1 A POLÍTICA CRIMINAL CONTEMPORÂNEA E SUA RELAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS INFORMADORES DO DIREITO PENAL
Essas pensamos ser, em linhas gerais, as colocações introdutórias fundamentais que situam o tema proposto dentro do contexto atual das discussões político-criminais e criminológicas. Desde já, podemos extrair deduções que, em seu conjunto, podem conduzir os rumos que o presente trabalho pretende tomar, primando sempre por uma linha de investigação científica num primeiro momento imparcial e, em decorrência das constatações fáticas, em certos pontos crítica.
Inicialmente, concordamos que o Estado jamais poderá partir do Direito Penal para enfrentar os problemas sociais. Em verdade, temos que o Direito Penal deve ser visto como um instrumento legal de controle do poder punitivo. A opção legislativa de se valer desse ramo do direito como instrumento simbólico não se justifica nem mesmo na proteção de valores de patamar constitucional [17].
É através dos princípios hoje insertos na Constituição da República, que visualizamos para além da fundamentação, uma verdadeira restrição para o direito de punir do Estado, através da indicação de seus fins, alcance, fontes e exigências de enunciados, fazendo do Direito Penal uma ferramenta de construção de uma sociedade mais igualitária e justa.
A Constituição em um Estado Democrático de Direito se de um lado consagra direitos fundamentais e estabelece limites ao poder público, instituindo princípios básicos de proteção do indivíduo frente ao Estado, por outro fixa diretrizes, com a finalidade de promover valores e ações de cunho social.
A consagração de valores visa antes a dirigir a ação estatal no sentido da sua realização, e não descrever condutas proibidas. O que importa como limite ao poder de punir é o respeito obrigatório do legislador penal aos princípios constitucionais. Portanto, o Direito Penal estaria limitado negativamente pela Constituição.
Ao discorrer no presente capítulo sobre os princípios da Exclusiva Proteção de Bens Jurídicos, da Intervenção Mínima ou da Necessidade, da Lesividade ou Ofensividade, da Fragmentariedade, da Subsidiariedade, da Proporcionalidade, da Razoabilidade, da Culpabilidade, da Humanidade e da Adequação Social, julgamos ter tratado dos principais postulados que vinculam a ação do legislador, no intuito de acautelar suas inclinações casuísticas. Tal interpretação se harmoniza com a via que a presente linha de pesquisa pretende trilhar, na árdua missão de promover um estudo embasado nos pressupostos fundamentais da razão e da justiça.
O poder-dever de punir revela-se, a nosso juízo, tanto na edição da norma penal incriminadora, ou mesmo na aplicação da norma por meio do processo, quanto na execução da pena concretizada na sentença condenatória. Nesses três momentos, identificamos um conflito entre o jus puniendi e os direitos e garantias do cidadão, consistindo os últimos em restrições intransponíveis ao poder do Estado.
Dessa forma, entendemos que, no cenário atual, não é possível a eliminação completa do Direito Penal. E nesse diapasão acompanhamos o pensamento do ilustre professor CLAUS ROXIN, para quem
[...] a justiça criminal é um mal talvez necessário e que, por isso, se deve promover – mas que continua sendo um mal. Ela submete numerosos cidadãos, nem sempre culpados, a medidas persecutórias extremamente graves do ponto de vista social e psíquico. Ela estigmatiza o condenado e o leva à desclassificação e à exclusão social, consequências que não podem ser desejadas num Estado Social de Direito, o qual tem por fim a integração e a redução de discriminações [18].
Assim, a sociedade não suportaria a inexistência de uma reprimenda àqueles que infringem a lei, lesando bens essenciais de alguém ou do próprio Estado, cuja preservação se visa a promover por meio da ameaça penal.Na irreparável análise de MIGUEL REALE JR., o poder de punir do Estado é uma decorrência da "natureza das coisas" da vida associativa, que sucumbe na anarquia se não houver uma centralização da produção e imposição de normas sancionadoras [19]. O exercício legítimo da força só se justifica no Estado de Direito se houver limites, na defesa dos mais relevantes interesses da vida social.
Evidentemente, constatamos uma tênue linha divisória que separa os sistemas penais alternativos das alternativas ao direito penal. Isso porque assentimos que o comportamento criminoso se distribui por todos os grupos sociais e a nocividade social das formas de criminalidade próprias das classes dominantes e, portanto, amplamente imunes, é muito mais grave do que toda a criminalidade realmente perseguida.
