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Da (in)constitucionalidade da instituição de tributos por meio de medidas provisórias

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4.0. MEDIDAS PROVISÓRIAS. CONSIDERAÇÕES GERAIS.

Historicamente, não há dúvidas de que o antecedente imediato das atuais medidas provisórias é o antigo decreto-lei. O modelo utilizado foi a Constituição da República Italiana de 1947.

Na Constituição brasileira anterior existia a figura do decreto-lei, ato privativo do Presidente da República, com força de lei ordinária, cabível apenas em casos de urgência ou relevante interesse público, e apenas sobre as matérias arroladas pela Constituição: segurança nacional, finanças públicas, inclusive normas tributárias, e criação de cargos e fixação dos respectivos vencimentos.

No caso de rejeição, restabeleciam-se ex nunc as leis modificadas pelo decreto-lei, preservando-se os efeitos produzidos pelo ato do Presidente, no período de sua vigência precária. Assim, o decreto-lei apresentava o inconveniente de o Presidente da República deter o poder de legislar sozinho, para o período durante o qual o texto pendia de apreciação pelo Congresso, além do que o silêncio do Congresso importava em anuência tácita.

O decreto-lei foi eliminado do elenco dos atos legislativos na Constituição Federal de 1988. Apesar dos abusos efetivados, o constituinte não foi insensível à necessidade de um normativo excepcional e célere, para situações de relevância e urgência, instituindo as chamadas medidas provisórias. Assim, a medida provisória surge como uma das espécies normativas arroladas no inc. V do art. 59 da CF/88.

Parte da doutrina critica a substituição do decreto-lei pela medida provisória, centrando sua insatisfação no seguinte: a amplitude da medida provisória, pela inexistência de qualquer limitação quanto à matéria que poderá ser objeto de suas medidas; e, a perda da eficácia, desde a edição, quando não convertidas em lei, pelos danos emergentes dessa anomalia jurídica(35).

O art. 62 da atual Constituição Federal(36) determina que, em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir em cinco dias, tendo o prazo de trinta dias para deliberar sobre a questão em sessão conjunta e bicameral.

Ensina o Prof. ALEXANDRE DE MORAES o processo legislativo das medidas provisórias, de acordo com as Resoluções nº 1 e 2, de 1989:

"O Processo Legislativo das medidas provisórias inicia-se com o Presidente da República, único detentor do poder de iniciativa para editar a medida provisória, que terá imediatamente força de lei.

Uma vez editada, será, em regra, imediatamente submetida ao Poder Legislativo para apreciação. No Congresso Nacional, em 48 horas, será formada uma Comissão Mista composta por 7 (sete) Deputados Federais e 7 (sete) Senadores da República, que apresentarão um parecer pela aprovação ou não da mesma.

O plenário, ao examinar a medida provisória, mandará arquivá-la, se esta for tida como rejeitada, devendo o Presidente do Congresso Nacional baixar ato, declarando-a insubsistente, o que será comunicado ao Presidente da República. Neste caso, a comissão elaborará projeto de decreto legislativo, para disciplinar as relações jurídicas decorrentes da vigência da medida, cuja tramitação se iniciará na Câmara dos Deputados.

Se a medida provisória for admitida, vencida a etapa inicial, a Comissão tem o prazo máximo de 15 dias para dar parecer sobre os aspectos constitucionais e sobre o mérito. O parecer poderá sugerir a aprovação total ou parcial ou até a aprovação com emendas, ou ainda, a rejeição expressa da medida provisória, como será analisada posteriormente.

Aprovada a medida provisória, será convertida em lei, devendo o Presidente do Senado Federal promulgá-la, uma vez que consagrou-se na esfera legislativa esta atribuição ao próprio Poder Legislativo, remetendo ao Presidente da República, que publicará a medida provisória como lei"(37).

A edição da medida provisória paralisa temporariamente a eficácia da lei que versava a mesma matéria. Se a medida provisória for aprovada, convertendo-se em lei, opera-se a revogação. Se, entretanto, a medida provisória for rejeitada, restaura-se a eficácia da norma anterior. Isto porque, com a rejeição, o Legislativo repudiou o conteúdo daquele ato normativo, tornando subsistente anterior vontade manifestada de que resultou a lei antes editada(38).

