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A proteção dos direitos dos usuários de serviços públicos.

Aplicação do CDC e atuação do Estado

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08/07/2011 às 11:11
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O CONTROLE DO ESTADO SOBRE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO POR PARTICULARES

O Papel das Agências Reguladoras

Já se verificou oportunamente que o Estado, possuidor do dever de garantir a prestação de serviço público aos cidadãos (usuários), poderá, nos termos do art. 173 da Constituição Federal, prestá-los de forma indireta, ou seja, por meio de empresas particulares, através da realização de contrato de concessão ou permissão.

Ocorre que ainda que prestados por particulares, o serviços públicos não deixam de possuir características que lhes são próprias, advindas da relação Estado - cidadão, devendo, portanto, observar os princípios administrativos previstos para esta atividade estatal.

Caberá ao Estado zelar pela observância dessas características.

Sendo assim, conforme já elucidado no início do presente trabalho, terá lugar uma nova forma de atuação Estatal na atividade econômica, agora não mais como prestador de serviço (já que a atividade foi repassada a particulares), mas sim como entidade reguladora e fiscalizadora, nos termos do art. 174 da Constituição Federal:

Surge, então, a atividade a ser exercida pelas denominadas Agências Reguladoras.

As Agências Reguladoras são autarquias "sob regime especial" criadas, em regra, para disciplinar e controlar certas atividades [14]:

a)Serviços públicos propriamente ditos (ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários, ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil)

b)Atividades de fomento e fiscalização de atividade privada (ANCINE – Agência Nacional do Cinema);

c)Atividades exercitáveis para promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria de petróleo (ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis);

d)Atividades que o estado também protagoniza (sendo, neste caso, serviços públicos), mas que, paralelamente, são facultadas aos particulares, tais como serviço de saúde (ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária e ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar).

e)Agências reguladoras do uso do bem público (ANA – Agência Nacional de Águas)

Com a crise do Estado social, o Estado passou a transferir ao setor privado atividades de sua competência, mas que não poderiam ser deixadas ao livre funcionamento do mercado, vez que consistiam em atividades de suma importância para a garantia de valores fundamentais do ser humano (vida digna, saúde, etc.). Assim foi sendo criada a figura do Estado regulador para exercer a função de regulação e controle sobre essas atividades delegadas.

Assim, "o Estado regulador é o novo perfil do Estado contemporâneo, que se afastou da prestação efetiva de diversas atividades, transferindo-as aos particulares, sem, contudo, abandonar totalmente os setores que deixava, já que permaneceu neles regulando e acertando (fiscalizado) a conduta privada" [15].

A regulação exercida pelas agências possui papel fundamental no cumprimento das políticas determinadas pelo Estado. Com efeito, a função regulatória é essencial para a eficiência do processo de globalização econômica, garantindo a circulação de capital, o investimento tecnológico em países em desenvolvimento como o Brasil. E para que os investimentos ocorram, é necessária a segurança jurídica, o que pode ser garantida pelo Estado por meio da atuação das referidas agências.

A concessão de serviços públicos envolve, portanto, o interesse de três partes: o Estado (que delega função que lhe seria própria, incentivando o desenvolvimento econômico e tecnológico), o concessionário (empresa privada que visa notadamente o lucro de sua atividade) e o usuário (pessoa física ou jurídica que detém a garantia de prestação dos serviços que lhes são essenciais, e que devem ser cumpridos e respeitados).

Sendo assim, a atividade do órgão estatal regulador deve sempre ser preservado o objetivo de harmonizar os interesses do usuário / consumidor, como preço e qualidade, com os do concessionário / fornecedor, como a viabilidade econômica de sua atividade comercial, como forma de perpetuar o atendimento aos interesses da sociedade.

Em respeito ao princípio da legalidade, o instrumento regulatório deve ser determinado por Lei. Surge então a questão da legitimidade da regulação da atividade por atos normativos, que o são quando emanados dessas autarquias sob regime especial.

