I.Introdução
O Comitê para Práticas de Supervisão e Regulamentação Bancária do Banco de Compensações Internacionais (BIS), mais conhecido como Comitê da Basiléia, foi o instrumento criado pelos bancos centrais do G-10 para estabelecer e aperfeiçoar normas e princípios comuns de referência para bancos com imensas atividades internacionais ou mesmo para o conjunto do sistema bancário dos países membros [01].
O primeiro acordo da Basiléia foi firmado em 1988 e previa harmonização internacional referente à adequação do capital dos bancos internacionais às suas atividades, atuando de acordo com critérios prudenciais definidos pelo Comitê — que estariam mais adequados ao ambiente liberalizado—, além do monitoramento da implementação dos princípios da Basiléia nos diversos países.
Com as crises mundiais de 1997/98, pode-se verificar que, com a adoção dos princípios da Basiléia, o sistema financeiro sofreu menos do que com a crise da dívida externa dos anos 80, uma vez que o mercado estava mais capitalizado. Por outro lado, atestou-se também que o sistema interno de avaliação dos riscos existente até aquele momento era inadequado e que os princípios em vigor não eram capazes de conter a assunção excessiva de riscos pelos bancos.
Assim, em 1998, o Comitê apresentou uma nova proposta de regras de avaliação de risco,que ficou conhecido como acordo da Basiléia II. As novas regras devem abranger "os bancos de forma consolidada, incluindo quaisquer instituições financeiras que façam parte do grupo bancário, de forma a garantir que os riscos assumidos pelo grupo sejam considerados como um todo" [02]. Assim, tendo em vista a abertura do mercado financeiro brasileiro ao capital e às instituições bancárias estrangeiras, verifica-se a influência da adoção dessas regras no Brasil. Ademais, os mecanismos de avaliação dos riscos de empréstimo também envolvem aqueles obtidos pelos próprios países.
Os princípios de supervisão bancária fixados no primeiro acordo da Basiléia foram internalizados no ordenamento pátrio por meio da Resolução do Conselho Monetário Nacional n° 2.099/94. Os princípios e regras que compõem o segundo acordo estão em fase de implementação, no Brasil: no mês de julho, o texto das Resoluções que correspondem à adoção dos princípios da Basiléia foram disponibilizados no portal eletrônico do Banco Central do Brasil para discussão por parte da sociedade, e, finda a "audiência pública, terá início a edição das Resoluções.
O fato de já ter havido um precedente (e agora uma reincidência) da internalização de um acordo internacional por via outra que não o decreto legislativo chama atenção para o tema em questão e até permite o enquadramento do quanto ocorrido com os princípios da Basiléia à seguinte observação de Castro [03]:
"decisões de política econômica, que nos dias correntes em muitos aspectos são objeto de coordenação internacional de caráter informal, de um modo geral necessitaria passar pelo teste da análise jurídica orientada para promover o bem ético e a justiça e assim a dignidade e identidade dos indivíduos e grupos."
É nesse sentido ora se propõe uma análise jurídica de possíveis contratos firmados sob a égide das regras do acordo da Basiléia II. Assim, o presente trabalho tem por escopo apresentar os possíveis efeitos da implementação dos termos do acordo da Basiléia na promoção (ou limitação) da liberdade individual dos cidadãos brasileiros.
A idéia de liberdade individual, aqui, não se refere à mera noção clássica do poder de o indivíduo atuar sem a ingerência do Estado, na verdade, é acolhida a concepção, que integra a noção liberal de cidadania e que corresponde ao poder prático de inverter hierarquias e, assim, conformar a ordem social [04]. Castro acrescenta que a política econômica tem um importante papel na distribuição desse poder de inversão das hierarquias e aponta a necessidade de que essa política incorpore os valores sociais. Aqui, a idéia é estudar, por meio dos instrumentos da análise jurídica da economia, a viabilidade da inserção de valores no exercício da política econômica, com as cláusulas de autonomia responsável, que serão explicadas mais adiante.
II. O novo acordo da Basiléia e suas conseqüências para os países periféricos
A abertura dos sistemas financeiros mundiais ganhou impulso com a queda do sistema Bretton Woods, que tinha como um de seus pilares o rígido controle estatal do fluxo de capitais [05]. Na verdade, a própria transição do sistema cambial rígido para o flutuante foi conseqüência do aumento da mobilidade do capital internacional. A partir daí, ganha extrema importância a política monetária de cada país, como instrumento de obtenção da estabilidade financeira.
