Sumário: 1. Introdução. 2. Denominações. 3. Instrumentalidade do processo. 4. A Jurisdição trabalhista e o acesso coletivo à Justiça. 5. Conceito e Natureza Jurídica da Tutela Antecipada. 6. Importância e conteúdo da tutela antecipada nas ações coletivas. 7. Requisitos para a antecipação da tutela nas ações coletivas. 8. Tutela antecipada ex officio. 9. Tutela antecipada em ação coletiva contra o Poder Público. 10. Agravo de instrumento. 11. Suspensão da liminar. 12. Execução da Tutela Antecipada. 13. Conclusão. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Entre os diversos institutos processuais que têm por escopo a celeridade e a efetividade da função jurisdicional do Estado destaca-se a chamada tutela antecipada, cuja aplicação generalizada, na processualística civil brasileira, somente foi possível a partir das reformas introduzidas pela Lei nº 8.952, de 14.12.1994, que deu nova redação aos arts. 273. e 461 do Código de Processo Civil.
A bem ver, porém, outros meios judiciais destinados a antecipar os efeitos da decisão definitiva já existiam espraiados em nosso ordenamento jurídico, como as liminares previstas nas Leis do Mandado de Segurança, da Ação Popular e da Ação Civil Pública, bem como nas ações possessórias do Código Civil, nas ações de alimentos, nas ações trabalhistas de sustação de transferência de empregado etc.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que assegura o acesso – individual e coletivo – ao Judiciário, tanto nas lesões como nas ameaças a direito, o legislador constituinte reconheceu, definitivamente, a necessidade de se buscar novos meios que pudessem tornar o processo mais ágil e útil à sociedade de massa, como a dos nossos dias, evitando, assim, a prestação jurisdicional intempestiva.
Este estudo é dedicado ao exame dos provimentos antecipatórios nas ações coletivas nos domínios do direito processual do trabalho. Para tanto, procuraremos enfrentar as seguintes indagações: que se entende por ação coletiva? Quais as ações coletivas cabíveis na Justiça do Trabalho? Existe uma jurisdição trabalhista coletiva para tutelar interesses metaindividuais? Qual a natureza jurídica dos provimentos antecipatórios possíveis em ações coletivas? Os provimentos antecipatórios nas ações coletivas são compatíveis com o processo do trabalho? As tutelas antecipatórias de urgência e de evidência previstas no CPC são aplicáveis às ações coletivas trabalhistas? Os requisitos para a antecipação da tutela nas ações coletivas são idênticos aos da tutela antecipada prevista nos arts. 273. e 461 do CPC? É possível a antecipação de tutela ex officio? Qual o recurso cabível da decisão que defere ou indefere a tutela antecipada?
Em função do prestígio, da operacionalidade e do interesse que a ação civil pública vem despertando entre juristas e operadores do direito do trabalho, o enfoque da tutela antecipada será dirigido primordialmente a essa espécie de ação coletiva.
2. DENOMINAÇÕES
A discussão a respeito da denominação dada à ação civil pública e à ação coletiva perdeu importância teórica e prática a partir do momento em que o Ministério Público deixou de ser o legitimado exclusivo das ações destinadas à defesa dos interesses metaindividuais, já que a Constituição Federal (art. 129, § 1º) permitiu que tais interesses possam ser também defendidos outros entes coletivos públicos ou privados, como os órgãos da administração pública direta e indireta, associações civis e os sindicatos1.
Com o advento do CDC, que forma um sistema integrado com a LACP para a defesa de qualquer interesse coletivo lato sensu, "são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela".
Assim, para fins meramente didáticos, empregaremos o termo "ação coletiva" como gênero das espécies ação civil pública, ação civil coletiva, ação de dissídio coletivo, mandado de segurança coletivo, ação popular, ação anulatória de cláusulas de convenção ou acordo coletivo, ação de cumprimento, enfim de todas as ações que tenham por objeto a proteção dos interesses difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos.
De outra parte, adota-se a expressão "provimento antecipatório" em sentido amplo, isto é, abrangendo não apenas as liminares previstas na LACP (art. 12) e no CDC (art. 84, § 3º), como, também, os demais tipos de antecipação de tutela insertos no CPC (arts. 273. e 461) e as medidas liminares possíveis nas ações cautelares e as medidas de urgência decorrentes do poder geral de cautela, tradicionalmente conferido ao juiz.
