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O exame de ordem à luz da Constituição Federal

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25/07/2011 às 10:47

Resumo:


  • O Exame de Ordem é contestado por ferir princípios constitucionais, como a garantia fundamental ao livre exercício da profissão de advogado.

  • O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral em recurso extraordinário sobre a constitucionalidade do Exame de Ordem e a competência da OAB para regulamentá-lo.

  • O Exame de Ordem é questionado por invadir a competência privativa do Presidente da República de expedir decretos e regulamentos para a execução das leis, além de ser considerado mais prejudicial do que benéfico à sociedade brasileira.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: O Estatuto da Advocacia e da OAB exigiu, em seu art. 8º, como requisito necessário à inscrição como advogado, entre outras exigências, a aprovação em Exame de Ordem. Dispôs o § 1º, do mesmo artigo, que o Exame de Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da Entidade. Há quem conteste os dispositivos acima expostos, por entender que ofende dispositivos constitucionais, entre eles princípios e garantias fundamentais. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral em recurso extraordinário e deve se posicionar em breve sobre a constitucionalidade do Exame de Ordem e a competência da OAB para regular tal exame.

Palavras-chave: Exame de Ordem; constitucionalidade; princípios.


1. INTRODUÇÃO

É grande a polêmica e a discussão em torno do Exame de Ordem. A Ordem dos Advogados do Brasil, através de seus representantes, o defende e utiliza como argumentos o excessivo número de cursos de direito no País e a má qualidade do ensino jurídico, sendo o exame necessário para defender a sociedade dos maus profissionais. Além disso o Exame de Ordem é legal, pois está previsto na Lei nº 8.906/94, aprovada democraticamente. Já os bacharéis em Direito defendem a inconstitucionalidade do exame por ferir, entre outros, a garantia fundamental ao livre exercício da profissão prevista no art. 5º, XIII, da Constituição Federal.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral em Recurso Extraordinário interposto pela advogada Carla Silvana Ribeiro D’ Ávila, recorrente de decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que rejeitou a alegação de inconstitucionalidade do § 1º, do art. 8º, da Lei nº 8.906/94 e dos Provimentos de nº 81/96 e de nº 109/05 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. A advogada alega ofensa aos artigos 1º, incisos II, III e IV, 3º, incisos I, II, III e IV, 5º, incisos II e XIII, 84, inciso IV, 170, 193, 205, 207, 209, inciso II, e 214, incisos IV e V, todos da Carta Magna. Defende também que a submissão dos bacharéis ao Exame de Ordem atenta contra os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, do livre exercício das profissões e contra o direito à vida. Nos dizeres da Advogada, impedir que os bacharéis exerçam a profissão de advogado após a conclusão do curso universitário também representaria ofensa aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Assevera que a exigência de aprovação em Exame de Ordem representa censura prévia ao exercício profissional, discorrendo sobre o valor social do trabalho, fundamento da República Federativa do Brasil. Defende ainda a Advogada Carla Silvana Ribeiro D’ Ávila já ter sido editada norma federal específica com a finalidade de regulamentar, para todas as profissões, o art. 205 da Carta da República: a Lei nº 9.394/96, denominada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Desta forma, visto o grande número de dispositivos que a Lei nº 8.906/94 é acusada de infringir, entre eles princípios constitucionais e garantias fundamentais, bem como o crescente número de bacharéis em Direito impedidos de exercer a advocacia em conflito com os valores sociais do trabalho, fundamento da República Federativa do Brasil, e a aspiração de grande parcela da sociedade a um maior acesso ao Poder Judiciário, ficará difícil, após o julgamento do STF, a manutenção do "statu quo" juridicamente.


2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A LEI Nº 8.906/94

Não é de hoje que a Lei nº 8.906/94 vem sendo contestada. Em artigo publicado em abril de 2006, José de Freitas Guimarães [01], entre outros, já asseverava que "... a Lei de Advocacia, como hoje está lançada, é inconstitucional, por infringir os arts. 1º, incisos II, III e IV, 3º, incisos I, II, III e IV, 5º, incisos II e XIII, 84, inciso IV, 205, 207 e 214, incisos IV e V, todos da Carta Magna." Além dos dispositivos acima, outros foram citados no Recurso Extraordinário nº 603.583 – RS submetido ao Supremo Tribunal Federal [02], como os artigos 170, 193, 209, inciso II e os princípios constitucionais da igualdade, da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Grande discussão gira em torno do art. 5º, da Carta Magna, que diz: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:". Já o inciso XIII, do art. 5º, garante: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;". A parte inicial da garantia constitucional dispensa uma análise dos verdadeiros sentidos das palavras "trabalho", "ofício" e "profissão", uma vez que o próprio legislador constituinte tratou, no próprio art. 5º, inciso XIII, de colocá-las no mesmo patamar: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão...", deixando claro, nesta primeira parte, que não há qualquer espécie de diferenciação, sendo vedado até então qualquer ato que possa impedir o livre exercício de qualquer um deles. Já a parte final da garantia constitucional traz as maiores controvérsias.

