3.MEIOS DE INTEGRAÇÃO DAS LACUNAS
Neste item analisaremos a questão relacionada aos meios de integração das lacunas.
Como visto, "quando, ao solucionar um caso, o magistrado não encontra norma que lhe seja aplicável, não podendo subsumir o fato a nenhum preceito, porque há falta de conhecimento sobre um status jurídico de certo comportamento, devido a um defeito do sistema que pode consistir numa ausência de norma, na presença de disposição legal injusta ou ineficaz socialmente, estamos diante do problema da lacuna, que pode ser, respectivamente, normativa, axiológica ou ontológica. Imprescindível será um desenvolvimento aberto do direito dirigido metodicamente. Essa permissão de desenvolver o direito compete aos aplicadores sempre que se apresentar uma lacuna, pois devem integrá-la, criando uma norma individual, dentro dos limites estabelecidos pelo direito (LICC, arts. 4º e 5º). Os meios de preenchimento da lacuna são os indicados pela própria lei sub examine; assim, para a integração jurídica, o juiz poderá fazer uso da analogia, do costume e dos princípios gerais de direito." [92]
A propósito, esclarece Maria Helena Diniz que, "no nosso direito dois são os mecanismos por meio dos quais se completa, dinamicamente, um ordenamento: a auto-integração e a heterointegração [93]. A auto-integração é o método pelo qual o ordenamento se completa, recorrendo à fonte dominante do direito: a lei. O procedimento típico é a analogia. A heterointegração é a técnica pela qual a ordem jurídica se completa, lançando mão de fontes diversas da norma legal, p. ex.: o costume, a equidade. É difícil distinguir a auto-integração da heterointegração, porque os princípios gerais de direito podem ser tidos como auto-integração (analogia juris) e como heterointegração (recurso aos princípios de direito comparado), porém, nos inclinamos a considerá-los como instrumentos heterointegrativos..." [94]
Passemos, então, a analisar os artigos 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e o artigo 126 do Código de Processo Civil, em consonância com os métodos de complementação do ordenamento jurídico.
3.1.O artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e o artigo 126 do Código de Processo Civil
O artigo 4º do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro), tem a seguinte redação:
"Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito." [95]
"Esse dispositivo derrogou o art. 7º do antigo estatuto preliminar (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916), pelo qual se deveriam aplicar ‘nos casos omissos as disposições concernentes aos casos análogos, e, não as havendo, os princípios gerais de direito’; porém não o atingiu substancialmente, inserindo, ao lado da analogia e dos princípios de direito, o costume, e nisto vemos uma melhora, porque os costumes, que foram fonte originária do direito, ainda hoje não perderam de todo a sua força criadora, por entre as múltiplas disposições legislativas." [96]
Outros Códigos Civis, além do brasileiro, também contêm dispositivos sobre a matéria, tais como o Código suíço (art. 1º), uruguaio (art. 16), português (art. 10), espanhol (art. 6º, inc. 2º), argentino (art. 16), italiano (art. 12 e inc. 2º das Disposições Preliminares), peruano (art. XXIII), mexicano (arts. 19 e 20) e austríaco (art. 7º), conforme relata a professora Maria Helena Diniz [97].
Daí se percebe que a analogia, o costume e os princípios gerais de direito, enquanto meios supletivos das lacunas, podem ser considerados praticamente universais [98].
Já o artigo 126 do Código de Processo Civil [99] (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973), vem assim expresso:
"O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais, não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito."
José Roberto dos Santos Bedaque, ao tratar do dispositivo legal acima, manifesta-se da seguinte forma:
"O dever de julgar e a lacuna da lei: Dentre os princípios inerentes à jurisdição, destaca-se o da indeclinabilidade. Exercida a garantia constitucional da ação, em decorrência do que todos têm acesso ao devido processo constitucional, o juiz não pode, qualquer que seja o fundamento, eximir-se de responder ao pedido formulado pelo autor. As expressões despachar e sentenciar compreendem todas as formas de provimentos judiciais (despachos, decisões, sentenças e acórdãos).
Nem mesmo lacuna ou obscuridade da lei constitui motivo para omissão do juiz. Embora o julgamento deva levar em conta, principalmente, as regras legais, admissível também a adoção de outras fontes de direito ou meios de integração do sistema legal, como analogia, costumes e princípios gerais de direito.
