2. DISPENSA DE LICITAÇÃO
2.1 Dispensa de Licitação a partir do art. 24, VIII da Lei nº 8.666/93
Dos conceitos esposados anteriormente, pode-se concluir que, no espectro da legislação brasileira, licitação constitui importante instrumento jurídico, de atendimento às formas de um processo administrativo regular, sendo gerenciada por uma seqüência de atos e etapas, visando à seleção de um fornecedor de bens e/ou serviços, com fito de atender as necessidades da Administração Pública.
Convém saber quais os principais artigos presentes no Estatuto Político que dispõem sobre o procedimento licitatório:
"Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III;
Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também, ao seguinte:
(...)
IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Art. 175 – Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Outros princípios e normas constitucionais, apesar de possuírem caráter geral, também se aplicam direta ou indiretamente às licitações e contratos administrativos, tais como:
Art. 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
(...)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes;
(...)
LXI – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social o exigirem;
Art. 37 -
(...)
XXI -
§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagem que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Art. 195 -
(...)
§ 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios."
Estando tal procedimento vinculado à lei, afasta-se de plano a discricionariedade quando da execução de uma competição em condições normais. Entretanto, não podendo o Administrador ficar engessado quando da satisfação das necessidades administrativas, tratou a própria lei de conceder-lhe poderes discricionários para cuidar dos casos excepcionais, adstritos às hipóteses do artigo 24 da Lei de regência (8.666/93).
O presente trabalho pretende enfocar o art. 24, VIII, da Lei de Licitações como forma de análise do ato discricionário e seus limites face ao princípio da legalidade e seus diversos enfoques. Neste aspecto, parece que o direito administrativo apresenta um elevado grau de divergências quanto à questão teórico-prática, e este artigo em comento oferece uma visão geral desta problemática no âmbito da Administração.
Neste ponto reside o tema central deste trabalho, que pretende discorrer acerca da limitação do poder discricionário, já que o próprio texto legal não estabelece um parâmetro exato.
Para tanto, há que se perquirir sobre os princípios gerais de Direito e, em especial, os princípios basilares do direito administrativo, tais como: da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo (art. 3º, lei 8.666/93) dentre outros princípios específicos da licitação.
Apesar do art. 3º, antes referido, não mencionar o princípio da razoabilidade, este também é importante aliado do administrador no trato da Lei de Licitações. Assim como o princípio da eficiência, recentemente inserido na Carta Política, mediante EC nº 19/98 e que consiste em importante instrumento de limitação à atuação da Administração Pública e auxilia nos julgamentos do ato praticado sob o standard da discricionariedade.
Dentre todos estes princípios, o da legalidade assume maior relevo, pois a Administração Pública tem que obedecer a normas legais de direito administrativo, não podendo afastar-se de tais ditames. Por isso todo e qualquer agente da máquina estatal somente poderá fazer aquilo que a lei admitir, enquanto que, de maneira inversa, no direito privado a regra é a de seja possível fazer tudo quanto à lei não proíba.
Na dispensa de licitação, vale dizer, contratar diretamente, o administrador continua adstrito aos princípios enumerados anteriormente, sem prejuízo de justificar (motivação do ato de dispensa). Verifica-se, portanto, que assim agindo, o administrador estará submetido a um procedimento sucinto (semelhante ao próprio procedimento de licitação) onde estará sempre vinculado ao atendimento do interesse público.
A dispensa de licitação, portanto, não deve ser confundida com arbitrariedade, mas aquela margem de atuação do agente administrativo, prevista pelo legislador, consubstanciada na escolha de qual solução tomar em determinados casos frente à Lei nº 8.666/93, e que permite diferentes leituras ou interpretações acerca desta discricionariedade administrativa e sua aplicação aos casos concretos.
Neste passo e em face ao princípio da eficiência, há necessidade do abandono dos formalismos inúteis e sem efeito prático. Por isso, é fundamental o pensamento de NIEBUHR (2003, p. 19) acerca da aplicabilidade imediata dos princípios através de uma "(...) corrente teórica principiológica, que sustenta a normatividade dos princípios jurídicos e normas programáticas, capazes de por si sós, produzirem direitos subjetivos."
