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Equidade como instrumento de integração de lacunas no Direito

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05/07/2011 às 06:36
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Resumo: As lacunas do Direito têm existência comprovada, seja considerado o ordenamento jurídico completo ou incompleto, fazendo-se necessária sua integração, pois, ante o mandamento do non liquet, o magistrado não pode deixar de julgar alegando a não existência de uma norma adequada ao caso. Destarte, a legislação civil introdutória (Decreto-Lei nº 4.657/42), em seu artigo 4º prevê a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito como meios integradores de lacunas. Contudo não menciona de forma expressa a utilização da equidade como recurso integrador do Direito. No artigo 5º do mesmo dispositivo legal, impõe ao magistrado no plano fático a busca pelo bem comum e pela função social da lei. O presente trabalho, fundando-se neste último preceito, defende a eqüidade como instrumento de integração das lacunas, embora não haja na lei menção expressa a ela, e contrapõe-se à rígida hierarquia das fontes de direito tradicionalmente utilizadas. Assim, faz-se um estudo do conceito de equidade, à luz da aporia das lacunas a fim de superar a dicotomia doutrinária fornecendo ao juiz diretrizes de aplicação da justiça ao caso concreto.

Palavras-chave: Eqüidade, Aristóteles, lacunas, integração.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. O ORDENAMENTO JURÍDICO. 1.1. Norma e ordenamento jurídico. 1.2. As fontes do Direito. 1.3. Conflito entre normas. 2. AS LACUNAS DO DIREITO. 2.1. O problema das lacunas. 2.2. Existência e constatação das lacunas. 3. INTEGRAÇÃO DO DIREITO. 3.1. Auto integração e hetero-integração. 3.2. Analogia. 3.3. Costumes. 3.4. Princípios gerais de Direito. 4. EQUIDADE COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO DE LACUNAS. 5. CONCLUSÃO. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS .


INTRODUÇÃO

O Direito é o conjunto das normas que regulam a conduta dos indivíduos de uma determinada sociedade. Esse conjunto de normas de conduta é denominado ordenamento jurídico, estruturando de forma hierárquica as várias espécies de normas jurídicas.

A lei é a fonte de direito principal do ordenamento jurídico. Diante da pretensa completude do ordenamento jurídico, sustentada pelos positivistas, e, por outro lado, diante da impossibilidade do legislador em prever todos os casos concretos que poderão surgir na realidade fática, surge a complexidade do tema relativo às lacunas no Direito, isto é, ausência de norma reguladora para um caso concreto específico, ou quando a aplicação de uma norma existente na ordenamento se mostrar indesejável.

O magistrado, no ato de aplicação do Direito, em certos casos, se depara com ausência de norma reguladora que discipline tal conduta concreta posta sob sua apreciação, ou talvez considera a aplicação da norma existente como indesejável, isto é, se aplicada, poderia resultar em decisão não razoável. Assim, diante da proibição do non liquet,

o juiz se vê obrigado a recorrer aos instrumentos que a lei dispõe para supressão e colmatação destas, como está previsto no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, prescrevendo que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito".

Surge assim o seguinte problema, que se constitui na própria problemática que ora se suscita nesta pesquisa: a equidade pode ser considerada instrumento de integração de lacunas no Direito brasileiro, tendo em vista a ausência de menção expressa a esse instrumento no supra citado dispositivo legal?

Como hipótese, tem-se que o próprio legislador admite o sistema jurídico como lacunoso, fornecendo ele mesmo os meios de integração das lacunas. Dessa forma, a analogia, os costumes e princípios gerais de Direito são instrumentos fornecidos pelo próprio legislador ao juiz para a solução de lacunas. Vislumbra-se a omissão legislativa em relacionar a equidade como instrumento integrador de forma expressa, mencionando, contudo, tacitamente, seu uso no artigo 5º, também da Lei de Introdução ao Código Civil, dispondo que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Ou seja, dispondo de forma ampla, o legislador permite ao juiz, quando da aplicação da lei, recorrer à equidade, de modo a adequar a norma ao caso concreto conforme seus fins sociais e a exigência do bem comum. Além disso, é recorrente a menção ao uso da equidade em legislação esparsa no ordenamento pátrio, além de constantes decisões do Supremo Tribunal Federal no sentido da garantir o seu uso.

