Sumário:
1. Exposição do problema: norma isentiva e sua revogação; 2. exposição do problema: CTN, art. 178; 3. exposição do problema: súmula nº 544, do STF; 4. CTN, art. 178: requisitos cumulativos; 5. Lei Complementar nº 24/75; 6. reinterpretação do conceito de onerosidade no STF; 7. art. 41, § 2º, do ADCT; 8. fundamento: prevalência do interesse público sobre o privado; 9. conclusão: sintetizando a solução da controvérsia.1. Exposição do problema: norma isentiva e sua revogação. O art. 4º, d, do Decreto-Lei 1.510/76, concedeu isenção quanto ao imposto de renda relativo ao ganho de capital aos contribuintes que investissem na Bolsa e mantivessem sua posição acionária por ao menos cinco anos:
"Art 4º Não incidirá o imposto de que trata o artigo 1º:
(...)
d) nas alienações efetivadas após decorrido o período de cinco anos da data da subscrição ou aquisição da participação."
A norma visava proteger o mercado de capitais das oscilações bruscas que ocorrem quando investidores compram papéis para revendê-los num curto espaço de tempo. Buscava-se fomentar a permanência no mercado de ações, para capitalizar as sociedades anônimas. À época, este tipo de investimento era muito menos comum do que hoje e o governo precisava estimular os atores econômicos a mobilizar seus recursos para tal seara.
Por isso, o investidor que adquirisse ações e só as revendesse após mais de cinco anos estava dispensado de recolher o imposto de renda incidente sobre o ganho de capital.
Contudo, a Lei nº 7.713, de 22.12.1988, em seu art. 58, revogou a isenção anteriormente concedida. Confira-se:
"Art. 58. Revogam-se o art. 50 da Lei nº 4.862, de 29 de novembro de 1965, os arts. 1º a 9º do Decreto-Lei nº 1.510, de 27 de dezembro de 1976, os e 66 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, os arts. 1º a 4º do Decreto-Lei nº 1.641, de 7 de dezembro de 1978, os arts. 12 e 13 do Decreto-Lei nº 1.950, de 14 de julho de 1982, os arts. 15 e 100 da Lei nº 7.450, de 23 de dezembro de 1985, o art. 18 do Decreto-Lei nº 2.287, de 23 de julho de 1986, o item IV e o parágrafo único do art. 12 do Decreto-Lei nº 2.292, de 21 de novembro de 1986, o item III do art. 2º do Decreto-Lei nº 2.301, de 21 de novembro de 1986, o item III do art. 7º do Decreto-Lei nº 2.394, de 21 de dezembro de 1987, e demais disposições em contrário." (g.n).
Com a revogação do referido Decreto-Lei pela Lei n.º 7.713/88, surgiu a seguinte indagação: o contribuinte que alienou sua participação acionária após cinco anos da aquisição, porém após a isenção ser revogada, deve pagar imposto de renda sobre o ganho de capital?
É o mesmo que inquirir: o contribuinte tem direito adquirido à isenção, após ela sair do mundo jurídico?
2. Exposição do problema: CTN, art. 178. A resposta à referida indagação passa pela exegese do art. 178 do Código Tributário Nacional, que veda a possibilidade de revogação (isto é, confere direito adquirido ao contribuinte) quando a isenção tenha sido concedida por prazo certo e sob determinadas condições:
"Art. 178 - A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104." (g.n.).
A isenção do artigo 4º, alínea "d" do Decreto-Lei n.º 1.510/76, havia sido concedida por prazo certo e sob determinada condição? Está presente nesta norma apenas a condição determinada, mas não o prazo certo. A condição era que o contribuinte permanecesse cinco anos sem alienar suas participações acionárias. Mas o prazo era indeterminado. Seria determinado, por exemplo, se a lei dispusesse que a isenção seria concedida aos contribuintes que ficassem mais de cinco anos com ações, nos quinze anos seguintes. Nesta hipótese, todos os contribuintes que atendessem às condições da norma até 1.991 (quinze anos após 1.976) seriam dispensados de pagar IR, ainda que o favor legal fosse revogado nesse ínterim.
Portanto, a isenção do artigo 4º, alínea "d" do Decreto-Lei n.º 1.510/76, não se amolda às condicionantes do art. 178, do CTN, não gerando, a princípio, direito adquirido após sua revogação.