O Estado, em sua pretensão de regrar e disciplinar a economia, sempre dinâmica, não pode sempre aguardar um moroso trâmite do processo legislativo. Ademais, a especialização técnica do serviço a ser prestado justifica a necessidade de que as normas sejam emanadas de um corpo dotado de conhecimento técnico, sob pena de se tornarem inócuas ou inapropriadas aos fins a que se destinam. Assegurando, pois, a necessária a circulação de capital e a necessária segurança jurídica para que os investimentos ocorram no país. Devem, portanto, editar normas de caráter estritamente técnico, da alçada do poder concedente, não podendo invadir a competência legislativa.

Até o início da execução do programa de desestatização, o Brasil contava apenas com regulações o Banco Central do Brasil, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica e da manutenção de estoques produtivos, tais regulações eram realizadas basicamente com o aumento ou diminuição de impostos para beneficiar este ou aquele setor, com o controle se fusões e incorporações, e com a venda de produtos no mercado interno para o controle da elevação de seus preços. Após a instituição do programa, em 1997, foram criadas a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), ANP (Agência Nacional do Petróleo) e a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), todas elas para a regulação e controle de atividades até então exercidas pelo Estado como monopólio.

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O "regime especial" a que são submetidas as agências reguladoras configura-se existência de autonomia política, financeira, normativa e de gestão. A autonomia e independência concedidas às agências reguladoras são fundamentais para que a mesma possa exercer adequadamente suas funções. Com efeito, o poder econômico exercido pelos grandes blocos empresariais deve ser contido, vez que o maior bem jurídico sob tutela, quando se trata da prestação de serviço público, é o interesse comum, não podendo estar sujeita às constantes intempéries políticas.

Portanto, em última análise, a função primordial das Agências Reguladoras é adequar os interesses das partes interessadas na prestação de serviço público, ou seja, compatibilizar os interesses do Estado (quando aos investimentos econômicos e tecnológicos trazidos pelas grandes empresas), da empresa privada (que visa o lucro), e do usuário (que possui a garantia constitucional em ver os serviços públicos adequadamente prestados). Deve, portanto, compatibilizar a qualidade do serviço prestado com a tarifa a ser paga. Tais elementos devem ser equivalentes e atender os anseios da sociedade, equacionando o serviço desejável com o preço que se dispõe a pagar. Os preços devem ser justos para serem baixos ao consumidor, e garantirem adequada taxa de retorno ao capital investido.


BIBLIOGRAFIA

CARVALHO, Cristiano Martins de. Agências reguladoras. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2654>. Acesso em: 14 dez. 2008.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1998: interpretação e crítica. 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva, 2007.

MELLO, Celso Antônia Bandeira de. Natureza e regime jurídico das autarquias. São Paulo: RT, 1968.

__________. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2006.

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Editora Método. 2006.


Notas

  1. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20ª edição. P. 634
  2. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros
  3. CRETELLA JR, JOSÉ. Curso de Direito Administrativo, Ed. Forense.
  4. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas.
  5. Mello, Celso Antônio Bandeira de. op. cit. p. 643
  6. Mello, Celso Antônio Bandeira de. op. cit. p. 643
  7. Segundo André Ramos Tavares, Direito Constitucional Econômico, 2ª edição. p. 300
  8. AgRg no REsp 1041277 / MG AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0058313-2; relatora: Ministra ELIANA CALMON, DJe 04/11/2008
  9. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas
  10. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva
  11. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros.
  12. Mello, Celso Antônio Bandeira de. op. cit.
  13. Anotações da aula ministrada pelo professor Alexandre Amaral Gavronski no 8º Curso de Especialização em Interesses Difusos e Coletivos da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo.
  14. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello. Op. Cit. p. 155 e 156
  15. Tavares, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2ª edição. p. 306 e 307
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Sobre a autora
Adriana Mecelis

Procuradora Federal. Professora universitária

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MECELIS, Adriana. A proteção dos direitos dos usuários de serviços públicos.: Aplicação do CDC e atuação do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2928, 8 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19506. Acesso em: 1 mai. 2024.

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