"A vida é o bem mais precioso do ser humano, mas a vida sem liberdade não tem qualquer significado, nem dignidade. A liberdade, porém, não se confunde com a licenciosidade."
É inconcebível que a menor de dez anos, que foi estupidamente estuprada por dois monstros, tenha sido obrigada a esperar tanto tempo, para a realização do aborto, conquanto a Constituição e o Código Penal a protegem, autorizando este o aborto terapêutico ou necessário, quando a vida da mãe está, por um fio, ou o resultante de estupro, isto é, de relações não consentidas e, portanto, com violência, ou mantidas com menor de quatorze anos, presumindo-se a violência, visto que é incongruente e desumano fazê-la suportar essa gravidez até o final.
O direito à vida é não só um cânone constitucional, como um sacrossanto princípio natural, consagrado pelo nosso Direito e pela tradição religiosa.
Olvidam-se, contudo, os hipócritas que a Constituição inscreve o direito à vida digna e não torpe, e também, como não podia deixar de ser, garante o direito à vida da mãe e, com precisão matemática, optou o Código Penal, que está em perfeita sintonia com a Carta Magna, pela autorização do aborto necessário, isto é, pela interrupção da gravidez, se não há outro meio de salvar a mãe – gestante, ou em caso de gravidez resultante de estupro. Naquele caso, o aborto é terapêutico.
Na hipótese de estupro, depende do consentimento dela ou de seu representante legal, se esta for incapaz. Configura-se, então, o aborto sentimental ou por indicação médica.
O estupro, sabe-se, é a violência carnal, contra vontade, e não é crível que se exija da mulher o nascimento de uma criança não desejada, imposta à força, ou de uma menina, como no caso da menor goiana, que tenha o filho, constrangendo-a a suportar mais essa crueldade.
Contam os criminalistas que a legislação moderna apresenta diversas soluções, facultando, o aborto, com maior ou menor amplitude, e consignam que as leis muito restritivas são as piores, porque abrem caminho para os abortos ilegais, sumamente perigosos, e, em conseqüência, desacreditam o sistema penal.
A Comissão, presidida, pelo insigne Ministro Luiz Vicente Cernichiaro, amplia, com muita propriedade, as hipóteses de aborto legal, atendendo a melhor doutrina, e em consonância com a legislação mais evoluída.
Defende, incisivamente, no Anteprojeto de Reforma do Código Penal, que não constitui crime o aborto praticado por médico se:
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não há outro meio de salvar a vida ou preservar a saúde da gestante; a gravidez resulta de violação da liberdade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida;
há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de a criança apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais.
Com muita razão, digna dos maiores louvores, a postura dos magistrados de Goiás e da equipe médica do Hospital, que realizou o aborto em causa, o que projeta, sem dúvida, o sentimento de suma solidariedade.
São atitudes como essas, de independência e destemor, que enobrecem o ser humano e a profissão e dão novo alento a essa humanidade sofrida.
Não há dúvida que, no caso, não há crime e o aborto é consentido pela lei penal, com a cobertura da Constituição.