No Brasil, identificamos uma tendência à criação de estratégias de combate à criminalidade tipicamente repressivas. Qualquer outra medida de cunho alternativo é covardemente atacada, no intuito de desqualificá-la em sua capacidade de contribuir para a segurança, a partir da imposição do rótulo "política social", como se qualquer medida não repressiva ou não jurídico-formal fosse incapaz de contribuir para a composição de um quadro de alívio do sentimento de insegurança e dela própria. Nesses momentos, está-se diante de uma concepção conservadora de segurança.
Ocorre que, num novo modelo de Justiça Criminal que vem sendo traçado desde o final da década de sessenta, busca-se a extirpação das infrações penais que não constituem um perigo efetivo à sociedade. No ponto, ganha excepcional relevância a discussão dos bens jurídicos tutelados pelas normas penais.
O bem jurídico exerce, na esfera da Política Criminal, importante função, ao orientar o legislador na decisão de qual conduta deve ser reprimida por meio da ameaça penal. Auxilia ainda a definir, dentre múltiplas formas que a conduta possa apresentar, qual aquela especial que, dadas suas características, exige-se seja incriminada por ofender efetivamente um interesse avaliado como relevante.
Num Direito Penal do Estado Democrático de Direito verificamos dentre suas principais características o respeito à autonomia ética, a precisa delimitação do poder público, a seleção racional dos bens jurídicos penalmente tuteláveis, a previsibilidade das soluções, a racionalidade, a humanidade e a legalidade das penas. A este Direito Penal opõe-se um Direito Penal autoritário, de muito maior aceitação no meio social, inclusive em face da larga adesão da mídia.
Entretanto, não há como negar que o Direito Penal, tal como constituído pela racionalidade moderna, desconstruído pela crítica sociológica, imobilizado e incapaz de responder a questões como o crescimento da violência e o surgimento de novas formas de criminalidade e tensionado pela sensação de insegurança e a demanda punitiva, já sofre os efeitos da corrosão por via dos mecanismos de emergência na luta contra o crime.
Diante dessa nova realidade, a manutenção de um paradigma reativo, pautado pela lógica formal e dogmática da normatividade estatal, se de alguma forma contribui para rechaçar (mais teórica do que efetivamente) os abusos por parte do poder punitivo do Estado frente aos direitos e garantias dos cidadãos, precisa ser urgentemente complementado por uma nova perspectiva de tratamento da conflitualidade social contemporânea.
Esse, portanto, o norte que pretendemos adotar na busca por respostas iniciais acerca dos reflexos penais da repatriação de capitais no Brasil. Parece-nos pacífico que, com esse fim, exige-se uma ampla interação entre a Ciência do Direito Penal, a Criminologia e a Política Criminal, de modo a orientar o legislador e o aplicador do Direito Penal na busca pela formação e legitimação de uma efetiva Ciência Penal.
2 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA
No presente capítulo abordamos o cerne desta monografia, isto é, a discussão acerca da legalização e da repatriação de capitais no Brasil propriamente dita. Não é demais alertar que a perspectiva criminológica continua lastreando essa análise, já que se procurou traçar um paralelo dessas medidas com o ritmo da Política Criminal nacional contemporânea. Do mesmo modo, é imperioso advertir a absoluta imprescindibilidade de nos valermos de ciências auxiliares ao Direito Penal e questões que, muito embora aparentem, à primeira vista, ser estranhas a essa matéria, guardam, em verdade, profunda relevância para a compreensão desse novo cenário no âmbito da criminalidade econômica.
Iniciamos por avaliar a necessidade de implementação de estímulos à repatriação de capitais, verificando que atualmente existe um significativo percentual de riquezas brasileiras investidas no exterior. Constata-se aqui a falta de dados estatísticos conclusivos, o que prejudica a avaliação. Entretanto, propusemos uma análise comparativa baseada nos dados oficiais, dos capitais nacionais declaradamente investidos em outros países, para concluir que, por trás de tais estatísticas, existe uma cifra oculta de incríveis proporções, abarcando milhares de contribuintes e centenas de bilhões de reais.
