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Análise principiológica do Direito Penal no Estado Democrático de Direito

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Sumário: 1 Considerações Iniciais; 2 Do Estado Democrático de Direito; 3 Análise Principiológica do Direito Penal: 3.1 Da Reserva Legal ou da Estrita Legalidade, 3.2 Da Anterioridade; 3.3 Da Retroatividade da Lei Penal mais Benéfica ou da Irretroatividade da Lei Penal; 3.4 Da Personalidade ou da Responsabilidade Pessoal, 3.5 Da Individualização da Pena; 3.6 Da Humanidade; 3.7 Da Intervenção Mínima ou Subsidiariedade; 3.8 Da Fragmentariedade; 3.9 Da Culpabilidade; 3.10 Da Taxatividade; 3.11 Da Proporcionalidade; 3.12 Da Dupla Punição pelo mesmo Fato; 4 Considerações Finais; 5 Referências


Resumo

O tema do presente artigo versa sobre a relação do Estado Democrático de Direito e os princípios aplicados ao Direito Penal. Aqui, procura-se mostrar o que preconiza a Constituição Federal em relação ao homem e seu bem jurídico liberdade, o qual representa um bem a ser tutelado e, ao mesmo tempo, o limite de atuação estatal no seu poder repressivo.

Palavras-Chave: Estado Democrático de Direito – Constituição – Princípios


Abstract

The theme of the present article turns on the relation of the Democratic State of Right and the Principles applied to the Criminal law. Here, it looks to show what the Federal Constitution wants in relation to the man and its legally protected interest freedom praises, which represents a good to be tutored person and, at the same time, the limit of state performance in its repressive power.

Key-words: Democratic State of Right - Constitution - Principles


1 Introdução

O presente trabalho trata dos princípios, os quais representam a base de formação do Direito, representando os vetores que norteiam o legislador no seu trabalho.

Na seara jurídico-penal possuem fundamental relevância, posto tratar de bem jurídico fundamental: a liberdade do homem, a qual representa simultaneamente o limite e o objetivo precípuo do Direito Penal.

Para tanto, aqui é abordado acerca da ideia trazida pela formação do Estado Democrático de Direito, o qual consitui-se enquanto conceito fundamental da República Federativa do Brasil, disposto no art. 1º, da Constituição Federal de 1988.

O referido artigo discute, com especial atenção, a respeito dos principais princípios norteadores do Direito Penal, como o princípio da legalidade, o da anterioridade, irretroatividade da lei penal, individualização da pena, da personalidade, da humanidade, da intervenção mínima, da fragmentariedade, da culpabilidade, da taxatividade, da proporcionalidade e do princípio do non bis in idem.

Para tanto, procurou-se confrontar ideias de grandes autores da seara do Direito Penal, como Guilherme Nucci e Luiz Regis Prado, dentre outros, tendo sempre como ponto de partida a ideia fundamental trazida pela Consituição Federal de 1988, a qual objetiva a manutenção da dignidade da pessoa humana.


2 Do Estado Democrático de Direito

O Estado Democrático de Direito busca designar qualquer Estado que pretende garantir respeito às liberdades civis, compreendendo aí o respeito aos direitos humanos e às liberdades ditas fundamentais, por meio do estabelecimento de uma proteção jurídica de forma ampla .

Reza o art. 1º da CF/88 que: " A República Deferativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a soberania, os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e o pluralismo político."

Percebe-se que em tal expressão-democrático de direito – deve-se entender o termo democracia aí trazido, o qual alude a uma forma de governo em que o estado exerce seu poder soberano; em sua origem grega " democratia" quer dizer "governo do povo", hodiernamente, porém, o governo é exercido por membros eleitos pelos cidadãos de uma sociedade, os quais serão constituídos juridicamente, sendo nomeados para exercer cargos públicos de governo.

Outro termo que se deve aludir é direito, palavra passível de diversas definições doutrinárias, mas, no contexto do estado democrático de direito, tem-se que atrela-se seu sentido ao império da lei, criada pelo próprio Estado, na figura de seus membros, posto ser o Estado mera ficção jurídica. O direito deve nortear a todos , inclusive a estes últimos, para que se torne legítimo e efetivo, nesse, o poder estatal encontra limites materializados na própria lei. [01]

É na própria Constituição do país que se define, que se determinam os limites e as regras para o exercício do poder do Estado, presentes nas "garantias fundamentais" e, a partir dela, e sempre tendo-a como norte, se constrói todo o ordenamaento jurídico, assim definido como o arcabouço, o conjunto de leis que regem uma sociedade .

