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Privatização de prisões no Brasil

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07/09/2011 às 14:56
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Apontamos as principais experiências nacionais de privatização, indicando, em linhas gerais, como se desenvolveu esse modelo em cada estado que o implementou.

Agora, portanto, permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e o amor. A maior delas, porém, é o amor.

São Paulo (1 Cor, 13)

RESUMO

Para a exposição da problemática da privatização dos presídios no Brasil foram apresentadas as principais questões sobre a matéria. Inicialmente, procurou-se expor um breve histórico da pena de prisão no país, além de sua situação atual com todas as suas mazelas. Não se olvidou, ainda, de uma singela abordagem social do cárcere relacionada às suas funções (ideais e reais). De igual modo identificou-se um movimento atual no Brasil do direito penal chamado lei e ordem e seus reflexos sobre o aumento do encarceramento. Posteriormente, foram estudados alguns dos principais modelos de participação privada em presídios no cenário internacional. Também se dividiu os diversos modelos de intervenção da iniciativa privada no sistema prisional, dês suas formas mais tímidas, como fornecimento de alguns serviços secundários, até a completa entrega da administração ao ente particular. Apontamos ademais as principais experiências nacionais de privatização, indicando, em linhas gerais, como se desenvolveu esse modelo em cada estado que o implementou. Foram finalmente analisados os principais pontos jurídicos relevantes para o tema, abordando as diversas opiniões que têm se formado, inclusive sobre a sua (in)constitucionalidade.

Palavras-chave: pena, prisão, privatização, controle social.

RIASSUNTO

Per esporre la questione della privatizzazione delle carceri in Brasile, sono stati presentati i principali temi in materia. Inizialmente, abbiamo cercato di esporre una breve storia del carcere nel paese, al di là della sua situazione attuale con tutte le sue verruche. Non ancora si è dimenticato un approccio semplice delle funzioni carcere sociali legati alla loro (reale e ideale). Inoltre è stato individuato un movimento chiamato l'attuale legge penale e l'ordine e il suo impatto in aumento in carcere. Successivamente, abbiamo studiato alcuni modelli chiave della partecipazione privata in carcere sulla scena internazionale. Anche dividere i vari modelli di intervento nel sistema carcerario privato, la maggior parte loro des 'timido, come alcuni servizi di lato, per completare la consegna dell 'amministrazione, in particolare, essere. Oltre l'obiettivo principale delle esperienze di privatizzazione nazionale, indicando, in generale, come si è sviluppato questo modello in ogni stato che ha attuato. Abbiamo finalmente analizzato i punti principali del diritto rilevanti per il tema, discutendo le varie opinioni che si sono formate, di cui circa la sua (in) costituzionalità.

Parole chiave: penna, privatizzazione, prigioni, controle sociale.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1- UNIVERSIDADES

UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

USP - Universidade de São Paulo

UNB - Universidade de Brasília

UCAM - Universidade Candido Mendes

2- TRIBUNAIS

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

3- ÓRGÃOS, ASSOCIAÇÕES E FUNDAÇÕES

MP - Ministério Público

MJ - Ministério da Justiça

CNPCP - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciaria

DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional

4- LEGISLAÇÃO

CP - Código Penal

CPP - Código de Processo Penal

LEP - Lei de Execuções Penais

CF - Constituição da República Federativa Brasileira


1 INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos anos diversos países vêm promovendo a transferência de serviços de utilidade pública para o setor privado. Atualmente, não mais sendo possível a manutenção do Estado de Previdência nos países desenvolvidos, principalmente a partir da década de 80 com a implementação dos ideais neoliberais, o Estado tem se reservado a função de regulador da economia. Como consequência, a iniciativa privada vem se responsabilizando por uma parcela cada vez maior de atividades até então prestadas pelo poder público. Esse fenômeno também se observa na área de segurança pública em especial na gestão do sistema carcerário.

No âmbito prisional, no entanto, deve-se ter sempre em mente que o objeto dessa atividade é o ser humano. Nesse sentido há que se ter cuidado com a transformação do indivíduo em fonte de lucro. Com a passagem da gestão prisional do Estado para o particular altera-se o próprio fim com que a atividade é executada. Se o objetivo do Estado (ainda que não alcançado) é a "correção" e a ressocialização do apenado, o particular tem o indivíduo meramente como um "cliente".

Se, de um lado, nos outros mercados, o sucesso dos empresários implica naturalmente numa maior captação de clientes e consequentemente em melhores resultados econômicos, de outro lado, o sucesso do empreendedor prisional (a ressocialização) implica inexoravelmente na redução da sua clientela e por conseguinte dos seus resultados. Sendo assim, numa situação hipotética na qual a gestão privada atingisse grande sucesso na sua missão de reintegrar o indivíduo à sociedade, ter-se-ia como resultado a falência do particular. De sorte que, abstraindo-se a teoria absoluta, retributiva da pena, teríamos um particular perseguindo um fim que quando alcançado o levaria à quebra econômica.

