A prescrição penal é a perda, por parte do Estado, do direito-dever de punir o agente criminoso. A sua consequência é a extinção da punibilidade, a teor do art. 107, inciso IV, do Código Penal (CP), que consiste na impossibilidade de o Estado punir penalmente aquele que cometeu ilícito penal. E isso ocorre porque o Estado deixou transcorrer determinado lapso temporal superior ao fixado em lei para punir o delinquente.
O cômputo da prescrição penal pode ser feito pela pena em abstrato e pela pena em concreto. Pela primeira, o cálculo é feito com base no máximo da pena abstratamente cominada na lei, valendo o mesmo no caso de incidência de causa de aumento; todavia, em caso de incidência de causa de diminuição de pena, considera-se o mínimo legal da redução; com isso, tem-se o máximo da pena a ser eventualmente imposta em um e em outro casos. Pela segunda – pena em concreto –, o cálculo é feito com base na pena fixada na sentença penal condenatória transitada em julgado, ao menos para a acusação. Nesse sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, esposada na Súmula 146.
O fundamento da prescrição varia a depender da teoria que se pretenda adotar. Existem cinco teorias que tentam fundamentar este instituto jurídico. A teoria do esquecimento aduz que após o decurso do prazo fixado na lei o crime se apaga da mente social, não mais requerendo punição. Enquanto isso, a teoria da expiação moral funda-se na ideia de que o temor do criminoso de ser punido a qualquer tempo já lhe inflige sofrimento, o que faz com que, após determinado lapso temporal fixado em lei, deixe de ser exigível a aplicação da pena. Por outro lado, a teoria da emenda do deliquente defende que o interstício de tempo legalmente previsto provoca mudanças no comportamento das pessoas, presumindo que tenha o criminoso se regenerado, o que tornaria desnecessária a aplicação da pena. Já a teoria da dispersão das provas entende que o interregno legal provoca a perda ou o enfraquecimento da produção das provas, o que impede o justo julgamento e aumenta a possibilidade de erro judiciário. Por fim, a teoria psicológica afirma que, com o passar do tempo, o criminoso altera o seu modo de ser, tornando-se pessoa diversa daquela do criminoso, o que faz com que não seja prudente a aplicação da pena.
A par da teoria adotada, o certo é que se torna flagrante violação à dignidade da pessoa humana e perpetuação da persecução penal deixar o delinquente à mercê da própria sorte por todo o restante de sua vida ao não se fixar prazo legal para a punição do crime cometido. O Estado tem o direito-dever de punir, e, ao mesmo tempo, o criminoso tem o direito de se ver processado e julgado dentro de determinado prazo razoável, e não a qualquer tempo, ao livre alvedrio do órgão julgador. Para tanto, a lei fixa o lapso temporal que entende justo para o processo e julgamento do delito.
Os prazos prescricionais que estão dispostos no art. 109, do Código Penal, são para a aplicação da pena privativa de liberdade e, igualmente, para a sua execução. Vale ressaltar que as penas substitutivas seguem o prazo de prescrição das penas substituídas.
No ordenamento jurídico pátrio, a prescrição do direito de punir do Estado é a regra, mas comporta exceção. Excepcionalidade esta prevista e disposta única e exclusivamente na Constituição Federal/88, ressalte-se. Desse modo, não pode a lei tratar sobre a questão, acrescendo ou retirando crimes imprescritíveis do rol elencado pela Carta Magna.
Somente os crimes de racismo e terrorismo são
imprescritíveis na legislação nacional, pelo que se extrai do art. 5º,
incisos XLII e XLIV, da Lei Maior. Os incisos são taxativos ao disporem,
respectivamente, que a prática de racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível sendo também crime inafiançável e
imprescritível a ação de gruposarmados, civis ou militares,
contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.Não se vê
idêntica ressalva nos demais termos da Magna Carta.
Muito embora seja de aplicação no campo do processo penal, a prescrição possui natureza jurídica penal, razão pela qual tem a sua contagem iniciada na data de ocorrência do crime excluindo-se o dia final, sem suspensão por férias ou feriados e sem prorrogação. É, portanto, matéria de ordem pública, o que obriga a sua abordagem em matéria preliminar, inviabilizando a análise do mérito.