A presente pesquisa tem por objetivo analisar o uso da equidade como instrumento de adequação da norma jurídica ao caso concreto da forma, se esse uso propicia uma decisão equânime, buscando seu uso como meio supletivo de lacunas, por meio da prudência do juiz, e tendo em vista sua proximidade do caso concreto.

Como referencial teórico, utiliza-se a teoria aristotélica sobre a equidade. Aristóteles considerava a equidade como o corretivo do justo legal, ou seja, adequação da norma ao caso concreto da forma mais equânime e razoável possível. Ou seja, é a correção da norma quando esta se mostra omissa ou não razoável, fazendo que esta atinja o fim social a que fora destinada. A equidade se manifesta no plano concreto, no ato de aplicação da norma pelo juiz, que diz o que diria o legislador se ali estivesse diante do caso particular e concreto.

Tal pesquisa se justifica pelo fato de que, por mais que não esteja elencada no rol do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, o uso a equidade é recorrente tanto em legislação esparsa como em grande número de decisões dos Tribunais Superiores com base nesse mecanismo de supressão de lacunas.

Esse trabalho é dividido em quatro capítulos. O primeiro procura explicar conceitos inerentes a teoria do ordenamento jurídico, como o próprio conceito de sistema, extraindo-se daí os conceitos kelsenianos de sistema estático e dinâmico; o conceito de norma jurídica e os conflitos entre si, além da disposição sobre as fontes do Direito, sua distinção em fontes materiais e fontes formais e sua pretensa hierarquia.

O segundo capítulo trata da aporia das lacunas, demonstrando que na doutrina, há duas correntes distintas: a que considera o sistema jurídico completo, excluindo-se a possibilidade da existência de lacunas, representada pelos positivistas Kelsen e Bobbio; e a corrente que defende a incompletude do sistema, sendo consequentemente lacunoso.

O terceiro capítulo faz menção aos instrumentos integradores das lacunas, considerando os meios auto e hetero-integradores, analisando as formas institucionalizadas pelo legislador de supressão das lacunas, que são a analogia, costumes e princípios gerais de direito.

O quarto capítulo é dedicado à equidade, remontando suas origens em Aristóteles, estudando a ética aristotélica, em especial, a Ética à Nicômaco, discorrendo sobre sua teoria da virtude e da justiça, ponderando sobre a prudência e a µπιεικέια. Posteriormente, passa a expor as opiniões doutrinárias que defendem a aplicação eqüitativa da norma ao caso concreto, ou, na ausência de norma aplicável, o preenchimento equânime das lacunas no direito. Expõe alguns julgados do Supremo Tribunal

Federal, no sentido de demonstrar o uso e a garantia da equidade em suas decisões. Além disso, demonstra que, não obstante a omissão com relação à equidade na lei introdutória é constante a menção ao seu uso expressamente em legislação especial, como forma de demonstrar e comprovar a hipótese.


1. O ORDENAMENTO JURÍDICO

1.1. Norma e ordenamento jurídico

A discussão acerca das lacunas do Direito exige um entendimento prévio sobre norma jurídica e ordenamento jurídico, pois tal problema é conseqüência lógica da afirmação do sistema como um todo coerente de conteúdos normativos ligados entre si que regulam de forma dinâmica as relações humanas.

Norma jurídica é uma proposição prática diretiva da conduta humana, de caráter coercitivo. Jhering, citado por Ferraz Júnior (2003) afirma que "o conteúdo da norma é um pensamento, uma proposição (proposição jurídica), mas uma proposição de natureza prática, isto é, uma orientação para a ação humana; a norma é, portanto, uma regra conforme a qual nos devemos guiar" (JHERING apud FERRAZ JR., 2003, p. 99).

Entretanto, as normas jurídicas "nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si (...). Esse contexto de normas costuma ser chamado de ‘ordenamento’" (BOBBIO,1999, p. 19). Então, ordenamento jurídico é o conjunto das normas jurídicas que regulam a conduta dos indivíduos em sociedade.

