Conclusão
O texto constitucional brasileiro concebe um capitalismo humanizado, ou seja, consagra uma economia de mercado (de natureza capitalista), dando prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. O fim da Ordem Econômica é assegurar a todos uma existência digna (valorização da pessoa humana), conforme os ditames da justiça social.
No contexto da concorrência, passa o Estado a privilegiar a sua função de regulador, ganhando o CADE uma maior dimensão.
Nestes termos, a promulgação da Lei nº 8.884, de 1994 cria condições para garantir a defesa da concorrência no país.
A atuação do CADE pode ser dividida em duas esferas: atuação repressiva (combatendo os ilícitos anticoncorrenciais previstos nos art. 20 e 21) e atuação preventiva (correspondente aos atos de concentração, nos moldes do art. 54, §3º).
No controle repressivo, a atuação da autarquia consiste basicamente em dois procedimentos: um de natureza vinculada, destinado à verificação da existência da infração econômica, de acordo com a tipificação trazida pela Lei nº 8884/94; outro de natureza discricionária, consistente na aplicação ou não de sanções à conduta típica realizada.
Essa atuação discricionária do CADE justifica-se ante o dinamismo da economia, protegendo outros tantos bens, assegurados, ao lado da livre-concorrência, de igual forma pela Constituição Federal. Não pode a defesa de a concorrência ser efetivada de modo prejudicial ao incremento de postos de trabalho, à melhoria de produtos e serviços ao consumidor, etc.
A atuação preventiva do CADE, por sua vez, consiste no controle dos atos de concentração, nos moldes do art. 54 da Lei nº 8884/94. Essas concentrações, ainda que não tipificadas como "ilícito concorrencial", devem ser submetidas ao controle da autarquia. Busca-se evitar que as empresas já estabelecidas abusem de suas posições dominantes, sendo com a imposição de restrições à competição nos mercados em que atuam, sendo pelo incremento de seu poder de mercado, através de alianças ou fusões com empresas concorrentes.
A livre concorrência protegida pela Lei nº 8884/94 é interesse de caráter difuso, de titularidade da coletividade (art. 1º, parágrafo único). Com efeito, a sua manutenção é condição necessária para o desenvolvimento econômico sustentável, de modo que e a sua limitação artificial prejudica a sociedade como um todo. Assim, as normas jurídicas concorrenciais passam a ser concebidas como instrumento de "implementação de políticas públicas".
Deste modo, a implementação de políticas públicas, visando o bem geral da sociedade, estará configurada na aplicação da legislação antitruste ou na justificativa da sua não aplicação, dependendo do caso concreto.
É neste contexto que o diploma legal traz as denominadas "válvulas de escape" (entre as quais destacam-se a regra da razão, o conceito elástico de mercado relevante, o jogo do interesse protegido), ou seja, conceitos legais que permitem que em um caso concreto, uma conduta tipicamente ilícita (nos termos dos artigos 20 e 21 da lei antitruste) não seja assim considerada, ante os demais benefícios que trarão à sociedade como um todo.
Portanto, respeitadas as disposições constitucionais e legais, é possível a atuação legítima do CADE sobre a ordem econômica, sem a descaracterização do sistema capitalista adotado pela sociedade brasileira.
Resguarda o Estado, assim, a livre-iniciativa e a livre-concorrência entre os agentes econômicos, bem como o crescimento econômico do país, visando, ao final, o bem geral da coletividade.
Referências
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Notas
- SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial – as estruturas.
- FORGIONI, op. cit., p. 167 e seguintes.
- FORGIONI, op. cit., p. 169 e 170
- Essa teoria caracteriza-se por demonstrar que o preço do produto não era o seu real custo de produção, mas o valor dado a ele pelo consumidor marginal (daí sua nomenclatura). Esse valor atribuído pelo consumidor é denominado utilidade marginal, ou seja, os fatores de produção necessários à fabricação de determinado produto também tem seus preços determinados.
- Essa escola nasce nos anos 30, na Alemanha, como reação ao fracasso econômico da República de Weimar e como crítica à concepção econômica nazista. Esse fracasso seria identificado no livre jogo dos monopólios e cartéis na Alemanha.
- Adota-se na Europa um sistema de determinação da ilicitude pelo objeto ou pelo efeito das práticas, de sorte que, nos termos do Tratado da CE, serão proibidas as práticas que prejudicarem o comércio entre os Estados-Membros ou tiverem por objeto ou efeito, no caso de acordo entre empresas, impedir, restringir, ou falsear o jogo da concorrência no mercado europeu.