Nessa reintrodução das normas no ordenamento jurídico, como na edição, pelo Congresso, de normas para regular as relações jurídicas decorrentes da medida provisória rejeitada, devem ser respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada(39).

A leitura do dispositivo constitucional previsto no art. 62 permite concluir-se que são dois os pressupostos a serem cumpridos para a edição desta espécie normativa: relevância e urgência. Deve-se observar que o constituinte ao utilizar-se da conjunção aditiva "e", transpareceu a intenção de exigir a presença dos dois requisitos simultaneamente(40).

Há de se entender que a menção à relevância atribui especial importância à natureza do interesse cuja ocorrência enseja a utilização da medida provisória. Daí concluir-se que só ante casos graves, de tal sorte que o interesse público não possa sofrer nenhum retardamento, justifica-se a adoção dessa espécie normativa.

Quanto à urgência deve-se afirmar que só assim deva ser considerado o que tem de ser enfrentado imediatamente, e, caso contrário, se o decurso do tempo tornar o benefício pretendido inalcançável ou o dano que se quer evitar, poderia consumar-se, em caso de demora.

Sobre o requisito da urgência, explica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO que, para fins do art. 62, "não será em hipótese alguma configurável como urgente aquilo que possa aguardar, sem comprometimento do interesse público, o prazo necessário para que o Congresso Nacional aprecie projeto de lei de iniciativa do Executivo para o qual este haja solicitado o regime de tramitação urgente previsto nos §§ 1º a 4º do art. 64"(41).

Questão grave diz respeito à reedição da medida provisória. A doutrina encontra-se cindida em duas posições, que concordam pela impossibilidade da reedição quando houver rejeição expressa da medida provisória, mas discordam quanto a possibilidade ou não em caso de rejeição tácita.

Uma posição defende a possibilidade da reedição em caso de rejeição tácita. Argumentam os defensores desta corrente que a decadência da Medida Provisória, pelo decurso do prazo constitucional, caso o Congresso Nacional não aprecie este ato normativo, não é impedimento para que haja sucessivas medidas provisórias reeditando seu conteúdo. O Supremo Tribunal Federal já decidiu favoravelmente à reedição de medidas provisórias(42). "Perdeu grande oportunidade para se afirmar como intérprete da Constituição que, seguramente, não faz essa distinção"(43).

O outro posicionamento afirma que o art. 62, parágrafo único, não se refere a medidas provisórias rejeitadas, mas àquelas que não tenham sido convertidas em lei. "O ex-ministro Paulo Brossard, porém, é mais contundente, ao concluir, categoricamente, que "a medida provisória não convertida em lei, seja por desaprovação formal, seja por não apreciação no prazo de 30 dias, não pode ser reeditada" (cf. ADIn 295-3-DF, Pleno, em 22-6-90)"(44). Assim, alcança tanto as que forem rejeitadas, como as que simplesmente não forem objeto de deliberação, porque tanto umas como outras não foram convertidas em lei.

No que concerne à natureza jurídica das medidas provisórias a doutrina ainda se divide. Relataremos brevemente as principais posições.

O jurista MARCO AURÉLIO GRECO sustenta tratar-se a medida provisória de ato administrativo dotado de força de lei. Sobre isso, escreve:

"...quanto à sua natureza, não difere de um decreto, igualmente um ato oriundo do Poder Executivo. A competência em que ele se apóia não é legislativa em sentido técnico. Se fosse uma competência para legislar, isto negaria a separação dos Poderes, confundiria suas funções e não explicaria o desfazimento integral da medida provisória caso não convertida em 30 dias. A isto se acrescente que, nos termos do art. 62, a medida provisória é convertida em lei. Logo, em si mesma, não é lei, pois não se converte o que já é. Note-se, ademais, a título meramente ilustrativo, que as medidas provisórias vêm sendo publicadas no Diário Oficial como Atos do Poder Executivo e não como Atos do Poder Legislativo, o que, embora não seja decisivo para uma análise jurídica, é indicativo da maneira pela qual é concebida"(45).

