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Ações coletivas e tutela antecipada no Direito Processual do Trabalho

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01/04/2001 às 00:00
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8. TUTELA ANTECIPADA EX OFFICIO

Quanto a possibilidade de antecipação de tutela ex officio nas ações coletivas, duas correntes se apresentam.

A primeira, capitaneada por SÉRGIO FERRAZ(26), não a admite, pois o fato de o art. 12 da LACP mencionar que é lícito ao juiz "conceder" a tutela antecipada, já deixa implícito que há pedido do autor em tal sentido, diferentemente do que se dá com a liminar do mandado de segurança, no qual o juiz "ordenará" que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido (Lei n. 1.533/51, art. 7º, II).

A segunda, a qual nos filiamos, sustenta que não há vedação legal para a concessão da tutela antecipada, independentemente de pedido expresso do autor(27).

Ressalte-se, inicialmente, que os dispositivos que autorizam a liminar na LACP e no CDC não exigem, ao contrário da tutela antecipada do art. 273 do CPC, o requerimento do autor. E nem seria de bom alvitre tal exigência, uma vez que os interesses em jogo nas ações coletivas é dos mais relevantes, na medida em que transcendem os interesses meramente individuais. Nesse sentido, BELINDA PEREIRA DA CUNHA observa que a

"previsão constitucional de sua concessão encontra-se no inciso XXXV do art. 5º, em que prevê o legislador que a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito, podendo o juiz concedê-la de ofício, uma vez que não explicitou o legislador o dever de requerê-la o autor da ação civil pública"(28).

De outra parte, a ação civil pública (assim como o mandado de segurança, individual e coletivo), há de ser entendida não como simples ação prevista nas leis ordinárias. Antes, é preciso compreendê-la como remédio de índole constitucional, destinado à proteção de direitos fundamentais que alicerçam o Estado Democrático de Direito. Ora, se a Lei n. 1.533/51 regula tanto o mandado de segurança individual quanto o coletivo, não nos parece lógico admitir que a antecipação da tutela dos interesses coletivos protegidos por este último remédio possa ser concedida ex officio e a dos demais interesses coletivos objeto de defesa por outras ações coletivas não o possam.

Aliás, se a lei ordinária, hierarquicamente inferior à Constituição, já prevê a possibilidade de concessão da liminar de ofício (Lei n. 1.533/51, art. 7º, II) para a proteção de direitos individuais, não seria razoável restringir a atuação do juiz diante de uma demanda que tenha por escopo a proteção de interesses que às vezes se confundem com o próprio interesse público.

Não há negar, igualmente, que a antecipação de tutela nas ações coletivas (LACP, art. 12; CDC, art. 84, § 3º) constitui uma medida de urgência, cujo fim precípuo é salvaguardar interesses muito mais importantes que os tradicionais direitos individuais, que poderão ser concretizados na sentença.

Parece-nos, portanto, que o legislador houve por bem conferir ao juiz, desde que presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, a função-dever-poder de antecipar, até mesmo de ofício, o provimento de mérito, com ou sem justificação prévia, após citado o réu, máxime em se tratando de direitos sociais trabalhistas, a prestação jurisdicional há de observar, com maior ênfase, o princípio inquisitório, de larga aplicabilidade no processo do trabalho(29).

Ademais, se a natureza jurídica do provimento antecipatório é mandamental ou executiva lato sensu, deverá o juiz, dentro do ordenamento jurídico, buscar a norma cuja natureza mais se assemelhe à da liminar prevista para a ACP. Para tanto, duas considerações merecem ser feitas.

A primeira, decorre da natureza mandamental da liminar constante do art. 12 da LACP, que é idêntica à da liminar prevista no art. 7º, inciso II, da Lei n. 1.533/51. Logo, se nesta é possível a concessão de ofício da liminar, o mesmo raciocínio deve ser utilizado em relação àquela. Em outros termos, a natureza mandamental da liminar na ACP permite o seu deferimento ex officio, a exemplo do que ocorre com a liminar do MS.

A segunda, repousa na natureza executiva lato sensu e a especificidade do processo do trabalho, porquanto a regra contida no art. 878 da CLT, permite que a execução trabalhista seja promovida ex officio, pelo próprio juiz.

No que diz respeito à justificação prévia, colhe-se o magistério de NELSON NERY JUNIOR, para quem, preenchidos:

"os pressupostos legais do periculum in mora e do fumus boni iuris, deve o juiz conceder a liminar, não havendo necessidade de justificação prévia. Ausentes os pressupostos legais, deve o juiz indeferir a liminar. Sendo necessária a realização de audiência para a comprovação dos requisitos legais, deve o magistrado designar justificação prévia determinando a citação do requerido"(30).