O ordenamento jurídico, sendo caracterizado como esse conjunto de normas diretivas de conduta, não é composto apenas de elementos normativos, mas também de elementos não normativos conforme doutrinado por Ferraz Jr. (2003), pois neles estão contidas classificações legais das coisas, organizações de matérias, etc. O ordenamento, para ele, "é também uma estrutura, isto é, um conjunto de regras que determinam as relações entre os elementos. (...) O sistema é um complexo que se compõe de uma estrutura e um repertório. Nesse sentido, organização é sistema (FERRAZ JR., 2003, p. 176).

Kelsen (1998) afirma que, os sistemas de normas, com relação à natureza de seu fundamento de validade, se dividem em dois: estático e dinâmico. Segundo ele,

as normas de um ordenamento do primeiro tipo, quer dizer, a conduta dos indivíduos por elas determinada, é considerada como devida (devendo ser) por força do seu conteúdo: porque a sua validade pode ser reconduzida a uma norma a cujo conteúdo pode ser subsumido o conteúdo das normas que formam o ordenamento, como o particular ao geral. (...)O tipo dinâmico é caracterizado pelo fato de a norma fundamental pressuposta não ter por conteúdo senão a instituição de um fato produtor de normas, a atribuição de poder a uma autoridade legisladora ou - o que significa o mesmo - uma regra que determina como devem ser criadas as normas gerais e individuais do ordenamento fundado sobre esta norma fundamental (KELSEN, 1998, p. 136-137)

Ou seja, o sistema estático é aquele caracterizado pela força de seu conteúdo, partindo do particular ao geral, sem que suas normas se derivem umas das outras, encontrando-se numa posição de igual hierarquia e o sistema dinâmico é o sistema que tem acentuado seu aspecto formal, encontrando-se na Constituição a norma produtora de todas as demais e, portanto, hierarquicamente superior a todas elas.

Com base em Kelsen, Bobbio (1999) distingue os dois sistemas no sentido de que o estático é aquele no qual as normas estão relacionadas umas às outras como proposições de um sistema dedutivo, ou seja, pelo fato de que derivam umas das outras partindo de uma ou mais normas de caráter geral, que têm a mesma função dos postulados ou axiomas num sistema científico" (BOBBIO, 1982, p. 71-72),

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O sistema dinâmico, "é aquele no qual as normas que o compõem derivam umas das outras através de sucessivas delegações de poder, isto é, não através de seu conteúdo, mas através da autoridade que as colocou (BOBBIO, 1999, p. 72).

Destarte, Bobbio (1999) conclui que, no primeiro sistema (estático), as normas estão relacionadas entre si no tocante ao conteúdo, e, no segundo sistema, as normas se relacionam apenas no aspecto formal. Para Kelsen, os ordenamentos jurídicos são sistemas dinâmicos.

As normas jurídicas se expressam por meio de regras e princípios, se constituindo como gênero, e os princípio e as regras, como espécies desse gênero.

São características da lei, em sentido amplo, a generalidade e a abstração, ou seja, o ato emanado pelo legislador é aplicável a todos de forma geral, e é abstrata, pois é uma proposição vinculativa a casos fáticos, concretos. Daí, como a lei é produto atividade humana do legislador, é presente a questão acerca da possibilidade de previsão legal de todos os comportamentos que poderão aparecer na realidade.

A concepção do ordenamento como sistema dinâmico envolve, por fim, o problema de saber se este tem a propriedade peculiar de qualificar normativamente todos os comportamentos possíveis ou se, eventualmente, podem ocorrer condutas para as quais o ordenamento não oferece qualificação. (...) Trata-se da questão da completude (ou incompletude) dos sistemas normativos também conhecida como problema das lacunas do ordenamento. (FERRAZ JR., 2003, p. 218)

Logo, é dessa dicotomia que nasce a questão referente às lacunas no Direito, pois, se se considera o sistema completo, não se admite a existência de lacunas; porém, se se considera o sistema como incompleto, deve ser considerada, consequentemente, a existência de omissões dos legisladores, e ainda, devem ser estipulados pelo próprio ordenamento, instrumentos de colmatação destas omissões diante do caso concreto.