Outros percebem a medida provisória como ato de governo (ato político, executivo ou de governo) com força de lei, como propaga SÉRGIO ANDRÉA FERREIRA em sua obra. Para ele:

"A medida provisória é aquilo que se pode chamar de um ato político, executivo, isto é, aquele que, não sendo nem jurisdicional, nem legal, é um ato vinculado à execução do Direito pelo Poder próprio, que é o executivo. Não diria, como fazem alguns autores, que se trata de um ato administrativo em sentido estrito (espécie do ato executivo), porque ele é um ato político, no sentido de ato governamental do Direito Constitucional, de órgão do Poder Político, da Chefia do Poder Executivo... Subjetivamente, é ato executivo, eis que o autor (sujeito ativo) é o Chefe do Poder Executivo. Formalmente, isto é, enquanto fonte de efeitos jurídicos e, assim, do ponto de vista eficacial, embora seja uma espécie individualizada, a medida provisória tem, segundo o art. 62 da CF, ‘força de lei’. Embora ato executivo, a ela é atribuída essa força jurídica. Não é lei, pois que, do contrário, não teria sentido conferir-lhe tal eficácia"(46).

Um outro posicionamento doutrinário concebe a medida provisória como um poder de cautela legislativa conferido ao Presidente da República, funcionando como um "meio idôneo de impedir, de um lado, na esfera das atividades normativas estatais, a consumação do periculum in mora e, de outro tornar possível e eficaz a prestação legislativa do Estado"(47). A medida provisória, portanto, seria um projeto de lei com força cautelar de lei.

Há ainda os que sustentam ter a medida provisória natureza de lei. Definem as medidas provisórias como leis especiais dotadas de vigência provisória imediata, ou, nos dizeres de JOSÉ AFONSO DA SILVA, "medidas de lei (têm força de lei) sujeitas a uma condição resolutiva, ou seja, sujeitas a perder sua qualificação legal no prazo de trinta dias"(48). Assim, a medida provisória seria um ato normativo de urgência sintetizado em uma espécie de lei sob condição resolutiva.

A medida provisória, apesar de sua temporariedade, estará sujeita ao controle de constitucionalidade, como qualquer outro ato normativo. O controle jurisdicional das medidas provisórias é possível, tanto em relação à disciplina dada a matéria tratada pela mesma, quanto em relação aos próprios limites materiais e aos requisitos de relevância e urgência. Não obstante, discute-se na doutrina o problema de saber quem possui competência para dizer se estes requisitos encontram-se presentes ou não(49).

Na vigência da Constituição anterior, o entendimento predominante foi no sentido de que a apreciação dos requisitos de urgência ou relevância se encontrava no âmbito do poder discricionário do Presidente da República, conforme sufragado pela Corte Suprema(50).

Com a atual Constituição, em face do que dispõe o inc. XXXV do art. 5º(51), parece-nos que não há motivos para tal controvérsia. Entendemos que, não obstante os conceitos de urgência e relevância sejam indeterminados, nada está a autorizar a conclusão de que estaria afastada a possibilidade de controle pelo Judiciário dos atos embasados em medidas provisórias.

Os requisitos de relevância e urgência, em regra, somente deverão ser analisados, primeiramente, pelo próprio Presidente da República, no momento da edição da medida provisória, e, posteriormente, pelo Congresso Nacional, que poderá deixar de convertê-la em lei, por ausência dos pressupostos constitucionais(52). Cumpre anotar, no entanto, que ao Supremo Tribunal Federal compete, a instâncias dos legitimados, retirar os efeitos de medidas provisórias inconstitucionais, em ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, a, c/c art. 103). Do mesmo modo, aos juizes e tribunais em geral cabe, incidenter tantum, recusar aplicação nos casos concretos a ato ou providência embasados em medida provisória ou em disposição dela complementar padecentes do vício de inconstitucionalidade. Inequívoca, pois, a possibilidade de apreciação de atos desta natureza tanto pelo Legislativo quanto pelo Judiciário em respeito ao Princípio da Separação dos Poderes(53).

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5.0. A PROBLEMÁTICA DA INSTITUIÇÃO DE TRIBUTOS POR INTERMÉDIO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS.