O simples fato de provocar a atividade jurisdicional não assegura à parte, evidentemente, o julgamento sobre sua pretensão e muito menos resultado favorável. Vícios ou falhas de ordem processual podem impedir o exame do mérito. A não-demonstração dos fatos ou a não-subsunção deles a regras jurídicas levam à improcedência do pedido. De qualquer modo, ao juiz é vedado o non liquet. Seja para extinguir o processo sem análise do mérito, seja para rejeitar o pedido formulado pelo autor, a propositura da ação torna inexorável a sentença.
Por isso, não tem sentido a regra contida no art. 268, parte final. Jamais pode o juiz deixar de despachar a petição inicial, sob pena de violar a garantia constitucional da ação. No caso, o não-pagamento das custas implica impossibilidade de o processo continuar, o que pode levar a sua extinção, mediante sentença.
Aliás, o próprio sistema processual, imaginando a possibilidade de o juiz não conseguir formar seu convencimento com base no conjunto probatório, não só dotou-o de poderes instrutórios (art. 130), como também tornou possível a solução do litígio segundo as regras de distribuição dos ônus da prova (art. 333).
As alternativas à regra legal são a analogia, o costume e os princípios gerais do direito.
Analogia é mecanismo destinado a suprir eventual omissão legal. Adotam-se, para situações não reguladas de forma expressa pelo legislador, regras previstas para hipóteses semelhantes. Mediante interpretação, o aplicador da lei procura estender o alcance do texto legal a casos não mencionados expressamente, mas análogos à situação amparada pelo sistema legal.
Princípios gerais de direito são postulados maiores, de valor genérico, que inspiram determinadas normas do ordenamento. Embora não previstos expressamente, são considerados como integrantes do sistema, pois se encontram à base das regras legais.
As consequências previstas para o pagamento indevido no Código Civil de 1916 (arts. 964/971) decorriam do princípio maior, segundo o qual é vedado o enriquecimento sem causa, cuja aplicação é perfeitamente admissível, ainda que não acolhido de forma expressa pelo sistema. Por isso, a revogação dessas regras pelo Código atual não obsta o direito subjetivo de quem pagou indevidamente.
Costumes são regras gerais, não escritas, mas aceitas pelos destinatários, que as consideram obrigatórias. Identificam-se no conceito de costume o elemento objetivo (uniformidade) e subjetivo (aceitação). Em determinadas regiões rurais, as propriedades são separadas por cercas de arame, sendo que, costumeiramente, é utilizado determinado número de fios. Embora inexista norma legal a respeito, o costume pode ser invocado para solução de litígios envolvendo despesas necessárias à divisão dos imóveis rurais.
Inadmissível a adoção de costume contrário ao que dispõe norma legal (contra legem). Apenas se aceita o costume praeter legem." [100](g.n.)
José Manoel de Arruda Alvim Netto, professor na Faculdade Autônoma de Direito – FADISP, ao analisar as fontes subsidiárias da norma processual civil, afirma que "ao se qualificar o sistema jurídico como pleno e ao se afirmar, com ênfase, este aspecto do sistema jurídico, sugere-se, imediatamente, a ideia ou o problema das assim chamadas lacunas da lei (v. art. 126 do CPC, que é expresso a respeito). Verifica-se, em todos os ordenamentos jurídicos, a existência de vazios que, à primeira vista, não estariam regulamentados. Isso significa que pode parecer haver aspectos da vida social sem direitos e deveres."
E prossegue em seu raciocínio, mais adiante, o eminente jurista:
"Coloca-se, desta forma, um problema, que é o da existência das lacunas nas leis e respectiva solução pelas chamadas fontes subsidiárias do Direito, previstas no próprio sistema (v. art. 126 do CPC).
Fontes subsidiárias do Direito são, portanto, os instrumentos de que se serve o próprio legislador, para que, não prevendo a lei especificamente todas as hipóteses, não seja prejudicada a ideia vital e realidade matriz do sistema, qual seja, a da plenitude do ordenamento jurídico (art. 5º, II, da CF/1988, devendo-se vislumbrar a ideia de ordenamento jurídico ou sistema jurídico).