Ana Claúdia Bastos de Pinho afirma que há uma longa distância entre o disposto na Constituição Federal de 1988, a qual traz ideais garantistas, que primam pela garantia dos direitos fundamentais, pelos direitos do homem, pela dignidade da pessoa humana, dentre outros, e a realidade concreta que se apresenta no cenário jurídico-penal brasileiro; em suas palavras:

(...) em que pese a feição garantista da Constituição Federal de 1988, preocupada com o estabelecimento de limites para o poder punitivo do Estado, o Direito Penal positivo (legislado e aplicado) mostra-se paradoxalmente distante e alheio daqueles fundantes. E o que é pior: essa situação tanto se refere ao Direito Penal anterior à Carta de 1988 (Código Penal de 1940), quanto ao produzido posteriormente à vigência da Constituição. Quer dizer: mesmo depois de incorporados os princípios vetores do Direito Penal democrático, a efetividade das garantias ainda continua a ser uma tarefa do porvir" [02]

A referida autora afirma que o Código Penal de 1940 apresentava desmedida preocupação com o patrimônio privado em detrimento da própria pessoa e a título de exemplo, traz que :

(...) se alguém produz no semelhante uma lesão corporal grave (imobilidade permanente dos dedos, por exemplo), a sanção correspondente será de 1 a 5 anos de reclusão, mas, se alguém, com a ajuda de outra pessoa, furta um objeto do interior de uma residência, sem causar qualquer dano à integridade física de quem quer que seja, sua pena poderá variar entre 2 a 8 anos de reclusão. E mais: se alguém, manuseando imprudentemente uma arma de fogo, vem a atingir uma pessoa deixando-a tetraplégica para o resto de seus dias, a pena poderá variar entre 2 meses e 1 ano; mas bastará alguém adquirir um objeto que sabe ser produto de furto, que a sanção atinge o limite de 1 e 4 anos de reclusão. [03]

Lédio Rosa de Andrade , reza que

A tutela penal é diferenciada, na medida em que a repressão atua contra uma determinada camada da sociedade que pode, em tese, ameaçar o patrimônio privado, foco principal da proteção jurídico-penal, servindo, assim, como um instrumento de manutenção do sistema capitalista de produção, numa sociedade que, por natureza, possui um apelo e apego aos bens de consumo extraordinariamente notável. [04]

Nesse sentido, então, como manter a efetividade e a credibilidade de um direito penal que, na prática, é seletivo, protegendo determinados grupos e aplicando sanções para outros? Ana Claúdia Bastos de Pinho declara que:

(...) Todo cidadão tem consciência plena de que somente algumas pessoas são atingidas pela repressão penal, enquanto outras, por mais que pratiquem delitos, ficam imunes a qualquer interferência do sistema punitivo. E aqui não se trata, tão-somente, de uma questão de índole processual. O Direito Penal mesmo, nos moldes em que se encontra positivado, privilegia aqueles que possuem acesso a bens de consumo. Afinal, se a criminalidade patrimonial clássica ( furto, roubo, extorsão, apropriação indébita, receptação, etc) merece, do Código Penal, mais atenção do que a pessoa, os possíveis autores de infrações patrimoniais (quem não tem patrimônio) serão os preferencialmente escolhidos para integrar o sistema de repressão." [05]

Sendo assim, torna-se diícil conciliar os princípios fundamentais erigidos pela Constituição Federal de 1988, com o Código Penal em vigor, pois existe uma distância muito grande entre este último e a proteção jurídica esperada, principalmente no que concerne à dignidade humana que deve ser levada em consideração, acima de tudo, dentro de um Estado que se autointitula Democrático de Direito.