Como bem assevera Celso Antônio Bandeira de Mello, os princípios representam o ápice de um sistema, verdadeiro alicerce, disposição fundamental, que se irradia sobre diferentes normas moldando o pensamento e estipulando critérios para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, dando harmonia a todo o sistema. Sendo assim, violar um princípio consiste em violação de todo um conjunto, não somente de regras. (MELLO, 2005)
Dessa forma, a discricionariedade administrativa é a prerrogativa legal traduzida pela margem de atuação dos agentes públicos, onde a interpretação sistemática, lastreada nos princípios informadores dos contratos administrativos e da licitação, pode proporcionar o melhor atendimento da finalidade pública.
A administrativista DI PIETRO (1991, p. 09-12) expõe de modo prático e sucinto qual o verdadeiro papel da Administração e da utilização da discricionariedade como forma de realizar direitos subjetivos dos administrados.
Nesse contexto, tem-se que a doutrina denomina de mérito administrativo, que é justamente a valoração das circunstâncias presentes à situação concreta, na qual a legislação fornece aos agentes públicos um ampliado leque de atuação.
Isto significa dizer que, quando a lei proporcionar esta lacuna a ser preenchida pelos agentes administrativos, estes, ao praticarem o ato administrativo, deverão atender à conveniência da prática de tal ato, bem como a oportunidade na realização do mesmo, devendo, além disso, respeitar à finalidade do ato. Ou seja, mesmo no exercício desta discricionariedade o administrador sempre deverá estar adstrito à finalidade de seu ato, que é o interesse público. Discricionariedade não é sinônimo de arbitrariedade, mas apenas um mecanismo que se vale à administração pública para se adequar melhor às situações concretas e excepcionais.
Neste sentido, DI PIETRO (1991, p. 10):
(...) o estudo da discricionariedade tem que ser paralelo ao do princípio da legalidade; de maneira como este é encarado influirá sobre a extensão da discricionariedade. Quando a lei é vista dentro de um sistema lógico-jurídico, despido de qualquer conteúdo axiológico – como ocorreu com Kelsen e seus adeptos – a discricionariedade administrativa resultará mais forte, porque a Administração Pública só tem que observar a lei em seu sentido formal, único aspecto também a ser considerado pelo Poder Judiciário. Quando porém, à lei formal se acrescentam considerações axiológicas, amplia-se a possibilidade de controle judicial, porque, por essa via, poderão ser corrigidos os atos administrativos praticados com inobservância de certos valoresdotados como dogmas em cada ordenamento jurídico. O controle fica mais difícil porque, em se tratando de valores, são delimitados com muito menos clareza, os confins da atuação discricionária. A tarefa do juiz fica muito mais complexa, uma vez que ele passará a perquirir zonas de maior incerteza. Além da maior dificuldade, a sua tarefa aumenta, na medida em que novos limites se impõem à discricionariedade administrativa. Quando se estuda a evolução destes limites, verifica-se que eles foram, de início, essencialmente formais, pois diziam respeito apenas à competência e á forma; começaram depois a adquirir um sentido material, na medida em que começaram a ser examinados os fins e, depois, os fatos determinantes do ato administrativo. Hoje esses dados são insuficientes para delimitar a discricionariedade. Na medida em que a lei foi adquirindo seu sentido axiológico perdido na época do Estado liberal, novos princípios foram sendo elaborados como formas de limitar a discricionariedade administrativa e, paralelamente, ampliar a esfera de controle pelo Poder Judiciário. Ao lado do princípio da legalidade – em sua nova feição – colocam-se os princípios gerais de direito e os princípios da moralidade, da razoabilidade, do interesse público, da motivação, como essenciais na delimitação do âmbito da discricionariedade que a lei confere à Administração Pública. (grifo nosso)
Tal entendimento sintetiza de maneira exemplar a complexidade de se estipular um controle quando o objeto apresenta sentido axiológico, valorativo, possuindo enorme campo de abstração. Não é suficiente um controle da legalidade (entendida como formalidade) apenas; deve-se perquirir acerca da jurisdicidade, ou seja, do atendimento de todo sistema jurídico no momento do ato administrativo, mormente no discricionário. Devido a este assunto ser bastante recente, ainda existe muitas dúvidas quanto sua real e eficaz aplicabilidade prática.