9. TUTELA ANTECIPADA EM AÇÃO COLETIVA CONTRA O PODER PÚBLICO

A ação civil pública admite, como já vimos, a possibilidade de deferimento de liminar, com ou sem justificação prévia, nos próprios autos a que se refere, independentemente de ajuizamento de ação cautelar, como se infere do art. 12 da Lei n. 7.347/85.

Caso, porém, o réu seja pessoa jurídica de direito público, a concessão da liminar estará condicionada à prévia audiência do representante judicial do ente público. É o que deflui do art. 2º da Lei n. 8.437/92, que diz:

"No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas".

Adverte, contudo, NELSON NERY JUNIOR:

"Quando houver ameaça de iminente perecimento do direito, avaliando o juiz que não dá para esperar as 72 horas para a manifestação do requerido, pode conceder a liminar inaudita altera parte"(31).

Com razão o festejado mestre, uma vez que a condição temporal exigida por norma infraconstitucional, não obstante o interesse público que lhe serve de inspiração, não pode violar o princípio constitucional que assegura o acesso à prestação jurisdicional também na hipótese de ameaça ao direito – fundamental, ressaltamos – da parte (CF, art. 5º, XXXV).

Ora, em se tratando de interesses metaindividuais que estejam na iminência de serem lesados, com maior razão o juiz poderá conceder a liminar, sem observar a audiência do representante judicial da pessoa de direito público e/ou o prazo de 72 horas, mormente se restar verificada a eventual irreparabilidade do dano.

Cabe assinalar, para encerrar este tópico, que o art. 1º da Lei n. 9.494, de 10.9.97(32) não se aplica às tutelas antecipatórias concedidas em ações coletivas, pois tal dispositivo legal é específico para as tutelas antecipadas previstas nos arts. 273 e 461 do CPC, os quais, como já sublinhamos, em se tratando de demandas coletivas, somente têm lugar de forma subsidiária e, ainda assim, desde que não contrarie os princípios e disposições do sistema integrado da jurisdição coletiva (LACP+CDC).


10. AGRAVO DE INSTRUMENTO

Diz o art. 12 da Lei n. 7.347/85: "Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo". Trata-se de decisão tipicamente interlocutória, na medida em que o juiz, no curso do processo, e sem extingui-lo, resolve questão incidente (CPC, art. 162, § 2º). Ademais, a própria lei estabelece que o recurso cabível é o agravo, o que espanca qualquer dúvida quanto à natureza de decisão interlocutória da decisão concessiva de liminar nos próprios autos da ação civil pública.

Ora, no processo comum não há dúvida de que o mandado liminar seria impugnável pelo recurso de agravo. Todavia, nos domínios do processo do trabalho tal recurso não poderá ser manejado, uma vez que das decisões interlocutórias - salvo quando terminativas do feito, o que não é o caso sub examen - nenhum recurso cabe de imediato, tendo em vista o preceito cogente previsto no art. 893, § 1º, da CLT.

Nesse passo, podemos afirmar, sem receio de incidir em erro, que aflora-se absolutamente incabível o agravo (de instrumento) com o propósito de reformar ou anular a decisão que, em sede de ação civil pública, defere ou indefere "mandado liminar", seja porque há norma expressa no texto obreiro impeditiva desta modalidade recursal para a hipótese em tela, seja porque o manejo do agravo revela-se totalmente incompatível com o princípio peculiaríssimo da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, que informa o Direito Processual do Trabalho.

Estamos a afirmar, portanto, que é absolutamente inadmissível o recurso de agravo para atacar decisão concessiva de liminar nos autos de ação civil pública, sendo inaplicável ao processo do trabalho, por incompatibilidade, a parte final do art. 12 da Lei n. 7.347/85.

Recolhemos, em favor da posição ora adotada, os seguintes julgados:

"LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CABIMENTO - A modalidade recursal prevista no artigo 12 da Lei 7.347/85, reconhecida como óbice à ação mandamental, não se enquadra dentre aquelas previstas no ordenamento processual trabalhista, isto porque a ação civil pública é regida pelos termos do CPC, que na Justiça do Trabalho só é aplicável, na lacuna, subsidiariamente naquilo em que inexiste incompatibilidade. No caso vertente, verifica-se ser imprópria a interposição de agravo de instrumento (artigo 12, Lei 7.347/85), eis que este na sistemática dos recursos trabalhistas só é cabível diante da denegação de recurso, o que inocorre. Recurso provido. (TST - RO-MS 104973/94.6 - Ac. SDI 4164/95 - Rel. Min. José Luiz Vasconcellos - DJU 17.11.95).

"MANDADO DE SEGURANÇA - LIMINAR EM ACP - AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS - EXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO.