Thiago Henrique Carnavale, citando o art. 5º, inciso XIII, da Constituição, o comenta da seguinte forma:

"...Destaca-se a parte final de tal dispositivo, que atribui à lei o poder de restringir (grifo meu) a liberdade de profissão garantida pela Constituição.

Assim, a liberdade de profissão não é irrestrita, encontrando limite no que a lei estabelecer, tratando-se de norma de eficácia contida (na classificação de José Afonso da Silva), ..." [03]

Há aqui um equívoco de interpretação, semelhante aos equívocos cometidos por outros defensores do exame. A parte final da garantia fundamental diz: "... atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". O professor Carnavale ignorou o termo "qualificações profissionais" e do exposto, segundo sua "hermenêutica", conclui-se que o inciso XIII, do art. 5º, da Constituição Federal, poderia ser assim entendido: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (exceto a advocacia), atendidas as restrições (limitações, exigências, processos seletivos, etc.) que a lei estabelecer." Percebe-se dessa forma a mudança de significado que os defensores do exame tentam impor ao dispositivo constitucional, tentando igualar o termo "qualificações profissionais" a restrições, processos seletivos, exigências, entre outros.

Sobre o termo "qualificações profissionais" cabe citar aqui o art. 205 da Constituição Federal, que diz: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho." A Constituição também prevê, em seu art. 206, que o ensino será ministrado com base em princípios, entre os quais está a garantia de padrão de qualidade, previsto no inciso V do mesmo artigo. Do exposto extrai-se que a qualidade do ensino é um objetivo que deve ser buscado pelo Estado, pela família e pela sociedade e, pela redação dada ao art. 205, a educação já possui como objetivo, entre outros, a qualificação da pessoa para o trabalho.

Alheio ao termo "qualificações profissionais", a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), preocupada com o ensino jurídico e com a rápida multiplicação dos cursos jurídicos no País, fez por aprovar, em 04 de julho de 1994, a Lei nº 8.906, conhecida também por Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, exigindo, em seu art. 8º, como requisitos necessários à inscrição como advogado, entre outros, diploma ou certidão de graduado em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada e a aprovação em Exame de Ordem. Aqui existe grande polêmica, pois o texto constitucional, como vimos, fala em qualificações profissionais e quem é contra assevera que o Exame de Ordem, que nada mais é do que uma avaliação, não qualifica o bacharel em Direito ao exercício da advocacia, apenas seleciona os diplomados a serem inscritos nos quadros da OAB, argumento este também aceito por quem defende o exame.

A autorização e o credenciamento dos cursos superiores no Brasil é de competência do Ministério da Educação e a educação nacional é regulada pela Lei nº 9394/06. O art. 43 da referida Lei diz: "A educação superior tem por finalidade: inciso II – formar diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar com sua formação contínua;". Já o art. 48 da mesma Lei, assegura: "Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova de formação recebida por seu titular." Visto o disposto no art. 205 da Carta da República e os dispositivos incontestáveis da denominada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, onde estão contidos os objetivos da educação superior e a validade de seus diplomas, não resta dúvidas de que somente a educação visa a qualificação para o trabalho e os diplomas de curso superior reconhecidos já habilitam o titular à inserção nos diferentes setores profissionais. Como não possuem argumentos para sustentar que o exame não qualifica o bacharel em Direito, mas apenas o seleciona, os defensores do exame agora esforçam-se na tentativa de igualar a profissão liberal de advogado às carreiras de estado, passando o Exame de Ordem a ser comparado, por analogia, aos concursos públicos, voltando-se também contra os cursos superiores de Direito, como afirma Thiago Henrique Carnavale:

"Da mesma forma que o aspirante à magistratura deve se submeter aos concursos dos tribunais para função de juiz substituto, o aspirante à advocacia deve se submeter ao Exame de Ordem para habilitação ao exercício da advocacia. Isso porque o curso de bacharelado em Direito não forma um indivíduo para o exercício da advocacia, mas sim para uma infinidade de carreiras que exijam conhecimentos jurídicos." [04]

Portanto, segundo Carnavale, a partir da Lei da Advocacia, criou-se uma nova ordem no País: para o exercício das profissões liberais o ensino superior não é mais suficiente, o candidato terá que se submeter a concursos públicos, regulados por atos administrativos de suas entidades de classe. Se o Exame de Ordem se assemelha a um concurso público, o bacharel em Direito após aprovação deveria receber prêmio ou ser remunerado pelo Estado; ter direito a um plano de carreira como os demais servidores públicos; o exame deveria estar previsto ou pelo menos obedecer à Lei nº 8.666/93, a denominada Lei de licitações; obedecer aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e razoabilidade.

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Outro aspecto defendido é que o curso de Direito, cuja duração varia de cinco a seis anos, não forma advogados. E qual curso superior no Brasil forma então? Os cursinhos preparatórios para o exame? Não existe um curso de advocacia no Brasil e o diplomado mais apto a exercer a profissão liberal de advogado é o bacharel em Direito. Se os cursos superiores de Direito não são capazes, segundo a OAB, de em cinco ou seis anos preparar o profissional para o exercício da advocacia, não é uma avaliação que o qualificará, pois somente a educação é capaz de preparar a pessoa para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, como prevê a própria Constituição Federal, não podendo a OAB com o Exame impedir o acesso ao trabalho de milhares de diplomados, como se estes fossem os únicos culpados da tão defendida, embora questionável, má qualidade do ensino.

2.1 A INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL POR TRÁS DO EXAME DE ORDEM

As normas que compõem o ordenamento jurídico de um país possuem um grau de hierarquia a depender da relevância do assunto tratado. A constituição está no topo do ordenamento jurídico e serve de validade para todas as normas ditas infraconstitucionais, que não podem ser incompatíveis com a Lei Maior. Sobre inconstitucionalidades, José Afonso da Silva explica que "O princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição." [05] Diz ainda que do princípio da supremacia da constituição resulta outro princípio, o da "compatibilidade vertical". As normas infraconstitucionais que não são compatíveis com as constituições são consideradas inválidas, é o que José Antônio da Silva chama de "incompatibilidade vertical". Explica o professor:

"Essa incompatibilidade vertical de normas inferiores (leis, decretos etc.) é o que, tecnicamente, se chama inconstitucionalidade das leis ou dos atos do Poder Público, e que se manifesta sob dois aspectos: (a) formalmente, quando tais normas são formadas por autoridades incompetentesou em desacordo com as formalidades ou procedimentos estabelecidos pela constituição; (b) materialmente, quando o conteúdo de tais leis ou atos contraria preceito ou princípio da constituição. [06]

O § 1º, do art. 8º e a exigência do Exame de Ordem são os dispositivos mais contestados da Lei da Advocacia. Dispôs o § 1º, do art. 8º, da Lei nº 8.906/94, que o Exame de Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB. Analisando o dispositivo e o confrontando com o art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, pode-se verificar claramente sua inconstitucionalidade material. Entretanto, o professor Carnavale, em defesa do Exame de Ordem e da competência da OAB para regular tal Exame, assevera:

"Atento fielmente ao prescrito na Constituição como garantia fundamental, o legislador entendeu por bem que o exercício da advocacia, dentre outros requisitos, depende de prévia habilitação em Exame de Ordem (art. 8º, inciso IV, da Lei 8906/1994), delegando (grifo meu) à OAB a competência exclusiva para regulamentar esse exame (art. 8º, parágrafo primeiro, da Lei 8906/1994). Há, pois, plena compatibilidade vertical entre as normas infraconstitucionais e a Constituição da República, sendo, portanto, constitucionais." [07]

Primeiramente, é preciso deixar claro a diferença entre competência exclusiva e competência privativa. A Constituição Federal dividiu entre os entes da Federação competências em matéria legislativa, administrativa e tributária, algumas delas exclusivas, outras privativas. José Afonso da Silva, afirma que "A diferença que se faz entre competência exclusiva e competência privativa é que aquela é indelegável e esta é delegável." [08] Não obstante, a doutrina é pacífica no entendimento de que a competência privativa é delegável somente nos limites estabelecidos na própria Constituição. Como exemplo de competência indelegável tem-se o art. 49 da Constituição Federal: "É da competência exclusiva do Congresso Nacional: ...". Já como exemplo de competência delegável vale citar o art. 22, que diz: "Compete privativamente à União legislar sobre: ...". Em seguida, são enumerados, em ambos os artigos, os incisos que asseguram expressamente o exercício de tais competências. No entanto, a diferença é que ao final do art. 22, o legislador constituinte acrescentou um parágrafo que traz a previsão de delegação: "Parágrafo único: Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo." Já ao final do art. 49, não existe previsão alguma de delegação, por isso tratar-se de competência exclusiva.