3. A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
Desde o clássico direito romano até a metade do século XIX, os ordenamentos jurídicos ocidentais adotavam a idéia de que o direito de ação era considerado um mero apêndice ou desdobramento do direito material, o que desencadeou o aparecimento da doutrina sincretista, cujo escopo repousava no estudo do direito processual como simples modo de proceder em juízo.
O Código Civil brasileiro, impregnado pela ideologia individualista própria do século passado e ignorando a nova ciência processual surgida na Europa desde 1868, traduz nítida adesão do nosso direito positivo ao sincretismo, como se infere da dicção do seu art. 75, segundo o qual "a todo direito corresponde uma ação, que o assegura".
Com o declínio do individualismo e a consagração do monopólio estatal de solução dos conflitos intersubjetivos, o processo deixa de ser um instrumento dos particulares para tutela de seus direitos e passa a ser um veículo autônomo para a aplicação, pelo Poder Público, das normas de direito objetivo2. É, contudo, com a obra de Oscar von Bülow que o direito processual adquire a dignidade de ciência.
Segue-se a fase do conceitualismo ou abstracionismo, que perdurou até as duas últimas décadas do século em curso, dirigida à construção de sólidas e formais estruturas dogmáticas, que culminaram com o isolamento do direito processual frente ao direito material, o que redundou no seu distanciamento de todos os problemas sociais e do problema do efetivo acesso à justiça.
Por ocasião do Congresso Internacional de Direito Processual Civil, realizado em Florença, em 1950, Piero Calamandrei dava os primeiros passos que colocavam em "xeque" os adeptos do conceitualismo. Surge, assim, a moderna doutrina do instrumentalismo, cujo escopo primordial é tornar efetiva e concreta a tutela legal dos direitos, com a ampliação das vias de acesso ao Judiciário, a eliminação dos obstáculos econômicos ao ajuizamento de ações e, principalmente, a efetividade da tutela jurisdicional3.
Vê-se, portanto, que o Código de Processo Civil brasileiro, de 1973, devido ao seu apego exacerbado ao dogma do conceitualismo, já se mostrava na contramão da história, antes mesmo de sua vigência. A exceção ficava por conta de raros diplomas legais que previam antecipação dos efeitos fáticos da providência jurisdicional, como a Lei do Mandado de Segurança4 (Lei n. 1.533/51), a Lei de Alimentos5 (Lei n. 5.478/68) e as ações possessórias do Código Civil, de 1916 (arts. 499. e s/s).
No que concerne aos chamados direitos metaindividuais, a Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717, de 29.06.1965, art. 5º, § 4º6) e a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24.07.1985), já previam a antecipação de tutela, sendo certo que este último diploma, em seu art. 12, permitia ao "juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo".
Decorridos mais de vinte anos da vigência do chamado Código Buzaid, o problema da efetividade do processo, já sob a influência da redemocratização do País e da chamada onda de coletivização dos direitos7, retorna ao palco das discussões doutrinárias e políticas, tudo com vistas à implantação e consolidação do instrumentalismo em nosso ordenamento.
4. A JURISDIÇÃO TRABALHISTA E O ACESSO COLETIVO À JUSTIÇA
A jurisdição trabalhista durante muitos anos foi exercida por meio de dois sistemas: o primeiro, destinado aos tradicionais dissídios individuais; o segundo, voltado para os dissídios coletivos de trabalho, nos quais se busca, por intermédio do Poder Normativo, a criação de normas trabalhistas para as partes que figuram no processo (CF, art. 114, § 2º).
As rápidas e complexas transformações tecnológicas ocorridas nas duas últimas décadas deste século, sobretudo nos setores da eletroeletrônica e da informática, desencadearam o surgimento de novos conflitos de massa no mundo do trabalho, exigindo, assim, uma nova postura dos juristas e operadores do direito processual trabalhista, diversa da adotada nas lides individuais.
Essa nova postura há de ter como norte a efetivação do acesso – individual e coletivo – dos trabalhadores, não apenas ao aparelho judiciário e à democratização das suas decisões, mas, sobretudo, a uma ordem jurídica justa8.