Nesse ponto, faz-se mister observar que, na América Latina, a abertura teve início na segunda metade da década de 80, em decorrência de pressões de organismos multilaterais e, principalmente, do consenso de Washington, além das grandes instituições financeiras [06].Nessa região, o processo de liberalização do capital teve início na década de 80, entretanto, em decorrência das crises da dívida externa desse período, esses países foram excluídos do fluxo voluntário de capitais privados, só restabelecido na década de 90.
Ao final da evolução histórica da abertura dos sistemas financeiros dos países latino-americanos e asiáticos, concluem as Freitas e Prates [07]:
No que se refere aos fluxos de capital externo de portfólio que, segundo o discurso oficial dos organismos multilaterais, promoveria maior dinamismo e aprofundamento dos mercados de capital, o maior ingresso de recursos externos traduziu-se apenas em maior capitalização das bolsas de valores domésticas. Deste modo, longe de significar possibilidades reais de financiamento de longo prazo para as atividades empresariais, este movimento apresentou características fortemente especulativas. Tais fluxos extremamente voláteis contribuíram para agravar a vulnerabilidade externa destes países quando da eclosão das sucessivas crises a partir de 1997.
De acordo com o escólio de Castro, verifica-se que o acordo da Basiléia II está inserido no contexto do regime internacional que surgiu após a desregulamentação cambial nos Estados Unidos e na Inglaterra, no final dos anos 70 — que marcou a quebra do sistema de Bretton Woods —, adaptado à nova ordem econômica mundial, "para servir de sustentação por meio dos ajustes estruturais administrados pelo FMI e Banco Mundial, ao aumento da volatilidade dos mercados resultante da liberalização cambial favorecedora dos interesses financeiros especulativos" [08].
O Novo Acordo é fundado em três pilares disciplinares: requerimento de capital mínimo, supervisão da adequação de capital e o fortalecimento da disciplina de mercado. O primeiro pilar oferece "a matriz de classificação de crédito externo contra os quais certos níveis de capital precisam ser mantidos" [09], assim, cria-se uma correlação direta entre os tipos de créditos constantes na carteira das instituições e o capital mínimo exigido e, também, a sua classificação de risco.
A classificação de risco das instituições (primeiro pilar) deverá ser efetuada, essencialmente, pelas próprias instituições bancárias. Inicialmente, como somente os grandes bancos terão condições de implementar a classificação interna, é estimulada a utilização de agências de rating, cujos critérios de avaliação de risco deverão ser aprovados pela autoridade de supervisão bancária. A função primordial das agências de rating é avaliar a capacidade de pagamento dos devedores e tornar pública essa informação, pois, em princípio, elas disporiam de informações mais amplas e de uma maior expertise na apreciação dos riscos de crédito, comparativamente às instituições financeiras.
Freitas e Prates demonstram que as novas regras, na verdade, podem ter efeitos prejudiciais para os países periféricos, no âmbito da economia, na medida em que podem dificultar (a) o acesso ao crédito internacional; e (b) as condições de financiamento bancário externo. Ademais, não é improvável que façam com que o modelo de regulação se aproxime do anglo-saxão, desconsiderando as especificidades institucionais de cada país, e com que haja uma maior concentração do mercado nas mãos dos já grandes bancos, que já têm mais estrutura e sofisticação para se adaptarem aos novos critérios propostos. Há, ainda, outros economistas, como
As crises asiáticas do final dos anos 90 demonstraram que a atuação dessas agências não é tão eficaz, na medida em que elas não foram capazes de perceber os sinais de deterioração dos devedores e apresentaram ratings extremamente voláteis. Na verdade, as suas atividades tiveram o condão de propagar a crise de desconfiança e, ainda hoje, geram condutas do mercado, pois, ao rebaixar a nota de algum país, provocam uma mudança no comportamento dos investidores, que, geralmente, retiram seu capital do mercado rebaixado, provocando um novo rebaixamento — é o que Freitas e Prates chamam de "profecia auto-executável".
Ainda, a importância atribuída às agências de rating é extremamente problemática, pois os critérios adotados para a análise e classificação dos riscos não são claros.