Sabe-se que, ao longo da história, com o decorrer dos acontecimentos, e, principalmente com o eclodir da Revolução Francesa, veio à tona a burguesia, que passou a integrar o poder político como classe e, tendo em vista a necessidade de manutenção do sistema capitalista de produção, cada vez mais avançado, a então emergente burguesia necessitava de novas regras para o Estado Nascente, que lhes assegurassem a liberdade contratual e o exercício pleno do individualismo. [06]

Em suma, o que tem se verificado, ao longo dos tempos, é que o homem precisa ter para ser objeto de proteção jurídico-penal, e aquele que não tem, representa um risco para o primeiro, sendo, então, marginalizado, objeto de repressão penal; no fim, o Direito Penal é voltado para este, a fim de que não venha a representar uma ameaça para aquele que integra de fato o sistema capilalista atuante.

Ana Claudia Bastos de Pinho preleciona que,

(...) se de um lado é compreensível a disparidade entre um diploma repressivo nitidamente autoritário (CP de 1940) e uma Constiuição democrática, de outro, é, no mínimo, questionável a insistência em se continuar perpetuando a produção de um Direito Penal ainda afastado da realidade constitucional e dos princípios que o conformam." [07]

Ante todo exposto, verfica-se que, não há como se falar em Estado Democrático de Direito sem que exista uma Constituição e, é justamente nesse contexto que se faz necessária a análise dos principais princípios fundamentais do direito penal à luz desta.


2 Análise Principiológica do Direito Penal

A palavra "princípio", de forma geral, alude a ideia de começo, início; fundamento, base, ou ainda regra, preceito. [08]

Na seara jurídica, por sua vez, princípio "indica uma ordenação, que se irradia e imanta os sistemas de normas, servindo de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo". [09]

Os princípios funcionam, nesse sentido, como uma espécie de bússola, que orienta e mantém o sistema jurídico, representando seus valores ditos mais fundamentais.

No que tange aos princípios aplicados ao Direito Penal, encontramos que existem princípios expressamente previstos em lei e outros implícitos, encontrados no sistema normativo; há, ainda, os chamados princípios constitucionais (explícitos e implícitos) que servem como ponto de orientação na elaboração das leis ordinárias, que atuam como garantias diretas e imediatas para os cidadãos e que atuam também como critérios de interpretação e integração do texto constitucional [10].

Nesse sentido, observa-se que existem diversas classificações doutrinárias a respeito dos princípios dentro do sistema jurídico-penal. Aqui, porém, tratar-se-á daqueles mais abordados e tidos como principais dentre os diversos autores aqui estudados, para, ao final, tecer-se uma análise crítica acerca da aplicabilidade de tais princípios na sociedade no que tange ao plano prático do direito penal.

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2.1 Da reserva legal ou da estrita legalidade

Tal princípio encontra-se disposto no art. 1º do Código Penal, presente também, na Constituição Federal, tratando-se este de uma claúsula pétrea. Segundo tal princípio é necessário que haja lei para a criação de delitos e de penas. Assim, então, não há crime sem lei que o defina, nem pena sem cominação legal crimen nullum nulla poena sine lege, sendo proibido inclusive a edição de medidas provisórias acerca de matéria relativa a Direito Penal( CF, art. 62, I, b), seja esta favorável ou prejudicial ao réu.

De acordo com Cleber Masson, o princípio da reserva legal está adstrito a um fundamento de natureza jurídica, e outro de natureza política. Para este autor o fundamento jurídico é a taxatividade, certeza ou determinação, vez que implica, por parte do legislador, a determinação precisa, ainda que mínima, do conteúdo do tipo penal e da sanção penal a ser aplicada, bem como, da parte do juiz, na máxima vinculação ao mandamento legal, inclusive na apreciação de benefícios legais. [11]

Já sobre o fundamento político, aduz que " é a proteção do ser humano em face do arbítrio do poder de punir do Estado. Enquadra-se, destarte, entre os direitos fundamentais de 1ª geração. [12]

Nas palavras de Nucci trata-se tal princípio do " fixador do conteúdo das normas penais incriminadoras, ou seja, os tipos penais, mormente os incriminadores, somente podem ser criados através de leis em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, respeitado o procedimento previsto na Constituição". [13]

Para Fernando Rocha Galvão, complementando o sentido do princípio em debate, dentro da ideia "do poder punitivo, o Estado de Direito tem sua manifestação mais evidente na consagração do princípio da reserva legal, que garante ao indivíduo que a intervenção repressiva só tem autorização nos estreitos limites da lei" [14].

