Sumário: 1. Apresentação; 2. A matéria da Revista Veja; 2.1. O Exame da OAB não qualifica ninguém; 2.2. A "explosão" das faculdades de direito é uma falácia; 2.3. Ninguém defende, pura e simplesmente, o fim do Exame da OAB; 2.4. Repercussão geral não é sinônimo de efeito vinculante; 2.5. Um Provimento do Conselho Federal da OAB não pode revogar uma Lei do Congresso Nacional; 3. As faculdades com índice zero e o caso da ESMAC; 4. A propaganda de um novo curso de direito; 5. Considerações finais.
1.Apresentação
O último exame da OAB bateu todos os recordes, porque reprovou 90,26% dos bacharéis inscritos. Em conseqüência, o Presidente da OAB aproveitou para tentar justificar, uma vez mais, a "necessidade" desse exame, apesar de sua gritante inconstitucionalidade, providenciando a publicação de matéria na Revista Veja, e imediatamente encaminhou ao Ministro da Educação uma lista com as faculdades de direito que obtiveram "índice zero" no exame de ordem, ou seja, aquelas faculdades "cujos estudantes (...) se submeteram à última edição do Exame de Ordem, mas, no entanto, (sic) não tiveram nenhum candidato aprovado após as duas etapas do exame."
Dentre essas faculdades, existe uma paraense, de Ananindeua, a ESMAC - Escola Superior Madre Celeste, que teve apenas um inscrito nesse Exame, e que, aliás, absurdamente, ainda nem formou a sua primeira turma, porque somente teve seu Curso de Direito autorizado no dia 05 de julho de 2007, pela Portaria n.° 618, publicada em 9 de julho de 2007. Mesmo assim, a OAB publicou o nome da ESMAC na lista enviada ao MEC, das "90 faculdades com índice zero", prejudicando assim aquela instituição.
O Ministro da Educação também se manifestou a respeito, criticando os critérios da OAB, e dizendo que não é possível atribuir um índice de 100% de reprovação a uma faculdade que teve apenas um inscrito no Exame da OAB.
Ao mesmo tempo, enquanto a OAB prejudicava diversas faculdades, enxovalhando o seu nome e requerendo as "providências" do MEC, para que elas sejam colocadas em regime de supervisão, o que poderá resultar até mesmo no seu fechamento, o Presidente da OAB/PA compareceu à inauguração de uma nova faculdade de direito, em Belém, para atuar como propagandista dessa instituição, elogiando-a entusiasticamente perante as câmeras de uma TV local.
2.A matéria da Revista Veja
Na Revista Veja, o Presidente da OAB afirmou, entre outras coisas, que: 1) o exame qualifica os bacharéis aptos a exercer a profissão de advogado; 2) mesmo diante dessa situação assustadora (a suposta explosão de faculdades de direito pelo Brasil), há quem defenda o fim do exame; 3) se não tivéssemos critérios, teríamos dois milhões de advogados a mais no mercado; 4) em 2010, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Mello, determinou que, quando votado o caso, a decisão valerá para todo o país; 5) o projeto de lei que pretende derrubar o exame foi juntado "a outra proposta, que prevê o contrário dele: a extensão da obrigatoriedade da prova para estagiários de direito, juízes e integrantes do Ministério Público que queiram advogar."
2.1. O Exame da OAB não qualifica ninguém
O Exame da OAB não qualifica ninguém. O Exame da OAB é inconstitucional. A OAB não é instituição de ensino, para qualificar ninguém.
De acordo com a Constituição Federal, em seu art. 205, "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), "A educação superior tem por finalidade: (…) II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais…." (art. 43) e "Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular." (art. 48)
Os bacharéis em direito, portanto, ao receberem o seu diploma, de uma instituição de ensino superior autorizada e fiscalizada pelo poder público, através do Ministério da Educação, já estão qualificados para o exercício da advocacia, que é a profissão liberal do bacharel em direito. O Exame da OAB não qualifica ninguém. Isso é um absurdo.
2.2. A "explosão" das faculdades de direito é uma falácia
A "explosão das faculdades de direito" não deve assustar ninguém. O mercado de trabalho se encarregará de selecionar os bons profissionais. Os advogados desonestos deveriam ir para a cadeia, e/ou deveriam ser punidos pelos tribunais de ética da OAB. Essa a verdadeira função da OAB, fiscalizar o exercício da advocacia, e não a que ela pretende, de "qualificar" os advogados.