Soma-se a isso o fato de que o crédito internacional para os países periféricos deve desaparecer em razão de seus custos proibitivos. Dentro das novas regras, deixa de ter importância a relação entre o país tomador de empréstimo e o sindicato de bancos que o concede. Essa relação ajuda a diminuir os spreads e a volatilidade das taxas porque, como os emprestadores são um grupo coeso, tem maior facilidade de renegociar a dívida do que detentores de bônus e, como as operações de crédito são executadas a longo prazo, os bancos acabam tendo acesso a informações privilegiadas, o que facilitava a avaliação dos projetos e dos riscos envolvidos na operação. Nessa nova sistemática da Basiléia, é reforçada a feição globalizada do capital, que tem como emprestadores os detentores de bônus, diluídos, sem conhecimento próximo das condições dos devedores, sujeitos apenas às avaliações das empresas de risco. Assim, muitas empresas em boas condições financeiras podem ser excluídas do mercado de crédito internacional simplesmente porque não têm uma avaliação.
Ainda mais problemática é a importância dada à avaliação interna realizada pelos próprios bancos. Quando determinadas instituições são classificadas abaixo de determinado nível de risco — e a maioria dessas instituições se encontra nos países periféricos —, as novas formas de classificação impõem um capital mínimo extremamente elevado, o que praticamente impede a concorrência dessas instituições no mercado e torna o custo dos empréstimos proibitivo, em decorrência da classificação recebida. Tal cenário poderá acarretar considerável deterioração das condições de empréstimo internacional e até a exclusão desses entes do mercado.
A adoção das novas regras provoca, também, nos países periféricos, uma retração da oferta de crédito, principalmente a pequenas e médias empresas que não têm garantias substanciais a oferecer.
Por fim, "em termos do desenvolvimento do mercado de capitais, tanto os países asiáticos como os latino-americanos padecem do mesmo mal: mercados estreitos e altamente especulativos. A abertura externa não se traduziu no aprofundamento e maior dinamismo deste mercado, que permanece como uma fonte de recursos pouco importante para a maioria das empresas domésticas".
Como visto, a implementação das regras da Basiléia, no Brasil, assim como em todos os outros países, afetará diretamente a economia monetária, dado que interferirá na fixação das taxas de juros dos contratos financeiros e na oferta de créditos, em decorrência da adoção dos critérios de classificação de risco das instituições bancárias e dos países (risco soberano). É por meio da análise jurídica desses contratos que se pretende investigar a limitação da liberdade individual decorrente da Basiléia II.
III.Os instrumentos para análise jurídica da política econômica
Castro define a economia como uma "rede de contratos voluntários intercruzados, com temporalidades de cumprimento diferenciadas, e com componentes fortes de fidúcia política e de fidúcia econômica, relacionando juridicamente indivíduos, grupos sociais e o Estado mediante o concurso dos processos eleitoral, legislativo, administrativo e judicial." [10]
Ainda segundo Castro, esses contratos, que constituem a rede das relações negociais estruturantes da economia, possuem três espécies de cláusulas: (i) a cláusula valorativa, de onde se tem um bem da vida ou conduta; (ii) a cláusula monetária, que determina os recursos monetários ou financeiros negociados. O conteúdo dessas duas primeiras cláusulas é extraído das cláusulas formais dos negócios jurídicos, o que não ocorre com o terceiro tipo, (iii) a cláusula da autonomia responsável. "A cláusula da autonomia responsável, embora não se materialize como cláusula ou conjunto de cláusulas escritas, formalmente incluídas nos instrumentos contratuais, corresponde ao "bem geral" da "autonomia responsável", de caráter ético, decorrente da incidência de princípios de direito, conforme elaborados sobretudo pela jurisprudência acerca do conteúdo dos direitos fundamentais presentes nas constituições, e conforme ainda dimanada do conteúdo de leis e tratados relativos à proteção dos direitos humanos, que podem se tornar objeto de jurisprudência local e internacional." [11]
As cláusulas valorativa e monetária, acrescenta Castro, têm segmentos privados e públicos. Os segmentos públicos são inseridos nos contratos pela lei, jurisprudência ou ato administrativo e excluem determinados objetos, matérias e formas de negociação da livre comercialização entre os entes privados. Quadra também o registro de que " separação entre esses dois segmentos (privado e de interesse público) das cláusulas contratuais nos diferentes negócios jurídicos não é "natural", nem é fixa no tempo, pois depende das conseqüências práticas da separação de poderes e da operação dos "freios e contrapesos" sob a democracia" [12]. É o conteúdo do segmento público das cláusulas valorativa e monetária que dão supedâneo à formação do discurso legitimador da cláusula da autonomia responsável.