Questão controvertida, refere-se à possibilidade de criação ou majoração de tributos utilizando-se a figura da Medida Provisória, presente no nosso ordenamento jurídico.

A primeira corrente doutrinária defende o posicionamento de que a medida provisória seria instrumento hábil para a geração de legislação tributária, argumentando que a Constituição Federal não restringiu as matérias que poderiam ser tratadas por esse instituto, ressalvada a relevância e a urgência.

Para sustentar este posicionamento, o Prof. CAIO TÁCITO argumenta:

"Se, como acima exposto, a nova Constituição é mais restrita no tocante à eficácia das medidas provisórias, de outra parte, concede ao Presidente da República, uma vez presentes os pressupostos de relevância e urgência, latitude irrestrita para edição de ato emergencial, com força de lei. Abandona-se a qualificação específica da Constituição de 1967. Não há mais limites, em razão da matéria, à iniciativa presidencial, a ser exercida em qualquer das áreas de competência legislativa da União"(54).

Corrobora esse pensamento a afirmação do Prof. RICARDO LOBO TORRES de que é "indubitável que a medida provisória pode versar sobre finanças públicas e tributação, já que o dispositivo constitucional não lhe traça o âmbito material de atuação. No regime de 67/69 discutiu-se muito sobre a possibilidade de o decreto-lei criar tributo, matéria decidida afirmativamente pelo Supremo Tribunal Federal, diante da autorização constitucional para que o Presidente da República o utilizasse para disciplinar as finanças públicas"(55).

Não entendemos esse posicionamento como correto. Escudamo-nos esse pensamento no fato de que o constituinte prescreveu no art. 60, § 4º, da CF/88, as matérias vedadas ao próprio Poder Constituinte derivado, as chamadas ‘cláusulas pétreas’. "É óbvio que, sendo a medida provisória instrumento normativo primário, mas não superprimário, encontra-se hierarquicamente subordinada à norma constitucional, não podendo incursionar sobre território reservado à ação do Constituinte"(56).

O Prof. LUCIANO AMARO, apesar de salientar sua não simpatia pelas medidas provisórias, considera não serem os argumentos contra a sua utilização no campo dos tributos procedentes, ressaltando que "as medidas provisórias têm força de lei ordinária, não lhes competindo matérias que reclamem outros tipos normativos, como a lei complementar, insuscetível de substituição pela medida provisória"(57).

No sentido da admissibilidade de criação de tributos por medida provisória, o Supremo Tribunal Federal, em sede liminar, pronunciou-se favoravelmente, conforme ressaltado pelo Ministro-Relator Octávio Gallotti: "tendo força de lei, é meio hábil, a medida provisória, para instituir tributos, e contribuições sociais, a exemplo do que já sucedia com os decretos-lei do regime ultrapassado como sempre esta Corte entendeu"(58).

Nessa disputa filosófica, surgiu uma corrente bastante restritiva na enunciação de hipóteses que poderiam comportar medida provisória em matéria tributária. Admitem, como SACHA CALMON, que, em caso de relevância e urgência, caberia a edição de medida provisória concernente a legislação tributária nos seguintes casos, a saber: a) criação de impostos extraordinários de guerra – art. 148, I e II da CF; b) instituição de empréstimos compulsórios de emergência (guerra, sua iminência e calamidade pública) – art. 154, II da CF(59).

Argumenta o Prof., SACHA CALMON:

"Pois bem, com espeque na relevância e na urgência é que deduzimos o cabimento de medidas provisórias em sede de tributação em apenas dois casos, estando em recesso o Congresso Nacional. Friso: estando em recesso o Congresso Nacional:

a)criação de impostos extraordinários de guerra;

b)instituição de empréstimos compulsórios de emergência (guerra, sua iminência e calamidade pública).(...)