1.2. As fontes do direito

O conceito de "fonte do Direito" é conforme Diniz (2003) empregado de forma metafórica, no sentido de "nascente de onde brota uma corrente de água" (DINIZ, 2003, p. 280). Juridicamente, esse termo designa, o conjunto de pressupostos de validade que devem ser obedecidos para que a produção de prescrições normativas possa ser considerada obrigatória, projetando-se na vida de relação e regendo momentos diversos das atividades da sociedade civil e do Estado. Quando uma lei, uma sentença, um costume ou um negócio jurídico são produzidos de acordo com os parâmetros superiores que disciplinam sua elaboração, eles adquirem juridicidade, determinando o que pode e o que deve ser considerado "de direito" por seus destinatários. (REALE, 1999, p. 14, grifo do autor).

Conforme os ensinamentos de Bobbio (1999), as "fontes do Direito" são "aqueles fatos ou atos dos quais o ordenamento jurídico faz depender a produção de normas jurídicas" (BOBBIO, 1999, p. 45).

Porém, tal conceito, por se tratar de uma metáfora, uma figuração, tende a possuir caráter multifacetário e ambíguo, tendo em vista que por fonte quer-se significar simultaneamente e, às vezes confusamente, a origem histórica, sociológica, psicológica, mas também a gênese analítica, os processos de elaboração e de dedução de regras obrigatórias, ou, ainda, a natureza filosófica do direito, seu fundamento e sua justificação" (FERRAZ JR., 2003, p. 225)

Kelsen (1998), ao tratar das fontes do direito, relaciona estas com a noção de pertinência ao ordenamento e sua obediência à norma hierarquicamente superior. De acordo com esse autor só costuma designar-se como "fonte" o fundamento de validade jurídico-positivo de uma norma jurídica, quer dizer, a norma jurídica positiva do escalão superior que regula a sua produção. Neste sentido, a Constituição é a fonte das normas gerais produzidas por via legislativa ou consuetudinária; e uma norma geral é a fonte da decisão judicial que a aplica e que é representada por uma norma individual. Mas a decisão judicial também pode ser considerada como fonte dos deveres ou direitos das partes litigantes por ela estatuídos, ou da atribuição de competência ao órgão que tem de executar esta decisão. Num sentido jurídico-positivo, fonte do Direito só pode ser o Direito. (KELSEN, 1998, p.163)

Isso significa que Kelsen considera como fontes do direito, apenas elementos que lhe são inerentes. Considera também que esse termo pode ser utilizado em sentido não jurídico, que influenciam na criação e aplicação do direito, porém não lhe são inerentes, como os princípios morais de direito e políticos, as teorias jurídicas, pareceres de especialistas, etc.; nesses casos, não têm efeito vinculante enquanto a ordem jurídica não as delegue essa característica, como possuem as fontes de direito positivo.

A doutrina distingue as fontes em materiais e formais. Tal dicotomia terminológica, de acordo com Ferraz Jr. (2003), já aparece no séc. XIX, em Savigny, reafirmada no séc. XX, pelas idéias do francês François Geny, que dividiu as fontes em substanciais e formais. Ferraz Jr. (2003), explicando a divisão de Geny diz que

de um lado temos, assim, as fontes substanciais, que são dados, como é o caso dos elementos materiais (biológicos, psicológicos, fisiológicos) que não são prescrições, mas que contribuem para a formação do direito [...]. De outro lado, fala ele em fontes formais, correspondendo ao construído, significando a elaboração técnica do material (fontes substanciais) por meio de formas solenes que se expressam em leis, normas consuetudinárias, decretos regulamentadores, etc. (FERRAZ JR., 2003, p. 225)

A fonte material "aponta a origem do direito, configurando sua gênese, daí ser fonte de produção, aludindo a fatores éticos, sociológicos, históricos, políticos, etc., que produzem o direito, condicionam o seu desenvolvimento e determinam o conteúdo das normas." (DINIZ, 2003, p.281-282).

A fonte formal, por sua vez, lhe dá forma fazendo referência aos modos de manifestação das normas jurídicas, demonstrando quais os meios empregados pelo jurista para conhecer o direito ao indicar os documentos que revelam o direito vigente possibilitando sai aplicação a casos concretos, apresentando-se, portanto, como fonte de cognição. (DINIZ, 2003, p. 282).

As fontes formais, segundo ensinamentos de Diniz (2003), são estatais ou não estatais, sendo que as primeiras se consistem em fontes legislativas e jurisprudenciais, e as segundas abrangem o costume, a doutrina e convenções ou negócios jurídicos.