A prescrição penal comporta modalidades. A primeira é a prescrição pela pena em abstrato, que leva em conta o tempo máximo da pena fixado abstratamente pela lei; ocorre enquanto não for fixada pena pelo juiz. A segunda é a prescrição pela pena em concreto, que considera a pena fixada na sentença penal condenatória transitada para, ao menos, a acusação (Súmula 146, STF). A pena em concreto ainda se subdivide em retroativa, que considera a pena fixada na sentença transitada em julgado para a acusação (Súmula 146, STF) e o lapso temporal transcorrido antes de sua prolação, e intercorrente, que trabalha com a pena em concreto imposta por sentença transitada em julgado para a acusação (Súmula 146, STF) e o tempo transcorrido entre a data da ciência da sentença pelo criminoso e o trânsito em julgado dela para a defesa. A terceira e última modalidade é a prescrição da pretensão executória, que consiste na perda do direito de aplicar a pena concretamente imposta pela sentença penal transitada em julgado para acusação e defesa. Para tanto, nesta modalidade considera-se o decurso de tempo entre a fixação da pena com trânsito em julgado para as parte e a data inicial de seu cumprimento ou a ocorrência de reincidência (art. 110, CP).
Questão que provoca debates os mais calorosos é a possibilidade de aplicação da prescrição em perspectiva, que é aquela em que se reconhece a virtual prescrição do direito de punir do Estado com base na provável pena a ser imposta ao criminoso. O "cálculo" da provável pena imposta é extraído da experiência dos operadores do Direito e da análise das condições do art. 59 do CP. Após essa análise, o magistrado e as parte têm noção do provável quantum da pena. Com base nisso, alguns defendem a aplicação da prescrição em perspectiva (ou virtual) nos casos em que a provável pena imposta já esteja prescrita, segundo os termos do art. 109 do CP. Outros entendem inaplicável por ausência de previsão legal, bem como por ferir o princípio da presunção de não culpabilidade.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça pôs fim a essa questão ao editar a Súmula 438, que preceitua ser "inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal". O mesmo entendimento é explanado pelo Supremo Tribunal Federal [01].
Pois bem. Diante do acima versado, percebe-se que a prescrição penal serve para impor ao Estado limite temporal à sua atuação no processo e julgamento de fato criminoso. Ultrapassado o lapso temporal determinado pelo art. 109 do Código Penal, o Estado perde o seu direito-dever de punir, advindo, consequentemente, a extinção da punibilidade do delinquente. Do mesmo modo, notou-se que a regra é a prescrição da persecução penal e a exceção, a imprescritibilidade.
Todavia e ao que tudo indica, a regra constitucional acima
alinhavada parece ter sido olvidada pelo legislador ordinário ao editar a Lei
n. 12.234, de 5 de maio de 2010. Segundo o disposto em seu art. 1º,
a lei altera os arts. 109 e 110 do CP para excluir a prescrição retroativa. Na
redação dada pela novel disposição legal, a prescrição dos crimes com pena
máxima inferior a 1 (um) ano deixa de ser de 2 (dois) anos e passa a ser de 3
(três) anos, e "A prescrição, depois da sentença condenatória com
trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso,
regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo
inicial data anterior à da denúncia ou queixa".
O § 2º do art. 110 do CP foi revogado.
Dizia este dispositivo legal que "A prescrição, de que trata o parágrafo
anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da
denúncia ou da queixa". Com isso, a prescrição poderia começar a correr
da data do fato, sendo contada entre esta e o recebimento da peça acusatória,
desta até a ciência, pelo acusado, da sentença penal condenatória e daí por
diante (ressalvado o procedimento do júri, que é especial), conforme art. 117
do mesmo diploma legal.
Em interpretação integrativo-sistêmica do § 2º
do art. 110 combinado com o art. 117, inciso I, ambos do CP, percebe-se que a
prescrição começava a correr a partir do fato delituoso, interrompendo-se com
o recebimento da peça vestibular.
