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Cárcere brasileiro: torturar é melhor que reintegrar?

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No dia 18.07.11 a Justiça federal aceitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra um agente da Polícia Federal, dois agentes penitenciários e um detento acusados de praticar tortura no Núcleo de Custódia da Polícia Federal, localizado no Presídio da Papuda, em Brasília (matéria retirada da agência Brasil).

As prisões brasileiras abandonaram por completo o projeto humanista da modernidade, aquele que as via como um centro disciplinar/correcional.

Na era da pós-modernidade, ao invés de avanços civilizatórios, as prisões retrocederam aos escombros e obscuridades da Idade Média.

Cuida-se de um novo modelo de prisão (como diz M. Sozzo) "que abandona completamente como finalidade declarada a ‘correção do criminoso’, abraçando outros objetivos como legitimação da sua própria existência".

Os presídios e as cadeias, como latrinas do sistema criminal brasileiro, em sua maioria, são centros sanguinários e violentos de distribuição de dor e de sofrimento excessivo. Campos de concentração e de extermínio.

O novo modelo de prisão é chamado de prisão-jaula ou prisão-depósito (ou, ainda, de prisão-latrina), já que o sistema penitenciário brasileiro conta com mais de 500 mil presos, gerando uma prisão sem trabalho (somente 16% trabalham), sem educação (menos de 10% estudam), sem tratamento, sem flexibilização no encarceramento, sem segurança, sem individualidade, sem privacidade, sem respeito aos direitos mínimos dos detentos, ao contrário, aplicam práticas de tortura, como o caso narrado acima.

Assim, tudo o que se relacionava com a correção/disciplina simplesmente desapareceu.

Trata-se (agora) de uma prisão que significa só encarceramento e isolamento, regulamentação, vigilância e sanção (mais dor, castigo, sofrimento, embrutecimento).

Felizmente, tais mazelas vêm sendo denunciadas pelo Ministério Público Federal e também pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 2008.

Praticamente todos os Estados brasileiros (26 Estados mais o Distrito Federal) apresentam as mesmas (e indescritíveis) mazelas: superpopulação carcerária, déficit no número de vagas, condições carcerárias deploráveis, desrespeito absoluto aos direitos das pessoas presas, demora no julgamento dos processos, intenso tráfico interno de drogas, ausência de tratamento aos drogados, AIDS, violência indescritível, tortura, assassinatos em série, corrupção de agentes penitenciários, ociosidade, cooptação das organizações criminosas, rebeliões etc.

Ausência absoluta de civilização!

Porque o projeto moderno de prisão (o chamado modelo disciplinar/correcional de Foucault) naufragou no Brasil? As razões estão atreladas ao populismo penal, ao autoritarismo e às desigualdades sociais (de acordo com o IDH 2010, o Brasil é o 73º país no ranking mundial).

A forma de corrigir o preso, que norteou a filosofia das prisões durante muitas décadas, desapareceu por completo (morreu, evaporou-se) em muitos países.

A rigor, no Brasil, pode-se dizer que esse projeto moderno nunca foi levado a sério. Uma prova é o fato ocorrido em Brasília.

A criminalidade no nosso país não apresenta nenhum sinal de arrefecimento e parte dela é gerada justamente dentro das prisões-latrinas.

Existe luz no final desse túnel?

Sim, como exemplo podemos elencar as recentes leis aprovadas 12.403 e 12.433 ambas de 2011, bem como a realização de mutirões carcerários na tentativa de amenizar esse problema. A idéia é louvável, mas insuficiente para corrigir as deficiências do sistema penitenciário brasileiro.

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Sobre os autores
Gustavo Paiva

Advogado, Mestrando em Direito Social pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), Pesquisador do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes (IPC - LFG)

Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Estou no www.luizflaviogomes.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAIVA, Gustavo ; GOMES, Luiz Flávio. Cárcere brasileiro: torturar é melhor que reintegrar?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2954, 3 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19686. Acesso em: 28 mar. 2024.

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