Com a vigência da Constituição de 1988, do CDC, que deu nova redação ao art. 1º, inciso IV da LACP, alargando o espectro tutelar da ação civil pública, e da LOMPU (Lei Complementar n. 75/93, art. 83, III c/c art. 6º, VII, a e d), que acabou com a antiga polêmica a respeito da competência da Justiça do Trabalho para a referida ação coletiva, não há mais dúvida de que a jurisdição trabalhista passa a abarcar um terceiro sistema, que é o vocacionado à tutela preventiva e reparatória dos direitos ou interesses metaindividuais, a saber: os difusos, os coletivos stricto sensu e os individuais homogêneos. O fundamento desse novo sistema de acesso coletivo ao judiciário trabalhista repousa nos princípios constitucionais da indeclinabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) e do devido processo legal (idem, incisos LIV e LV), pois, como bem bem observa MARCELO ABELHA RODRIGUES,
"tratar-se-ia de, por certo, se assim fosse, uma hedionda forma de inconstitucionalidade, na medida em que impede o acesso efetivo à justiça e fere, em todos os sentidos, o direito processual do devido processo legal. Isto porque, falar-se em devido processo legal, em sede de direitos coletivos lato sensu, é, inexoravelmente, fazer menção ao sistema integrado de tutela processual trazido pelo CDC (Lei 8.078/90) e LACP (Lei 7.347/85)"9..
Para implementar essa nova "jurisdição civil coletiva"10, portanto, é condição sine qua non observar, aprioristicamente, o sistema integrado de tutela coletiva instituído conjuntamente pela LACP (art. 21) e pelo CDC (arts. 83. e 90). Noutro falar, somente na hipótese de lacunosidade do sistema integrado de acesso coletivo à justiça (LACP e CDC), aí, sim, poderá o juiz do trabalho socorrer-se da aplicação supletória da CLT, do CPC e de outros diplomas normativos pertinentes.
Como se sabe, é no terceiro sistema que reside o grande entrave à efetivação da tutela coletiva dos direitos metaindividuais trabalhistas. Para operacionalizá-lo, é preciso uma mudança cultural dos juízes e procuradores do trabalho, bem como dos sindicalistas e demais operadores do direito laboral, pois a realização do acesso coletivo à justiça exige, sobretudo, um "pensar coletivo".
Recuperando, dada a inexistência de norma legal que trate especificamente da ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, implica que tanto as regras de direito material quanto as de direito processual contidas na LACP e no CDC devem ser observadas em primeiro lugar. A não adoção dessa sistemática pelo juiz do trabalho importa negativa de vigência aos referidos dispositivos da lei que estabelece a competência e a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho (LOMPU, art. 83, III, c/c art. 6º, VII, a e b) e, o que é mais grave, maltrata os princípios constitucionais que asseguram o efetivo acesso (coletivo) à justiça.
5. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA TUTELA ANTECIPADA
A tutela antecipada, quando concedida, proporciona antes da decisão definitiva e no mesmo processo que é solicitada o próprio bem da vida afirmado pelo autor na petição inicial. Trata-se, pois, de uma versão da máxima de Chiovenda, para quem "na medida do que for praticamente possível o processo deve proporcionar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de receber"11.
Não há confundir natureza jurídica do ato antecipador da tutela com a natureza jurídica da própria tutela. Aquela leva em conta os tipos de atos, ou melhor, provimentos que o juiz pode proferir no processo, segundo a dicção do art. 162. do CPC, a saber: sentença, decisão interlocutória e despachos. Esta guarda relação com classificação da sentença à luz da providência jurisdicional solicitada pelo autor na petição inicial.
No primeiro caso parece não haver grandes divergências a respeito da tipificação de decisão interlocutória do ato judicial que antecipa a tutela. Tanto é assim que o art. 12. da LACP prescreve que "poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo". Ora, nem a sentença, muito menos os despachos, podem ser objeto dessa modalidade recursal. Daí porque não hesitamos em dizer que a decisão que impõe ao juiz o poder-dever de conceder o "mandado liminar" nas ações coletivas é tipicamente interlocutória.
Sabe-se que no processo do trabalho as decisões interlocutórias não são recorríveis de imediato, razão pela qual a parte que suporta os efeitos da tutela antecipada prevista no art. 12. da LACP deverá aguardar a decisão final para poder manifestar sua irresignação contra aquele ato decisório. Disso resulta que, em situações excepcionais nas quais a decisão antecipatória possa traduzir violação a direito líquido e certo, poderá a parte, em tese, impetrar mandado de segurança. Diz-se a parte, porquanto o mandamus poderá ser manejado pelo autor ou pelo réu, tanto da decisão que concede como da que denega a antecipação da tutela.
No segundo caso, isto é, quando se trata de enquadrar a tutela antecipada contida no art. 12. da LACP no tipo de processo, não há uniformidade entre os autores. Para uns seria cautelar12 e, segundo alguns, do tipo satisfativa. Outros sustentam sua feição executiva. Há, ainda, os que advogam seu caráter mandamental.
