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A dialética entre Direito e Moral.

A relação entre as esferas axiológica e normativa nas perspectivas jusnaturalista, juspositivista e pluralista

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21/06/2011 às 12:41
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Sumário: 1. Introdução. 2. As Doutrinas Jurídicas acerca da Relação entre Direito e Moral.2.1. O Jusnaturalismo e a Tese da Vinculação entre Direito e Moral.2.2. O Juspositivismo e a Tese da Separação entre Direito e Moral.2.3. O Pluralismo Ético e a Tese da Vinculação entre Direito e Moral.3. A Distinção entre Direito e Moral na Perspectiva Juspositivista.3.1. A Influência de Immanuel Kant na Elaboração da Tese da Separação. 3.2. O Relativismo Ético na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen.3.3. As Características Distintivas entre Direito e Moral na Teoria Tridimensional de Miguel Reale.4. A Desconstrução da Tese da Separação entre Direito e Moral.4.1. Peter Berger e a Teoria dos Círculos Concêntricos. 4.2. John Beattie e sua Classificação das Sansões. 4.3. Erving Goffman e sua Pesquisa sobre Estigmatização: o Descompasso entre as Identidades Real e Virtual.5. A Tese da Vinculação entre Direito e Moral na Pós-Modernidade: o Pluralismo Ético.5.1. A Concepção de Direito no Pensamento de Roberto Lyra Filho. 5.2. O Destroço da Distinção Formal entre Direito e Moral.7. Conclusão.Fontes de Pesquisa.

Resumo

Esse trabalho estuda a dialética relação entre Direito e Moral. A ligação entre a esfera axiológica e a esfera normativa é observada de diferentes modos pelas perspectivas do Jusnaturalismo, do Juspositivismo e do Pluralismo Ético, porquanto, com a fundação do Estado Moderno e a conseqüente concentração da produção do Direito pelo legislador, houve uma mudança de paradigma: de um Jusnaturalismo, que advogava pela vinculação entre Direito e Moral, passou-se a um Juspositivismo defensor da separação entre as esferas axiológica e normativa, segregação essa mantida pela formulação de critérios de distinção entre aqueles campos. Por sua vez, com o Pluralismo Ético, ocorre uma revisão da separação entre Direito e Moral, haja vista que, sem retornar à metafísica, dever-se-á proteger os princípios humanos considerados, criticamente, mais gerais.

Resumen

Este trabajo estudia la dialéctica relación entre el Derecho y la Moral. El vínculo entre la esfera axiológica y normativa se observa de diferentes maneras por las perspectivas del Jusnaturalismo, del Juspositivismo y del Pluralismo Ético, porque, con la fundación del Estado Moderno y la consiguiente concentración de la producción de la ley por la legislatura, hubo un cambio de paradigma: de un Jusnaturalismo, que abogaba por la vinculación entre derecho y moral, se cambió a un Juspositivismo defensor de la separación entre las esferas axiológica e normativa, segregación esa mantenida por a la formulación de criterios para distinguir entre esos sectores. A su vez, con el Pluralismo Ético, ocurrió una revisión de la separación entre Derecho y Moral, ya que, sin volver a la metafísica, se deberá proteger los principios humanos considerados, críticamente, más generales.

Palavras-Chaves

Direito, Moral, Jusnaturalismo, Juspositivismo e Pluralismo.

Palabras Claves

Derecho, Moral, Jusnaturalismo, Juspositivismo y Pluralismo.


1. Introdução

No alvorecer do século XIX, o Brasil encontra-se numa situação que põe seu ordenamento jurídico em xeque. Os recentes escândalos noticiados pela imprensa nacional, como a recente operação anaconda, revelam que há um descompasso entre a Moral e o Direito, haja vista que muitos - não obstante a condenação moral pela população - continuam libertos pelo Poder Judiciário.

Conquanto nosso país seja uma fértil seara para angariarmos exemplos de mútua contrariedade entre Direito e Moral, o mundo moderno encontra-se repleto de arquétipos similares.