Dessa forma, por este princípio é garantido ao cidadão, um tratamento mais seguro no que remete a atuação dos governantes, tão relevante na atuação do Estado de Direito, o qual deve observar as leis de forma isonômica, seja no momento da definição dos crimes ou na aplicação específica das penas.

Luiz Regis Prado aduz que o sentido legal do princípio da reserva legal é amplo. Para este, " não há crime ( infração penal) nem pena ou medida de segurança (sanção penal) sem prévia lei (strictu sensu)" [15]. Assim, então, ..." a criação dos tipos incriminadores e de suas respectivas consequências jurídicas está submetida à lei formal anterior ( garantia formal). Compreeende, ainda, a garantia substancial ou material que implica uma verdadeira predeterminação normativa (lex scripta lex praevia es lex certa)" [16].

Desse modo, o princípio da reserva legal remete a sua forma de elaboração e de escolha do que será definido como crime, e não ficando ao simples alvedrio do legislador.

2.2 Da anterioridade

Também consagrado no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, e no art. 1º do Código Penal, revela que o crime e a pena devem estar definidos em prévia ao fato cuja punição se pretende aplicar, ou seja , não se pode criar uma lei para ser aplicada a um fato que já ocorreu, deve, sim, editar a lei e a pena antes que o fato concreto se realize.

Assim, então, os efeitos da lei penal só advirão a partir de sua entrada em vigor, não podendo esta retroagir, salvo se mais benéfica ao réu, não podendo sequer ser aplicada aos fatos praticados durante o período de vacatio legis.

Para Gulherme de Souza Nucci, o princípio da legalidade deve estar atrelado à anterioridade, pois :

criar uma lei, após o cometimento do fato, seria totalmente inútil para a segurança que a norma penal deve representar a todos os seus destinatários. Nesse sentido, então, "o indivíduo somente está protegido contra os abusos do Estado, caso possa ter certeza de que as leis penais são aplicáveis para o futuro, a partir de sua criação, não retroagindo para abranger condutas já realizadas [17].

2.3 Da Retroatividade da lei penal mais benéfica

Também denominado de princípio da irretroatividade da lei penal, traz este a ideia de que não será permitido que uma lei, sendo mais severa , mais prejudicial ao réu, não poderá ser aplicada ao fato que lhe é imputado, posto o princípio da anterioridade (tratado anteriormente) trazer que as novas leis só deverão ser utilizadas, apreciadas no caso concreto, realizado no momento de sua vigência.

Ao contrário, porém, se for mais favorável, benéfica, ao réu, poderá, sim, ser aplicada, de forma retroativa, a nova lei, constituindo tal situação uma exceção ao princípio da irretroatividade da lei penal, conforme se depreende do art. 5º, XL, da CF e do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal Ressalte-se que, sendo mais favorável ao réu, a lei penal mais benéfica poderá inclusive ser aplicada ao fato até mesmo já decidido por sentença condenatória transitada em julgado [18].

2.4 Da personalidade ou da responsabilidade pessoal

Por este princípio, temos que, a punição ensejada pelo Direito Penal, só será direcionada para a pessoa do condenado, não devendo, portanto, terceiros, como familiares e amigos que nada tenham a ver com o crime, sejam responsabilizados de alguma forma. Nucci, comentando o que preconiza a Constituição Federal de 1988, argui que:

A família do condenado, por exemplo, não deve ser afetada pelo crime cometido. Por isso, prevê a Constituição, no art. 5º, XLV, que " nenhuma pena passará da pessoa do condenado". Isso não significa que não haja possibilidade de garantir à vítima do delito a indenização civil ou que o Estado não possa confiscar o produto do crime – aliás, o que próprio art. 5º , XLV, prevê [19].

Na prática, porém, é notório que, na ótica social, a família do condenado, sofre vários outros tipos de condenação, principalmente a moral, posto a sociedade dificilmente aceitar de forma normal a convivência com alguém que tem um ente familiar em tal situação. Ainda, os familiares, geralmente, se veem em situação constrangedora ao visitarem um parente ou amigo que se encontra no cárcere, ao passar, por exemplo, por revistas íntimas, podendo, então, de alguma forma, afirmar que, há, sim, uma espécie de responsabilização pelo crime ora cometido por aquele.