3. Exposição do problema: Súmula nº 544, do STF. Todavia, a questão não é tão simples. Contribuintes têm invocado, com sucesso [01], a Súmula nº 544, do STF, para defender que isenções dadas apenas "em função de determinadas condições" geram direito adquirido. Eis o texto:
"Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas."
O enunciado da súmula tem sido interpretado em contrariedade ao art. 178, do Código Tributário Nacional. Interpreta-se que a expressão "sob condição onerosa" indica que as isenções dadas apenas "em função de determinadas condições" geram direito adquirido aos contribuintes, mesmo após revogadas. Ou seja, interpreta-se que o segundo requisito demandado pelo art. 178, do CTN, a concessão "por prazo certo", não é necessário para que a isenção gere direito adquirido. O STF contentar-se-ia apenas com um dos requisitos mencionados pelo art. 178, do CTN, qual seja, a onerosidade.
Esta interpretação é equivocada, pelas seguintes razões:
a)ela contraria a literalidade do art. 178, do CTN, e súmula não pode ser interpretada contra a lei;
b)o enunciado é de 10/12/1969, portanto anterior à nova redação do art. 178, do CTN, que veio com a Lei Complementar nº 24/75. Não pode, assim, prevalecer sobre lei posterior;
c)a alteração legislativa levou o STF a reinterpretar o enunciado. Para o STF, isenção "sob condição onerosa" significa "por prazo certo e sob determinadas condições", tal como prescreve o CTN;
d)por fim, quanto a isenções estabelecidas anteriormente à Constituição de 1988, o art. 41, § 2º, do ADCT, deixa muito claro que apenas as isenções que seguem o art. 178, do CTN, geram direito adquirido, após revogadas.
Os quatro pontos serão demonstrados a seguir. Ao final, propõe-se um fundamento, uma razão de ser para que as isenções só gerem direito adquirido se dadas por prazo certo e sob determinadas condições: a prevalência do interesse público sobre o privado.
4. CTN, art. 178: requisitos cumulativos. O Código Tributário exige, para a "irrevogabilidade" da isenção (isto é, para a geração de direitos adquiridos mesmo após sua revogação), que a mesma seja dada "por prazo certo e em função de determinadas condições". A conjunção "e" não deixa dúvida de que os dois requisitos são cumulativos, e não alternativos.
Conforme lição de Hugo de Brito Machado [02]:
"Uma questão geralmente não abordada em relação à revogabilidade das leis que estabelecem isenções é a de saber se os requisitos do prazo determinado e das condições onerosas são alternativos ou cumulativos.
O art. 178 do Código Tributário Nacional, em suas redação originária, estabelecia que a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o princípio da anterioridade da lei tributária previsto no art. 104 do mesmo Código. A ressalva quanto à revogabilidade das isenções dizia respeito, portanto, àquelas concedidas por prazo certo e em função de determinadas condições. A Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, deu nova redação ao art. 178 do Código Tributário Nacional, substituindo a disjuntiva ou pela copulativa e. A esse respeito manifestou-se Aliomar Baleeiro, afirmando:
'A primitiva redação do art. 178 era alternativa: por prazo certo ou em função de determinadas condições. Uma coisa ou a outra. A Lei Complementar nº 24/1975 substituiu ou por e: ambas as circunstâncias simultaneamente.’"
Portanto, os requisitos do art. 178 do CTN são cumulativos [03], e, por meio dessa exegese, não geram direito adquirido as isenções dadas em função de determinadas condições, mas por prazo indeterminado. Seria até pueril pensar-se que existem vocábulos inúteis na lei. Se o legislador disse "e", certamente não quis falar "ou".
Neste diapasão, um favor fiscal que não atenda as duas condições, quais sejam, a existência de "prazo certo" e "em função de determinadas condições", pode ser revogado sem gerar direito adquirido aos beneficiários.
Destarte, não basta que a isenção seja dada sob determinadas condições, mas também deve ser por prazo certo, determinado. Uma visão caolha do art. 178, do CTN, não se coaduna com o atual Sistema Tributário e princípios que o norteiam. Neste passo, não se pode admitir uma isenção eterna, dado que a própria lei não a permite, e para isto se afigura medida de rigor a observância dos dois requisitos, e não apenas de um deles.
Ao admitir-se tal isenção por prazo indeterminado, sem a possibilidade de que seja revogável, estaríamos ofendendo a lógica do sistema financeiro e tributário, bem como as atuais políticas arrecadatórias e de responsabilidade fiscal.