Gradualmente, ao longo das últimas décadas, implantou-se no Brasil uma "cultura de sonegação fiscal" oriunda de sucessivos planos econômicos fracassados, o que resultou no que denominamos de "intrincada teia normativa", um conjunto de normas jurídicas de diferentes âmbitos e escalões, que dificulta sobremaneira o cumprimento das disposições legais por parte dos contribuintes. Procuramos demonstrar que a criação de leis com incentivos fiscais no cenário nacional não é matéria nova, mas que remonta à década de 60 do século XX, com o governo de CASTELLO BRANCO.
Ao avaliar o atual cenário econômico brasileiro, encontramos um período pós-crise econômica mundial, onde há grandes expectativas financeiras e as reservas cambiais nunca estiveram tão altas, revelando uma alta receptividade a investimentos estrangeiros e, porque não, dos próprios brasileiros. Alinhada a essa conjuntura é a articulação política liberal do governo do presidente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, do Partido dos Trabalhadores (PT).
Evidentemente não se pode desconsiderar que existem outras medidas que vem sendo aprimoradas com um objetivo similar, que não deixam de ser válidas dentro de seus propósitos. São medidas que visam à recuperação de ativos através da cooperação jurídica internacional.
Citamos a ação civil de extinção de domínio, que visa a potencializar a recuperação de ativos de origem ilícita, bem como o instituto da alienação antecipada, que consiste na alienação de bens cuja indisponibilidade tenha sido decretada, com o imediato depósito dos valores arrecadados em conta judicial remunerada. A nosso juízo, ambas as medidas são de extrema valia e além de garantir eventuais indenizações na esfera cível, não permitem que esses bens fiquem estagnados, sem o rendimento de lucros e, via de consequência, sem movimentar a economia.
Em seguida, apresentamos um panorama, inclusive das mais recentes movimentações, dos projetos de leis que tramitam no Congresso Nacional relativamente ao tema da repatriação de capitais. Em linhas gerais, trata-se de tentativas de estabelecer uma tributação favorecida sobre os investimentos brasileiros no exterior, seja por meio da legalização – declaração e posterior controle fiscal –, seja pela criação de incentivos tributários e penais ao reingresso desses recursos.
Nesse desiderato, enfrentamos questões específicas dos projetos de lei oriundos do Senado Federal – números 424/2003, do senador Marcelo Bezerra Crivella (PRB/RJ) e 354/2009, de autoria do Senador Delcídio do Amaral Gomez (PT/MS) – e da Câmara dos Deputados – números 113/2003, de autoria do Deputado Federal Luciano de Souza Castro (PR/RR) e 5.228/2005, do Deputado Federal José Mentor Guilherme de Mello Netto (PT/SP).
No tocante às Administrações Tributárias estrangeiras, não se olvidou de fazer referência às experiências vivenciadas por diversos países, não só integrantes da União Europeia, mas também da própria América Latina. Aqui destacamos os dados mais recentes obtidos.
Na Argentina, a lei de repatriação de capitais injetou cerca de 18,113 bilhões de pesos ou US$ 4,7 bilhões de dólares na economia, através da adesão de cerca de 36 mil contribuintes [20]. Na Itália, estima-se que a repatriação que terminou em 15 de dezembro de 2009 (Scudo Fiscale III) teria repatriado cerca de 100 bilhões de euros, sobretudo advindos da Suíça. Nas anistias de 2001 e 2003, 25 bilhões de euros saíram dos bancos suíços (aproximadamente 80% de Lugano, sul da Suíça). Quase 19 bilhões de euros foram regularizados junto ao fisco italiano (Agenzia delle Entrate), mas continuaram sob gestão na Suíça [21]. A lei de repatriação turca, em vigor até 31 de dezembro de 2009, repatriou cerca de 47.3 bilhões de euros (apx. U$ 31.5 bilhões) [22]. Em Portugal, durante a crise econômica europeia, o valor aplicado em paraísos fiscais subiu 3,5%, para um total de 11,2 milhões de euros, e o reingresso de capitais reduziu-se em 14%, para 9,8 milhões de euros, segundo o Banco de Portugal. Diante disso, o governo português aprovou um novo projeto de anistia fiscal aos capitais depositados em offshores, com prazo de 01 ano, medida que tenta, essencialmente, captar liquidez para a economia no contexto de crise [23].