2.2 Posições Doutrinárias sobre Dispensa de Licitação
A dispensa de licitação, como ocorre no art. 24, VIII da Lei nº 8.666/93, também se submete a um procedimento administrativo, como bem demonstra JUSTEN FILHO (2004, p. 239-40)
. Seriam aqueles casos de emergência tão grave que a demora, embora mínima, pusesse em risco a satisfação do interesse público. Nas etapas iniciais, a atividade será idêntica, seja ou não a futura contratação antecedida de licitação. (...) Tudo isso estará documentado em procedimento administrativo, externando-se em documentação constante dos respectivos autos. (...) Esse procedimento envolve ampla discricionariedade para a Administração, mas a liberdade se restringe às providências concretas a serem adotadas. Não há margem de discricionariedade acerca da observância de formalidades prévias. (...) Deverá evidenciar que, nas circunstâncias, a contratação foi a melhor possível. (sem grifos no original)A contratação direta (inexigibilidade e dispensa) exige um procedimento prévio, em que a observância de etapas e formalidades é imprescindível. Somente em hipóteses-limite é que a Administração estaria autorizada a contratar sem o cumprimento dessas formalidades
Analisando este mesmo dispositivo, SUNDFELD (1999, p. 58-62) também explica que a o procedimento de dispensa de licitação sujeita aos mesmos trâmites do processo de licitação, afastando qualquer arbitrariedade dos agentes públicos, assim dispondo:
(...) a licitação é possível, logo exigível, em princípio. Porém, a lei contempla casos de dispensa, que são aqueles em que embora viável o certame, a critério do legislador é inconveniente faze-lo, por circunstâncias diversas. Nele, apesar de a licitação atender aos reclamos do princípio da isonomia, permitindo a disputa igualitária pelos negócios públicos, desatende outros valores, também juridicamente tutelados. Atenta a essa possível contradição entre o interesse dos particulares pela disputa, de um lado, e o interesse público, de outro, a Constituição, ao impor a obrigatoriedade da licitação, expressamente admitiu que a lei a dispensasse (art. 37, XXI). (...) Cada hipótese de dispensa descrita na lei tem por trás uma finalidade de interesse público a ensejá-la. Se, em virtude das peculiaridades do caso concreto, tal finalidade não é atingida com a dispensa, a norma não pode incidir. Do contrário, a aplicação da norma se faria em prejuízo de seus objetivos determinantes. (...) A decisão de contratar sem licitação deve expressar-se em despacho motivado do agente competente. Entretanto, salvo nas hipóteses de dispensa por baixo valor (art. 24, I e II), essa decisão não é desde logo eficaz, sendo inviável celebrar imediatamente a avença. Para adquirir eficácia, o despacho deve ser submetido à ratificação da autoridade superior e publicado. A ratificação serve ao controle hierárquico da legalidade e da conveniência ou oportunidade do ato. Já a publicação destina-se a permitir o controle externo e difuso das decisões administrativas. Na dispensa de licitação há um "choque" de valores intrínsecos a este procedimento do direito administrativo, qual seja: o interesse público e o princípio da isonomia dos contratantes. Contudo, em que pese à obrigatoriedade da Administração tratar todos os candidatos de maneira uniforme, antes disso, a Administração Pública visa à melhor proposta.
Assim, se existirem (como Sundfeld mencionou), peculiaridades no caso concreto que resultem em proposta mais vantajosa à Administração e haja lei que autorize (art. 24, VIII, Lei nº 8.666/93) a contratação direta, será perfeitamente possível à dispensa da licitação. Ora, o procedimento licitatório existe como instrumento da Administração conseguir as melhores propostas com o máximo de igualdade entre os pretendentes a contratar com ela. Mas, a finalidade precípua deste instituto, como restou evidente, é adquirir produtos e serviços com a maior qualidade e menor preço possível. E se o resultado já se mostra previsível, porque realizar um procedimento dispendioso e demorado como o da licitação? Portanto, agiu corretamente o legislador, quando estabeleceu o art. 24 e demais incisos, prevendo de antemão algumas circunstâncias em que a licitação acabaria por impedir que a Administração fosse beneficiada (o que seria enorme contradição, já que a licitação visa, primeiramente, o melhor resultado à Administração Pública).
BASTOS (1999, p. 123) sintetiza este pensamento, dizendo que "A razão subjacente é que, em todos os casos, (art. 24 e incisos) apesar de possível a licitação, os transtornos da sua realização são superiores às próprias vantagens que dela pudessem advir."
