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Da necessidade de uma nova regra para o foro privilegiado: a adoção do princípio da "perpetuatio jurisdictionis" no processo penal brasileiro

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14/07/2011 às 17:07
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Conclusões

A igualdade (motivo do cancelamento da Súmula 394 do STF) deve ser interpretada pensando também nas vítimas de crimes e na preservação das instituições, que é manipulado por detentores de poder econômico e político suficientes para burlar as regras do jogo (elegendo-se para, trocando ou renunciando de cargo quando necessário) e escapar da punição. De outra forma, ficamos apenas na igualdade da obra de George Orwell, a Revolução dos Bichos, em que alguns são mais iguais que os outros.

A adoção da perpetuação da competência no processo penal brasileiro se faz necessária.

Crítica possível à adoção da perpetuatio no processo penal seria o mal de prorrogar a competência das Cortes competentes para julgar detentores de foro privilegiado mesmo após a saída do cargo dos réus, o que já foi rechaçado pelo STF com o fim da Súmula 394. Refutamos essa ressalva por entendermos que mal muito maior é o deslocamento de competências estando o processo penal em pleno curso, quando por vezes toda uma instrução é abandonada apenas porque o réu abdicou de seu cargo, com desperdício de recursos, gerando o risco de concretização da prescrição no caso concreto e impunidade. Reportamo-nos ao relato acima acerca do caso envolvendo o ex-governador Ronaldo Cunha Lima, em que o réu, repita-se, o réu, escudado na posição do STF, praticamente escolheu o foro em que queria ser processado numa ação penal pública.

Outra vantagem da adoção do referido princípio no processo penal brasileiro é reduzir o prêmio pela obtenção de um cargo eletivo com o fim de descolar a competência para um foro privilegiado. Um crime cometido tendo o réu a qualidade de mero cidadão não será deslocado para foro diverso, e continuará com o juiz natural competente. A triste história da deputada eleita Ceci Cunha não nos deixa mentir.

Mas alterações legislativas para a adoção da perpetuação da competência no processo penal são necessárias. A postura de querer estender o art. 87 do CPC ao Processo Penal por mera analogia (art. 3° do CPP), em que pese teoricamente permitida, é arriscada. Eventuais condenações podem ser consideradas nulas.

A solução seria uma alteração no Código de Processo Penal que preveja a adoção da perpetuatio jurisdictionis no processo penal, seguida de um entendimento do STF corroborando a alteração legislativa. Isso porque a mudança promovida pela lei 10.628/02 nos parágrafos do art. 84 do CPP foi rechaçada pelo STF, que entendeu ser tentativa de ressuscitar a sua Súmula 394.

O STF, que tem sua competência fixada pela Constituição, terá que se entender competente em quaisquer casos de ampliação ou diminuição de sua competência, se essa alteração se der apenas no campo infraconstitucional. Uma emenda constitucional pode se fazer necessária.

Defendemos, assim, a plena adoção do principio da perpetuatio jurisdictionis no processo penal brasileiro, especialmente com o fim de evitar mudanças fraudulentas na competência determinada pelo foro privilegiado, e em respeito ao princípio constitucional do juiz natural.


BIBLIOGRAFIA

DIAS, Marcus Vinicius de Viveiros. Perpetuatio jurisdictionis no processo penal. Boletim dos Procuradores da República. Fundação Procurador Jorge de Melo e Silva. N° 55. Nov. 2002.

FISCHER, Douglas. A desclassificação do Tráfico Internacional de Entorpecentes e o princípio da perpetuatio jurisdictionis. Revista dos Tribunais, Vol. 817. São Paulo: Revistas dos Tribunais, nov. 2003

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 14° ed. São Paulo: Atlas,2003

PIZZOI, Patricia Miranda IN Código de Processo Civil Interpretado, organizado por Antonio Carlos Marcato, 2°ed., São Paulo: Atlas, 2005.

SANTOS, Ernane Fidélis. Manual de direito processual civil: Processo de conhecimento. 10° ed. São Paulo:Saraiva, 2003.


Notas

  1. Tradução de Ivan Rimsky Riskowsky Bentes
  2. SANTOS, Ernane Fidélis. Manual de direito processual civil: Processo de conhecimento. 10° ed. São Paulo:Saraiva, 2003. P. 137.
  3. PIZZOI, Patricia Miranda IN Código de Processo Civil Interpretado, organizado por Antonio Carlos Marcato, 2°ed., São Paulo: Atlas, 2005. p. 230
  4. Op. cit. P.137
  5. Op. cit. P. 231/32
  6. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 14° ed. São Paulo: Atlas, 2003. P. 186.
  7. Op. cit. p. 186
  8. Constituição Federal. Código Penal. Código de Processo Penal. Organização Luiz Flávio Gomes. 9. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007. p. 364.
  9. As referidas Ações também expurgaram do sistema o §2° do mesmo artigo introduzido pela lei 10.628/2002, mas que tratava de improbidade administrativa, tema que não é objeto do trabalho.
  10. Inquérito 687, Rel. Min. Sidney Sanches. Ementa: prosseguindo no julgamento, o tribunal, por unanimidade, cancelou a súmula n. 394-stf, e, por maioria, vencidos os senhore senhores ministros sepúlveda pertence, nelson jobim, ilmar galvão e néri da silveira, recusou proposta de edição de nova súmula, nos termos do voto do primeiro dos vencidos. decidiu-se, ainda, por unanimidade, que continuam válidos todos os atos praticados e decisões proferidas pelo supremo tribunal federal, com base na súmula n. 394. é dizer, a presente decisão tem efeito ex nunc. em consequência, determinou-se a remessa dos autos à justiça de 1º grau, nos termos do voto do senhor ministro relator. votou o presidente.  http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=687&classe=Inq&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso em 06/07/2009.
  11. DIAS, Marcus Vinicius de Viveiros. Perpetuatio jurisdictionis no processo penal. Boletim dos Procuradores da República. Fundação Procurador Jorge de Melo e Silva. N° 55. Nov. 2002.
  12. FISCHER, Douglas. A desclassificação do Tráfico Internacional de Entorpecentes e o princípio da perpetuatio jurisdictionis. Revista dos Tribunais, Vol. 817. São Paulo: Revistas dos Tribunais, nov. 2003.
  13. Falamos "rota inversa", porque neste caso o réu renuncia ao seu mandato e o STF declina de sua competência
  14. Sentença de pronúncia em 31 páginas. O andamento do feito está disponívelno site da Justiça Federal de Alagoas (www.jfal.gov.br). O processo é o de nº 2005.80.00.002776-8. Atualmente a ação aguarda julgamento no Tribunal Regional Federal da 5° Região da Apelação movida pelos réus em face da sentença de pronúncia.
  15. O andamento do feito está disponívelno site da Justiça Federal de Alagoas (www.jfal.gov.br). O processo é o de nº 2005.80.00.002776-8.
  16. Obtido do site Âmbito Jurídico. IN http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=visualiza_noticia&id_caderno=20&id_noticia=21581. Acesso em 13/07/2009
  17. A referida ação penal agora tramita na 1° Vara do Júri de João Pessoa sob o número 20020080169952.
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Sobre o autor
Luiz Augusto Módolo de Paula

Procurador do Município de São Paulo, ex-procurador federal, advogado, bacharel e mestre em Direito Internacional pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Luiz Augusto Módolo. Da necessidade de uma nova regra para o foro privilegiado: a adoção do princípio da "perpetuatio jurisdictionis" no processo penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2934, 14 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19557. Acesso em: 7 mai. 2024.

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