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Unidades de conservação.

Breve histórico e relevância para a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

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20/08/2011 às 09:06
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3. Conceituação e relevância das UCs

A efetividade ou realização do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado estabelecido no art. 225 da Constituição de 1988 pressupõe, conforme disposto no inciso III do seu § 1º, a definição e manutenção de espaços territorialmente protegidos em todas as unidades da federação. Para tanto, é necessário possibilitar ao poder público, as condições não só para criar tais espaços, mas, sobretudo, para mantê-los (LEUZINGER, et al, 2001).

A criação de tais espaços, como bem explicitou Cristiane Derani (2001b: p. 232), faz parte, assim, de uma série de atos atribuídos ao poder político estatal necessários à realização de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo como fim específico o de "criar condições melhores de vida humana pela conservação de espaços povoados por outras espécies animais e vegetais". Neste contexto, a instituição do chamado Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei nº 9.985/2000) foi um importante instrumento para a concretização de tal norma-fim, constante do art. 225 da Constituição Federal de 1988 (DERANI, 2001b).

Embora as chamadas unidades de conservação sejam uma espécie de espaço territorial especialmente protegido, nem toda área definida como tal será uma unidade de conservação, como, por exemplo, as áreas de preservação permanente e as reservas legais. É, assim, a unidade de conservação uma "especialização do espaço protegido" (BENATTI, 2003: p. 149) e como tal só poderá ser alterada ou suprimida por meio de lei, sendo vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem a sua proteção, conforme determina o art. 225 da CF/88.

As unidades de conservação que integram o Sistema Nacional de Unidades de Conservação instituído pela Lei nº 9.985/2000 dividem-se em dois grupos (art. 7º), com características específicas. O primeiro grupo é denominado pela Lei em referência de Unidades de Proteção Integral, com o objetivo básico de preservar a natureza e nas quais é admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais (§ 1º). Fazem parte de tal grupo (art. 8º) as estações ecológicas, as reservas biológicas, os parques nacionais, os monumentos naturais e os refúgios da vida silvestre. Já o segundo grupo é chamado de Unidades de Uso Sustentável, e apresenta o objetivo primordial compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais (§ 2º). São elas (art. 14): as áreas de proteção ambiental; as áreas de relevante interesse ecológico; as florestas nacionais; as reservas extrativistas; as reservas de fauna; as reservas de desenvolvimento sustentável e as reservas particulares do patrimônio natural.

Esta diversidade de categorias das unidades de conservação dá-se em razão da multiplicidade de objetivos de conservação que serão atendidos de forma prioritária, ou não, por cada uma delas, sendo que algumas poderão apresentar um significado mais ou menos relevante para a preservação da biodiversidade e dos sistemas naturais (MILANO, 2001). Ou, como esclarece Maria Cecília Wey de Brito (2003), essas diversas categorias de manejo têm como principal diferença os objetivos que buscam atingir, podendo ser, desta maneira, mais ou menos restritivas quanto ao uso dos recursos naturais em seu interior. De qualquer forma, como bem assevera Miguel Serediuk Milano (2001: p. 23):

"Ainda que se possa considerar que é através de conjuntos de unidades das diferentes categorias de manejo que será possível alcançar mais completamente os objetivos gerais de conservação, é reconhecido que são aquelas categorias de manejo ditas de proteção integral e uso indireto dos recursos naturais, por serem mais restritivas, que também garantem maior proteção às espécies raras, endêmicas ou ameaçadas e à integridade das amostras de ecossistemas nelas incluídas."

Ao fazer uma análise das transformações ocorridas nos últimos vinte anos com relação às áreas protegidas na América Latina, Marc J. Dourojeanni (2001) chega à conclusão de que, apesar do aumento em número e em superfície das mesmas, a proporção das áreas protegidas de uso indireto, ou estritamente protegidas, diminuiu muito em relação àquelas que permitem o uso direto dos recursos naturais e àquelas nas quais a terra pode pertencer ao domínio privado.

Da mesma forma conclui Miguel Serediuk Milano (2002: p. 197), destacando a forte inversão que aconteceu no Brasil com relação à forma de proteção ambiental dominante ocorrida da década de oitenta para a década de noventa do século passado, tendo sido a predominância conservacionista anterior superada pela utilitarista, "quando dever-se-ia esperar o contrário ou, no mínimo, números equivalentes".

Essa mudança qualitativa, entretanto, não é desejável do ponto de vista da preservação da biodiversidade, conforme já referido, pois as unidades de conservação de uso direto não são suficientes para tanto. Segundo Dourojeanni (2000: p. 53), deve-se aceitar que as unidades de conservação de uso indireto são indispensáveis em qualquer estratégia que se pretenda aplicar os conceitos de desenvolvimento sustentável e que as mesmas não existem em número e em superfície suficientes para o cumprimento de suas funções, em especial para a preservação da biodiversidade. Além disso, no caso brasileiro, a área declarada como unidade de conservação de uso indireto, é considerada por alguns como inexpressiva para a conservação da biodiversidade do país (MILANO, 2001). Deste modo, devem as duas categorias de unidades de conservação coexistir, posto que complementares (DOUROJEANNI, 2001).