Pensamos que de cautelar não se trata, uma vez que o objetivo do processo cautelar é assegurar o resultado útil do processo dito principal (de conhecimento ou de execução). Ademais, se é satisfativa não pode ser concebida como cautelar, o que encerraria uma contraditio in terminis.
Também não nos parece que tenha natureza executiva, tout court, pois a execução pressupõe um provimento judicial não sujeito à retratação.
Afigura-se-nos, portanto, que as liminares previstas no art. 12. da LACP e no art. 84, § 3º, do CDC possuem natureza satisfativa, porquanto antecipam a tutela definitiva13. Dito de outro modo, as tutelas antecipadas encerram provimento judicial híbrido com eficácia mandamental ou executiva lato sensu.
Dissemos híbrido, porque a "liminar é uma providência de cunho emergencial, expedida também (em convergência às medidas cautelares) com o fundamental propósito de salvaguardar a eficácia da futura decisão definitiva"14, mas possui um caráter executivo lato sensu e mandamental, na medida em que há a entrega, embora precária, do bem da vida vindicado no bojo dos próprios autos do processo a que se refere.
Esse é também o pensamento de MARCELO ABELHA RODRIGUES, no sentido de que a
"natureza jurídica da tutela antecipatória é de provimento judicial com eficácia mandamental ou executiva lato sensu. Isto porque permite, a um só tempo, não só a entrega antecipada e provisória do próprio mérito ou seus efeitos, como também a efetivação imediata desta tutela. Justamente porque é dada com base na urgência e na busca da efetividade, é um mister que exista, sempre que possível, a imediata satisfação do efeito fático de mérito antecipado. Exatamente por isso, por via da tutela antecipada dos efeitos de mérito, o juiz emite um provimento que deverá ser imediatamente cumprido pelo réu, ou, em contrapartida, que, se não for cumprido por ele, admite que seja feito às suas expensas." O modo de efetivação da tutela antecipada é tema que merece algumas palavras. Sem sombra de dúvida, a finalidade da obtenção da tutela antecipada é a realização no mundo dos fatos de efeitos que seriam advindos com a própria tutela concedida ao final. Portanto, sua finalidade é justamente de antecipar, provisoriamente, a execução dos efeitos do provimento que seria concedido ao final. Execução aqui deve ser entendida em sentido amplo, compreendendo não só a idéia de execução forçada, mas também, inclusive, os casos de execução imprópria dos provimentos declaratórios e constitutivos. Portanto, melhor que tomássemos a palavra execução no sentido de eficácia15.
6. IMPORTÂNCIA E CONTEÚDO DA TUTELA ANTECIPADA NAS AÇÕES COLETIVAS
Em se tratando ações destinadas à defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dois aspectos devem ser salientados.
O primeiro, diz respeito à importância dos direitos e interesses tutelados e as conseqüências nefastas que um provimento jurisdicional tardio pode proporcionar a esses interesses, já que não raro os danos são irreparáveis ou de difícil reparação.
Disso resulta que a liminar prevista no art. 12. da LACP deve conter, primordialmente, autêntica tutela antecipatória específica, isto é, aquela que tem por objeto o cumprimento adiantado de uma obrigação de fazer ou não fazer, porquanto parece-nos razoável a ilação de que o autor da ação coletiva deve perseguir, com a antecipação da tutela, o retorno, ainda que provisório, ao statu quo ante da situação que deu ensejo ao ajuizamento da demanda. Somente na hipótese em que isso não seja possível, aí sim, abre-se a possibilidade da opção pelo pleito reparatório. Chegamos a essa conclusão pela interpretação sistemática dos arts. 11. e 12 da LACP e 84, §§ 1º e 3º, do CDC, uma vez que não nos parece razoável que a liminar seja concedida apenas com base no caput do art. 12. da LACP, o qual nada alude a respeito dos requisitos imprescindíveis à concessão da tutela antecipatória.
O segundo aspecto guarda pertinência com o conteúdo do pedido antecipatório. É que na liminar cautelar não há (salvo nas chamadas cautelares satisfativas) necessidade de identidade entre o pedido e o bem da vida almejado no processo principal. Já na antecipação da tutela inserta no art. 12. da LACP (e art. 84, § 3º, do CDC), a liminar deve equivaler ao julgamento provisório de procedência de um, alguns ou todos os pedidos contidos na petição inicial da ação coletiva.