Ainda, sobre o princípio ora abordado preleciona Luiz Regis Prado, que:

O princípio da pessoalidade ou da personalidade da pena vincula-se estreitamente aos postulados da imputação subjetiva e da culpabilidade – própria do ser humano - , e decorrente apenas de sua ação ou omissão, não sendo admitida nenhuma outra forma ou espécie (v.g., por fato alheio, por representação, pelo resultado etc) [20].

Nesse sentido, então, verifica-se que, devido ao caráter estritamente pessoal da sanção criminal, tanto a pena quanto a medida de segurança não podem ser transmitidos a terceiros, sendo, dessa forma, a responsabilidade penal pessoal, podendo esta ocorrer a título de autoria, instigação ou cumplicidade, de acordo com o comportamento daquele que está sendo processado nos limites de sua culpabilidade pessoal e específica. [21]

2.5 Da individualização da pena

Por este princípio o julgador fica obrigado a fixar a pena, conforme a cominação legal (espécie e quantidade) e a determinar a forma de sua execução Assim, então, a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade;b) perda de bens;c)multa;d)prestação social alternativa;e)suspensão ou interdição de direitos (art.5º, XLVI,CF). Deve, assim, haver sempre uma medida de justo equilíbrio – abstrata (legislador) e concreta (juiz) – entre a gravidade do fato praticado e a sanção imposta [22].

Por estas ideias, em suma, ao ser aplicada a pena, esta deve ser adequada ao tipo de lesão causada ao bem jurídico e a medida de segurança , por sua vez, deverá ser dosada de acordo com a periculosidade demonstrada e comprovada do réu.

Sobre tal princípio, relevante a opinião deixada por Fernando Rocha Galvão, " A reprovação individualizada decorre do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e significa que a aplicação da pena é trabalho que considera e respeita cada uma das pessoas condenadas.(...)" [23].

Nucci, acresecentando especial saber jurídico, sobre tal princípio, in verbis ,

(...) a pena não deve ser padronizada, cabendo a cada delinquente a exata medida punitiva pelo que fez. Não teria sentido igualar os desiguais, sabendo-se, por certo, que a prática de idêntica figura típica não é suficiente para nivelar dois seres humanos. Assim, o justo é fixar a pena de maneira individualizada, seguindo-se os parâmetros legais, mas estabelecendo a cada um o que lhe é devido.(...) [24]

Ou seja, a pena deve ser cominada de acordo com o agente, de forma individualizada e isonômica, entendendo aqui isonomia na ideia de igualar os desiguais na medida de suas desigualdades.

2.6 Da Humanidade

Este princípio aborda sobre a questão da garantia que deve ser dada ao bem-estar da coletividade e, ainda que se trate de um condenado, este não deve simplesmente ser excluído da sociedade, por ter cometido algum crime e infringido a norma penal, não se podendo esquecer jamais da sua condição de ser humano.

Decorrente de tal princípio temos estabelecido na Constituição Federal , em seu art. 5º, que não existirão penas de morte (salvo se no período de guerra declarada), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento, cruéis, devendo ser assegurado o respeito à integridade física e moral do preso.

Na ideia de Nucci a expressão penas cruéis constitui o gênero do qual são espécies as demais como a pena de morte, a prisão perpétua, o banimento e o trabalho forçado, devendo ao adjetivo cruéis, ser incorporado o sentido de penas corporais, as quais implicam em castigos físicos [25].

Tal princípio pauta-se, justamente, na ideia da dignidade humana, constituindo seu fundamento material, limitador da atividade punitiva estatal.

Tal princípio, assim então, constitui verdadeiro alicerce de um Estado Democrático de Direito, por impedir tratamentos desumanos aqueles que infringirem a norma penal, posto não perderem a condição de ser humano , apesar de seus erros.

O princípio da humanidade relaciona-se com os princípios da culpabilidade e da igualdade, sendo que a Constituição estabelece como fundamento do Estado de Direito democrático a dignidade da pessoa humana, em seu art. 1º, III, dispondo, ainda, de forma expressa que " a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais" (art. 5º, XLI, CF). Na legislação infraconstitucional, a punição da tortura vem disciplinada na Lei 9.455, de 1997. Acrescente-se, aí, a Lei de Execução Penal que dispõe que " ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa e política" (art.3º e parágrafo único).