Quanto ao regime jurídico da propriedade das unidades de conservação, é interessante observar que antes do advento da Lei nº 9.985/2000 não havia uma orientação legal precisa sobre ser esse regime público ou privado, com relação a esta ou aquela unidade, aplicando-se principalmente a legislação florestal (ESCOREL DE AZEVEDO, 2002). Atualmente, temos de forma mais clara a necessidade de desapropriação ou não da propriedade privada que esteja localizada dentro dos limites de uma unidade de conservação. De qualquer modo, apenas será necessária a desapropriação quando ocorrer o completo esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade, situação incompatível com o seu regime jurídico privado (LEUZINGER, 2002).

Para José Afonso da Silva (2004: p. 227) a expressão mais ampla a ser considerada quanto a esses espaços protegidos seria a de "espaços ambientais" — "toda e qualquer porção do território nacional, estabelecida com o objetivo de proteção ambiental, integral ou não, e assim, submetida a um regime especialmente protecionista" — dentro dos quais estariam os chamados "espaços territoriais especialmente protegidos" e o "zoneamento ambiental". Para o mesmo autor, a distinção entre "espaços territoriais especialmente protegidos" e "unidades de conservação" seria mais complexa, "porque a legislação não foi muito precisa no estremar-lhes os conceitos", entretanto, reconhece que "nem todo espaço territorial especialmente protegido se confunde com unidades de conservação, mas estas são também espaços especialmente protegidos" (SILVA, 2004: p. 228 e 230). Segundo o citado professor, espaços territoriais especialmente protegidos seriam as (SILVA, 2004: p. 230):

"áreas geográficas públicas ou privadas (porção do território nacional) dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeição, pela lei, a um regime jurídico de interesse público que implique sua relativa imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a preservação e proteção da integridade de amostras de toda a diversidade de ecossistemas, a proteção ao processo evolutivo das espécies, a preservação e proteção dos recursos naturais."

Antônio Herman Benjamin (2001: p. 288) critica a terminologia adotada pela Lei nº 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) — também chamada Lei do SNUC — com relação à expressão "unidades de conservação", defendendo que o correto seria a utilização do termo "espaços territoriais especialmente protegidos" como fez a Constituição de 1988, pois que essa expressão teria o "standard científico apropriado segundo o qual ‘conservação’ não é gênero, muito menos gênero do qual ‘preservação’ seria espécie".

De fato, a Constituição Federal de 1988 (art. 225, § 1º, III), refere-se a "espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos", só podendo tais espaços ser alterados ou suprimidos por meio de lei. Entretanto, e como ressalta Paulo Afonso Leme Machado (2004: p. 127), essa "tutela constitucional não está limitada a nomes ou regimes jurídicos de cada espaço territorial, pois qualquer espaço entra na órbita do art. 225, § 1º, III, desde que se reconheça que ele deva ser especialmente protegido". Assim, claramente estão as unidades de conservação incluídas no mandamento constitucional genérico de espaços territoriais especialmente protegidos, ou, conforme já referido anteriormente, são as mesmas uma "especialização do espaço protegido" (BENATTI, 2003: p. 149).

A maior preocupação da Lei nº 9.985/2000 foi tentar dar sistematicidade ao modelo de unidades de conservação brasileiro, que até mesmo por uma lacuna legislativa nunca operou de forma organizada (BENJAMIN, 2001). De outro modo, não cria a Lei do SNUC unidades de conservação, apenas estabelece medidas de forma sistêmica para tanto, sendo uma norma geral sobre a qual devem se orientar as demais (DERANI, 2001).

Seguindo uma tradição do Direito Ambiental, a Lei nº 9.985/2000 elenca em seu art. 2º várias definições, algumas já consagradas em nosso ordenamento, sendo outras inovadoras (BENJAMIN, 2001). Neste contexto, define a Lei do SNUC, em seu art. 2º, inciso I, unidade de conservação como sendo o:

"espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção".

Ressalte-se, apenas, que essa definição legal de unidade de conservação deve ser entendida no âmbito civil, administrativo ou tributário, pois que na Lei nº 9.605/98 — Lei dos Crimes Ambientais — há uma outra definição mais taxativa e estreita para fins penais (art. 40, § 1º e 40-A, § 1º). A definição legal de unidade de conservação dada pela Lei do SNUC, segundo Antônio Herman Benjamin (2001: p. 290), não está muito distante da conceituação adotada pela Convenção da Biodiversidade, qual seja, "uma área geograficamente definida que tenha sido designada ou regulamentada e gerida para alcançar objetivos específicos de conservação".