Assim, por mais incansável que seja a busca deste objetivo, por meio da lei, um ideal de plenitude jurídica, na previsão e regulamentação específica de todos os fatos possíveis de acontecer no plano do real, é impossível, dado que a vida humana não é passível de ser integralmente abrangida ou açambarcada por um mero sistema normativo, enquanto se pretender lê-lo como exaurindo-se nos textos de lei. De outra parte, os Códigos assumiriam indesejável complexidade, seriam descomunalmente grandes e não teriam, portanto, operatividade.
Há, em nosso sistema jurídico, três modalidades subsidiárias, principais, de explicitação da integridade do Direito, com o fim de suprir as lacunas da lei: 1ª) a analogia; 2ª) o costume; e 3ª) os princípios gerais de direito (art. 4º da LICC e art. 126 do CPC). São corretas as expressões explicitação da integridade justamente porque esses meios destinados a colmatar as lacunas da lei, e, não, do sistema, encontram-se já previstos no sistema. Falar em integração implica a ideia de que isso ocorreria com algo que viria de fora do sistema.
O Código de Processo Civil, no art. 126, estabelece: ‘O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito’. O costume (‘norma costumeira’) está previsto sucessivamente à lei e à analogia, o que significa ser indubitável constituir-se a lei na fonte primordial do Direito. Isto fica claro se atentarmos para que a fonte produtora fundamental do sistema é a lei, o que há de se concluir a começar pelo próprio enunciado constitucional (art. 5º, II, da CF/1988). O costume só será, pois, usado quando lacunosa a lei escrita, e isto ocorrendo quando não seja ainda viável a analogia, eis que nosso sistema processual é receptivo ao seu uso, transformando-o em ‘norma costumeira", tendo, dessa forma, bafejado o costume com juridicidade.
Existe uma hierarquia entre a analogia, o costume e os princípios gerais de direito, no sentido de que não se há, exemplificativamente, de usar um costume se a solução pela analogia for possível.
Tanto a Lei de Introdução do Código Civil, em seu art. 4º, quanto o Código de Processo Civil (art. 126) referem-se a tais realidades na mesma ordem. O art. 126, acentue-se, é manifestamente repetitivo, de forma congruente com o aludido art. 4º. Ademais, é razoável que se aplique a analogia, prioritariamente ao costume, porquanto a analogia é uma solução que decorre do próprio sistema, isto é, trata-se de se resolver o problema à luz do que foi querido, embora não explicitamente, pelo próprio legislador. É, pois, em última análise, uma solução mais próxima do Direito escrito, e, assim, mais próxima da ideia matriz de todo o nosso sistema, consistente, essencialmente, em que ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei, e, por outro lado, que responde melhor ao princípio da igualdade de todos perante a lei = sistema jurídico (art. 5º, caput, da CF/1988). Às situações análogas aplica-se a regra próxima, tal como consta da lei, o que conduz a uma maior e possível igualdade de todos perante o sistema. Já – se omissa a lei –, se se fosse(m) aplicar o(s) costume(s), variável(is) ao longo do País, resolver-se-iam questões idênticas por normas costumeiras diferentes, o que não condiz com o art. 5º, caput, da CF/1988. O costume, pois, só será aplicado se impossível a aplicação analógica de uma lei. [101]
Até então, se tratava de assunto relacionado com associação mercantil, seguiam-se as leis comerciais; se lacunosas, os usos comerciais, e só à falta de ambos poder-se-ia recorrer ao Direito Civil (art. 291 do Código Comercial). Consistindo o Direito Comercial em Direito especial, as regras gerais (art. 126 do CPC e art. 4º da LICC) conviviam (art. 2º, § 1º, da LICC) com seu art. 291 (regra especial). Vale dizer, em relação às regras do Código Comercial, para lacunas atinentes a associações mercantis aplicava-se o seu art. 291 e somente à falta dos elementos de explicitação da integridade do sistema jurídico, referidos nesse artigo, é que se passaria ao Direito Civil.
Com a Lei 10.406/2002, que instituiu o Código Civil, a matéria restou unificada e a regulamentação das sociedades passou a constar do próprio Código Civil [102], que lhe reservou o Livro II da Parte Especial, sob a rubrica Do direito de empresa, além do Título II do Livro I da Parte Geral. Ainda vale referir que por esse mesmo diploma, revogou-se o art. 291 do Código Comercial, a teor do que expressamente estabelece o art. 2.045. [103](g.n.)