A Súmula nº 544, do STF, se interpretada no sentido de que apenas as condições são necessárias para gerar direito adquirido, contraria frontalmente o art. 178, do CTN. Ainda que fosse esse o sentido da Súmula nº 544, ele deveria ser rechaçado, pois não é dado ao STF contrariar texto de lei em suas súmulas (nem mesmo nas Súmulas Vinculantes isso é possível, uma vez que elas têm "por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas" – Constituição, art. 103-A, § 1º). Ou seja: se súmula e lei estão em antinomia, deve-se preferir esta àquela.
5. Lei Complementar nº 24/75. Aduza-se que a súmula data de 10/12/1969, época em que o art. 178, do CTN, tinha a seguinte redação:
"Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do artigo 104."
A Lei Complementar nº 24/75 conferiu ao art. 178 a redação que ele possui hoje, trocando "ou" por "e". Isto significa que, à época da redação da Súmula nº 544, os requisitos eram alternativos. Fazia sentido, portanto, que o STF estabelecesse um enunciado considerando apenas as "determinadas condições" como pressupostos do direito à isenção. Onerosidade, nesse contexto, equivalia a estabelecimento de condições a serem atendidas pelo contribuinte [04].
Com o advento da nova redação do art. 178 (frise-se: seis anos após a referida súmula), o enunciado da Corte Suprema deve, no mínimo, ser reinterpretado à luz da alteração legislativa. Seria absurdo pretender que uma súmula prevalece sobre lei superveniente. Se ela não pode contrariar nem mesmo lei vigente, com mais razão não pode contrariar lei posterior.
A aplicação descontextualizada da Súmula nº 544 (que, infelizmente, bastante frequente em nossos tribunais) levaria ao contrassenso de se considerar um enunciado sumular hierarquicamente superior à lei superveniente! Não há regra de hermenêutica capaz de sustentar tal aberração jurídica.
Portanto, a Súmula nº 544 não foi editada sob a atual redação do art. 178, do CTN. Por isso, não pode servir para restringir seu alcance.
6. Reinterpretação do conceito de onerosidade no STF. Com base nessa alteração legislativa, o conceito de onerosidade trazido pela Súmula nº 544 teve que ser alterado, para abranger não apenas os condicionamentos da isenção, mas também o prazo determinado.
Mais fácil seria revogar a súmula, editada em contexto normativo distinto do hodierno. Todavia, como ela permanece vigente, coube à doutrina e à jurisprudência reinterpretá-la.
Nos seguintes julgados, todos posteriores à Lei Complementar nº 24/75, vê-se que o STF, embora com jurisprudência escassa sobre o tema, reputa geradoras de direito adquirido apenas as isenções concedidas por prazo certo e sob determinadas condições:
AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 210358 / RS
Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 03-02-2006, 1ª Turma
ICMS: ração animal - "concentrado de suíno": isenção concedida pela União, a prazo e em função de determinadas condições, anteriormente à atual Constituição. Direito adquirido. ADCT, art. 41, §§ 1º e 2º. Precedente da Corte
RE 169880 / SP
Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ 19-12-1996, 2ª Turma
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. BEFIEX. ISENÇÃO CONCEDIDA PELA UNIÃO: C.F., 1967, com a EC 1/69, art. 19, § 2º. PROIBIÇÃO DE CONCESSÃO, POR PARTE DA UNIÃO, DE ISENÇÕES DE TRIBUTOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS. C.F., art. 151, III. SISTEMÁTICA DE REVOGAÇÃO: ADCT, art. 41, §§ 1º, 2º e 3º. ISENÇÃO CONCEDIDA POR PRAZO CERTO E EM FUNÇÃO DE DETERMINADAS CONDIÇÕES: DIREITO ADQUIRIDO. CTN, art. 178. C.F., art. 5º, XXXVI. Súmula 544-STF. I. - Isenção de tributos estaduais e municipais concedidas pela União sob o pálio da Constituição pretérita, art. 19, § 2º. Isenção do ICM, hoje ICMS, em razão do Programa de Exportação - BEFIEX, com prazo certo de dez anos e mediante condições. A sua revogação, em face da proibição de concessão, por parte da União, de isenção de tributos estaduais e municipais - CF, art. 151, III - há de observar a sistemática do art. 41, §§ 1º e 2º do ADCT. Em princípio, ela somente ocorreria dois anos após a promulgação da CF/88, dado que não confirmada pelo Estado membro. Todavia, porque concedida por prazo certo e mediante condições, corre em favor do contribuinte o instituto do direito adquirido (CTN, art. 178; CF, art. 5º, XXXVI; ADCT, art. 41, § 2º; Súmula 544-STF). Quer dizer, a revogação ocorrerá após o transcurso do prazo da isenção. II. - R.E. não conhecido.
