um anterior casamento religioso. Ou qualquer outra confissão religiosa que tenha princípio similar. Muitas não vêm qualquer impedimento para que divorciados se casem, como permite a lei civil brasileira desde a vitoriosa batalha de Nélson Carneiro.

O que, a meu sentir (assim costumava se expressar o Ministro Menezes Direito que, vivo fosse, provavelmente, teria quebrado a unanimidade), falta dizer (a lacuna tão alardeada) é sobre a conversão da união estável em casamento, conforme a lei que deve facilitar tal conversão (art. 226, § 3º, da CF/88).

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A Sessão do dia 5 de maio de 2011 no STF terminou com algumas declarações de Voto que devem dar o que pensar. Uma expressão meio que solta foi seu efeito vinculante. Como alguns dos Ministros estão sempre prontos a propor uma Súmula Vinculante por "dá aqui aquela palha", seria curioso (entendo que equivocado) editar uma SV sobre a matéria, tornando obrigatório o que, por enquanto, é uma possibilidade.

Teria sido, quem sabe, uma saída honrosa para o STF não meter a mão na cumbuca, dizer que a discussão não envolvia matéria constitucional, logo o STF não tinha o que discutir... jogava a batata quente para o Superior Tribunal de Justiça.

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Sobre o autor
João Celso Neto

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CELSO NETO, João. A decisão do STF sobre as relações homoafetivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2876, 17 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19128. Acesso em: 21 nov. 2024.

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