Como bem esclarece Juliana Santilli (2005: p. 109), na realidade, essa denominação internacionalmente aceita de área protegida corresponde ao conceito jurídico brasileiro de unidade de conservação, que "por sua vez, se distingue do conceito mais amplo e genérico de espaço territorial especialmente protegido, adotado pela Constituição Brasileira".

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Pode-se perceber pela própria definição de unidade de conservação dada pela Lei nº 9.985/2000, bem como pelos objetivos citados em seu artigo 4º, que o SNUC visa principalmente à preservação e o uso sustentável da biodiversidade (BENSUSAN, 2001), deixando de buscar resguardar apenas paisagens de notável beleza cênica. De outro modo, adotou-se um modelo ecossistêmico de manutenção da natureza, rejeitando-se, assim, a "tutela isolada e individual de espécies ou reinos em favor de uma visão mais ampla, que leva em consideração a dimensão e complexidade do ecossistema e, eventualmente, de todo um bioma" (BENJAMIN, 2001: p. 297).

Dentro deste contexto, o conceito legal de diversidade biológica estabelecido pela Lei do SNUC (art. 2º, III) é:

"a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas;"

Esclarece Nurit Bensusan (2001: p. 167) que essa idéia de conservação baseada na biodiversidade — "ideal que valoriza a diversidade da natureza independen-temente de quão caótica, imprevisível e incompreensível para nós ela possa ser" — surgiu na última década do século passado, sendo bastante divergentes, entretanto, os entendimentos sobre qual seria a melhor forma de fazê-lo. De todo modo, existe consenso quanto a determinados mecanismos considerados fundamentais para a manutenção da biodiversidade, quais sejam: a não fragmentação dos habitats; a conectividade e corredores ecológicos; e as bordas, fronteiras ou zonas de amortecimento (BENSUSAN, 2001).

A Lei do SNUC buscou estabelecer todos esses mecanismos citados, considerados essenciais para a manutenção da biodiversidade, mas uma gestão territorial integrada do sistema ainda está longe de ser alcançada (BENSUSAN, 2001). Assim, registre-se a relevância de se efetivar o SNUC, ainda que a Lei seja apontada como incompleta por muitos autores, ou como diz Nurit Bensusan (2001: p. 189), deve-se buscar "fazer mais do que apenas contabilizar prejuízos".

Como mencionado, as unidades de conservação que integram o SNUC dividem-se em dois grupos (art. 7º) com características específicas, sendo o primeiro o denominado como Unidades de Proteção Integral, e o segundo grupo chamado de Unidades de Uso Sustentável. Esta diversidade de categorias das unidades de conservação dá-se em razão da multiplicidade de objetivos de preservação que serão atendidos de forma prioritária ou não por cada uma delas (MILANO, 2001), sendo que as duas categorias de manejo devem coexistir, posto que complementares ao sistema (DOUROJEANNI, 2001).

As unidades de conservação no Brasil têm aumentado em número e extensão nas últimas décadas, chegando a pouco mais de 8% de nosso território (PÁDUA, 2002). Dentro deste número, entretanto, conforme esclarece Maria Tereza Jorge Pádua (2001: p. 430), estão incluídas, por exemplo, as áreas de preservação ambiental (APAs) que na prática "não garantem a preservação da biodiversidade que encerram", não diferindo muito das áreas que as circundam. Conforme bem esclarece Cristina Velásquez (2005: p. 214), esse número seria ainda superestimado devido ao "fato de que muitas áreas protegidas estão sobrepostas a outras terras públicas ou privadas, como Terras Indígenas, outras UCs e propriedades particulares, apesar de serem computadas separadamente". Deste modo, a dimensão territorial efetivamente protegida no Brasil seria ainda menor.

Além disso, apesar do aumento em número e em superfície das unidades de conservação, a proporção das áreas protegidas de uso indireto diminuiu muito em relação àquelas que permitem o uso direto dos recursos naturais e àquelas nas quais a terra pode pertencer ao domínio privado, o que não é desejável do ponto de vista da preservação da biodiversidade (DOUROJEANNI, 2001). Quanto à porcentagem de áreas declaradas como unidades de conservação de uso indireto, esse número é cerca de apenas 2% do território nacional, o que é "inexpressivo para conservar a biodiversidade do país" (MILANO, 2001: p. 38).

Mais ainda do que criadas, as unidades de conservação devem ser efetivamente implantadas e manejadas (MILANO, 2001), pois de outro modo se tornam vulneráveis e não conseguem cumprir os objetivos a que se propõem (PÁDUA, 2002).

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Sobre a autora
Marcela Albuquerque Maciel

Procuradora Federal junto à PFE/IBAMA. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário do Distrito Federal - UniDF. Especialista em Desenvolvimento Sustentável e Direito Ambiental pela Universidade de Brasília - UnB. Mestranda em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACIEL, Marcela Albuquerque. Unidades de conservação.: Breve histórico e relevância para a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2971, 20 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19809. Acesso em: 5 nov. 2024.

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