Afora estes dois casos de extrema urgência e relevância, a autorizar o uso das medidas de emergência, o constituinte previu, adrede, todas as hipóteses de urgência e relevância em matéria tributária, liberando-as ora do princípio da legalidade escrita e estrita (lex scripta et estricta), ora do princípio da anterioridade, ora do princípio da repartição.

a)Os empréstimos compulsórios de emergência em caso de calamidade pública ou de guerra externa ou de sua iminência e, por suposto, os impostos extraordinários sob o mesmo fundamento, estão liberados do princípio da anterioridade, e, pois, pela urgência de que se revestem, vigoram de imediato.

b)As contribuições sociais cobram eficácia em 90 dias, desnecessário esperar o ano vindouro para serem cobradas (urgência de recursos para o sistema previdenciário).

c)Naqueles impostos ligados ao mercado externo, importação e exportação, e às políticas industrial e financeira, IPI e ISOF, a Constituição permitiu ao Executivo alterar-lhes as alíquotas para cima e para baixo, sem lei, vigorando a alteração de imediato (exceção à legalidade e à anterioridade). (...)

Ex positis, às luzes de uma interpretação sistêmica da Constituição, não cabe medida provisória em matéria tributária, salvo nas exceções delineadas, que ora afasta, ora a tolera, excepcionalmente, como visto.(...)"(60)

No mesmo sentido, HUGO DE BRITO MACHADO leciona:

"A verdadeira questão não é pertinente à matéria de que trata a medida provisória, mas a presença, ou não, de seus pressupostos, a saber, a relevância e a urgência. Desde que presentes tais pressupostos, qualquer matéria pode ser objeto dessas medidas provisórias.

Pode, pois, o Presidente da República instituir, através de medida provisória, o imposto extraordinário de guerra, bem como o empréstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência"(61).

Sem embargo, quer nos parecer equivocado o posicionamento defendido pelos que aceitam a possibilidade de edição de medidas provisórias nos casos de o imposto extraordinário de guerra e empréstimo compulsório, conforme tentaremos demonstrar.

No que concerne à criação de empréstimos compulsórios não pode ser a medida provisória utilizada, nem mesmo nos casos de despesas extraordinárias, pois o art. 148 da CF/88(62) exige lei complementar para a instituição daquela figura tributária e a medida provisória, se convertida em lei, não viceja acima da lei ordinária. Outrossim, e principalmente, "não há como alegar-se urgência e relevância onde o próprio constituinte determinou como parte integrante do conceito a necessidade de um quorum qualificado de maioria absoluta além de matérias expressamente previstas, oferecendo-se, pois, iniciativa legislativa ao Congresso nestes temas"(63). Tal raciocínio também se aplica ao tributo previsto no art. 154(64), I.

Em relação aos impostos previstos no também no art. 154, em seu inc. II, não estão eles submetidos à exigência da Lei Complementar. "Neste caso, porém, a Constituição também regulou, de maneira específica, a urgência e a relevância tributárias, preferindo não projetar a matéria no campo de atuação próprio das medidas provisórias"(65).

Em oposição às correntes que admitem a criação de tributos por medidas provisórias, mesmo que restritivamente, parte da doutrina entende que as medidas provisórias não servem para instituir ou aumentar tributos, cabendo a elas todas as restrições levantadas ao Decreto-Lei do sistema anterior à CF/88(66). Argumentam que proibições implícitas da própria CF/88 impedem a veiculação de medida provisória em sede de tributação, afirmando que há um antagonismo insuperável: "de uma lado, um instituto, qual seja a medida provisória preordenada à geração de efeitos imediatos; de outro, a natureza do tributo que demanda, por força, dentre outros princípios, do da anterioridade uma geração de efeitos procrastinados ao menos até o início do exercício financeiro subseqüente"(67). Parece-nos que essa é a posição mais adequada.

Aqui cabe tecer comentário acerca da dimensão do vocábulo lei, no sentido que é utilizado no Código Tributário Nacional, arts. 96 e 97, e pela Constituição Federal em seu art. 150, I, decorrente do princípio da legalidade tributária, específico deste ramo da Ciência Jurídica.

A palavra lei tem duas acepções. Em sentido formal ou restrito, lei é o ato jurídico produzido pelo Poder competente para o exercício da função legislativa, nos termos estabelecidos pela Constituição. Em sentido material ou amplo, lei é o ato jurídico normativo, ou seja, é uma prescrição jurídica hipotética, que não se reporta a um fato individualizado no tempo e no espaço, mas a um modelo.