2.7 Da intervenção mínima ou subsidiariedade

Nas palavras de Fernando Rocha Galvão trata-se, tal princípio, da "expressão do axioma da nulla lex (poenalis) sine necessitate, que determina não ser possível a incriminação legal sem que haja a necessidade de uma intervenção tão gravosa quanto a promovida pelo Direito Penal" [26].Outrossim, a atividade punitiva é a última razão de um Direito que respeita a dignidade da pessoa humana, nunca a primeira.

O direito penal só deve ser utilizado em ultimo plano (ultima ratio), quando nenhum outro ramo do direito puder ser aplicado ao caso concreto, dirimindo, compondo os conflitos em sociedade . Assim, então, a lei penal incriminadora só será criada se não houver outra forma legal de se resolver o conflito em questão.

Para Prado "(...) o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa.(...)" [27]. Saliente-se, então, que o campo de atuação do Direito Penal trata-se de " um mínimo imprescindível" [28].

Nucci, declara que:

Caso o bem jurídico possa ser protegido de outro modo, deve-se abrir mão da opção legislativa penal, justamente para não banalizar a punição, tornando-a, por vezes, ineficaz, porque não cumprida pelos destinatários da norma e não aplicada pelos órgãos estatais encarregados da segurança pública. Podemos anotar que a vulgarização do direito penal, como norma solucionadora de qualquer conflito, pode levar ao seu descrédito e, consequentemente, à ineficiência de seus dispositivos. [29]

Nesse sentido, percebe-se que o direito penal não deve ter sua aplicação de forma banalizada, sendo usado como solução para qualquer situação, mesmo porque, se assim o for, não terá eficiêencia, não será legitimado na sociedade, sendo desacreditado por seus cidadãos. O direito penal deve ser usado só nas situações específicas, que não podem ser resolvidas por outra área do direito, o que garantirá a efetividade e a crença no mesmo, ao ser bem aplicado.

Ainda, em Nucci, encontramos alguns exemplos de formas de se resolver conflitos fora da seara penal, como por exemplo, certas infrações administrativas de trânsito, as quais , por vezes, possuem punições mais temidas pelos motoristas, como no caso das elevadas multas e do ganho de pontos na carteira de habilitação, o que pode fazer com que o mesmo a perca , sem haver sequer devido processo legal( observa o autor), do que a aplicação de uma multa penal, sensivelmente menor [30].

Dessa forma, vê-se o caráter subsidiário do direito penal, o qual, repita-se, só deverá vir à tona quando nenhum outro ramo do direito resolver o conflito, como já dito anteriormente.

Relevante o que Prado coloca a respeito do uso excessivo do Direito Penal " O uso excessivo da sanção criminal (inflação penal) não garante uma maior proteção de bens; ao contrário, condena o sistema penal a uma função meramente simbólica negativa" [31].

Ilustre-se que só devem ser criadas infrações penais relevantes, não devendo ser impostas penas que ofendam a dignidade da pessoa humana, por issso mesmo, que a Constituição Federal traz em seu bojo, a inviolabilidade de direitos como a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, tendo como fundamento do Estado Democrático de direito a dignidade da pessoa humana, devendo então, a sanção penal ser imposta somente quando se tratar de ofensa a bens essenciais ao homem.

Entrementes, mesmo com todo esse aparato de garantias disciplinados na Constituição Federal, o que se vê, na realidade, é que grande parte dos condenados, sofre diversas formas de violência, principalmente no cárcere, seja na forma física, moral e psíquica.

2.8 Da Fragmentariedade

O Direito Penal, por tal princípio, só deve se ocupar das condutas consideradas mais gravosas, que podem lesionar de fato à sociedade, à segurança e à liberdade individual [32]. É fragmentário, por tratar , assim, de partes do Direito Penal, o qual por sua vez também é uma parte inserida no contexto do ordenamento jurídico. Relaciona-se com o princípio da intervenção mínima, aludindo este, porém, à ideia de que o Direito Penal só deve ser utilizado em ultima ratio.

Há, enfim, uma escolha dos bens jurídicos que serão tutelados pelo Direito Penal, operando-se, então,

(...) uma tutela seletiva do bem jurídico, limitada àquela tipologia agressiva que se revela dotada de indiscutível relevância quanto à gravidade e intensidade da ofensa. Esse princípio impõe que o Dirieto Penal continue a ser um arquipélago de pequenas ilhas no grande mar do penalmente indiferente [33].