Acerca dos efeitos na seara penal, os projetos são bastante claros, mas evidentemente não isentos de críticas.
Na proposição do Deputado JOSÉ MENTOR, as pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no Brasil que optassem pela legalização ou repatriamento de recursos não declarados que mantivessem no exterior teriam extintas suas punibilidades pelos crimes relacionados a esses capitais. Todavia, há um rol de práticas delituosas que implicariam vedação à aplicação da lei e que, caso constatadas posteriormente, acarretariam a aplicação de duras sanções, além da aplicação da pena em dobro. Mais além, há previsão que não seria realizada qualquer espécie de identificação do sujeito passivo para a emissão do documento de arrecadação, ficando vedada a divulgação ou a utilização das informações relativas ao repatriamento para a constituição de crédito tributário relativo a outros impostos ou contribuições.
No projeto do Senador DELCÍDIO DO AMARAL, a declaração de bens e direitos e a opção pela consolidação de débitos lá instituída (REFIS) extinguiria a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária, econômica e financeira e contra o Sistema Financeiro Nacional, além dos crimes de descaminho, falsidade material de
documentos públicos e privados, falsidade ideológica e crimes contra a previdência social. Há expressa ressalta aos crimes de "lavagem de dinheiro", não abarcados pela lei, por envolverem recursos de origem criminosa.
A ideia introduzida por este projeto em especial, é a do estímulo à cidadania fiscal, conjunto de direito e deveres dos cidadãos frente ao fisco brasileiro. Busca-se incitar as pessoas físicas e jurídicas a aderir a um novo modelo fiscal, que contempla a regularização, mediante tributação favorecida, de suas situações fiscais pretéritas, regularizar e repatriar os capitais não declarados gerados pela atividade econômica lícita.
Trata-se, pois, de um tema de ampla repercussão, que vem sendo discutido há quase uma década e ainda não tem definição, sobretudo em face dos entraves político-partidários, que, nada obstante, revelam a formação de duas frentes opostas com contornos bastante definidos.
A corrente favorável alega que a repatriação poderia trazer um retorno financeiro ao Brasil da ordem de US$ 50 bilhões, montante suficiente para acelerar projetos de infraestrutura e movimentar ainda mais a economia interna do país. Ampara-se, ainda, nas experiências de países desenvolvidos como Itália, EUA, e Alemanha. Sustenta-se que as medidas beneficiam apenas os titulares de recursos provenientes de sonegação fiscal que tiverem angariado os recursos de forma lícita, não os tendo declarado anteriormente. Do contrário, são previstas sérias punições. Outro argumento apresentado é o da diminuição do risco e dos juros e aumento da arrecadação e dos investimentos. Isso porque se especula que, com o ingresso desses capitais, a economia poderia se estabilizar e, com isso, os juros e os riscos de investimento no Brasil cairiam, consequentemente estimulando ainda mais o investimento nacional e estrangeiro. Além disso, as pessoas de um modo geral se sentiriam mais confortáveis em declarar seus bens no Brasil (cidadania fiscal) ao invés de remetê-los para o exterior, dada a conjuntura econômica. Por fim, determinante é a regularização da situação fiscal de inúmeros contribuintes para com a Receita Federal.
De outra banda, há consideráveis argumentos contrários a uma medida de repatriação de capitais com extinção de punibilidade de crimes relacionados. Teme-se que, mesmo com as vedações legais, esse processo poderia atrair organizações criminosas que intentassem fraudar a legislação para a prática de lavagem de dinheiro, o que dificultaria sobremaneira a distinção entre o dinheiro de origem lícita e o de origem ilícita. É observado também que uma previsão de total anonimato no procedimento de repatriação poderia representar uma "oficialização" da prática criminosa.
Outra questão levantada é a de que a medida fere o princípio da igualdade ou isonomia tributária [24], na medida em que privilegia o contribuinte que outrora sonegou tributos, configurando uma espécie de prêmio ao "fugitivo fiscal", um incentivo à sonegação que disseminaria um sentimento geral de impunidade. Ademais, há grande divergência quanto à extinção da punibilidade pelos crimes de evasão de dividas e de sonegação fiscal. Alguns alegam que, sem a anistia desses delitos, a lei não teria eficácia, e outros sugerem que seria suficiente uma redução de pena ou substituição por penas alternativas, caso contrário revelar-se-ia um propósito oculto nos projetos, que não o de trazer mais investimentos para o Brasil.