Observa HUGO DE BRITO MACHADO que "no Código Tributário Nacional, a palavra lei é utilizada em seu sentido restrito...Portanto, no sentido em que a palavra é empregada no CTN, a norma jurídica elaborada pelo Poder competente para legislar, nos termos da Constituição, observado o processo nesta estabelecido"(68).

De fato, a natureza das medidas provisórias não se coaduna com a exigência de lei formal para a criação de tributos. Vejamos a lição do Prof. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, na qual estabelece a diferenciação das medidas provisória e das leis:

"A primeira diferença entre umas e outras reside em que as medidas provisórias correspondem a uma forma excepcional de regular certos assuntos, ao passo que as leis são via normal de discipliná-los.

A segunda diferença está em que as medidas provisórias são, por definição, efêmeras, de vida curtíssima, enquanto as leis, além de perdurarem normalmente por tempo indeterminado, quando temporárias têm seu prazo por elas mesmo fixado, ao contrário das medidas provisórias, cuja duração máxima já está preestabelecida na Constituição: trinta dias.

A terceira diferença consiste em que as medidas provisórias são precárias, isto é, podem ser infirmadas pelo Congresso a qualquer momento dentro do prazo em que se deve apreciá-las, em contraste com a lei, cuja persistência só depende do próprio órgão que a emanou (Congresso).

A quarta diferença resulta de que a medida provisória não confirmada, isto é, não transformada em lei, perde a sua eficácia desde o início; esta, diversamente, ao ser revogada, apenas cessa seus efeitos ex nunc.

Por tudo isto se vê que a força jurídica de ambas não é a mesma.

Finalmente, a quinta e importantíssima diferença procede de que a medida provisória, para ser expedida, depende da ocorrência de certos pressupostos, especificamente os de "relevância e urgência"; enquanto, no caso da lei, a relevância da matéria não é condição para que esta seja produzida; antes, passa a ser de direito relevante tudo o que a lei estiver estabelecido. Demais disso, inexiste o requisito de urgência.

Em virtude do exposto, seria erro gravíssimo analisá-las como se fossem leis "expedidas pelo Executivo" e, em conseqüência, atribuir-lhes regime jurídico ou possibilidades normatizadoras equivalentes às das leis."(69)

Essas observações já nos permitem uma conclusão parcial, qual seja: o princípio da legalidade tributária, auxiliado pelo subprincípio da reserva de lei, exige que só a lei formal pode exigir ou aumentar tributos. "Ora, a medida provisória não é lei; só se transforma em lei quando ratificada pelo Congresso Nacional"(70), mas apenas são atos administrativos lato sensu, dotados de alguns atributos da lei(71).

No mesmo sentido, pronunciamento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

"o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, veda com força dada ao contribuinte, ‘à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça’ e, no inciso III, veda a cobrança de tributos, item a, ‘em relação aos fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado’. Não se dispensa, pois, ao tributo a reserva legal, o princípio da legalidade, que não poderia abranger a medida provisória, que não é lei, ainda que se equipare à mesma, até pela diversidade quanto ao âmbito de iniciativa e de processo legislativo"(72)

O TRF da 1ª Região averbou:

"EMENTA. Tributário. Previdenciário. Contribuição para o custeio da Seguridade Social. Servidor público civil ativo da União. Medida Provisória nº 560, de 26 de julho de 1994.

I – A medida provisória só tem validade por trinta dias, pois findo esse prazo, se não for convertida em lei, perde sua eficácia. Perdendo sua eficácia, não pode uma nova medida convalidar os atos praticados na vigência da medida anterior. Seria o morto sendo ressuscitado. Logo, tem caráter provisório, e, tendo essa característica, não pode aumentar alíquota.

II – As contribuições sociais, nos termos do § 6º do art. 195 da Constituição Federal só podem ser exigidas após decorridos noventa dias da publicação da lei. Da lei e não da medida provisória. (Mudança de entendimento do Relator.)