A imposição de procedimento licitatório a todos os contratos realizados pela Administração Pública, sob as mais variadas alegações, não procede. Como visto, o princípio da supremacia do interesse público se sobrepõe ao princípio da isonomia. Também não há dúvida que existe maior controle (interno e externo) quando o agente público decide dispensar a licitação.
Questão que merece ser referida é a concernente ao fato de que a discricionariedade administrativa, como conseqüência lógica do princípio da legalidade, não pode ser considerada margem decisória estabelecida tão-somente em relação a textos legais.
Vê-se que a discricionariedade não é fruto somente das leis, aí consideradas regras jurídicas, mas de todo um ordenamento jurídico, onde se faz uma análise das normas jurídicas com um todo. Sendo assim, no exercício de seu poder discricionário caberá, também, ao administrador, fazer um estudo de hermenêutica, de interpretação sobre as leis, jurisprudência e princípios do direito administrativo (especialmente do princípio da razoabilidade e da legalidade). Para melhor entender o que foi dito, é necessário que se faça à distinção existente entre regras jurídicas e os princípios. Normas é gênero donde se retiram duas esppécies, quais sejam: as regras e os princípios. Aquelas (as regras) são dirigidas a casos específicos eleitos pelo legislador, enquanto estes (os princípios) possuem maior abstração, podendo ser usados em um número indeterminado de hipóteses.
Acerca deste tema, é pedagógica a definição dada por ÁVILA (2004, p. 70):
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação de correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.
Conceituando-se, pois, discricionariedade, sob o viés do direito Administrativo como um todo, teríamos uma fórmula onde estaria presente, não somente as margens volitivas proporcionadas pelos textos legais positivados, mas - numa visão bem mais ampla - a valoração da possibilidade de atuação delimitada pelo ordenamento jurídico, tutelando, assim, todas as normas de Direito Administrativo (regras e princípios).
Não é correto, por exemplo, separar a discricionariedade administrativa dos princípios da supremacia do interesse público e da finalidade dos atos. Daí a necessidade de se limitar tal margem de atuação concedida à Administração Pública ao princípio da finalidade, desde que esse traduza o real interesse de toda a coletividade.
Autores como Celso Antonio Bandeira de Mello e Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, sustentam que o poder discricionário encontra limite na finalidade com que os atos discricionários são praticados. Para esses estudiosos, deve-se analisar qual a finalidade das normas jurídicas (e não somente das regras jurídicas) ensejadoras da prática do ato. (MELLO, 2005)
Dessa forma, é correto afirmar que a possibilidade de atuação discricionária da Administração deve ser pautada não pelo que dispõe este ou aquele diploma legal, mas pelo que estabelece, e com muito mais força, o ordenamento jurídico-administrativo como um todo, respeitando-se, mormente, os princípios que norteiam o direito público brasileiro.
Incorreto seria condicionar a atuação discricionária somente aos casos em que algum preceito positivado assim dispusesse. Se isso fosse possível, estar-se-ia limitando por demais a atuação da administração, do mesmo modo em que poderia ocorrer o distanciamento entre o ato em questão e sua real finalidade.
Entretanto a amplitude que se propugna, em decorrência da colocação do ordenamento e não de um dispositivo legal como marco da discricionariedade, não significa o alargamento puro e simples dos atos administrativos em que é possível o elemento discricionário, a ponto de confundi-lo com o arbítrio, considerado tanto como ilícito como ilegítimo por nosso sistema jurídico. Daí a importância da utilização da interpretação e da hermenêutica, como forma de dissipar qualquer dúvida sobre a "aparentemente" melhor escolha ou a melhor solução no momento da prática do ato administrativo discricionário.
Tal assertiva significa que o ordenamento pode conceder, de forma abstrata, certa margem de atuação aos agentes administrativos e que a opção ficará a cargo destes. Entretanto, sempre limitados pelas normas jurídicas (princípios e regras) do direito público.
Mas, quando tal discricionariedade for possível, a atuação da Administração Pública restringir-se-á pela situação concreta que ensejar a opção. Resta que seja definido o que vem a limitar a liberdade administrativa a ponto de restringir aquilo que abstratamente é dado pelo ordenamento jurídico como as possíveis opções.
Assim, explicitada a necessidade e a possibilidade de concessão de poder discricionário ao administrador, resta verificar no corpo legal a existência do permissivo.