Mandado de segurança contra liminar cominatória de pena pecuniária por infração contratual do empregador, que submete empregados a risco de vida, concedida por Juiz Presidente de Junta em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho. Interesses coletivos tutelados por essa ação distintos dos próprios de dissídios coletivo. Competência de Tribunal não se defende através segurança. Ausência de direito líquido e certo. Existência de recurso específico em lei especial. Segurança denegada" (TRT 4ª R - MS 94.026858.2 - SE - Rel. desig. Juiz J. F. Ehlers de Moura - DOERS 20.03.95).

Da decisão interlocutória que concede liminar, portanto, nenhum recurso cabe. Todavia, a parte interessada poderá prequestionar a matéria através do conhecido "protesto nos autos ou em audiência", sob pena de preclusão (CLT, art. 795). Feito o protesto, o interessado poderá ressuscitar a matéria em preliminar do recurso ordinário.

Poder-se-á admitir, em tese, o mandado de segurança contra a decisão que defere a liminar, desde que presentes as condições especiais desta ação, ou seja, quando a decisão judicial acarretar violação (ou ameaça) a direito líquido e certo do impetrante ou for prolatada com abuso de poder.

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Afigura-se-nos que também caberá a ação assecuratória na hipótese de decisão que indefere a liminar. Para tanto, invocamos as lúcidas palavras de Francisco Antonio de Oliveira:

"Há entendimento no sentido de que a não concessão de liminar estaria contida no poder discricionário do juiz e da negativa nenhum recurso caberia. Há que se fazer reparo. O poder cautelar deferido ao juiz, muito embora tenha nuances de discricionariedade, não dependerá somente dos seus critérios subjetivos, o que poderia desguar no arbítrio. Todo deferimento ou indeferimento de liminar é antecedido de um trabalho intelectual de raciocínio subjetivo, calcado de alguma forma em dados objetivos. O simples temor subjetivo sem algum suporte objetivo não respalda a liminar. Mas sempre que a hipótese se apresentar, a liminar será ou não concedida. Se os motivos apresentados respaldam a liminar, o juiz não poderá regateá-la; da mesma forma, se os motivos não marcaram presença, não haverá por que conceder a liminar.

Temos para nós que, em âmbito de interesses transindividuais, a negativa de liminar não poderá ficar adstrita à decisão do juiz da causa. A relevância dos direitos defendidos é de tal magnitude que não se pode e nem se deve correr qualquer risco. Assim, no processo do trabalho, quer na concessão, quer na negativa de liminar objetivando neutralizar ato (comissivo ou omissivo) que possa causar danos irreparáveis aos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, é de boa cautela que se dê oportunidade de parte inconformada ouvir o Colegiado ad quem através do mandado de segurança"(33).


11. SUSPENSÃO DA LIMINAR

A liminar concedida nos autos da ação civil pública poderá ter sua execução suspensa, nos termos do § 1º do art. 12 da LACP, in verbis:

"A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato".

É de se ressaltar que não apenas a liminar poderá ser suspensa, mas também a própria sentença proferida em ação civil pública, como se depreende do art. 4º, e seu § 1º, da Lei n. Lei n. 8.437/92:

"Art. 4º - Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

§ 1º - Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado".

Chegamos a admitir que, no direito processual do trabalho, a suspensão da liminar deferida nos autos da ACP por ato do Presidente do Tribunal, seria incompatível com o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias(34).

Alteramos o referido entendimento. E isso porque, após um exame mais detido acerca da natureza jurídica do pedido de suspensão da liminar, que pode ser formulado pela pessoa jurídica de direito público ou pelo próprio Ministério Público (incluído o do Trabalho), chegamos à conclusão de que não se trata de um recurso(35), propriamente dito, já que não se encontra no rol dos recursos previstos na própria LACP, que fala de agravo contra a liminar (art. 12, caput), nem nas disposições do CPC (art. 496) e da CLT (art. 893). Ademais, a finalidade ontológica dos recursos não é a de suspender a decisão recorrida, mas, principalmente, a de reformá-la, anulá-la ou, segundo alguns, aclará-la.

Ora, se o pedido de suspensão da liminar não tem natureza jurídica de recurso(36), porquanto não está jungido aos pressupostos de admissibilidade de recorribilidade (tempestividade, preparo, contraditório etc.) inerentes aos recursos em geral, a ele não se aplica o princípio peculiar da irrecorribilidade das decisões interlocutórias. Aliás, tal pedido de suspensão já estava previsto na Lei n. 1.533/51 (LMS) e sua finalidade é a de proteger interesses superiores da coletividade, como a segurança, a ordem, a saúde e a economia públicas.

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Sobre o autor
Carlos Henrique Bezerra Leite

procurador Regional do Trabalho da 17ª Região (Espírito Santo), mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, professor adjunto da graduação e pós-graduação em Direito da UFES, membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ações coletivas e tutela antecipada no Direito Processual do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 50, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1967. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Palestra proferida no V Congresso Nacional dos Procuradores do Trabalho, em São Paulo (SP).

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