RE 91291 / SP
Rel. Min. DECIO MIRANDA DJ 14-09-1979,1ª Turma
Isenção tributaria. Isenção por prazo certo. Revogação. A isenção por prazo certo e em função de determinadas condições não pode ser revogada pela lei posterior, sob pena de contrariedade ao art. 178 do CTN. Recurso extraordinário não conhecido. (g.n.)
Ademais, em aresto datado de 11/09/2007, o STJ, 2ª Turma, no Resp. nº 960.777 - RS (2007/0136212-7), relatado pelo Ministro Herman Benjamin, manifestou-se em caso similar ao deste estudo:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ALIENAÇÃO DE AÇÕES SOCIETÁRIAS. DECRETO-LEI 1.510/76. ISENÇÃO. REQUISITOS PARA IRREVOGABILIDADE. ART. 178, DO CTN. NÃO OCORRÊNCIA. LEI 7.713/88. REVOGAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Hipótese em que o Tribunal a quo manteve a sentença de primeiro grau, que julgou procedente o pedido de declaração de inexistência de relação jurídico-tributária, bem como de restituição dos valores pagos, sob o entendimento de que foi implementada a condição imposta no artigo 4º, "d", do Decreto-Lei 1.510/76.
2. A irrevogabilidade da isenção concedida, nos termos do art. 178, do CTN, só ocorrerá se atendidos os requisitos de prazo certo e condições determinadas. Precedentes. Situação não configurada nos autos.
3. Com o advento da Lei 7.713/88 operou-se a revogação da referida isenção.
4. Recurso Especial provido.(g.n.)
Com efeito, verifica-se a clara mudança no entendimento do STJ, a fim de se interpretar o art. 178 do CTN em sua completude.
Tanto no STF quanto no STJ, portanto, a Súmula nº 544 é aplicada em consonância com o art. 178, do CTN, como não poderia deixar de ser. A onerosidade referida pelo enunciado passou a significar condicionamentos e prazo determinado. Nesse sentido, manifesta-se a doutrina:
"As isenções podem ser revogadas a qualquer tempo, salvo as isenções onerosas (que têm prazo certo e condições determinadas) – art. 178 do CTN." [05]
"Para ser abrangida pela exceção à plena revogabilidade, a isenção precisa ser concedida em função de determinadas condições (onerosas) e por prazo certo. Atualmente, tem-se definido como onerosa apenas a isenção que cumpra ambos os requisitos, de forma que o conceito se tornou bem mas restrito." [06] (g.n.)
7. Art. 41, § 2º, do ADCT. No caso de isenções conferidas anteriormente à Constituição de 1.988, há mais um argumento em favor da tese aqui defendida. O Ato das Disposições Constitucionais e Transitórias, em seu art. 41, § 2º, determinou que isenção (como espécie do gênero incentivo fiscal), se revogada, só geraria direito adquirido caso houvesse sido concedida "sob condição e com prazo certo":
"Art. 41. Os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis.
§ 1º - Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data de promulgação da Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei.
§ 2º - A revogação não prejudicará os direitos que já tiverem sido adquiridos, àquela data, em relação a incentivos concedidos sob condição e com prazo certo."
A Constituição nada mais fez do que estabelecer que isenções anteriores a ela, que tivessem sofrido ou viessem a sofrer revogação, só gerariam direito adquirido caso tivessem sido concedidas de acordo com o art. 178, do CTN, uma vez que os requisitos das normas legal e constitucional são os mesmos.
A regra não se aplica diretamente a isenções concedidas posteriormente à Lei Maior de 1988, embora a estas aplique-se a norma do art. 178, do CTN, de igual conteúdo. Todavia, mesmo nestes casos, a norma constitucional presta-se a asseverar que o constituinte originário não admitia que o contribuinte tivesse direito adquirido à isenção, a menos que esta fosse concedida com respeito às duas condições mencionadas. Fica evidente que a ratio que guiou o legislador complementar é a mesma que inspirou o constituinte.