Aliás, essa "explosão" é uma falácia. Os dirigentes da OAB alegam que existem mais de mil faculdades de direito, e que isso é um absurdo, mas o Censo da Educação Superior mostra que em 2.009 existiam no Brasil 28.671 cursos de graduação (veja aqui) e que Administração é o curso com o maior número de matrículas no Brasil, quase o dobro das matrículas dos cursos de direito. (veja aqui)
Mesmo assim, somente os bacharéis em direito são perseguidos, como incompetentes, pela OAB, bem como as faculdades de direito, que já sofreram sensível redução em seu número de vagas, por imposição dos dirigentes da OAB.
Consequentemente, somente os bacharéis em direito são impedidos em sua liberdade de exercício profissional, pelo Exame inconstitucional da OAB. Aliás, agora, absurdamente, já foi aprovado, também, pelos nossos "representantes" em Brasília, o Exame dos Contabilistas. O diploma dos contabilistas também será rasgado, a partir de agora, pelo seu conselho profissional, tudo em nome, supostamente, do interesse público.
O Exame da OAB fere, evidentemente, o princípio da isonomia. Por que somente os bacharéis em direito? Será que um advogado incompetente é mais perigoso para a sociedade do que um médico incompetente, ou do que um engenheiro incompetente? Será que os novos advogados são mais perigosos para a sociedade do que os advogados antigos, que se formaram antes de 1.996 e nunca fizeram esse Exame? Ora, façam-me o favor!!!
2.3. Ninguém defende, pura e simplesmente, o fim do Exame da OAB
Dois milhões de advogados a mais no mercado de trabalho? E qual seria o problema, Dr. Ophir? Será que a Constituição Federal permite a fixação de um número máximo de advogados para o Brasil? Será que os pobres tem acesso à Justiça, hoje? Com 600 mil advogados inscritos na Ordem? Qual seria o prejuízo, para a sociedade? Ou o prejuízo seria, na verdade, para muitos advogados antigos, que não teriam condições de concorrer com os novos profissionais?
É verdade que existem muitas faculdades de péssima qualidade, mas isso não é exclusividade dos cursos de direito.
Aliás, o maior problema talvez não esteja no ensino superior, mas na base, em um país que paga salários miseráveis aos seus professores e não lhes oferece as menores condições de trabalho. Depois de quase 44 anos de magistério superior, em uma Universidade Federal e em diversas instituições privadas, creio que já devo ter visto quase tudo. Prevalecem, quase sempre, os interesses corporativos. Prevalecem, frequentemente, os interesses dos grupos que controlam as universidades públicas e os interesses dos donos das faculdades particulares. Prevalecem os interesses dos políticos que controlam o Ministério da Educação. E prevalecem, é claro, também, os interesses dos dirigentes da OAB, que querem ampliar cada vez mais o seu poder.
O Governo "abandonou" o ensino superior, o que levou ao crescimento das instituições privadas, que hoje respondem por mais de 80% de suas vagas. Não se deve esquecer que o Brasil tem apenas 11% de acesso ao ensino superior, empatado com o Haiti!!!
E qual é o problema das faculdades particulares? Mesmo com o Prouni e o Fies, muitas famílias brasileiras não têm condições de pagar um curso superior para os seus filhos, o que faz, às vezes, que não haja uma boa seleção, nos vestibulares de muitas faculdades particulares. Se a faculdade tem vagas ociosas, e o candidato passa na porta, já está matriculado.
E o professor? Nessas condições, como lecionar para acadêmicos que não tiveram uma boa formação básica e não conseguem entender o que lêem? Como lecionar para turmas de 70 alunos, ou mais? Como ensinar Direito Constitucional ou Teoria do Estado com apenas uma hora semanal, às vezes na "sessão coruja", ou seja, naquela aula que começa às 21.50 h.?
Como passar trabalhos de pesquisa para alunos que já estão acostumados com a rotina do "copiar e colar"? Evidentemente, existem muitos acadêmicos que se esforçam, estudam, e elaboram pessoalmente os seus trabalhos. Mas se o professor verifica que a maioria da turma copiou da internet o trabalho e se o Coordenador decide que esse trabalho deve ser desconsiderado, o que deve fazer o professor? Aceitar essa imposição ou perder o salário mínimo que recebe daquela instituição de ensino superior?
