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Dispensa de licitação: uma exegese principiológica do instituto jurídico da contratação direta

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02/09/2011 às 13:19
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3.Modalidades licitatórias: licitação em sentido estrito.

Como já visto, o caput do artigo 3º estabelece o objetivo da licitação ao prescrever que:

A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Evidencia-se que o fim almejado pelo instituto é principiológico. Desta forma, como preceitua os postulados da ponderação, os princípios não se excluem, convivem de forma harmoniosa entre si, estando a sua maior ou menor incidência condicionada às peculiaridades do caso concreto. Com isso, a escolha de como proceder a licitação, quer dizer, sua modalidade, irá variar de acordo com a situação de fato.

A princípio tal ponderação ocorreria no exercício do poder discricionário, como ocorre no Direito Administrativo Francês, onde a obtenção da proposta mais vantajosa ocorre discricionariamente:

A regra certa do direito público francês é que a administração elege livremente, discricionariamente, seu co-contratante. A exceção é que a competência da administração esteja travada neste assunto e que se deva proceder pelo sistema de adjudicação pública. [20]

O legislador brasileiro, de forma contrária, tomou para si parte dessa competência e resolveu estabelecer as modalidades a serem adotadas conforme certas situações predeterminadas e vedou a fusão ou criação de novas modalidades, fazendo da licitação strictu sensu um procedimento vinculado para a demonstração da maior vantagem da proposta acolhida.

Insta notar uma peculiaridade: a necessidade é sempre contraposta aos princípios arrolados no dispositivo supra. Isto é, embora haja necessidade de contratar, ela deverá ser submetida à isonomia, vantajosidade, publicidade, etc.

Nas contratações de maior vulto econômico é necessária a maior incidência possível de todos os princípios estabelecidos no art. 3º, caput. Uma observância de tamanha amplitude importa maior complexidade do procedimento. Nesse sentido, a LLC estabelece como modalidades: concorrência, tomada de preços, convite, leilão e concurso. Sendo está duas ultimas voltadas para os casos em que a Administração visa alienar bens e contratar serviços técnicos intelectuais mediante prêmio respectivamente.

Em análise discriminada constata-se que o legislador realizou as seguintes ponderações ao elaborar as modalidades contidas no art. 22 da LLC: (i) concorrência: maior incidência possível dos princípios do art. 3º resultando em maior complexidade procedimental, obrigatoriedade de sua utilização nas compras de maior vulto econômico, a necessidade de contratar não é imediata; (ii) tomada de preços: menor incidência do princípio da isonomia (ocorre entre interessados cadastrados ou habilitados para cadastro), complexidade intermediária, prescrita para as contratações de vulto médio, necessidade de contratar não é imediata; (iii) convite: menor incidência do princípios da isonomia (ocorre entre convidados ou os já cadastrados que demonstrem interesse) e mitigação do princípio da publicidade (não há publicação em imprensa, e sim a mera fixação da carta-convite no prédio da repartição), baixa complexidade, necessidade não imediata. Corroboramos, destarte, tratar-se de questão principiológica.

Por tudo isto é que a lei estabelece que a possibilidade de utilização de modalidade de licitação mais complexa quando a lei prescreve modalidade menos complexa, e.g., concorrência no lugar de convite.

No que tange ao pregão aplica-se a mesma lógica, acrescentando-se o princípio da eficiência, inovação trazida pela emenda constitucional 19/98, o qual incidirá com preponderância em relação aos demais princípios.


4.A inadequação sintática do art. 24

Denomina-se de inadequação sintática a eventual existência de dois ou mais institutos jurídicos distintos agrupados sobre uma mesma denominação, gerando ambigüidades na interpretação e aplicação do direito.

Dispõe o caput do art. 24: "É dispensável a licitação". Embora o dispositivo tenha uma redação simplória, a hermenêutica jurídica é capaz de nos fornecer instrumentos para trazer á tona o verdadeiro sentido da norma, o qual sintetizamos em duas constatações a seguir explanadas.

A primeira advém do próprio comando da norma, a qual confere à Administração a atuação discricionária nas hipóteses dispostas nos incisos arrolados. Sobre o tema Celso Antonio Bandeira de Mello nos ensina que:

As considerações precedentes autoriza-nos a afirmar que a discricionariedade pode decorrer:

(...)