Vê-se, portanto, que ambos os dispositivos legais mencionados (artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e artigo 126 do Código de Processo Civil) convivem hodiernamente no ordenamento jurídico vigente, tendo o legislador, entretanto, manifestado claramente uma ordem de obediência no tocante à utilização dos meios de preenchimento das lacunas: 1º) a analogia; 2º) os costumes; e 3º) os princípios gerais de direito.
Nada obstante, em outra vertente de raciocínio, o professor de Teoria Geral do Direito da Faculdade Autônoma de Direito – FADISP, Rogério Ferraz Donnini, em artigo intitulado "A complementação de lacunas no Código Civil – Continua a viger o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil?", publicado pela Academia Paulista de Direito, aduz expressamente que "o art. 4º da LICC não foi recepcionado pela Constituição Federal", não se compatibilizando com o sistema do atual Código Civil.
O ilustre professor justifica esse seu entendimento norteado pelos seguintes motivos:
"No sistema do atual Código Civil, que é aberto e móvel, consistente de regras e princípios, a exemplo do que sucede com a Constituição Federal, não teria qualquer sentido a obediência inflexível à regra do art. 4º da LICC, que estatui, como dissemos, uma ordem para se colmatar uma lacuna: analogia, costume e princípios gerais do direito. Na sistemática atual, cada vez mais distante do método de interpretação clássico da escolástica, também denominada dogmática, ou mesmo da escola histórico-evolutiva, ao se deparar com a ausência de norma específica escrita, deve o intérprete investigar se há um princípio positivado para aplicar ao caso concreto. Se ainda assim não se obtém a solução do caso concreto, deve o juiz buscar uma solução justa, equânime, seja por meio dos princípios gerais do direito, da analogia ou do costume, independentemente de uma ordem pré-estabelecida.
Para a colmatação de lacuna no sistema atual, o magistrado deve se utilizar de uma interpretação a partir do texto constitucional, haja vista que se toda norma se manifesta, se exprime sempre a partir de um princípio, tem esse de estar em consonância com os princípios fundamentais insertos em nossa Lei Maior.
Independentemente da constatação de uma lacuna, em qualquer caso nada obsta que o exegeta se valha dos elementos básicos da interpretação preconizados pelo sistema histórico-evolutivo (gramatical, lógico, histórico e sistemático). Entretanto, não mais se admite uma decisão judicial que venha de encontro aos ideais de justiça, sob o simples fundamento de que determinado dispositivo legal preveja um dado comportamento, pois desde o advento da Constituição Federal de 1988, seguida pelo Código de Defesa do Consumidor e do atual Código Civil, nosso sistema jurídico de direito positivo foi aberto para os mandamentos de justiça, com a inserção dos princípios fundamentais, que nada mais representam senão os postulados de direito natural.
Portanto, o art. 4º da LICC não foi recepcionado pela Constituição Federal e, como consequência, não se compatibiliza com o sistema do Código Civil.
Desta forma, diante da impossibilidade do non liquet, o magistrado deve decidir consoante determina a lei, seja por meio de normas escritas ou não-escritas, princípios positivados ou não-positivados, sempre na busca do equitativo, do equânime, que traduz o ideal de justiça." [104](g.n.)
Nas palavras do insigne Tercio Sampaio Ferraz Jr., "o direito deve ser justo ou não tem sentido a obrigação de respeitá-lo; a equidade não deixa de ser fiel ao princípio da igualdade, mas como o senso de equilíbrio é conforme as circunstâncias concretas, os juízos equitativos não podem ser generalizados para todos os casos" [105].
Portanto, consideramos plausível o entendimento esposado por Rogério Ferraz Donnini [106], de não se exigir a obediência inflexível ao artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, mormente ao considerarmos que, para a colmatação da lacuna, o juiz deve se valer de uma interpretação consonante com o texto da Carta Magna, mercê daquilo que se convencionou denominar "Direito Civil-Constitucional" [107]. Ademais, não há razão para sermos misoneístas em pleno Século XXI.