Portanto, a consonância do art. 178, do CTN, com o art. 41, § 2º, do ADCT, é mais um argumento para que se leve a sério a cumulatividade de requisitos preconizada pelo legislador complementar.
8. Fundamento: prevalência do interesse público sobre o privado. Ficou explícito, pelo exposto, que o art. 178, do Código Tributário Nacional, prescreve que isenções só serão irrevogáveis se forem dadas sob certas condições e por prazo determinado. Demonstrou-se também que a Súmula nº 544, do STF, deve ser lida sob esta perspectiva. Uma isenção condicionada, mas dada por tempo indeterminado, pode ser revogada a qualquer tempo, sem gerar direito adquirido ao contribuinte que atendeu aos requisitos da norma isentiva.
Porém, pode-se indagar: qual a razão de ser do preceptivo do art. 178, do CTN? Por que o poder público não fica permanentemente vinculado a isenções concedidas por tempo indeterminado?
Porque tal vinculação, ao estabelecer uma dívida permanente do erário com o contribuinte, violaria a preponderância do interesse público sobre o interesse privado, que é "um pressuposto lógico do convívio social". [07] De fato, este princípio geral de direito público veda que a Administração estabeleça, por tempo indeterminado, liames com outros entes, em que ela ocupe a posição de devedora. O legislador não pode vincular o Estado perpetuamente ao particular, bastando que este cumpra certos requisitos para exigir algo do erário [08].
No caso, por exemplo, da isenção aqui estudada, concedida pelo Decreto-Lei n.º 1.510/76, art. 4º, alínea "d", bastaria que o contribuinte fosse proprietário de participações acionárias por cinco anos durante a vigência para fazer jus à isenção, ainda que as alienasse após a revogação da norma. Tal argumento colocaria o poder público em situação de sujeição por tempo indeterminado perante o particular.
Porém, o princípio da preponderância do interesse público sobre o privado impede que a Administração se sujeite ao cidadão por tempo indeterminado. O máximo que pode haver é a sujeição temporária. Por isso, apenas as isenções dadas por prazo determinado geram direito adquirido ao contribuinte. Quanto às outras, só podem ser exercidas enquanto vigerem. Sua vigência expressa uma aceitação tácita, por parte do legislador, da submissão temporária do erário ao cidadão. É uma aceitação tácita do favor legal que o Estado confere ao contribuinte. Mas, quando a isenção por prazo indeterminado é revogada, isto significa que o Estado não quer mais ser devedor do contribuinte e esta vontade deve ser imediatamente respeitada, inclusive por quem poderia pleitear a isenção na vigência da lei e não o fez.
Este mesmo princípio – de prevalência do interesse público sobre o privado – está presente em outras esferas do direito público, apresentando a consequência de não vincular indeterminadamente a Administração. Por exemplo, a autorização para uso de bem público é ato essencialmente precário: a Administração pode revogá-lo a qualquer momento, não é obrigada a manter seu bem sob o uso particular se não mais quiser. Outro exemplo: a Lei nº 8.666/93, no art. 57, caput, veda a contratação por prazo indeterminado, porque a Administração não deve restar vinculada ao contratante para sempre, se a avença implicar ônus para o Poder Público.
Aliás, não é sem propósito que o art. 57, da Lei nº 8.666/93, firma que a duração dos contratos fica "adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários". Um contrato indeterminado vincularia o orçamento indeterminadamente e uma restrição indeterminada do orçamento fere a autonomia que o Estado possui de alocar suas rendas onde julgar mais conveniente, respeitadas as limitações constitucionais.
Ora, se uma isenção por prazo indeterminado (como a do caso vertente) fosse exigível mesmo após sua revogação, o orçamento público ficaria permanentemente vinculado à sua exigência. É esta situação de sujeição por tempo indeterminado que o art. 178, do CTN, quer coibir. A isenção permitida pelo art. 178 é como um contrato. E, sendo contrato com o erário, não pode viger indefinidamente.
Notando-se que a razão de ser do art. 178, do CTN, é a preponderância do interesse público sobre o privado, fica robustecida a tese de que isenções dadas sob determinadas condições, mas por tempo indeterminado, não geram direitos adquiridos aos contribuintes após serem revogadas. Para haver direito adquirido, necessário seria que o princípio fosse de prevalência do interesse privado sobre o público – algo que não se deve admitir.