II) do comando da norma, quando dele se houver aberto ao agente público, alternativas de conduta, seja (a) quando a expedir ou não expedir o ato, seja (b) por caber-lhe apreciar a oportunidade adequada para tanto, seja (c) por lhe conferir liberdade quanto a forma jurídica que revestirá o ato, seja (d) por lhe haver sido atribuída competência para resolver sobre qual será a medida mais satisfatória perante as circunstâncias. [21]

A segunda é que o termo "licitação" foi empregado de forma ambígua, como expomos anteriormente, gerando uma inadequação sintática. O que é dispensável afinal, a licitação em sentido amplo ou as suas modalidades (licitação em sentido estrito)? A licitação dispensável, neste caso, será a em sentido estrito, quer dizer, é dispensável o uso das modalidades contidas no art. 22. Então, não há porque denominar de contratação direta as hipóteses do dispositivo em comento, vez que tal fenômeno resulta das circunstâncias do caso concreto que poderão afastar a obrigatoriedade de licitação em atenção aos demais princípios.

Poderá ser dispensada a licitação em sentido amplo quando, já estando a licitação em sentido estrito dispensada (art. 24), a realização de procedimento simplificado revelar-se inviável, criando óbices ao fim colimado pela Administração, o que denominamos de "hipótese-limite". Esta interpretação encontra respaldo na lição Marçal Justen Filho, ao qual passamos a palavra:

(...) existem hipóteses em que a licitação formal seria impossível ou frustraria a realização adequada das funções estatais. O procedimento licitatório normal conduziria ao sacrifício dos fins buscados pelo Estado e não asseguraria a contratação mais vantajosa. Por isso autoriza-se a Administração a adotar um outro procedimento, em que formalidades são suprimidas ou substituídas por outras. 

Ao final da lição, o autor dispõe sobre as alternativas que podem insurgir do caso concreto: (i) substituição das formalidades por outras, dispensando o uso das modalidades licitatórias típicas, e licitando-se por procedimento simplificado quando da incidência de uma das hipóteses do art. 24; (ii) supressão das formalidades procedimentais, isto é, suprimir a licitação em sentido amplo e contratar diretamente.

Parcela da doutrina, porém, traz o entendimento de que a colocação de uma hipótese no art. 24 é pressuposto suficiente para se dispensar a licitação em sentido amplo. É o que leciona Jessé Torres Pereira Júnior e outros:

As hipóteses de dispensabilidade do art. 24 constituem rol taxativo, isto é, a Administração somente poderá dispensar-se de realizar a competição se ocorrente uma das situações previstas na lei federal. [22]

Com a devida vênia, entendemos que a mera inserção de uma hipótese no rol do art. 24 não enseja a dispensa da concorrência (competição), uma vez que esta pode ser realizada de forma simplificada. Vale observar que há casos do art. 24 que jamais comportariam dispensa da licitação em sentido amplo, isto é contratação direta. Essa assertiva é tão verdadeira que o anteprojeto da Lei de Contratação na Administração Pública, ao arrolar os casos em que se reputa inviável ou impossível a licitação em sentido amplo, não faz menção a diversas hipóteses existentes do art. 24 [23]:

Para exemplificar o dito, utilizaremos um exemplo prático. O inciso I do art. 24 preceitua a "dispensabilidade de licitação" nas contratações de serviços de obras e engenharia de valor não superior à R$ 15.000,00. O vulto econômico reduzido do objeto em contraposição ao custo da realização da licitação em sentido estrito (modalidades) torna esta dispensável. Porém não há argumento que justifique a dispensa da licitação em sentido amplo neste caso. Mesmo que o valor seja pequeno, é poder-dever da Administração realizar uma concorrência simplificada e de baixo custo, proporcional ao valor do objeto a ser contratado, com o fim de proceder da maneira mais vantajosa.

Quando se trata de utilização do dinheiro público, mesmo sendo em valor ínfimo, o fim colimado deve ser sempre a sua economicidade. Portanto, nunca haverá contratação direta na hipótese deste inciso uma vez que, dispensando-se o uso de uma das modalidades, realizar-se-á concorrência simplificada em atendimento ao princípio da obrigatoriedade de licitação em sentido amplo.