Destarte, percebe-se que a dialética entre Direito e Moral é um tema acerca do qual se faz mister um verdadeiro debate. Sobre essa temática, encontra-se o objetivo do presente trabalho. Aqui, examinamos como se configura a relação entre as esferas normativa e axiológica. Nessa senda, limitar-nos-emos às perspectivas Jusnaturalista, Juspositivista e Pluralista.

A relação dialética entre Direito e Moral é uma problemática recorrente no Direito, mais precisamente, na Filosofia do Direito. Assim sendo, emergem questionamentos: como se dá a relação entre Direito e Moral? Como se dá tal conexão no Jusnaturalismo? Como o Juspositivismo compreende-a? E como a doutrina contemporânea - o Pluralismo Ético pós-moderno - apreende-a?

Nessa direção segue nosso labor. Buscaremos expor como se dá a relação entre a norma jurídica e a moral nas óticas das já arroladas doutrinas. Para tanto, adotamos como referencial teórico os estudos de Márcia Noll Barboza sobre a relação entre Direito e Moral. Além desta autora, observamos a hipótese da distinção de KANT e a Teoria Tridimensional do Direito de REALE.

Serviu-nos também como suporte a Teoria dos Círculos Concêntricos de BERGER; a pesquisa sobre as sanções de BEATTIE; as proposições de GOFFMAN sobre o processo de estigmatização e, por fim, abordamos, na pós-modernidade, o pensamento de LYRA FILHO sobre a concepção do Direito e sua relação com a Moral.

O capítulo primeiro mostra um panorama de tais teorias. De acordo com a teoria de BARBOZA, identifica-se a relação dialética que há entre as esferas axiológica e normativa. A partir daí, buscamos incrementar tal discussão com base nas perspectivas do Jusnaturalismo, do Juspositivismo e da corrente pós-moderna, Pluralismo Ético.

No segundo capítulo, é visto que, com a criação do Estado Moderno e a conseqüente concentração por esse da produção jurídica, foi possível a elaboração da hipótese da distinção entre Direito e Moral, formulada por KANT, fundamentado em THOMASIUS, a qual fora, em seguida, revisada por KELSEN, o qual, por sua vez, instituiu as bases do Relativismo Ético.

Essa distinção entre o campo axiológico e o mundo normativo será, no capítulo terceiro, desconstruída por intermédio da contribuição teórica de BERGER, BEATTIE e GOFFMAN. Com a desconstrução da distinção entre Direito e Moral, debatemos, no quarto capítulo, o pensamento pós-moderno pluralista, do qual nossa referência teórica é LYRA FILHO.


2. As Doutrinas Jurídicas acerca da Relação entre Direito e Moral

Nesse capítulo, investigamos a dialética relação que se constitui entre o campo axiológico, o da Moral, e o mundo normativo, o do Direito. Tal inquérito foi feito com base nas perspectivas das ideologias jurídicas modernas - o Jusnaturalismo e o Juspositivismo - e da corrente de pensamento pós-moderna - o Pluralismo Ético.

2.1. O Jusnaturalismo e a Tese da Vinculação entre Direito e Moral

A princípio, caberá uma breve explanação a respeito do que constitui o Jusnaturalismo e o Direito Natural. A seguir, verifica-se a questão que se estabelece entre aquele Jusnaturalismo e a tese da vinculação entre Direito e Moral.

O Jusnaturalismo é uma ideologia jurídica moderna, uma doutrina, a qual afirma a existência e a possibilidade do conhecimento de um Direito Natural. Tal doutrina advoga pela supremacia de um sistema de conduta intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado. Afinal, assim, afiança FASSÓ:

O Jusnaturalismo é uma doutrina segundo a qual existe e pode ser conhecido um "direito natural" (ius naturale), ou seja, um sistema de norma intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado (direito positivo). [01]

Divisa-se, então, que o Jusnaturalismo defende a preeminência do Direito Natural. Esse, por sua vez, configura-se num Direito inscrito na natureza ou na razão, independentemente de qualquer legislação positiva: um Direito de antes do Direito, que seria universal e serviria de fundamento ou de norma para os diferentes Direitos Positivos.