Desse modo, verifica-se que o Direito Penal só se refere a uma pequena parte daquilo que foi sancionado pelo ordenamento jurídico, apresentando-se, sua tutela, de forma fragmentária, dividida ou fracionada.

Para Prado, entretanto, o caráter fragmentário do Direito Penal não quer dizer que haja lacuna na proteção a certos bens , mas, sim uma forma de limitação, posto que: " (...)a fragmentariedade não quer dizer, obviamente, deliberada lacunosidade na tutela de certos bens e valores e na busca de certos fins, mas limite a um totalitarismo de tutela, de modo pernicioso para a liberdade" [34].

Trata-se portanto, pelo princípio da fragmentariedade, de uma proteção parcial possibilitada pelo Direito Penal.

Fernando Rocha Galvão, citando Miguel Reale, informa que na escolha dos bens jurídicos a serem tutelados pelo Direito Penal, afirmam-se padrões de conduta obrigatórios, posto que:

A tomada de posição que caracteriza a norma jurídica assume natureza peculiar, na medida em que implica a afirmação de padrões obrigatórios de conduta. Todo fato que se opõe uma norma jurídico-penal desencadeia uma sanção, e essa é a essência da estrutura do dever-ser. Ao contrário das leis físicas, cuja violação importa a necessidade de revisão dos parâmetros estabelecidos, a norma jurídica afirma-se, como imperativo eficaz para a preservação de sua validade. ) [35]

2.9 Da culpabilidade

Desse princípio temos que alguém só será penalmente punido se agir com dolo ou culpa, posto ser a responsabilização nesta seara, subjetiva (nullum crimen sine culpa), e não objetiva. Para Nuccci , isso representa uma conquista do direito penal moderno, pautado na ideia de que a liberdade deve ser tida como regra e a prisão ou a restrição de direitos, por sua vez, exceção [36].

Importante citar o art. 18, em seus incisos e parágrafo único, do Código Penal, o qual reza que

Art. 18 . Diz-se o crime:

Crime doloso

I-doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

Crime culposo

II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

Daí, pode-se observar que, via de regra, a punição no Direito Penal, está relacionada ao dolo do agente e, excepcionalmente, à culpa, desde que prevista no tipo penal incriminador.

De suma relevância a opinião de Luiz Regis Prado, quando aduz que:

(...) não se deve confundir a responsabilidade objetiva com a chamada responsabilidade pelo fato de outrem, segundo a qual o autor responde pelo resultado – decorrente da conduta de outro -, sem que tenha contribuído para tal. Destarte, o Direito Penal só pune fatos (ação/omissão), daí estabelecer uma responsabilidade por fato próprio (Direito Penal do fato), opondo-se a um Direito Penal do autor fundado no modo de vida ou no caráter [37]. (grifo do autor)

Em relação à responsabilidade penal objetiva, Nucci, informa que, esta só se dará em casos fundados por ato voluntário do agente, como no caso da embriaguez voluntária, disposta no art. 28, II, do Código Penal. O mesmo declara que :

O princípio da culpabilidade encontra-se previsto de maneira implícita na Constituiçao, justamente porque não se pode, num Estado Democrático de Direito, transformar a punição mais gravosa que o ordenamento pode impor (pena) em simples relação de causalidade, sem que exista vontade ou previsibilidade do agente. Haveria flagrante intervencionismo estatal na liberdade individual caso fosse possível padronizar esse entendimento.(...) [38]

Luiz Regis Prado , por sua vez, reza que o princípio a culpabilidade expressa a justiça no seu sentido material, peculiar ao Estado de Direito Democrático, delimitando-se a responsabilidade penal., devendo, também, a culpabilidade ser entendida como fundamento e limite de toda pena.Tal princípio diz respeito, enfim, ao caráter inviolável do respeito à dignidade do ser humano [39].

Dessa forma, por meio do princípio da culpabilidade, verifica-se que é trazido também o princípio da proporcionalidade no momento da aplicação da pena, a qual não pode ultrapassar a medida da culpabilidade.