3.2.A analogia como método de autointegração da norma jurídica
"Para integrar a lacuna, o órgão judicante recorre, preliminarmente, à analogia, que consiste em aplicar, a um caso não contemplado de modo direto ou específico por uma norma jurídica, uma lei que prevê uma hipótese distinta, mas semelhante ao fato não previsto. A analogia é tão somente um processo revelador de normas implícitas. Seu fundamento encontra-se na igualdade jurídica e na similitude de fatos. É necessário, portanto, que além da semelhança entre o caso previsto e o não regulado haja a mesma razão, para que o caso não contemplado seja decidido de igual modo." [108]
Mas, conforme adverte José Manoel de Arruda Alvim Netto, "não se pode, ainda, deixar de diferenciar a analogia da interpretação extensiva". São dele as palavras a seguir transcritas:
"Na analogia, parte-se de duas situações: uma, regulada por determinada norma; outra, que não foi sequer cogitada pelo legislador. Devido, precisamente, à analogia entre as duas situações, aplica-se, então, a norma às duas, ou seja, à situação expressamente prevista e à situação que, embora não prevista, é similar àquela que o é. Na analogia, pois, há duas situações: a prevista e a que lhe é análoga, ou seja, o fato ou a situação análoga.
Na interpretação extensiva, o intérprete parte de uma só norma, por meio da delimitação de seu âmbito, procurando fixar seu significado e abrangência. Assim, uma interpretação é extensiva, quando o legislador disse menos do que tinha a intenção de dizer, ou seja, quando há uma desconformidade entre o pensamento do legislador (o que quer o legislador) e a própria norma, onde o legislador disse menos do que queria ter dito.
A norma é veículo comunicativo de um mandamento e o que importa é que, por intermédio dela, se identifique o mandamento. Por exemplo, o art. 188 do Código de Processo Civil comporta interpretação extensiva, implicativa de que aí também se compreenda a reconvenção, pois a Fazenda há de ter maior prazo também para a reconvenção. Nesse sentido é a jurisprudência [109]. Outro tanto diga-se quanto ao art. 297, que deve ser objeto de interpretação extensiva, relativamente à ação declaratória incidental que, apesar de aí não escrita, há de se reputar, por extensão, nele prevista. Desde logo firmou-se esse entendimento [110]. Ainda, para o uso da declaratória incidental pela Fazenda Pública, terá esta o prazo em quádruplo. Assim, haver-se-á de entender a declaratória incidental também consagrada no já referido art. 188 por extensão.
Na interpretação extensiva, delimita-se bem a situação mal definida pela norma (mandamento), não havendo situação externa a esta. Lendo-se extensivamente, verificar-se-á que a situação está dentro do próprio mandamento." [111](g.n.)
Outrossim, os autores costumam distinguir a analogia legis da analogia juris.
A analogia legis ou individual, na terminologia de Karl Larenz, consiste na aplicação de uma norma existente destinada a reger caso semelhante ao não previsto, importando numa maior vinculação a uma determinada norma, partindo da similitude entre as hipóteses (prevista e não prevista) quanto a seus aspectos essenciais, chegando assim à conclusão da igualdade da consequência jurídica. [112]
A analogia juris ou conjunta, como prefere Larenz, estriba-se num conjunto de normas, para extrair elementos que possibilitem sua aplicabilidade ao caso sub judice não previsto, mas similar. É o processo lógico que, com base em várias disposições legais, que disciplinam um instituto semelhante ao não contemplado, reconstrói a norma ínsita no sistema pela combinação de muitas outras. [113]
3.3.O costume, os princípios gerais de direito e a equidade como métodos de heterointegração da norma jurídica
"O costume jurídico é formado por dois elementos necessários: o uso e a convicção jurídica, sendo portanto a norma jurídica que deriva da longa prática uniforme, constante, pública e geral de determinado ato com a convicção de sua necessidade jurídica. O costume, previsto na LICC, art. 4º, é o praeter legem, por revestir-se de caráter supletivo, suprindo a lei nos casos omissos. O costume contra legem forma-se em sentido contrário ao da lei, ou se manifesta pelo não uso formal da lei, reduzindo-a ao esquecimento. Poder-se-á admitir a eficácia do costume contra legem em certos casos excepcionais de lacuna (ontológica ou axiológica), mediante a aplicação do art. 5º da Lei de Introdução, mas não sua força ab-rogatória, revogando uma lei (LICC, art. 2º). O costume secundum legem é o previsto em lei (CC, arts. 1.297, § 1º, 569, II, 596, 597, 615, 965, I, etc.), que reconhece sua eficácia obrigatória." [114](g.n.)