Afinal, nas instituições privadas, as condições do mercado preponderam. Os alunos estão pagando e a instituição não pode perder receita. Portanto…
Cabe ao professor, assim, conciliar tudo, para que os acadêmicos fiquem satisfeitos e o Coordenador também.
Nessas condições, é claro que o diploma servirá apenas para que o bacharel obtenha, por exemplo, uma gratificação de nível superior em algum órgão público.
Mas existem muitos outros problemas. Antigamente, ouvia-se falar em "liberdade de cátedra". O professor podia ter – e externar – opinião própria. Especialmente se o País não se encontrava em um daqueles hiatos ditatoriais, como nos casos do Estado Novo, de Getúlio Vargas, e do Golpe Militar de 1.964.
No entanto, hoje, nem sempre o professor pode ter opinião própria. Como pode, por exemplo, um professor de Direito Constitucional deixar de falar aos seus alunos a respeito da inconstitucionalidade do Exame da OAB? Mas a verdade é que esse é um assunto que sempre sofre alguma censura, velada ou não, em algumas faculdades, que não querem desagradar os dirigentes da OAB, e o professor que tiver a coragem de discordar desse Exame poderá sofrer represálias. Eu mesmo posso testemunhar: fui chamado, certa vez, pela Coordenadora de uma faculdade particular, que me repreendeu, dizendo textualmente que eu não deveria abordar a questão do Exame da OAB, porque "esse assunto não interessa aos acadêmicos de direito".
É verdade, portanto, o que afirmam os dirigentes da OAB. Existem muitas faculdades de direito de péssima qualidade, mas isso é uma conseqüência do sistema. Não é um privilégio do ensino superior, nem um privilégio, apenas, dos cursos de direito. E não compete à OAB, evidentemente, avaliar as faculdades de direito, mas ao poder público, através do Ministério da Educação.
Mas não é porque existam faculdades de direito de péssima qualidade que o Exame da OAB passará a ser constitucional, ou "necessário", como afirmam os dirigentes da OAB.
E não é verdade, também, o que diz o Presidente da OAB, quando afirma que "mesmo diante dessa situação assustadora" da explosão das faculdades de direito e dos "dois milhões a mais de advogados no mercado de trabalho", ainda há quem defenda o fim do exame.
Ninguém defende o fim do Exame da OAB, pura e simplesmente. O que nós dizemos é que o Exame da OAB é inconstitucional, e assim até mesmo os dirigentes da OAB precisam entender que um Exame inconstitucional deve acabar. Afinal, para que serve uma Constituição? E para que serve o art. 44 de nosso Estatuto, que determina que a OAB deve defender a Constituição??
Os dirigentes da OAB não deveriam continuar defendendo esse Exame, sem qualquer fundamentação jurídica, apenas porque acham que ele é "necessário", devido ao grande número de faculdades e aos "dois milhões de advogados" a mais no mercado de trabalho.
Mas deve haver controle, sim. Claro. Ninguém defende o fim do Exame, pura e simplesmente. Deve haver controle, sim, mas é preciso respeitar a Constituição Federal. Deve haver controle, por parte do Ministério da Educação. Poderia ser criado um exame do MEC – como existe, aliás, em muitos países, um exame feito pelo próprio Estado -, que não seria inconstitucional, no Brasil, ao contrário, mas deveria ser feito para todos os cursos, e não apenas para o curso de direito. Quem não fosse aprovado, nem receberia o diploma.
O que não é possível é dar ao bacharel um diploma, depois de cinco anos de estudos e de mensalidades – com direito a festas de formatura, retratos e comemorações da família -, para depois a OAB rasgar o diploma de 90% desses bacharéis, com a necessária conivência do Estado brasileiro.
2.4. Repercussão geral não é sinônimo de efeito vinculante
Quando o Presidente da OAB afirmou, na matéria da Revista Veja, que "em 2010, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Mello, determinou que, quando votado o caso, a decisão valerá para todo o país", equivocou-se redondamente.
Esse recurso, que o Presidente da OAB citou, é o RE nº 603.583-RS (veja aqui)
O Ministro Marco Aurélio é o relator desse recurso e não determinou coisa nenhuma. O Presidente da OAB demonstrou que não sabe o que é repercussão geral.
A repercussão geral é um requisito processual criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2.004, que acrescentou um parágrafo ao art. 102 da Constituição Federal:
"§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros."