Na prática, cada qual põe nesse Direito Natural um pouco do que quer, o que é muito cômodo, mas não permite resolver nenhum problema efetivo. Por exemplo, em LOCKE, a liberdade, a igualdade, a propriedade privada, a pena de morte estão consagradas no Direito Natural. Sobre esse Direito que, outrossim, pode denominar-se "Direito Filosófico" [02], assevera SILVA:

Há outras teorias. Mas, no sentido moderno, o Direito Natural é tido como o que decorre de princípios impostos à legislação dos povos cultos, fundados na razão e na eqüidade, para que regulem e assegurem os direitos individuais, tais como os de vida, de liberdade, de honra e todos os direitos patrimoniais, que asseguram a própria existência do homem. [03]

Ulteriormente, em seguida a esse breve prefácio acerca do que se constituem o Jusnaturalismo e o Direito Natural, vamos, então, discutir a questão da dialética relação que se estabelece entre o campo normativo - o Direito - e o mundo axiológico - a Moral -, na perspectiva da doutrina Jusnaturalista: a tese da vinculação.

O Jusnaturalismo, enquanto ideologia jurídica moderna, acastela a tese da vinculação entre Direito e Moral. Para essa doutrina, o Direito para possuir validade e, assim, legitimidade, deve, fundamentalmente, vincular-se à Moral. Acerca disso, afiança BARBOZA:

A primeira [a tese da vinculação] se identifica com o jusnaturalismo e vê no direito natural a vinculação das normas jurídicas às normas morais. [...] Claro, enquanto para o jusnaturalismo do direito se define, necessariamente, como referido e vinculado à moral. [04]

Surge, em conseqüência disso, um verdadeiro dissídio entre o Jusnaturalismo - com o Direito Natural fazendo-se de ponte entre Direito e Moral - e o Juspositivismo que, a posteriori, será elucidado. Para a primeira doutrina, a fundamentação moral do Direito encontrar-se-ia no Direito Filosófico, o qual seria, portanto, a base da tese da vinculação entre Direito e Moral.

Sem embargo, cumpre lembrar que o Jusnaturalismo não se constitui em uma corrente ideológica una, posto que, ao longo do tempo, nem sempre tal curso doutrinário defendeu as mesmas proposições. Embora, para alguns pensadores, a elaboração da distinção entre "Direito Objetivo" [05] e Direito Natural abalize-se na imutabilidade do segundo, esse Direito Filosófico mudou.

O Direito Natural ensejado pelo Jusnaturalismo apresentou, ao correr das eras, aspectos contingenciais. Por exemplo, esse tal Direito, na Idade Antiga, era vinculado aos deuses; na Média Idade, era referido ao Deus Cristão; na Modernidade, era ligado à razão humana. A noção de justiça já sofreu muitas mutações no Direito Filosófico.

Não obstante essas alterações arroladas, o Jusnaturalismo e, por conseguinte, o Direito Natural sempre se fundamentaram nas normas morais, na Moral. Aquela ideologia jurídica moderna, ininterruptamente, buscou fundamentação e sustentação em normas morais universais, as quais se localizavam no Direito Filosófico. Assim resume BARBOZA:

Com efeito, de um lado se encontram as teorias jusnaturalistas, a propugnar, no decorrer dos séculos, as mais diferentes noções de justiça, a ela atribuindo conteúdos que vão desde a escravidão à soberania popular. Assemelham-se, porém, essas mesmas teorias quanto à via de fundamentação, sustentando a existência de normas morais objetivas e absolutas – direito natural -, extraídas, pela revelação de Deus ou da razão, da natureza. [06]

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Destarte, apreende-se que o Direito Natural nem sempre amparou uma determinada Moral ou, que seja, uma Moral com a mesma gênese. Tal direito sempre esteve ao apoio de uma Moral, no entanto, essa nem sempre foi a mesma, posto que já defendeu a escravidão e a soberania popular, e nem sempre teve a mesma origem, uma vez que já foi oriunda de Deus e da razão.

Em outras palavras, as doutrinas que, no século, foram chamadas de "teoria do direito natural" não tiveram em comum uma determinada moral, que tenham defendido ou pregado, mas, sim, o fato de que sustentaram um determinado fundamento e uma determinada justificativa para a moral, qualquer que tenha sido o seu conteúdo. [07]

Deste modo, conclui-se que o Jusnaturalismo, enquanto corolário do Direito Filosófico, defende a tese da vinculação entre Direito e Moral. Ter-se-ia, no presente caso, o estabelecimento da coincidência cabal da esfera normativa - a do Direito - com a esfera axiológica - a da Moral. Constitui-se, logo, a "Teoria do Mínimo Ético" [08].

Segundo essa teoria, o Direito representa apenas o mínimo Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Como nem todos podem ou querem realizar de maneira espontânea as obrigações morais, é indispensável armar de força certos preceitos éticos, para que a sociedade não pereça.

Assim sendo, o Direito não seria algo diferente da Moral, mas, sim, uma parte desta, armada de garantias específicas. A Teoria do Mínimo Ético implicaria, conseqüentemente, a atribuição de caráter moral à regra jurídica. Em verdade, para essa teoria, a Moral representaria um círculo maior englobando um círculo concêntrico menor, que seria o Direito.

2.2. O Juspositivismo e a Tese da Separação entre Direito e Moral

A priori, antes de versarmos, nesse ponto, a respeito da supracitada relação entre o Juspositivismo e a tese da separação entre Direito e Moral, estabelece-se, como condição sine qua non para os adequados desenvolvimento e compreensão do presente trabalho, uma breve consideração acerca do que se configura o Juspositivismo e, outrossim, o Direito Positivo.

O Juspositivismo constitui uma ideologia jurídica moderna, uma doutrina, segundo a qual o Direito não deve ser guiado por bases metafísicas como ocorre na concepção do Jusnaturalismo. Para o Positivismo Jurídico, o que tem que prevalecer no Direito é o ordenamento jurídico, enquanto representante do Direito Positivo. É o que nos assevera FASSÓ:

O Jusnaturalismo é, por isso, uma doutrina antitética à do "positivismo jurídico", segundo a qual só há um direito, o estabelecido pelo Estado, cuja validade independe de qualquer referência a valores éticos. [09]

Posto isso, fica evidente que o Juspositivismo defende a supremacia do Direito Positivo sobre o Direito Natural. Esse direito protegido pelo Positivismo Jurídico - ainda denominado "Direito Objetivo" [10] ou "Direito Realista" [11] - pode ser entendido como o conjunto das leis, efetivamente, instituídas numa dada sociedade.

Tal Direito Objetivo, qualquer que seja o modo (consuetudinário ou escrito, democrático ou monárquico), é um Direito que existe de fato. Esse Direito Positivo não se edifica, por conseguinte, em fundamentos metafísicos, "tendo o adjetivo metafísico no sentido de transcendente, que transcende os limites da experiência possível" [12]. Posto que, assim, afiança SILVA:

É, na linguagem de PICARD, o Direito tal como é, e não como devia ser, conforme nossos sentimentos íntimos ou nossas ilusões de Justiça. O Direito Positivo manifesta-se em qualquer espécie de Direito Objetivo, ramificando em todas as formas do Direito, seja escrito ou consuetudinário, que seja imposto como regra social obrigatória. [13]

Posteriormente, em seguida a essa rápida explanação a propósito do que se configuram os termos Juspositivismo e Direito Positivo, cumpre-nos debater a já supracitada questão da conexão entre o Positivismo Jurídico e a tese da separação entre o campo da Moral – axiológico - e o mundo do Direito - normativo.