Dentre as fontes formais do direito, a lei é a mais importante. Diniz (2003) conceitua lei sob três acepções: amplíssima, onde lei é sinônimo de norma jurídica, tendo como conceito "toda norma geral de conduta que define e disciplina as relações de fato incidentes no direito e cuja observância é imposta pelo poder do estado" (DINIZ, 2003, p. 286); numa acepção ampla, "designa todas as normas jurídicas escritas, sejam as leis propriamente ditas, decorrentes do Poder Legislativo, sejam os decretos, os regulamentos, ou outras normas baixadas pelo Poder Executivo" (DINIZ, 2003, p. 286); em sentido estrito, pode ser entendida como "norma jurídica elaborada pelo Poder Legislativo, por meio de processo adequado.( DINIZ, 2003, p. 287).

Portanto, na ausência de lei que regule um caso concreto, o ordenamento jurídico dispõe de outras fontes que podem ser aplicadas ao caso concreto, como a jurisprudência, costume, doutrina e as convenções. Esgotadas essas fontes, então surge a lacuna que deve ser preenchida pelo juiz, pelos meios de integração do direito.

1.3. Conflito entre normas

Outra discussão encontrada no cerne da teoria do ordenamento jurídico é a questão da sua consistência. Ferraz Jr. (2003) conceitua este termo como "inocorrência ou a extirpação de antinomias, isto é, da presença simultânea de normas válidas que se excluem mutuamente" (FERRAZ JR., 2003, p. 206). Portanto, quando coexistem no mesmo ordenamento jurídico duas normas igualmente válidas, porém incompatíveis entre si, tem-se um conflito de normas, uma antinomia jurídica.

Antinomia é o "conflito entre duas normas, dois princípios, ou de uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular. É a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deve ser aplicada ao caso singular". (DINIZ, 2003, p. 471).

O conflito de normas surge, para Kelsen (1998), quando "uma norma determina uma certa conduta como devida e outra norma determina também como devida uma outra conduta, inconciliável com aquela" (KELSEN, 1998, p.143) .

Assim, reconhecendo-se a ciência do Direito como isenta de contradições, conforme assevera o mencionado autor, este tipo de conflitos são solucionados pelas vias hermenêuticas, isto é, pelos critérios de interpretação já consagrados, tendo-se em vista a forma que este conflito se apresenta.

Neste sentido, Ferraz Jr. (2003) considera que

os ordenamentos modernos contêm uma série de regras ou critérios para a solução de conflitos normativos historicamente corporificados, como os critérios hierárquicos (lex superior derogat inferiori), de especialidade (lex specialis derogat generalis), cronológicos (lex posteriori derogat lex priori). (FERRAZ JR. 2003, p. 211).

Conclui Ferraz Jr. (2003) que, dessa forma, as normas emanadas de um mesmo contexto de forma contraditória não se configurariam em antinomias, pois são solucionadas pelos critérios acima descritos. Têm-se portanto antinomias quando existirem conflitos entre critérios.

Então, prefere o referido autor pela definição de antinomia jurídica como sendo a oposição entre normas emanadas de autoridades igualmente competentes sob o mesmo patamar não solucionáveis pela ausência ou inconsistência de critérios aptos dentro de um mesmo ordenamento.

Neste caso, fala-se em lacunas de critérios de resolução de antinomias, e conforme doutrinado por Diniz (2003), há possibilidade de resolução por meio da interpretação eqüitativa. Assevera a mencionada autora que

Como em caso de lacuna de conflito, de antinomia de segundo grau, existem várias soluções incompatíveis, não havendo univocidade, ocorre a discricionariedade do órgão aplicador, que hoje pode aplicar uma delas, amanhã outra. Assim, o magistrado, ao compreender as normas antinômicas, deverá ter presentes os fatos e valores, para optar pela que for mais favorável, baseado na experiência ideológica do momento atual. (DINIZ, 2003, p.479)

Portanto, as lacunas aparecem também com relação aos critérios hermenêuticos consolidados para a solução das antinomias, ou seja, quando surge a impossibilidade de se orientar por esses critérios estabelecidos por se encontrarem em contradição.

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Sobre o autor
Fábio Luiz Antunes

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES, Fábio Luiz. Equidade como instrumento de integração de lacunas no Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2925, 5 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19473. Acesso em: 24 abr. 2024.

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