Artigo Destaque dos editores

A auto-aplicabilidade da norma constitucional que prevê o aviso prévio proporcional

Exibindo página 4 de 6
31/08/2011 às 14:42
Leia nesta página:

4.OS REMÉDIOS JURÍDICO-CONSTITUCIONAIS À OMISSÃO DO LEGISLADOR.

Quando o legislador deixa de regulamentar direito previsto em norma constitucional incide em "inconstitucionalidade por omissão", o que abre as portas do Judiciário para dois instrumentos previstos pelo ordenamento jurídico brasileiro: a ação de inconstitucionalidade por omissão, prevista no art. 103, § 2º, da Constituição Federal e o mandado de injunção, disciplinado no art. 5º, LXXI. A primeira é controle jurisdicional abstrato, "a posteriori" e "erga omnes", enquanto que o segundo é meio concreto e difuso para paliar a omissão legislativa. O primeiro destina-se a "colmar as lacunas inconstitucionais, assegurando a plena eficácia de todas as normas constitucionais"; o segundo destina-se a "assegurar a efetividade das normas constitucionais definidoras de direitos e garantias fundamentais" (LYRIO PIMENTA, 1999, p. 192).

Assim, a ação de inconstitucionalidade por omissão cumpre funções essencialmente institucionais, ou seja, a do Poder Judiciário declarar a lacuna normativa e a de cientificar os Poderes Públicos, em especial ao Legislativo, de que deve legislar sobre a matéria objeto da ação de inconstitucionalidade por omissão. Em se tratando de mera comunicação, não há qualquer obrigação do Poder Legislativo em cumprir o que foi decidido pelo Judiciário.

Já sobre o mandado de injunção repousaram as principais esperanças do legislador constituinte de que, ao contrário do que sucedeu com as normas de conteúdo programático das constituições brasileiras anteriores, os direitos e garantias da Constituição de 1988 não fossem vítimas da inércia do legislador.

Sobre as possibilidades da concretização do direito pretendido pela decisão judicial através do mandado de injunção, ainda conforme LYRIO PIMENTA, citam-se três correntes doutrinárias:

a)a primeira corrente entende que ao Poder Judiciário cabe apenas dar ciência ao órgão competente para suprir as lacunas constitucionais;

b)a segunda corrente diz que, ao conceder a injunção, o Poder Judiciário torna viável o exercício do direito, liberdade ou prerrogativa constitucional, que se encontra obstaculizado pela lacuna inconstitucional. Ou seja, o Judiciário edita a norma e atua na sua concreção, criando normas jurídicas individuais, colmatando, tão-somente no caso concreto, a lacuna inconstitucional.

c)A terceira corrente sustenta que o Poder Judiciário deve elaborar a norma então inexistente, suprimindo a omissão do legislador;

O Supremo Tribunal Federal tem alterado, com o tempo, sua posição a respeito dessa matéria: primeiramente, adotou entendimento compatível com a primeira corrente; posteriormente, passou a decidir de acordo com a segunda corrente; hoje, pode-se dizer que, cada vez mais, se aproxima da primeira corrente.

De fato, nas primeiras decisões em Mandado de Injunção, o STF entendeu que o único efeito desse instituto era o de obtenção da declaração da inconstitucionalidade por omissão, o que, na prática, tolhia sua própria razão de existir, na censura de JOSÉ AFONSO DA SILVA (AFONSO DA SILVA, 2000, p. 166).

Um passo adiante foi dado no julgamento do MI n°. 285, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, onde o STF decidiu que, se após o prazo dado para a edição da norma regulamentadora (60 dias), esta ainda não tivesse sido editada, o titular do direito poderia obter reparação por perdas e danos. Ou seja, o STF já não apenas comunica ao Legislativo a ausência da norma, mas determina que o Congresso edite norma em determinado prazo. No mesmo sentido, o julgamento do MI n°. 283, em que o STF converteu uma norma de eficácia limitada em norma de eficácia plena, também facultando os impetrantes a ingressarem em juízo para obterem a reparação pretendida. Declara, ainda, que, "prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicará a coisa julgada, que, entretanto, não impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que for mais favorável."

A doutrina majoritariamente concitava o STF a uma posição mais ativa, como é exemplo o magistério de FLAVIA PIOVESAN, quanto afirmava que "o mandado de injunção é instrumento apto a viabilizar, no caso concreto, o exercício de direitos, liberdades ou prerrogativas constitucionais, que se encontrem inviabilizados por faltar norma regulamentadora" (PIOVESAN, 2003. p. 150).

Contra o argumento de que a atuação mais ativa do STF na concreção dos direitos constitucionais seria uma invasão da competência legislativa, o Ministro Eros Grau, no julgamento do MI n°. 712, em seu voto, refutou tal entendimento, afirmando que:

Ademais, não há que falar em agressão à "separação dos poderes", mesmo porque é a Constituição que instituiu o mandado de injunção e não existe uma assim chamada "separação dos poderes" provinda do direito natural. Ela existe, na Constituição do Brasil, tal como nela definida. Nada mais. No Brasil vale, em matéria de independência e harmonia entre os poderes e de "separação de poderes", o que está escrito na Constituição, não esta ou aquela doutrina em geral mal digerida por quem não leu Montesquieu no original. (...) No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia a norma regulamentadora que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito da impetrante, servidora pública, à aposentadoria especial.