III – A cobrança da contribuição para previdência social em alíquota acima de seis por cento do servidor público, como previsto na Medida Provisória nº 560, de 16 de julho de 1994 e reeditada trinta e três vezes, só pode ser exigida após decorrido o prazo de noventa dias da conversão da medida provisória em lei.

IV – ‘Na ontologia e na teleologia da Constituição, a medida provisória, ao se degradas em desmedida provisória, audaciosamente afronta a Constituição e ultraja a Instituição’. (Ulysses Guimarães, em pronunciamento na Câmara dos Deputados, em 1991)" (MAS 96.01.43369-4/DF. Rel.: Juiz Tourinho Neto, 3ª Turma. Unânime. DJ 2 de 02.05.97, p. 29.885/6.)."

Não obstante mostrar-se reticente, o Prof. CLÈMERSON MERLIN CLÈVE afirma que "entre as garantias do contribuinte, encontra-se aquela prescrita no art. 150, I, vedando à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, "exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça". Ora, esse dispositivo, combinado com o art. 68, § 1º, II, da CF, nos termos do qual não será objeto de delegação a legislação sobre direitos individuais, poderia ser reclamado para sustentar que a criação ou majoração de tributos demandam lei formal (reserva de lei do Congresso), vedada a incursão de lei delegada ou medida provisória sobre essa matéria"(73).

Saliente-se também que há incompatibilidade da vigência imediata, elemento essencial à índole da medida, com o princípio da anterioridade, que a maioria esmagadora dos tributos deve obedecer. Ensina PAULO DE BARROS CARVALHO que essa espécie normativa não pode criar tributo, estabelecer faixas adicionais de incidência em gravames já existentes ou majorá-los. Há incompatibilidade entre a vigência imediata, "elemento essencial à índole da medida, com o princípio da anterioridade (CF art. 150, III, b)... Não valessem tais razões e a simples invocação do princípio da segurança do direito já seria bastante em si para inibir esse mecanismo de ação fiscal"(74).

Ademais, mesmo no caso de contribuições sociais para a seguridade social, que obedecem a uma anterioridade especial (art. 195, § 6º, da CF/88), por só ter eficácia 90 dias após publicadas, não aceitam medidas provisórias. "Este prazo, que adia a eficácia e a aplicabilidade destas leis, indica, inequivocamente, que as medidas provisórias não podem nem criar, nem aumentar, as "contribuições sociais para a seguridade social"...Portanto, a urgência e a relevância, no que concerne à "contribuições sociais para a seguridade social", são atendidas com a mencionada vacatio legis de 90 dias, e não com a edição de medidas provisórias"(75)

A questão pertinente aos tributos não submetidos ao princípio da anterioridade, ou seja, os tributos referidos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV, V, e 154, II, todos da CF/88, já foi enfrentada neste trabalho, também neste item.

Há ainda outro argumento, mais político do que jurídico, que se refere ao "cunho semântico e pragmático, pela concepção de "tributo" como algo sobre que os administrados devam expressar seu consentimento prévio. A noção de "tributo", nos países civilizados, repele a exigência de parcelas do patrimônio dos indivíduos, por ação unilateral do Estado, considerando a iniciativa como fundada em idéia vetusta...O intervalo de tempo em que vigora a medida, sem que o Poder Legislativo a aprecie, acolhendo-a, expõe os cidadãos, comprometendo direitos que lhes são fundamentais (propriedade e liberdade), expressamente garantidos na Carta Básica(...)"(76). Este argumento é também decorrente do princípio da legalidade tributária, conforme vimos no item 2.1..

Para finalizar este trabalho, faremos nossas as palavras do insígnie jurista PINTO FERREIRA que com simplicidade e clareza resume o nosso posicionamento:

"No nosso entendimento, medida provisória não pode instituir nem majorar tributos, cuja determinação é da competência da lei ordinária ou complementar"(77).

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Sobre o autor
Felipe Travassos Sarinho de Almeida

pós-graduando em direito tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Felipe Travassos Sarinho. Da (in)constitucionalidade da instituição de tributos por meio de medidas provisórias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 50, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1986. Acesso em: 22 dez. 2024.

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Trabalho apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Direito Tributário, para a disciplina de Normas Gerais de Direito Tributário.

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