2.10 Da taxatividade

No Direito Penal não se pode deixar a menor dúvida quanto à descrição da conduta típica por parte do destinatário da norma. Então,

A construção de tipos penais incriminadores dúbios e repletos de termos valorativos pode dar ensejo ao abuso do Estado na invasão da intimidade e da esfera de liberdade dos indivíduos. Aliás, não fossem os tipos taxativos – limitativos, restritivos, precisos – e de nada diantaria adotar o princípio da legalidade ou da reserva legal. Este é um princípio decorrente , nitidamente, da legalidade [40].

Desse modo, não pode existir tipos penais que contenham expressões ambíguas, vagas ou que ensejem qualquer equívoco, ou entendimentos diversos. Deve haver clareza e precisão nos tipos penais incriminadores, não dando margem a qualquer dúvida no caso concreto.

2.11 Da proporcionalidade

Deve haver equilíbrio, harmonia entre a gravidade da infração penal cometida e a pena que lhe é destinada.Assim, então, quanto mais grave o crime, maior a pena a lhe ser cominada..

No art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, encontram-se dispostas as penas possíveis, a serem aplicadas no ordenamento jurídico-penal: privação ou restrição da liberdade; perda de bens ; multa; prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos.

Conforme Nucci :" A Constituição, ao estabelecer as modalidades de penas que a lei ordinária deve adotar, consagra implicitamente a proporcionalidade, corolário natural da aplicação da justiça, que é dar a cada um o que é seu, por merecimento [41]."

Para Prado," na esfera legislativa, a vertente substantiva do princípio da proporcionalidade impõe a verificação da compatibilidade entre os meios empregados pelo elaborador da norma e os fins que busca atingir, aferindo a legitimidade destes últimos(...)" [42].

Assim, então, deverá haver a legitimidade entre os meios utilizados e os objetivos que se pretende alcançar com a aplicação da pena, que deve ser proporcional, no momento de se limitar o direito individual.

A pena, ao ser cominada, deve ser idônea, necessária e proporcional, sendo, então, capaz de se atingir o objetivo pretendido pelo legislador [43].

Prado preleciona que,

(...) no tocante à proporcionalidade entre os delitos e as penas (poena debet commensurari delicto), saliente-se que deve existir sempre uma medida de justo equilíbrio – abstrata (legislador) e concreta (juiz) – entre a gravidade do fato ilícito praticado, do injusto penal (desvalor da ação e desvalor do resultado), e a pena cominada ou imposta." [44]

2.12 Da vedação da dupla punição pelo mesmo fato - ne bis in idem

Por este princípio, ninguém poderá ser processado e punido duas vezes pela prática da mesma infração penal. Advém da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu art. 8º, n. 04. [45]

Dessa forma, mesmo que venham a surgir novas provas contra quem já foi absolvido, o agente não será punido novamente pelo mesmo delito.

Cleber Masson informa que, baseado nesse princípio, O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 241, a qual reza que: " A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial" [46]. Ressalte-se, porém, que, como agravante genérica, a reincidência na prática de novo crime não viola o referido princípio. A regra disposta no art. 61, I, do Código Penal está em consonância com o ordenamento jurídico atual.

Ainda, em havendo duas ou mais ações penais em searas jurídicas distintas, pela prática de fatos distintos, não há que se falar em afronta ao princípio em destaque.Como exemplo interessante e atual disso, Cleber Masson, cita o caso do acidente que envolveu o avião da Gol Linhas Aéreas na pronúnica feita pelo STJ, in verbis.

Não ofende o princípio do ne bis in idem o fato de os controladores de vôo estarem respondendo o processo na Justiça Militar e na Justiça comum pelo mesmo fato da vida, qual seja o acidente aéreo que ocasionou a queda do Boeing 737/800 da Gol Linhas Aéreas no Município de Peixoto de Azevedo, no Estado do Mato Grosso, com a morte de todos os seus ocupantes, uma vez que as imputações são distintas. Solução que se encontra, mutatis mutandis, no enunciado da Súmula 90/STJ: " Compete à Justiça Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele". [47].

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Sobre a autora
Jurene Veloso dos Santos Oliveira

Professora e Advogada

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Jurene Veloso Santos. Análise principiológica do Direito Penal no Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2969, 18 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19797. Acesso em: 23 nov. 2024.

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