4.1.procedimento licitatório simplificado

Diz-se simplificado o procedimento licitatório quando a lei não vincula a Administração a procedimentos preestabelecidos, sendo que a contratação fica condicionada à cláusula geral da escolha da proposta mais vantajosa. Vale dizer, a lei estabelece que a licitação em sentido estrito (suas modalidades) é dispensável, mas a Administração ainda tem o dever de agir à luz do princípio da obrigatoriedade de licitação em sentido amplo, por isso é obrigada a realizar procedimento simplificado em que o custo e a complexidade de sua operação sejam proporcionais à necessidade averiguada no caso concreto.

Embora se trate de procedimento discricionário, a jurisprudência e a doutrina vêm solidificando as bases da então chamada concorrência simplificada. Acerca do tema, Marçal Justen Filho assevera que:

Não se trata de uma efetiva concorrência, mas de um procedimento administrativo de seleção de interessados, em que as formalidades são fixadas segundo a competência discricionária da administração.

A jurisprudência do TCU também traça regras a serem seguidas nos casos de concorrência simplificada:

Realize pesquisa de preços e inclua os resultados nos processos de contratação por dispensa de licitação, em atendimento ao disposto no art. 26, parágrafo único, inciso III, da Lei n° 8.666/1993. [24]

Proceda, quando da realização de licitação, dispensa ou inexigibilidade, à consulta de preços correntes no mercado, ou fixados por órgão oficial competente ou, ainda, constantes do sistema de registro de preços, em cumprimento ao disposto nos artigos 26, parágrafo único, inciso III, e 43, inciso IV, da Lei n. 8.666/1993, consubstanciando a pesquisa no mercado em, pelo menos, três orçamentos de fornecedores distintos, os quais devem ser anexados ao procedimento licitatório. [25]

Observa-se, na prática, que o procedimento simplificado é executado em constância nos casos estabelecidos no inciso I e II: contratação de obras e serviços de engenharia até R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e contratação de compras e outros serviços até R$ 8.000,00 (oito mil reais) respectivamente [26].

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As etapas deste procedimento podem ser sintetizadas dessa forma: (i) habilitação; (ii) convite-orçamento; (iii) julgamento e (iv) adjudicação.

No procedimento simplificado é comum que a habilitação ocorra prematuramente. Explica-se o fato. Nas modalidades complexas da LLC (concorrência, tomada de preços, etc.), a fase de habilitação ocorre após a divulgação do certame e precede a abertura dos envelopes das propostas. Tal procedimento ocasiona certa demora, vez que muito dos candidatos passam da fase da habilitação e, em seguida, apresentam propostas acima do preço máximo ou até mesmo inexeqüíveis, tornando todo o trabalho de verificação de sua regularidade inútil. Em consequência disso, criou-se o Pregão, o qual inverte as fases de habilitação e abertura das propostas, o que demonstrou grande avanço na celeridade do certame. No procedimento simplificado, não há, em regra, divulgação do certame, então a Administração analisa se as possíveis interessadas em com ela contratar estão habilitadas, para só então enviar o convite-orçamento.

O convite-orçamento [27] é o meio pelo qual a Administração informa ao possível concorrente a existência de concorrência simplifica, detalhando suas regras procedimentais e a exposição detalhada do objeto a ser contrato mediante plano de trabalho, e solicita, caso se mostre interessado em participar, a elaboração do orçamento do objeto descrito.

O julgamento ocorre da forma que preceitua a LLC, ou seja, levar-se-á em consideração os objetivos definidos no ato convocatório (convite-orçamento), os quais não devem contrariar o estabelecido na lei.

4.2.Contratação direta

Em algumas situações a necessidade imediata impera sobre os demais princípios, quer dizer, situações em que a vantajosidade da proposta é irrelevante diante da iminente necessidade de contratar determinada obra, bem ou serviço. São hipóteses-limite em que a delonga resultante de licitação, ainda que simplificada, ocasionaria lesão ao interesse público.