O Positivismo Jurídico, enquanto doutrina, protege a tese da separação entre Direito e Moral. Para tal ideologia jurídica moderna, o Direito deve ser conceituado sem referência à Moral, haja vista que, para essa corrente de pensamento, não há aquela vinculação entre Direito e Moral alvitrada pelo curso jusnaturalista. Para BARBOZA:

A segunda [a tese da separação] se apresenta com o positivismo jurídico, afirmando a independência do direito em relação à moral, idéia que encontra em Kelsen sua máxima expressão. [...] para o positivismo inexiste uma referência ou vinculação conceitual necessária entre as duas ordens. [14]

O Positivismo, enquanto defensor da tese da separação, institui uma verdadeira dissensão com a ideologia jurídica moderna jusnaturalista. Isso, porque a primeira doutrina (ao defender, estritamente, a separação entre Direito e Moral) nega as bases metafísicas usadas pela segunda doutrina para constituir a vinculação cabal entre Direito e Moral.

Entretanto, vale recordar que o Juspositivismo não é uma corrente ideológica unificada, unitária, assim como no já supracitado caso do Jusnaturalismo. O Positivismo Jurídico, em verdade, configura-se num volumoso compêndio de teorias relativamente próximas acerca da dialética relação entre Direito e Moral. Corroborando, assim, escreve HOERSTER:

De outro lado se encontram as teorias positivistas, a defender, também, teses muito distintas, que Hoerster assim cataloga: a) o conceito de direito se define sem uma referência à moral; b) não se conhece um critério do direito correto (justo); c) o direito positivo deve incluir apenas as normas feitas pelo legislador; e) uma ordem jurídica é um sistema fechado que permite deduzir de seus próprios componentes, com neutralidade, todas as normas jurídicas. [15]

Não obstante toda essa diversidade de teorias positivistas, há um elemento comum entre elas. Tal elemento é representado pela proposição "a" de HOERSTER: o conceito de Direito não se define com uma referência à Moral. Haveria, logo, unicidade no Juspositivismo, quando esse afirma a inexistência de uma vinculação conceitual necessária.

Para o Positivismo Jurídico, portanto, o Direito não se vincula à Moral. Não existe a necessidade de fundamentar a legitimidade do Direito num alicerce Moral, haja vista que o Direito não precisa mais refletir os valores morais para ser válido; ele carece apenas de ser positivado para que possa, assim, obedecer ao principio da legalidade. Posto que, assim, assegura ALEXY:

Para el concepto positivista de derecho, quedan sólo dos elementos definitorios: el de legalidad conforme al ordenamiento o dotada de autoridad y el de la eficacia social. Las numerosas variantes del positivismo jurídico resultan de las diversas interpretaciones y del peso que se dé a estos elementos definitorios. A todas ellas es común el hecho de que lo que es derecho depende de lo que es impuesto y/o es eficaz. [16] [17]

Diante disso, depreende-se que o Juspositivismo - ao amparar a tese da separação entre Direito e Moral - admite um Direito injusto, uma vez que esse não deve vincular-se à Moral para obter a legitimidade, mas, sim, separar-se dela para que, de tal guisa, possa obedecer ao princípio da legalidade conforme o ordenamento ou dotado de autoridade e/ou critério de eficácia.

Destarte, conclui-se que, ao negar o pensamento metafísico da tradição do Direito Natural defendido pelo Jusnaturalismo na tese da vinculação, o Positivismo aproxima-se da teoria que afirma que Direito e Moral são "círculos tangentes e impenetráveis" [18], ou seja, que entre as esferas axiológica e normativa nada haveria.

Considerar os dois círculos como sendo tangentes significaria dizer que não existe nem um ponto comum entre o Direito e a Moral, o que faria do Direito algo, completamente amoral e da Moral algo, inteiramente, não-legal. E é isso que o Juspositivismo defende na tese da separação entre Direito e Moral.

2.3. Pluralismo Ético e a Tese da Vinculação entre Direito e Moral

Importante questão que se faz presente é sobre essa terceira vertente do pensamento que se pode ter acerca da relação entre Direito e Moral: o Pluralismo Ético.