Dessa maneira, a partir da edição da Emenda Constitucional nº 45, de 2.004, os recursos extraordinários somente serão "conhecidos" pelo Supremo Tribunal Federal se este reconhecer a sua repercussão geral, o que é decidido pelo "Plenário Virtual", e isso ocorreu em 11.12.2009:
"Decisão: O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada; Não se manifestaram os Ministros Cármen Lúcia e Carlos Britto." (Para conferir, basta clicar neste link)
Portanto, o que acontece é que o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela repercussão geral e deverá, oportunamente, apreciar o RE nº 603.583-RS, que trata da inconstitucionalidade do Exame da OAB. Assim, o Ministro Marco Aurélio não determinou coisa nenhuma. E também não é verdade o que afirma o Presidente da OAB, "que, quando votado o caso, a decisão valerá para todo o país".
A decisão não valerá para todo o país coisa nenhuma. O Presidente da OAB confundiu "repercussão geral" com "efeito erga omnes", ou "eficácia contra todos" e "efeito vinculante". O efeito das decisões do controle difuso de constitucionalidade é o efeito "inter partes". A decisão de um recurso extraordinário não tem efeito vinculante.
A decisão não "valerá para todo o país", como afirmou o Presidente da OAB. A decisão somente valerá para todo o país se o Supremo Tribunal Federal aprovar uma súmula vinculante, ou se o Supremo Tribunal Federal decidir uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade.
As decisões das Adin e ADC terão efeito vinculante, o que está previsto no §2º do art. 102 da Constituição Federal:
"§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal."
Também haverá efeito vinculante se o Supremo Tribunal Federal, após reiteradas decisões sobre o tema da inconstitucionalidade do Exame da OAB, aprovar uma súmula vinculante, conforme previsto pelo art. 103-A da Constituição Federal, também introduzido pela Emenda Constitucional nº 45, de 2.004:
"Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei."
Portanto, o Presidente da OAB equivocou-se, quando afirmou que: "em 2010, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Mello, determinou que, quando votado o caso, a decisão valerá para todo o país".
O que aconteceu foi que, em 2.009, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal decidiu pela repercussão geral do recurso extraordinário nº 603.583-RS e assim, quando votado o caso, a Decisão poderá beneficiar, imediatamente, o recorrente, ou seja, o Bacharel em direito João Antonio Volante, assim como outros recorrentes cujos recursos tenham sido sobrestados pelo Tribunal de origem.
A repercussão geral é apenas um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Assim, quando existem diversos recursos extraordinários referentes a uma mesma controvérsia, o Tribunal de origem deverá selecionar um ou mais recursos representativos dessa controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais recursos. Se o Supremo Tribunal Federal negar a existência da repercussão geral, os recursos sobrestados serão automaticamente considerados como não admitidos.
A disciplina legal da repercussão geral encontra-se na Lei nº 11.418/2006. (veja aqui) A leitura atenta dos dispositivos dessa Lei poderá esclarecer outras dúvidas. Mas é claro que o Presidente da OAB equivocou-se, quando disse que "a decisão valerá para todo o país". A verdade é que a decisão valerá apenas para o recurso "conhecido" e para os recursos já sobrestados no Tribunal de origem.
Portanto, a Decisão do Supremo Tribunal Federal não "valerá para todo o país". Ela não tem efeito vinculante. Mesmo depois dessa decisão de mérito do Supremo Tribunal Federal, nesse recurso extraordinário, declarando inconstitucional – ou constitucional, por absurdo – o Exame da OAB, mesmo assim, qualquer juiz ou tribunal, no Brasil, continuará tendo toda a liberdade de decidir essa matéria. Efeito vinculante, mesmo, repito, somente depois que o Supremo Tribunal Federal decidisse uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, ou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade, ou depois que o Supremo Tribunal Federal aprovasse uma Súmula Vinculante sobre a constitucionalidade do Exame da OAB.
2.5. Um Provimento do Conselho Federal da OAB não pode revogar uma Lei do Congresso Nacional
O Presidente da OAB afirmou, na matéria da Revista Veja, que na Câmara dos Deputados tramita, desde 2.005, um projeto de lei que pretende derrubar o Exame da OAB, mas que é provável que ele nem chegue a ser votado, porque foi juntado a outra proposta, que prevê a "extensão da prova para estagiários de direito, juízes e integrantes do Ministério Público".