Nesse contexto de uma economia formada por contratos entrecruzados, o Estado, no exercício de sua função constitucional de regulador da economia (art. 174 da Constituição), atua por meio da política econômica para modelar os interesses econômicos para a consecução dos objetivos constitucionais e interesses estatais. Assim, partindo do pressuposto de que a economia consiste em um emaranhado de contratos, o exercício da política econômica envolverá também a intervenção nessas avenças.
Castro [13] sistematiza as formas de concretização dessa política, que pode se dar: (1) Por meio de intervenção direta, que consiste (1.i) nas atividades referentes aos serviços públicos, empresas públicas ou atividades estruturadas com os contratos administrativos: ou (1.ii) nas regulações das atividades privadas: licenciamentos, vedações e inclusão de cláusulas de interesse público em contratos privados. Todas essas formas de intervenção são tidas por coercitivas, "já que, em tese, pressupõem a possibilidade de, em determinadas condições, de apelo ao poder de comando do Estado para a aplicação de sanções coercitivas". [14] Ou, ainda, (2) de forma indireta, por meio do controle de fluxos monetários, utilizando-se de mecanismos coercitivos (como é o caso do sistema tributário) ou fiduciário (operações do mercado aberto e financeiro internacional).
Assim, a política econômica pode ser resumida na seguinte tabela:
Intervenção Direta - Coercitiva |
Intervenção Indireta |
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Coercitiva |
Fiduciária |
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|
Fonte: CASTRO, 2005
IV.Os contratos de financiamento
Apresentados os instrumentos de análise jurídica da política econômica, será, então, efetuada a análise dos contratos de financiamento efetuados sob as regras do segundo acordo da Basiléia. Como visto, as regras desse tratado terão influência tanto na obtenção de financiamentos no âmbito interno de cada país, como no plano internacional, nos contratos celebrados pelos Estados. Assim, a análise jurídica deverá ser elaborada tanto nos contratos relativos ao plano interno como ao plano internacional.
No plano interno, um contrato de financiamento seria composto de uma cláusula valorativa, cujo segmento privado é valor total do crédito obtido por uma das partes. A cláusula monetária, nesse caso, é composta também de moeda, mas fixada não em termos de numerário, mas de taxa de juros, que é a remuneração do credor. Nesses casos, como explica Castro (2006), o Estado é parte em contrato conexo ou interveniente na medida em que interfere nas taxas de juros do mercado.
Quadra o registro de que o contrato de financiamento é deveras peculiar, pois tanto a cláusula valorativa como a cláusula monetária são compostas de moeda. In casu, o tempo é um elemento importante, pois, o credor abre mão de ter a disponibilidade daquela quantia no presente para reavê-la futuramente, mediante uma remuneração. Em uma perspectiva keynesiana, essa remuneração é vista como a recompensa da renúncia à liquidez por um determinado período, ela é "o inverso da relação existente entre uma soma de dinheiro e o que se pode obter desistindo, por um período determinado, do poder de comando da moeda em troca de uma dívida" [15] Assim, como para ambas as partes há uma prestação pecuniária, vê-se a importância (e até, de certa forma, a comercialização) do elemento tempo: uma parte dá dinheiro a outra agora e, para tanto, obtém um prêmio, ao longo do tempo em que é executado o contrato, também em dinheiro.
Faz-se mister apontar a distinção entre os contratos em que são acordadas taxas de juros previamente em um percentual fixo, como, por exemplo, 2,5% ao mês, e os contratos que prevêem remuneração atrelada a algum indexador, como a TR ou o INPC, por exemplo.
No primeiro caso, a intervenção estatal dar-se-á de maneira mais intensa no momento da fixação da taxa e, de forma indireta ao longo do cumprimento do contrato. A interferência no momento da celebração se dá, pois, nesse instante, o Estado estará influenciando as taxas de juros da economia, de forma que o credor, diante do quadro econômico naquele momento, entende lucrativa uma determinada taxa de juros. A interferência indireta se dá em razão da alteração da relevância econômica [16] dos contratos, por exemplo, se a autoridade monetária decide interferir no mercado com o objetivo de aumentar expressivamente a taxa de juros, aquela remuneração de 2,5% ao mês passará a ser ínfima diante do novo quadro econômico. Para o devedor, caso seja necessário um novo empréstimo para honrar com alguma das parcelas fixadas no contrato, o adimplemento da obrigação pode se tornar extremamente oneroso para ele.