Contra o extremado debate travado em ambas as correntes (jusnaturalista e juspositivista) surge o pensamento pluralista. Senão vejamos: opõe-se ao Jusnaturalismo, porque acredita que o homem racional não pode recorrer às fundamentações metafísicas oriundas do Direito Natural, e opõe-se ao Positivismo, porque acredita que existiria a possibilidade de fundamentar a Moral. BARBOZA registra:

Parece, assim, que o retorno a um ponto de vista ético, na teoria do direito, não pode ser senão uma terceira vertente, pós-metafísica, que, sem recuar à fundamentação e à linguagem jusnaturalista, logre superar o positivismo, ao menos em suas versões extremadas. [19]

Em seguida, depois desse sucinto prefácio acerca do que tal Pluralismo Ético configura-se, o qual, segundo ALEXY, seriam "teorias que rejeitam ou superam o positivismo, mas não se pretendem jusnaturalistas", vamos, presentemente, versar sobre a tese da vinculação que é defendida pela corrente pluralista.

O pensamento pluralista procura uma compreensão não- transcendental da fundamentação dos valores morais. Nesse sentido, aquela corrente ampara a tese da vinculação entre Direito e Moral, haja vista que há um mínimo Moral comum que, por sua vez, é passível de ser conhecido, crítica e racionalmente, e que pode ser universalizado.

Esse Pluralismo Ético, o qual, outrossim, pode apresentar a designação Cognoscitivismo, acastela que a razão, a qual, embora não seja onipotente, pode conhecer e justificar racionalmente uma Moral. Nessa seara do desenvolvimento da metaética, cumpre arrolar a moral crítica proposta por HABERMAS [20].

Tal Pluralismo, conforme ARENDT [21], apresentaria uma dualidade: seria concomitantemente manifestação da igualdade e da diferença existente na humanidade. Nós, seres humanos, seríamos iguais, posto que podemos nos compreender, e seríamos também diferentes, uma vez que necessitamos da linguagem para um entendimento.

Deste modo, o Cognoscitivismo significaria "diferença e aceitação da diferença, diversidade e tolerância pela diversidade" [22]. O Pluralismo Ético representaria um valor para o qual ficariam legitimados os juízos morais de distintas culturas, os quais, necessariamente, não atentassem contra os princípios humanos mais gerais e universais: os Direitos Humanos.

En la actualidad, el concepto [de pluralismo] es entendido primordialmente en un sentido social e político, en donde confluyen elementos empíricos y normativos. Desde el punto de vista empírico, el pluralismo designa una variedad de confesiones y religiones (pluralismo religioso), grupos sociales (pluralismo social) y fuerzas políticas significativas (pluralismo político) (...) En segundo lugar, el pluralismo afirma – y aquí reside su contenido normativo – que reconoce y aprueba la variedad y la diferencia; no obstante toda su diferenciación funcional, los grupos tienen los mismos derechos para desarrollarse libremente.

[23] [24]

Diante disso, conclui-se que o Pluralismo Ético defende a tese da vinculação entre Direito e Moral numa inovadora terceira vertente: diferenciando-se do Jusnaturalismo, ao negar a existência do absoluto, do universal e do eterno; e divergindo do Juspositivismo, ao afirmar a possibilidade do conhecimento de uma Moral com base racional.

Destarte, no Cognoscitivismo, teríamos o Direito como círculo secante ao círculo da Moral: "círculos interseccionados" [25]. Teoria essa que explica a relação entre Direito e Moral como sendo ambos dois círculos secantes. Existindo entre aqueles círculos uma pequena área de intersecção, ou seja, Direito e Moral possuiriam algumas partes comuns, para o Pluralismo Ético.

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Sobre o autor
Nilson Dias de Assis Neto

Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, Diretor Adjunto do Departamento de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados da Paraíba, Coordenador Adjunto de Ensino à Distância da Escola Superior da Magistratura da Paraíba, Mestrando em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Barcelona, professor no ensino superior com experiência na área de Direito Público, especialmente Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSIS NETO, Nilson Dias. A dialética entre Direito e Moral.: A relação entre as esferas axiológica e normativa nas perspectivas jusnaturalista, juspositivista e pluralista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2911, 21 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19376. Acesso em: 17 nov. 2024.

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