- O Sherman Act veda, em seus artigos 1º e 2º, o acordo entre empresas e a posição dominante.
- Considerando-se o termo constitucional "abuso de poder econômico" (art. 173, §4º CF) como sinônimo de "infração contra a ordem econômica" (art. 20 da Lei n. 8884/94).
- Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Direito Antitruste Brasileiro. Comentários à Lei n. 8.884/94, p. 37.
- Definição retirada do sítio da CADE: www.cade.gov.br
- Essa divisão de competência é tratada por Calixto Salomão Filho por meio da diferenciação entre "critérios de identificação" (tipificação da conduta) e "critérios de sancionamento" (punição ou não da infração praticada).
- COELHO, op. cit. p. 22.
- SALOMÃO FILHO, op. cit.
- Ibid. p. 90.
- SALOMÃO FILHO, op. cit., p. 91
- FORGIONI, op. cit. p. 329
- Critério do market share X market power
- O que inclui a atuação de agentes econômicos estrangeiros. FORGIONI, op. cit. 329
- Para Calixto Salomão, este critério está inserido na forma de determinação do poder econômico baseado no "mercado relevante", uma vez que a determinação deste deve levar em consideração o aspecto geográfico e o aspecto material, bem como os substitutos da demanda e da oferta.
- O §1º do art. 20 da Lei nº 8884/94 prevê que a posição dominante decorrente de um processo natural, ou seja, na maior eficiência do agente econômico em relação a seus competidores, não configura o ilícito previsto no inciso II do mesmo parágrafo. Deve, ao contrário, ser incentivada.
- Apud TAVARES. op.cit. p. 265
- NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. A ordem econômica e financeira e a Nova Constituição. p. 29
- Cf. FORGIONI, op. cit. p. 314.
- Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
- COELHO, op. cit. p. 53
- Ibid., p. 53 e 54.
- Ou, nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, "mercado em causa".
- FORGIONI, op. cit. p. 231
- Conforme acentua Salomão Filho, identificar esses dois elementos significa que, para determinar o mercado relevante em que se encontra determinado produto, deve-se verificar quais os produtos que podem ser tido, pelo consumidor (demanda) como substitutos daquele, bem como verificar quais são os novos produtores (oferta) que podem razoavelmente ingressar neste mercado para produzi-lo.
- FORGIONI, op. cit. p. 231
- Investigando as conseqüências do incremento (ainda que diminuto) no nível de preço praticado.
- FORGIONI, op. cit. p. 230
- Paula Forgioni não concorda que a regra prevista no art. 54, §3º não traz uma presunção relativa. Para a autora, a redação do artigo revela: 1- que todos os atos restritivos (acordo ou concentração) devem ser submetidos ao CADE; 2- quanto aos atos de concentração, a lei presume que sejam restritivos da concentração sempre que estiver configurada a hipótese do art. 54, §3º (ainda que a prática não seja restritiva). Portanto, na verdade, a autora parece defender que a relatividade da presunção não pode ser oposta para a subtração do ato à apreciação da autoridade administrativa, já que afirma não competir às partes julgar previamente se o ato é ou não prejudicial à livre-concorrência, devendo esse julgamento ser feito tão somente pelo CADE. Contudo, conforme já destacado no presente trabalho, a relatividade da presunção apenas inverte o ônus da comprovação da prática restritiva, no âmbito do julgamento pelo CADE, de modo que não se afasta do posicionamento da autora.
- COELHO, op. cit. p. 60
- SALOMÃO FILHO, op. cit. p. 95
- SALOMÃO FILHO, op. cit. p. 241 e 242
- FORGIONI, op.cit. p. 394
- Ibid., p. 395
- Ibid.,. p.444
- 1 – vantagens no que tange à organização interna do agente econômico, tais como incremento do maquinário e desenvolvimento tecnológico, redução de gastos gerais e custos, diminuição das possibilidades de perda no processo de produção, diminuição de riscos para obtenção de capital; 2 – vantagens no que tange à posição da empresa no mercado: fortalecimento do relacionamento com fornecedores, facilitação de obtenção de crédito no mercado, atração de mão-de-obra mais qualificada, ...3 –vantagens verificadas no aumento do poder da empresa em relação ao Estado.FORGIONI. op. cit. . p. 475
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros;
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
§ 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II.
§ 2º Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa.
§ 3º A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.
Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica (...)