Quando a cláusula monetária é fixada nos termos de algum dos indexadores da economia, ou até mesmo atrelado à taxa de câmbio ou juros fixados pela autoridade monetária, percebe-se uma interferência muito mais forte do Estado, que, de certa forma, participa da elaboração do próprio conteúdo da cláusula monetária (remuneração do credor), que é alterada ao longo dos meses pelos quais se prolonga o contrato. Aqui, há também a interferência estatal na determinação da relevância econômica do contrato para as partes, e a essa atividade soma-se a determinação da cláusula monetária.
Ainda que não tenha sido sob a ótica dos instrumentos aqui apresentados, os tribunais brasileiros, em diversas situações, designaram o conteúdo do segmento de interesse público nos contratos de financiamento.
Um exemplo de determinação do segmento público da cláusula valorativa dos contratos foi o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça de que "a correção monetária deve ser conhecida de ofício, por ser um direito subjetivo da parte, já que não representa acréscimo no quantum devido, mas mera atualização do poder aquisitivo da moeda" [17]. Vê-se, portanto, que a correção monetária não integra a parcela relativa ao prêmio de liquidez (ou a taxa de juros que remunera o credor), que é conteúdo da cláusula monetária. Ela faz parte da cláusula valorativa por corresponder ao bem da vida em questão, que lhe foi entregue e deverá ser devolvido ao credor. Nesse caso, há uma garantia do direito do credor.
Há também exemplos de determinação do segmento de interesse público na cláusula monetária. Em contratos de financiamento para compra de imóvel, o STJ definiu que, exceto nas hipóteses previstas no Decreto 22.626/33, não é cabível a capitalização dos juros. Aqui, resta evidente que o conteúdo da cláusula da autonomia responsável é a garantia da eqüidade material do contrato, já que impede que uma das partes, por não possuir os recursos de que necessita em determinado momento, seja obrigada a pagar juros (prêmio) abusivos à parte que dispõe da liquidez.
Cabe o registro de que os contratos de financiamento pressupõem uma parte que tenha a disposição de recursos líquidos e, para quem, seja interessante abrir mão dessa liquidez em troca do recebimento de juros; do outro lado, há uma parte que não dispõe de recursos no momento e que está disposta a remunerar o detentor dos recursos para utilizar a quantia disponibilizada. Nesse quadro, os bancos e demais instituições financeiras assumem uma posição relevante. O art. 17 da Lei n° 4.595/64 define como atividade precípua das instituições financeiras a intermediação bancária, que consiste na captação de recursos líquidos no mercado e na concessão de empréstimo (desses recursos) a terceiros que desejem ter a imediata disponibilidade de determinada quantia. É por meio dos bancos que se faz a ponte entre os poupadores e os que pretendem efetuar gastos, seja em investimento produtivo, mero consumo, adimplemento de outras dívidas.
Os bancos, na prática, emprestam mais de uma vez o numerário referente aos depósitos à vista e, dessa maneira, acabam por ter grande interferência na economia, na medida em que têm a capacidade de criar moeda, de injetar liquidez no mercado. Essa característica é também imprescindível para o presente estudo, na medida em que a classificação dos riscos a que se submete a instituição financeira será efetuada em consonância com os novos princípios da Basiléia. Essa
A atividade bancária, como as demais atividades econômicas, sofre interferência direta e indireta do Estado, por meio dos instrumentos já expostos, com o objetivo de modelar os interesses dos agentes econômicos para concretizar os planos previstos na constituição (art. 170) de assegurar a existência digna, fundada nos preceitos da justiça social, observando a vários princípios, dentre eles, a soberania nacional, a função social da propriedade, a defesa do consumidor, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido das empresas de pequeno porte. Especificamente quanto ao sistema financeiro nacional, a Constituição prevê que ele seja estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade. Esses, portanto, deverão ser os princípios que irão orientar a interferência estatal direta e indireta na economia monetária e, portanto, na atividade bancária de produção da moeda.