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Detenção e prisão disciplinar cautelar nas Forças Armadas

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13/06/2011 às 09:16
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Carta Magna de 1988 inaugurou nova etapa na realidade jurídica e política do País. Dessa pedra angular, insurge uma democracia mais humanista e voltada a assegurar direitos fundamentais. Paulatinamente, velhos conceitos, antigos institutos e paradigmas vêm sendo revistos e amoldados a essa nova realidade. Assim, os conceitos e princípios inovadores da Constituição Federal de 1988 têm sido implementados até hoje. Tal fato ocorre, haja vista as mudanças serem complexas. Muitas delas carecem de amadurecimento e conformação com os interesses da sociedade. A aplicação progressiva e coerente das normas constitucionais, em especial àquelas ligadas aos direitos fundamentais individuais e sociais, tem levado a doutrina e a jurisprudência a defenderem teorias alternativas e inovadoras.

Consoante já referenciado, o artigo 5º, inciso LXI da Constituição Federal prevê que: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei." (grifo nosso). Tal disposição autoriza que se cerceie a liberdade dos militares sem a necessidade de ordem de autoridade judiciária, quando do cometimento de transgressões militares. Entretanto, não deixa claro se autoriza a restrição da liberdade de ir e vir de forma cautelar. Isso ocorre, especialmente porque, em análise rasa, parece que a aplicação de tal restrição macula outros princípios constitucionais, como o devido processo legal. Por esse motivo, tal inquietação foi erigida para ser objeto do presente estudo.

A profissão militar possui caracteres especiais que lhes diferem sobremaneira das demais profissões, principalmente pela peculiaridade que a atividade militar exige de seus integrantes. Essa faceta exige sacrifícios extremos (a própria vida), que é mais do que simples risco de serviço das atividades tidas como penosas ou insalubres como um todo.

O regime estatutário militar federal é definido, basicamente, por alguns dispositivos da Constituição Federal e pelo Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/80).

O militar, a despeito de possuir modus vivendi próprio, submete-se aos princípios gerais do direito. Entretanto, para condições tão especiais de trabalho, especial também será o regime disciplinar, de modo a conciliar tanto os interesses da instituição como os direitos dos que a ele se submetem.

As faltas administrativas praticadas pelo militar são denominadas transgressões disciplinares. Tais ilícitos são disciplinados pelo art. 47 do Estatuto dos Militares e enumerados de forma típica, mas também aberta, nos regulamentos disciplinares de cada Força Singular. Tais normas interna corporis são decretos editados pelo Presidente da República, comandante-em-chefe das Forças Armadas, com fulcro no art. 84, inciso VI, letra a, c/c o inciso XIII da Constituição Federal. A despeito de posicionamentos diversos, os regulamentos disciplinares estão em perfeita sintonia com o ordenamento pátrio vigente.

Na medida em que o militar incide contra a norma disciplinar, surge a pretensão da administração de apurar o fato e punir o transgressor. Como se viu, o ato punitivo disciplinar militar deve ter sido emanado por autoridade competente para aplicar a punição; ter finalidade de se alcançar o interesse público, que só é possível quando a punição vise à melhora e à eficiência do serviço, bem como a função reeducadora; respeitar às normas regulamentares de hierarquia e disciplina; tenha a forma prescrita na legislação, onde se deve observar o devido processo e seus corolários: o contraditório e a ampla defesa.

O crime militar guarda algumas semelhanças com a transgressão disciplinar. Em alguns casos concretos, torna-se difícil a diferenciação entre a ocorrência de um ou de outro, mesmo para os mais experientes estudiosos do Direito Militar. Isso ocorre, pois a distinção entre ambos, em determinadas ocasiões, só pode ser feita em razão da intensidade da conduta.

No processo penal, onde há um conflito entre o direito de punir estatal e o direito de liberdade do indivíduo, a prisão é prevista tanto como medida de cautela, como espécie de pena. A prisão sem pena diferencia-se da outra modalidade por ser provisória em sentido lato e de cunho acautelatório. O ordenamento jurídico prevê diversas espécies de prisão sem pena. Os princípios que referenciam a prisão sem pena, também balizam as medidas disciplinares militares em razão do brocardo ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio.

As detenções e as prisões cautelares de natureza administrativa disciplinar militar constituíram o objeto de estudo deste trabalho. Essas medidas acauteladoras estão previstas nos regulamentos disciplinares militares de cada uma das Forças Armadas. No transcorrer do estudo, provou-se a necessidade e a utilidade de tais institutos, bem como sua perfeita adequação aos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. Portanto, aduz-se que é possível o militar das Forças Armadas ser detido ou preso como medida cautelar, quando isso se tornar necessário para preservação da disciplina, bem como em outros casos que exigirem pronta intervenção.

Ressalta-se, por fim que tais medidas extremas só podem ser ordenadas excepcionalmente e em situações de extrema urgência e necessidade. Como toda providência cautelar, a prisão ou a detenção cautelar disciplinar requer a presença de dois pressupostos para sua decretação: o fumus boni iuris e o periculum in mora.


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Sobre o autor
Márcio Dantas Avelino Leite

Oficial de Artilharia do Exército Brasileiro, Graduado na Academia Militar das Agulhas Negras , Bacharel em Direito pela Universidade Tuiuti do Paraná , Mestre em Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (2003), Especialista em Coordenação Pedagogica pelo Centro de Estudos de Pessoal do Exército , Especialista em Direito Militar pela Universidade Castelo Branco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Márcio Dantas Avelino. Detenção e prisão disciplinar cautelar nas Forças Armadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2903, 13 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19363. Acesso em: 23 dez. 2024.

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Orientador: Professor João Rodrigues Arruda

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