Entendemos que, sendo a licitação o procedimento que media a necessidade e a contração, diz-se direta a contratação na qual a necessidade urgente da aquisição de determinada obra, bem ou serviço derroga a obrigatoriedade de elaboração de procedimento licitatório, ainda que seja na forma simplificada.

Nota-se que a motivação para a contratação direta sempre dependerá do caso concreto. Mais uma vez nos acudiremos à hermenêutica jurídica para comprovar o que foi dito. Já observamos que as hipóteses do art. 24 não precedem, obrigatoriamente, das modalidades de licitação elencadas no art. 22 (temos uma regra jurídica sendo excepcionada por outra). Ademais, embora facultada o uso de licitação em sentido estrito, dever-se-á observar o princípio constitucional da obrigatoriedade de prévia licitação, o qual impõe a realização, ao menos, de procedimento simplificado. Então, jamais poderia se afirmar que uma regra jurídica instituidora de uma hipótese teria o condão de afastar um princípio. O que poderia derrogá-lo é, sem dúvidas, outros princípios, frente a determinada situação concreta. Para exemplificar o dito, analisemos uma das hipóteses do referido rol:

XVIII - nas compras ou contratações de serviços para o abastecimento de navios, embarcações, unidades aéreas ou tropas e seus meios de deslocamento quando em estada eventual de curta duração em portos, aeroportos ou localidades diferentes de suas sedes, por motivo de movimentação operacional ou de adestramento, quando a exiguidade dos prazos legais puder comprometer a normalidade e os propósitos das operações e desde que seu valor não exceda ao limite previsto na alínea "a" do incico II do art. 23 desta Lei.

Imaginemos a situação descrita no dispositivo. A lei presume que em uma estada eventual de curta duração seria inviável a realização de licitação em sentido estrito (modalidades licitatórias), então torna dispensável a sua utilização. Posto isto, a contratação in casu, deverá ocorrer por vias de procedimento simplificado (habilitação dos possíveis interessados, convite-orçamento ou cotação eletrônica, julgamento e, por fim, adjudicação). Porém, caso seja constatado, em concreto, que esta "curta duração" é capaz de inviabilizar até mesmo a realização da concorrência simplificada, realiza-se a contratação direta.

Releva notar que a Constituição "deseja" que se realize a licitação em sentido amplo, mas diante da necessidade iminente ela não pode ser realizada. A contratação direta, assim, deve ser entendida como ultima instância para a aquisição da obra, bem ou serviço.

Assim, a contratação direta tem como pressupostos: (i) situação em que a lei autorize a dispensa de licitação em sentido estrito (ii) comprovação de que a realização de procedimento licitatório é inviável ou prejudicial em face da hipótese-limite.

Outro caso bastante interessante é o da contratação em caráter emergencial disposta no inciso III do artigo em comento:

Nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos.

Embora caracterizada a emergência, é necessário, primeiramente, verificar o seu grau, quer dizer, se comportaria ou não a realização de concorrência simplificada. Se cabível, opera-se a concorrência simplificada. Comprovando-se, contudo, que demora na realização do procedimento simplificado acarretaria danos ao interesse da Administração, realiza-se a contratação direta.

Com peculiar atenção, o anteprojeto já comentado criou a modalidade de procedimento para contratação denominada Seleção Emergencial, a qual consiste numa espécie de procedimento simplificado para o atendimento de necessidade emergencial, convocam-se, no mínimo, três pessoas para apresentação de propostas, verificando-se suas qualificações. No entanto, o mesmo diploma, ratificando tudo o que já foi dito neste trabalho, estabelece no §1º do art. 27 do anteprojeto que:

A disputa somente é inviável em decorrência de situação especial de emergência se a adoção do procedimento de Seleção Emergencial previsto no art. 15, impossibilitar o atendimento do interesse público perseguido.

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Sobre o autor
Leonardo Silva Batista

Acadêmico do curso de ciências jurídicas da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Estagiário da Receita Federal do Brasil atuante com ênfase no setor de Licitações e Contratos Administrativos. Estagiário do escritório Abreu & Batista advocacia e consultoria jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Leonardo Silva. Dispensa de licitação: uma exegese principiológica do instituto jurídico da contratação direta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2984, 2 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19918. Acesso em: 24 nov. 2024.

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