Finalmente, quando do julgamento dos MI de números 670, 708 e 712, o STF - que desde 1994 (data do julgamento), por ocasião da apreciação do Mandado de Injunção n°. 20, já havia denunciado a omissão legislativa em regulamentar o direito de greve, porém sem avançar em colmar a lacuna legislativa - revisando o posicionamento anterior, decidiu pela adoção da lei de greve do setor privado como regulamentação das greves do setor publico. Conforme voto condutor do Ministro Gilmar Ferreira Mendes [31], acolheu-se a pretensão dos impetrantes no sentido de que, após um prazo de 60 dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria, caso não o faça, determina-se que, solucionando a omissão legislativa, "se aplique a Lei n°. 7.783 de 28 de junho de 1989, no que couber", enquanto a omissão não seja devidamente regulamentada por Lei específica para os servidores públicos".

Em tão drástica mudança de posição, destaca-se a clara preocupação da Corte Constitucional em dar efetividade à norma fundamental que assegura o direito de greve aos servidores públicos, dando cobro a inércia abusiva dos poderes constituídos que, por dezenove anos, frustrou "a eficácia de situações subjetivas de vantagem reconhecidas pelo texto constitucional". Segundo o Ministro Celso de Mello, em seu voto, "revela-se essencial que se estabeleça, tal como sucede na espécie, a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o consequente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de forma que, presente a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, tornar-se-á possível não só imputar comportamento moroso ao Estado (...) mas, o que é muito mais importante ainda, pleitear, junto ao Poder Judiciário, que este dê expressão concreta, que confira efetividade e que faça atuar a cláusula constitucional tornada inoperante por um incompreensível estado de inércia governamental".

Esta mudança de entendimento parece caminhar também no sentido de rever a atual posição do STF quanto ao aviso prévio proporcional, como sinaliza o julgamento do MI 695, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, que, ao limitar os efeitos da decisão favorável ao impetrante nos limites do pedido (declaração de mora do legislador em regulamentar o direito ao aviso prévio proporcional e comunicar tal fato ao órgão competente para a imediata regulamentação), foi mais além ao reconhecer ademais, "que, não fosse o pedido da inicial, limitado a requer a comunicação ao órgão competente para a imediata regulamentação da norma, seria talvez a oportunidade de reexaminar a posição do Supremo em relação à natureza e à eficácia do mandado de injunção, nos termos do que vem sendo decidido no MI 670/ES" (julgamento em 01/3/2007).

Nota-se, assim, uma evidente evolução do STF a sinalizar uma preocupação crescente quanto às conseqüências nefastas da inércia legislativa sobre a eficácia dos direitos fundamentais, passando a reconhecer um "direito subjetivo do beneficiário da norma a ver a situação jurídica esboçada na Lei Maior regulamentada de forma adequada", como já preconizava LUÍS ROBERTO BARROSO (BARROSO, 2006).

Precisamente no entendimento de que as normas constitucionais são "imposições constitucionais", há de se dar conteúdo ao art. 5º, § 1º da Constituição Federal, de forma que a aplicabilidade direta dos direitos sociais não se torne, ela mesma, vítima da "eficácia limitada" que pretendia conjurar.

Por isso, autores, como DIRLEY CUNHA JR., sustentam que, mesmo fora dos limites do mandado de injunção, tem o Poder Judiciário o dever de, no exercício da justiça constitucional, exercer um controle difuso da inconstitucionalidade por omissão, suprindo a lacuna aberta pela omissão legislativa e integrando a ordem jurídica. Conforme tal autor, é de se exigir, em nome dos ideais de um Estado Constitucional Democrático de Direito uma "firme postura do Judiciário", pois o que está em jogo não são "as oscilações político-partidárias, mas a imperatividade da Constituição e o respeito pela vontade popular" (CUNHA JÚNIOR, 2004).

Conforme este autor, o Poder Judiciário brasileiro está autorizado a suprir as lacunas indesejadas, recorrendo à analogia, aos costumes, aos princípios gerais de direito e por meio de uma interpretação criativa e concretizante, não existindo, nesse caso, qualquer afronta ao princípio da separação dos poderes. Portanto, a falta de norma complementar não pode obstar a aplicação imediata das normas de direitos fundamentais pelos juízes e tribunais, já que, o Judiciário, está amparado no que dispõe o art. 5°. §1o, combinado com esse mesmo art. 5°., XXXV, da Constituição Federal, podendo se valer, para tanto, dos meios fornecidos pelo próprio sistema jurídico positivado, que contempla normas do art. 4°., da LICC, segundo a qual "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com analogia, os costumes e os princípios gerais do direito" (CUNHA JÚNIOR, 2008).