O caput do art. 84 da Carta Magna diz: "Compete privativamente ao Presidente da República: ... inciso IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução;". Os limites da delegação estão previstos no parágrafo único do mesmo artigo: "Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações." O inciso IV não está entre as exceções, portanto cabe privativamente ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis e a ninguém mais, nem tampouco o Conselho Federal da OAB foi citado como passível de delegação, mas somente os Ministros de Estado, o Procurador-Geral da República ou o Advogado-Geral da União. Portanto, por mais que o § 1º, do art. 8º, da Lei nº 8.906/94 tenha autorizado o Conselho Federal da OAB a regular o Exame de Ordem por um simples provimento, percebe-se claramente a incompatibilidade vertical, uma vez que contraria o preceito previsto no art. 84, IV, o que caracteriza a inconstitucionalidade material de tal dispositivo. Já a invasão da competência privativa do Presidente da República está concretizada nos provimentos de nº 81/96 e de nº 109/95, expedidos pelo Conselho Federal da OAB. Tais provimentos são formalmente inconstitucionais, pois são normas expedidas por autoridade incompetente.


3. O EXAME DA ORDEM E OS SEUS FINS SOCIAIS

Não bastasse os argumentos já expostos, o art. 1º da Constituição Federal assegura como fundamentos da República Federativa do Brasil, entre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

O art. 3º da nossa Lei Maior enumera os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que são: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Esses objetivos fundamentais expressos na Constituição são fruto de um momento histórico de nosso País e representam desejos antigos da sociedade brasileira. Foram construídos ao longo da história no seio da sociedade, sobretudo para valorizar o ser humano, e são a razão da existência do Estado brasileiro. Aqui se faz as algumas indagações: como atingir os objetivos fundamentais assumidos na Constituição e o que se deve fazer na prática para que os mesmos sejam atingidos o mais breve possível? Certamente essa é uma pergunta das mais complexas e todos sabem que não existe uma solução mágica para as mazelas da nação. Porém há de se concordar, que todas as ações, sobretudo as do Estado, devem ser voltadas à busca dos objetivos assumidos pelo povo brasileiro.

O ser humano sempre lutou por direitos básicos e quando conseguiu surgiram as mais variadas interpretações sobre o verdadeiro sentido do direito, tudo no intuito de manter o estado anterior das coisas, em um conservadorismo exacerbado. A igualdade, por exemplo, passou por diversas interpretações ao longo do tempo e há ainda quem defenda que a verdadeira igualdade é a igualdade de tratamento. Longo foi o caminho, até que se chegasse a um conceito de igualdade preocupado em alcançar os objetivos fundamentais da sociedade brasileira e que atendesse sobretudo aos anseios das classes mais desfavorecidas, como a igualdade de possibilidades, defendida por Dalmo de Abreu Dallari. [09]

Desde a aprovação do Estatuto da Advocacia, o Exame de Ordem, que nada mais é do que um teste, tornou-se a principal contribuição da OAB para atingir o objetivo constitucional de um ensino de qualidade, passando por mudanças pontuais ao longo desses anos, sobretudo no que se refere ao aumento das exigências para aprovação e na dificuldade das provas. Sobre a dificuldade das provas, assim se manifestou o desembargador Sylvio Capanema:

" 'As provas da OAB estão num nível de dificuldade absolutamente igual às da defensoria do Ministério Público e, se bobear, da magistratura', diz o desembargador Sylvio Capanema, ex-vice-presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 'Posso dizer com absoluta sinceridade que eu, hoje, não passaria no Exame de Ordem.' " [10]