Na verdade, tramitam na Câmara dos Deputados e também no Senado Federal vários projetos de lei, uns contrários e outros favoráveis ao Exame da OAB, e outros que pretendem criar exames semelhantes para todas as profissões liberais regulamentadas.
Mas o interessante, aqui, é apenas a confusão que o Presidente da OAB estabeleceu entre uma Lei e um Provimento do Conselho Federal da OAB. Aliás, deve ser dito que ele não foi o único a pensar que um Provimento pode revogar uma lei, porque tudo começou com o primeiro Provimento que "regulamentou" o Exame da OAB, como se um Provimento da OAB pudesse regulamentar uma lei.
Assim, o Provimento nº 81/96 foi o primeiro a dispensar do Exame, entre outros, os magistrados e os membros do Ministério Público, alterando, assim, como se isso fosse possível – mas o pior é que essa norma que "excepcionou" o disposto no Estatuto já vigora há quase 15 anos -, o disposto em uma Lei do Congresso, o Estatuto da OAB, a Lei nº 8.906/94, que em seu art. 8º exige a aprovação no Exame para todos os bacharéis que pretenderem inscrever-se como advogados, sem qualquer exceção, nem mesmo para magistrados ou membros do Ministério Público.
Aliás, seria um absurdo, evidentemente, que um juiz ou promotor, depois de trinta anos de serviço, aposentado, por exemplo, fosse submetido ao Exame da OAB, para que pudesse advogar, mas isso é o que consta do Estatuto da OAB, aprovado pelo Congresso Nacional, mas que teve o seu anteprojeto aprovado dentro da própria OAB.
Mas se a lei exigiu o Exame para todos, somente outra lei poderia modificá-la. Pelo menos, era isso o que se ensinava, antigamente, na Faculdade de Direito. Ou poderia um Provimento do Conselho Federal da OAB alterar uma lei do Congresso? Como assim?
Mas depois do Provimento nº 81/96, outros repetiram a piada.
O Provimento nº 109/2005, o Provimento nº 136/2009, e o atual, o Provimento nº 144/2011, também dispensaram do Exame, entre outros, "os postulantes oriundos da Magistratura e do Ministério Público" (redação do parágrafo único do art. 6º do último Provimento).
Portanto, o Projeto de Lei (veja aqui) a que se referiu o Presidente da OAB pretende, nada mais nada menos, por mais absurdo que isso possa parecer, a simples revogação de um Provimento da OAB que alterou – indevidamente - uma Lei do Congresso. E a "Justificação" desse Projeto deixa isso muito claro:
"O Conselho Federal da OAB, indubitavelmente, extrapolou os limites que lhe foram deferidos pela Lei 8.906/94, e expediu esse Provimento que infringiu mandamentos constitucionais e legais vigentes.
O Conselho arrogou a si o título e a função de legislador, ao editar norma que foi de encontro ao que disciplina o Estatuto da Ordem, que não faz exceção a quem quer que seja de eximir-se de prestar o exame de ordem para atuar como advogado.
Nem mesmo o Presidente da República, ao editar decretos regulamentadores, pode estabelecer diretrizes diferentes das estabelecidas na lei a ser regulamentada, sob pena de ser tido tal decreto como ilegítimo, violador dos princípios em que se apoia nosso ordenamento jurídico e, conseqüentemente, carente de eficácia jurídica."
Vejam o absurdo: a Câmara dos Deputados está discutindo um projeto de lei que pretende "revogar" um Provimento do Conselho Federal da OAB que alterou a Lei 8.906/94, dispensando do Exame de Ordem "os postulantes oriundos da Magistratura e do Ministério Público".
Se aprovado na Câmara, esse projeto ainda precisará ser aprovado no Senado e depois sancionado pela Presidente da República, para que a OAB seja obrigada, contra a vontade de seus dirigentes, a cumprir o que já está expresso na Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia, de modo que assim, "os postulantes oriundos da Magistratura e do Ministério Público" serão também obrigados a fazer o Exame de Ordem, se pretenderem exercer a advocacia.
Aliás, prestem muita atenção, nobres dirigentes da OAB, porque se esse projeto for aprovado, e os Magistrados e membros do Ministério Público também forem obrigados a fazer o Exame da OAB, talvez seja esse o fim desse Exame inconstitucional.