A Lei n. 12.234, de 5 de maio de 2010, merece análise crítica, portanto. Inicialmente peca anovel legis ao preceituar que a data a ser considerada para a contagem da prescrição é aquela posterior à denúncia ou à queixa. Ora, a que se refere a lei: ao oferecimento ou ao recebimento da peça acusatória? Infelizmente o marco processual não foi determinado pela lei em questão. Assim, interpretando integrativamente a legislação, tem-se, pelo disposto no inciso I, que se trata do recebimento da exordial penal.
Ademais, conforme acima ventilado, o legislador
infraconstitucional não possui competência para alterar o rol de crimes
imprescritíveis. A exceção à regra foi elencada pela Constituição Federal
no bojo do art. 5º. Portanto, somente outro Poder Constituinte
Originário pode alterar a questão, haja vista o art. 5º ser
cláusula pétrea.
Ao estabelecer que para a pena em concreto não se pode contar o lapso temporal entre o fato delituoso e o recebimento da peça vestibular acusatória, o legislador ordinário perpetuou a duração do inquérito policial, em nítida afronta ao art. 10 do Código de Processo Penal, que determina a sua duração pelo prazo de 10 (dez) dias para preso em flagrante e de 30 (trinta) dias para preso solto.
Na mesma assentada, criou espécie de persecução penal por tempo indeterminado, haja vista que não há mais prazo fixado para o recebimento da denúncia ou queixa, uma vez que não corre prescrição entre a data do crime e o recebimento desta.
Nessa trilha, deixa de ser imposto ao Estado determinado lapso temporal para exercer seu direito-dever, perpetuando-se a persecução penal e, com isso, transmitindo-se o ônus do Estado para o delinquente, que se verá obrigado a suportá-la, sabe-se lá por quanto tempo, podendo vir a ser pego de surpresa com um processo penal longo após o evento delitivo.
Tal fato fere de morte os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da prescrição da persecução penal supra-alinhavados, pois cria, indiretamente, imprescritibilidade penal para todos os crimes tipificados no Código Penal e na legislação penal extravagante.
Outrossim, o legislador criou verdadeiro paradoxo ao preceituar que, por ocasião da sentença penal transitada em julgado para a acusação, ou com o não provimento de seu recurso, não se conta, para fins de prescrição, o interstício demandado entre o fato criminoso e o recebimento da inicial acusatória, permitindo, indiretamente, todavia, que tal interregno de tempo seja contado para o reconhecimento da prescrição pela pena em abstrato. Ora, ou a regra vale para as duas modalidades de prescrição ou não vale para nenhuma. O que não pode é valer para uma e não valer para o outra, haja vista que se trata do mesmo instituto jurídico.
Ademais, uma coisa é impedir a aplicação da prescrição em perspectiva para salvaguardar o princípio da presunção de não culpabilidade, outra coisa é a prescrição ser contada a somente a partir do recebimento a denúncia ou queixa.
Não bastasse o exposto, o legislador, ao editar a Lei n. 12.234, de 5 de maio de 2010, incorreu em lapso de memória ao deixar de alterar a redação dos arts. 111, inciso I, e 117, inciso I, ambos do Código Penal, bem como do art. 10 do Código de Processo Penal, que versam sobre a questão de forma direta e que não foram alterados ou revogados.
Por derradeiro, o Estado brasileiro adota a política do empurrar com a barriga, do varrer para debaixo do tapete a sujeira. Infelizmente, o Estado é inoperante na maior parte das obrigações que lhe incumbem a lei. Na esfera penal, não é diferente.
Por vezes ocorre a prescrição no processo penal devido à demora do Estado em processar e julgar um fato delituoso e seu autor, e aplicar a pena imposta. Para evitar que isso continue ocorrendo, o Estado, ao invés de melhorar a sua infraestrutura e oferecer melhor serviço à sociedade, prefere, mais uma vez, adotar a política do engana bobo e aumentar o prazo prescricional para os crimes com pena inferior a 1 (um) ano, de 2 (dois) para 3 (três) anos – crimes em que ocorre a maior parte das prescrições –, bem como impedir que corra o lapso prescricional entre o fato e o recebimento da peça vestibular, em nítida afronta aos preceitos constitucionais.
Referências
Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1.
Nota
01 HC n. 97.599, rel. min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 9.3.2010, DJe-067, divulgado em 15.4.2010, publicado em 16.4.2010, EMENT. VOL-02397-02, p. 00885.