Após a análise dos argumentos lançados, indagamos acerca da real natureza jurídica dos benefícios concedidos, no intento de compreendê-los completamente, já que não se pode prescindir de sua plena identificação técnica para, enfim, emitir um juízo de valor cientificamente embasado.
Tem-se que a punibilidade não é uma característica do delito, e sim um resultado de sua existência. A concreta possibilidade jurídica de o Estado aplicar uma sanção em face do sujeito ativo de um crime encontra obstáculo nas chamadas causas extintivas de punibilidade, fatores que implicam renúncia ao jus puniendi ou à pretensão executória [25], seja pela não imposição de uma pena, seja pela não execução ou interrupção do cumprimento daquela já aplicada.
No ordenamento pátrio, o artigo 107 do Código Penal contempla um rol exemplificativo de medidas desse cunho. Porém, existem diversos casos previstos na parte especial do Código, bem como em leis especiais. É o que pretendem os projetos de repatriação de capitais.
Via de regra, ainda que extinta a possibilidade de o Estado de impor uma pena ao agente, remanesce o crime praticado. Não é o que ocorre com a anistia, que faz desaparecer a infração penal, como se nunca tivesse sido cometida.
Uma lei de anistia é uma lei que descriminaliza temporariamente o delito [26]. Para tanto, deve ser uma lei em sentido material e formal, ou seja, uma lei editada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República.
Ao que tudo indica, portanto, os projetos de lei relativos à repatriação de capitais referem-se a uma verdadeira anistia penal no que tange às implicações criminais.
De outro lado, no que diz com a esfera tributária, coloca-se a discussão sobre a extinção ou exclusão do débito tributário, que embora alheia ao direito penal, aqui exerce papel primordial para se possa cogitar da viabilidade e eficácia da repatriação de capitais. Enfrentamos, assim, as particularidades dos institutos da remissão, isenção e anistia, porquanto surgiram diversas posições sobre qual a verdadeira classificação do benefício instituído pelos projetos de repatriação.
A remissão fiscal é uma espécie de perdão legal do débito tributário, no qual ocorre o fato gerador, mas não há lançamento do tributo. A isenção, por sua vez, apresenta diversos significados, dentre eles a dispensa legal do pagamento do tributo; uma hipótese de não-incidência tributária qualificada; e uma limitação do âmbito de abrangência do critério antecedente ou do consequente da norma jurídica tributária. Por fim, a anistia fiscal é o esquecimento das infrações tributárias praticados e o perdão da multa ainda não aplicada.
Observando os termos dos projetos apresentados, chegamos à conclusão de que os benefícios fiscais que se pretende conceder enquadram-se tanto no conceito de remissão, abrangendo os tributos federais (obrigação principal) cujo débito seria remido, quanto a de anistia, que aboliria a multa e os juros de mora pelo atraso no pagamento. Logo, temos que coexistem os dois institutos, ao menos pela atual redação dos projetos.
Nada obstante, há quem sustente que o proveito não se enquadra em nenhuma das três definições apresentadas, antes representando a criação de uma nova relação jurídica. Não se trataria de perdão na cobrança do crédito tributário principal ou acessório, mas sim de desconsideração de prática de infração tributária e penal, concedendo ao contribuinte faltoso novo prazo para retificação de sua declaração de bens e direitos, bem como a incidência de alíquota diferenciada para tais contribuintes. Nesses termos, instituir-se-ia apenas um regime de tributação diferenciado.
Cremos, no entanto, que o fato de ser criado um regime de tributação diferenciado [27], não exclui a remissão que é concedida relativamente aos débitos tributários passados, tampouco a anistia, quanto a eventual multa pelo descumprimento da obrigação tributária.
Finalmente, da análise das alíquotas propostas conclui-se que, se considerarmos as faixas de regular tributação sobre o Imposto de Renda, há, sem dúvida, um favorecimento do contribuinte que outrora sonegou os tributos, retomando-se o debate sobre a violação à isonomia tributária.
Nesse passo, tendo delimitado os conceitos fundamentais e exposto os debates mais prementes, remetemos à conclusão um posicionamento provisório sobre a legalização e repatriação de capitais, com base nos subsídios até aqui angariados.