O Exame de Ordem é composto hoje por duas fases e o aumento na dificuldade das provas, sempre no intuito, segundo a OAB, de melhor capacitar o futuro advogado e proteger a sociedade dos maus profissionais, fez com que 88% dos inscritos no estado de São Paulo, fossem reprovados já na primeira fase do primeiro exame de 2011, fato que deixou surpresos advogados e professores paulistas. [11] No entanto, para o presidente da OAB/SP, o Sr. Luiz Flávio Borges D’ Urso, o resultado apenas reflete a má qualidade do ensino jurídico no País, ou seja, o tempo passa e o discurso permanece o mesmo. Mas a verdade é que o Exame de Ordem tem se mostrado cada vez mais excludente e acaba promovendo uma corrida dos bacharéis aos cursinhos preparatórios, que se multiplicam nas cidades e cada vez mais se especializam em "formar advogados". Hoje, segundo a OAB, os professores do ensino jurídico no Brasil são incapazes de em cinco ou seis anos preparar o acadêmico para o exercício da advocacia, enquanto que aqueles profissionais que dão aula nos cursinhos preparatórios, cuja qualidade, essa sim, é contestável, conseguem fazer isso em menos de um ano. Esses "profissionais" indiretamente passaram a ser os maiores responsáveis pela qualificação profissional do futuro advogado, uma profissão que se caracteriza sobretudo pela capacidade de pesquisa, e não pela capacidade de memorização, restando ao exame da ordem somente avaliar o conhecimento.

O exame da ordem trouxe situações no mínimo inusitadas. Um bacharel em Direito, por exemplo, após passar cinco ou mais anos estudando em uma Universidade Pública ou outra instituição reconhecida pelo Ministério da Educação o conclui com aproveitamento, passa em concurso rigoroso para professor em Universidade Federal, em seguida faz mestrado, doutorado e pós-doutorado, decorridos dez anos de larga experiência acadêmica, se um amigo seu ou parente necessita dos mais simples serviços na área jurídica e não possui condições de arcar com os honorários advocatícios cobrados pelos advogados, esse Professor Doutor não poderá ajudar seu amigo ou parente, pois não se submeteu ao exame da ordem, condição indispensável defendida pela OAB para o exercício da advocacia. Nota-se por esse exemplo a discrepância de tratamento dada à questão, onde um simples exame substitui anos de estudo e experiência acadêmica na "qualificação profissional" do advogado.

Dizer que a OAB procura defender, com o exame, a sociedade dos maus profissionaisé a mesma coisa que distribuir um atestado de ingenuidade a essa mesma sociedade, como se ela fosse incapaz de se defender dos maus profissionais e estes não fossem excluídos pelo próprio mercado. Hoje, quando um cidadão chega para morar em cidade que não conhece e precisa contratar um profissional ou serviço, como por exemplo um mecânico para consertar seu veículo, certamente ele não contrata o primeiro que lhe aparece, ou o da esquina mais próxima, por que com o advogado isso seria diferente? Alguns podem achar a comparação absurda, pois a mecânica é um serviço técnico, quase matemático, enquanto que a advocacia lida com as relações humanas, com direitos fundamentais do cidadão e o direito é uma ciência das mais complexas, como se não existissem advogados extremamente técnicos. Entretanto, o que se busca com a comparação é a consequência que os maus profissionais podem trazer para a sociedade, numa tentativa de justificar o exame da ordem. Uma petição mal elaborada pode levar um cidadão inocente para a cadeia, enquanto que uma má regulagem dos freios de um carro pode levar o condutor e sua família à morte.

Os defensores do exame da ordem, como não possuem argumentos jurídicos para sustentar suas teses, partem para as mais variadas alegações, sempre ressaltando a importância do advogado para o Estado. O art. 133 da Lei Maior diz: "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei." Com base no dispositivo, Thiago Henrique Carnavale afirma:

"Desse texto constitucional, abstrai-se que o exercício da advocacia é mais que o exercício de uma profissão, é um múnus público, pois presentes dois princípios: indispensabilidade do advogado, que não é absoluta, pois há casos em que o patrocínio da causa por advogado é dispensada, como na impetração de habeas corpus ejuizados especiais cujo valor da causa não ultrapasse vinte salários mínimos; e a imunidade do advogado, que também não é irrestrita, devendo obedecer aos limites definidos em lei e restringir (sic), como prerrogativa, às manifestações durante o exercício da atividade profissional do advogado." [12]

Vitorino Francisco Antunes Neto, em defesa também da Advocacia, cita o voto do então Ministro Humberto Gomes de Barros, relator do RE nº 214.761-STJ, no qual afirmou:

"Credenciado pela Ordem dos Advogados do Brasil, o advogado vocacionado para o exercício de seu múnus público, presta contribuição fundamental ao Estado de Direito. Em contrapartida, o causídico tecnicamente(grifo meu) incapaz, mal preparado ou limitado pela timidez pode causar imensos prejuizos. Na realidade, os danos causados pelo mau advogado tendem a ser mais graves do que aqueles provocados por maus juizes: prazo perdido, o conselho errado, o manejo imperfeito de algum recurso não tem conserto. Já o ato infeliz do magistrado é passível de recurso." [13]

Não há que se contestar a importância do profissional para o Estado e para a sociedade, o que se contesta é a constitucionalidade do Exame de Ordem e a competência da OAB para regular o Exame. Entretanto, certos advogados precisam parar de fazer previsões catastróficas, de serem prepotentes e acharem que sua função na sociedade são mais importantes do que as outras. O advogado tem sua importância para a administração da justiça, reconhecida constitucionalmente no art. 133 da Carta Magna, da mesma forma que o médico tem sua importância para a saúde, que o engenheiro e o pedreiro tem para a construção e não mais do que o professor tem para a educação. O que não se pode é passar por cima de princípios e garantias constitucionais construídos ao longo do tempo no seio da sociedade brasileira, em nome de uma suposta diferenciação entre a advocacia e as demais profissões na Constituição Federal.

No Brasil, quando algum grupo de pessoas se sente prejudicado com determinada situação e esse mesmo grupo possui influência na política, cria-se logo uma nova lei para satisfazer seus interesses. O grande número de cursos de Direito no País, autorizados pelo Ministério da Educação diga-se de passagem, também não justifica tal exame, pois outros cursos tiveram crescimentos semelhantes, acompanhando o crescimento nacional, nem por isso outras áreas viraram um caos.

O Conselho Federal da OAB deveria, por si só, extinguir seu exame antes do julgamento do STF, não mais usar de sua influência para fazer qualquer tipo de manobra que favoreça aos advogados já inscritos. A advocacia sempre foi uma profissão das elites e quando brasileiros passaram a ter mais acesso aos cursos superiores, entre eles o de Direito, muitos deles pelo esforço da família que lutou e luta para manter seus filhos nos cursos superiores, são impedidos pelo exame da ordem do exercício da profissão, numa afronta clara aos valores sociais do trabalho em favorecimento de um grupo de pessoas com medo de perder seu status.

A OAB não faz um favor à sociedade sob a desculpa de a estar livrando dos maus profissionais, ela sim impede pela reserva de mercado a popularização da profissão e o acesso à justiça de grande parcela de brasileiros que não conseguem pagar os altos honorários cobrados pelos advogados, contribuindo com a impressão dos brasileiros de que só os ricos têm acesso à justiça e só pobre vai para a cadeia. Dizer que a Defensoria Pública existe justamente para suprir a necessidade dos que não têm condições de arcar com os altos honorários advocatícios, é esquecer de um dos primeiros princípios que aprendemos muito antes de entrar nos cursos superiores: "não deseje aos outros aquilo que você não quer para si mesmo". Quem pensa dessa forma, certamente nunca precisou de um defensor público, não pelos profissionais que lá se encontram, mas pelas condições de trabalho e pelo número insuficiente de profissionais que trabalham nas Defensorias Públicas para atender uma fatia tão expressiva da sociedade. Uma das consequências da falta de acesso ao Poder Judiciário da população de baixa renda se reflete na situação carcerária brasileira, cuja maioria são pobres, muitos deles inocentes que acabam se formando na escola do crime que hoje são os presídios, aumentando a marginalização e a insegurança. Cabe lembrar que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previsto no art. 3º, III, é justamente a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais e um de seus fundamentos é a dignidade da pessoa humana, alencado no art. 1º, III, da Carta Magna. Quanto ao Poder Judiciário e o aumento da demanda que certamente surgirá com a inclusão de milhares de advogados no mercado e o surgimento de diversos escritórios de advocacia a defender o direito de parcela da sociedade hoje excluída do acesso à justiça, não se pode resolver esse problema com exclusão.

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Sobre o autor
Luciano de Oliveira Amin

Servidor público federal. Acadêmico da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMIN, Luciano Oliveira. O exame de ordem à luz da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2945, 25 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19623. Acesso em: 22 dez. 2024.

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