Já no pensamento de INGO SARLET (SARLET, 2008), tal norma tem cunho "inequivocamente principiológico" e representa uma "espécie de mandado de otimização ou "maximização", isto é, estabelece aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais". Cria-se, assim, uma presunção em favor da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, pela qual eventual recusa de sua aplicação, em virtude da ausência de ato concretizador, deverá (por ser excepcional) ser necessariamente fundamentada e justificada, presunção esta que não milita em favor das demais normas.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Para além dessa "eficácia mínima", contudo, podem-se configurar direitos subjetivos exigíveis judicialmente, inclusive para os direitos fundamentais sociais prestacionais, mas somente quando estes forem essenciais para assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana.

Posicionamento diverso tem SÉRGIO MORO, que reconhece a exigibilidade judicial para todos os direitos fundamentais. Para ele, a supremacia constitucional exige que, na omissão do Poder Legislativo, outros passem a atuar superando a inércia normativa (MORO, 2008). Assim, através da jurisdição contratual, através dos métodos adequados e do respeito aos princípios da interpretação constitucional, é possível obter solução ótima para o conflito no caso concreto, resguardando a força normativa do comando constitucional. Exige-se, no entanto, que a legitimidade da intervenção judicial na esfera legislativa seja suficientemente fundamentada.

Tanto é assim que a própria Constituição, no seu art. 5º, § 2º, prevê que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". Portanto, há referência expressa sobre a existência de "direitos implícitos" que autorizariam legisladores e também juízes a reconhecerem outros direitos fundamentais, decorrentes do regime ou dos princípios adotados pela Constituição. Logo, "o intérprete, mediante atividade criativa, estaria autorizado a extrair direitos não-enumerados do texto constitucional, inclusive de dispositivos que veiculam princípios ou programas para os poderes públicos, desde que estes possam ser minimamente reportados ao texto constitucional e que encontrem apoio em argumentos convincentes" ("reserva de consistência"). Assim, legitima-se o intérprete para "extrair dos princípios ou programas a regra que regulará o caso concreto, promovendo a intermediação necessária para sua aplicação imediata, não necessitando aguardar a intermediação legislativa, haja vista, a atuação dos princípios da efetividade e da supremacia como orientadores da interpretação constitucional, com o intuito de conferir máxima efetividade às normas constitucionais".

Contra o argumento de que a jurisdição constitucional é incompatível com o instituto do mandado de injunção, SERGIO MORO argumenta:

O mandado de injunção, apesar da interpretação nulificadora dada pelo STF, tem por propósito assegurar a fruição de direitos constitucionais cuja eficácia esteja comprometida pela falta de norma reguladora.

Poder-se-ia argumentar que a tese aqui exposta – de que todo juiz, vencida a barreira da reserva da consistência, poderia invocar qualquer norma constitucional para a resolução de casos concretos – não é consistente com a previsão de ação específica com tal desiderato.

Pode-se, contudo, defender o ponto de vista de que o mandado de injunção constitui apenas uma ação especial para o tratamento do problema, sem excluir as vias ordinárias.

Observe-se que tratamento semelhante é conferido ao mandado de segurança, cabível quando há violação de direito líquido e certo. Esse direito, na visão da doutrina e da jurisprudência, é apenas aquele amparado em provas documentais. É pacífico que tal ação especial não exclui as vias ordinárias. Em outras palavras: mesmo que se disponha de direito líquido e certo, pode-se propor ação ordinária, em vez de mandado de segurança.

Da mesma forma, o prejudicado pela falta de concretização legislativa de direito fundamental pode optar entre impetrar mandado de injunção – a ser julgado originariamente pelo Supremo nos casos mais relevantes (art.102, I, q, da CF/88) – ou propor ação ordinária, na qual o juiz decidirá incidentalmente sobre a questão, com eficácia para o caso concreto. (MORO, Sergio. Desenvolvimento e Efetivação Judicial das Normas Constitucionais, 2001, p. 259. "Apud": MACHADO, Ivja Neves Rabêlo. A eficácia dos direitos sociais. Disponível em http://www.iuspedia.com.br.09 abril. 2008. Acesso em 01/12/2009).

Recorde-se que nos julgamentos singulares não se pode omitir a manifestação judicial cabível ao caso concreto, conforme artigo 126 do Código de Processo Civil.

Considerando o ordenamento jurídico como um sistema que se pretende coerente e completo para resoluções de problemas, a formulação de uma norma como a presente representa, verdadeiramente, uma "cláusula de fechamento" do sistema, ou seja, a garantia da inexistência de lacunas, de forma que, para cada um dos casos possíveis, haja uma solução possível (ALCHOURRON e BULYGIN, 1993, p. 40).

Ao contrário de omitir-se na solução de lacunas e omissões do sistema normativo, tem o juiz o dever de prestar uma tutela efetiva com base no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, quando afirma que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". [32]

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Luiz Alberto de Vargas

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), integrante da 3ª Turma.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VARGAS, Luiz Alberto. A auto-aplicabilidade da norma constitucional que prevê o aviso prévio proporcional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2982, 31 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19890. Acesso em: 5 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos