Com o Dia dos Namorados, surgem questionamentos acerca dos efeitos jurídicos – principalmente patrimoniais – que poderão advir desta relação.
Os mais precavidos valem-se de contratos de namoro para afastar a possibilidade de configuração de uma união estável, esta sim capaz de gerar direitos e deveres ao casal.
Mas será que, em nosso ordenamento jurídico, esse contrato protege, por completo, as partes?
Na realidade, não. É que muito embora o contrato que rege a intenção do casal quanto ao relacionamento de namoro tenha forte e considerável valor probatório, será ele desconsiderado se, na prática, as partes viverem em união estável, ou seja, mantiverem "convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família" (Código Civil, art. 1.723).
Em outras palavras, o ajuste celebrado pelo casal, que identifica seu relacionamento como de namoro, não poderá se sobrepor à realidade por eles vivida, caso seja esta diversa da pactuada. Não basta, portanto, que as partes tenham firmado o contrato em questão para suprimir direitos patrimoniais se, no dia a dia, vivem como se casados fossem.
Não há como negar, contudo, que a citada avença constitua forte e relevante prova quando a situação é levada ao crivo do Judiciário. Com efeito, não poderá o Juiz desconsiderar que, aquele que agora pleiteia o reconhecimento de suposta entidade familiar, outrora firmou um documento corroborando tratar-se de relacionamento amoroso superficial (Nesse sentido, TJSP, Apelação Cível 554.280-7/00, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Grava Brazil; e TJRJ, Apelação Civel 0000305-63.2006.8.19.0003 (2009.001.13617), 19ª Câmara Cível, Rel. Des. Marcos Alcino Torres).
Assim, os namorados que eventualmente venham a firmar contratos desta natureza poderão valer-se desse instrumento para, em caso de litigio judicial, tentar comprovar, juntamente com outros elementos de provas, que o relacionamento em questão não preenche os requisitos da união estável. Para este fim, portanto, o contrato pode ser bastante útil.
É importante destacar, todavia, que, uma vez que as relações afetivas são dinâmicas, é possível que o namoro outrora reconhecido voluntariamente pelas partes venha a se transformar, com o tempo, em uma união estável. Ou seja, aquele relacionamento que num primeiro momento foi denominado namoro pode, na prática, tomar cores de uma entidade familiar, hábil a gerar direitos e deveres aos parceiros.
Ressalte-se, ademais, que a preocupação dos namorados que optam por celebrar o contrato em questão não é em vão. E isto porque os namoros contemporâneos, especialmente aqueles entre pessoas já estabelecidas profissionalmente, guardam uma estreita semelhança com a união hábil a ser judicialmente reconhecida como estável. Não são raros os casos em que, por exemplo, namorados dormem juntos na residencia de um deles, compartilham as suas rotinas e mantêm pertences comuns nas casas um do outro.
É muito importante, todavia, que fique claro que o reconhecimento da união estável vai muito além de simplesmente dividir, por alguns dias, o mesmo leito. É preciso demonstrar que as partes, de fato, possuem um relacionamento público, duradouro, contínuo e com intenção de constituição de família. É preciso, como reconhece o Superior Tribunal de Justiça, "que a união se revista de estabilidade, ou seja, que haja aparência de casamento" (STJ, Resp 474962/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
Não se olvide, deste modo, que o meio mais seguro para regulamentar os relacionamentos que de fato são uniões estáveis é o contrato de convivência, este sim previsto no ordenamento jurídico pátrio, e que tem o real condão de estabelecer, entre outros, o regime patrimonial que regerá a vida do casal e o termo inicial do relacionamento.
Nas comemorações de mais um Dia dos Namorados, devemos ser otimistas: os relacionamentos são, via de regra, pautados no amor e em sentimentos genuinamente afetivos. Mas, como o conflito é inerente ao ser humano – ainda mais propício quando decorrente de frustrações amorosas - não se mostra prejudicial que as questões patrimoniais inerentes às relações fiquem, desde logo, previamente ajustadas, evitando-se, assim, conflitos desgastante e longas batalhas judiciais.
Notas
01. No mesmo sentido: "FAMÍLIA. Relação existente entre homem e mulher com convivência pública, contínua e duradoura, embora não ocorrida sob o mesmo teto. Hipótese não excludente da união estável. Namoro prolongado e união estável. Critérios distintivos. Exigência de análise caso a caso. Fator que afasta a união estável consistente na falta de ânimo de constituir família. Prova produzida concludente neste sentido. Improcedência do pedido. Recurso a que se nega provimento. (TJRJ, Apel. 0008113-02.2006.8.19.0042, 2ª CAMARA CIVEL, Des. Carlos Eduardo Passos, j. 04/05/2011).