"Quando a analogia e o costume falham no preenchimento de lacuna, o magistrado supre a deficiência da ordem jurídica, adotando princípios gerais de direito, que são cânones que foram ditados pelo elaborador da norma explícita ou implicitamente, sendo que, nesta última hipótese, estão contidos de forma imanente no ordenamento jurídico. São normas jurídicas de valor genérico que orientam a compreensão do ordenamento jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou não positivadas." [115](g.n.)
"O conceito de ‘equidade’ está intimamente relacionado às concepções jurídico-filosóficas, de modo que não há entre os autores um certo consenso sobre ele. Isto é assim porque o termo ‘equidade’ não é unívoco, pois não se aplica a uma só realidade, nem tampouco equívoco, já que não designa duas ou mais realidades desconexas, mas sim análogo, pois refere-se a realidades conexas ou relacionadas entre si. De maneira que a ‘equidade’ tem sido, de uma certa forma, entendida como um direito natural em suas várias concepções." [116](g.n.)
Rubem Nogueira entende que a equidade é "uma feliz retificação da justiça rigorosamente legal". Explica:
"A equidade, no entendimento dos doutores, é a justiça do caso particular, destinada a abrandar o excessivo rigor da lei. Ela não destrói a lei: completa-a. Ontologicamente, não é distinta da Justiça, mas uma modalidade dela. Na Ética a Nicômaco, diz Aristóteles que o equitativo é também justo e vale mais do que o justo em certas circunstâncias. O próprio do equitativo consiste precisamente em restabelecer a lei nos pontos em que se enganou por causa da fórmula geral de que se serviu." [117](g.n.)
Agostinho Alvim dividiu a equidade em "legal" e "judicial". Diz ele, verbis:
"A equidade legal seria a contida no texto da norma, que prevê várias possibilidades de soluções", enquanto que "a equidade judicial ocorre quando o legislador, explícita ou implicitamente, incumbe o órgão jurisdicional a usá-la na decisão do caso concreto." [118](g.n.)
Exemplo de equidade legal seria a regra do artigo 395, inciso I, do Código Civil de 1916, que diz:
"Perderá por ato judicial o pátrio-poder o pai ou mãe que castigar imoderadamente o filho".
(Note que há um apelo implícito à equidade do juiz, a quem cabe julgar do enquadramento ou não do caso, em face às diretivas jurídicas. Veda-se, contudo, a aplicação da chamada "equidade cerebrina", que é a aplicação da justiça com base na ideologia do julgador, fruto exclusivo de seus sentimentos pessoais).
Exemplo de equidade judicial ocorre no artigo 11, inciso II, da Lei nº 9.307/96, que dispõe que o compromisso arbitral poderá também conter ‘a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por equidade se assim for convencionado pelas partes’.
De todo modo, ensina-nos Agostinho Alvim que o pressuposto da equidade legal ou judicial é a flexibilidade da lei, pois "lei inflexível e equidade são idéias que se repelem" [119].
Mas, existiria verdadeiramente lacuna se há costumes e princípios gerais de direito? Esta a indagação feita pelo arguto Rogério Ferraz Donnini, cuja resposta ele mesmo sugere nos moldes seguintes:
"Costumes e princípios gerais do direito, como dissemos, são normas não-escritas. Haveria, então, lacuna se há um costume ou um princípio geral do direito? Mesmo no sistema fechado do código anterior, se considerarmos o costume e os princípios gerais do direito normas não-escritas, não teria qualquer sentido identificar uma lacuna nessas duas hipóteses, pois se há uma regra costumeira, não há lacuna; se existe um princípio geral, da mesma forma não se pode falar em lacuna, uma vez que basta ao magistrado aplicar a regra. Por outro lado, somente teria senso identificar uma lacuna se considerarmos norma apenas um texto legislativo escrito, posição que não perfilhamos." [120](g.n.)
Logo, não há que se falar na existência de lacuna quando se estiver diante de costumes ou princípios gerais de direito, conforme acima demonstrado.