É evidente que não se olvida dos direitos que a lei de execuções penais garante ao preso, e que se tornam obrigações para o administrador do presídio. Contudo, como se verá ao longo da presente análise, a iniciativa privada não tem se mostrado mais eficiente que o Estado em prover tais direitos ao preso. O que ocorre é que nos casos em que as penitenciárias privadas apresentam melhores condições de tratamento aos presos, há, na mesma medida, um aumento dos custos para o Estado. Ou seja, esses resultados alcançados por alguns estabelecimentos privados se devem ao aumento significativo dos custos para o Estado e não a uma maior eficiência na gestão.

Não obstante, as empresas privadas frequentemente estão blindadas por cláusulas que limitam o número máximo de detentos, de forma que nunca ficarão sujeitas a lidar com a superlotação e os problemas daí resultantes. Todavia aqueles detentos que não encontram lugar nas penitenciárias privadas não desaparecem, a eles resta ficarem amontoados na outra parte do sistema carcerário.

Ademais, não é raro, encontrarmos detentos que, não obstante as melhores instalações físicas da penitenciária privada, preferem cumprir a pena nas insalubres cadeias públicas. Isso, em decorrência da maior rigidez dos regulamentos das prisões privadas. O que gera um outro problema, qual seja, o da (falta de) legitimidade do particular para estabelecer um regime mais gravoso de internação a bem de conseguir melhor administrar seu empreendimento. Ou seja, do ponto de vista da prisão como instituição, como castigo, e não somente como prédio, os estabelecimentos privados são ainda "piores".

Nunca é demais lembrar que, no âmbito da execução penal, a linha que separa a sanção penal da sanção administrativa é extremamente tênue. Tanto é assim, que já se afirmou constituir esta um sistema sancionatório autônomo e adicional à pena imposta na sentença penal condenatória [01].

Voltando ao ponto da administração prisional, é preciso atenção para não se deixar enganar por uma aparência de eficiência que alguns presídios sob administração privada apresentam. Assim sendo, procuramos levar a efeito uma análise do sistema carcerário pátrio, identificando, na medida do possível, as raízes históricas e o contexto social que o levaram à situação de crise na qual está (e, na verdade, sempre esteve) imerso. Crise esta que, entre outros fatores, preparou terreno para a chegada da proposta privatizante. Tentamos ainda empreender uma análise sucinta dos principais modelos estrangeiros que inspiraram esta proposta. Observamos ademais algumas experiências de participação privada efetivamente implementadas no país.

Posto que nos debruçamos sobre essas questões práticas, buscamos não perder de vista uma certa postura crítica sobre o tema, analisando no final do trabalho alguns aspectos importantes que, a nosso ver, demandam uma maior atenção. De modo que foram trazidas para o debate, ainda que brevemente, questões morais, jurídicas e políticas, que permeiam o tema.

Por derradeiro, sempre mantendo uma abordagem crítica do assunto, concluímos pretendendo propor uma reflexão acerca, não somente da privatização, mas também da própria pena de prisão.


2. DA PENA DE PRISÃO

2.1 Evolução da Pena de Prisão no Brasil

Sabe-se que no Brasil a primeira legislação penal é oriunda do direito português, (Ordenações Afonsinas até 1521, seguidas pelas Ordenações Manuelinas e, a partir de 1603, as Ordenações Filipinas). Sobre este período é bastante elucidativa a seguinte passagem:

Diversamente das Afonsinas, que não existiram para o Brasil, e das Manuelinas, que não passam de referência burocrática, casual e distante em face das práticas penais concretas acima noticiadas, as Ordenações Filipinas constituíram o eixo da programação criminalizante de nossa etapa colonial tardia, sem embargo da subsistência paralela do direito penal doméstico que o escravismo necessariamente implica [02].

Inicialmente, as penas eram basicamente corporais, os suplícios. O cárcere figurava unicamente como um local onde o indivíduo aguardava a punição que lhe seria infligida.

A partir do século XVIII, o cenário começa a se alterar. Especialmente após o advento da obra de Cesare Beccaria, considerado o pai da ciência penitenciária [03], ocorrido em 1764, que imensa influência exerceu na reforma das idéias penais. Pode-se dizer que os "humanitários" da época eram os que defendiam a pena de prisão, como alternativa para a barbaridade das penas físicas.

As revoluções liberais também tiveram importante papel nesta transição. A revolução francesa de 1789 universalizou os direitos do Homem e do Cidadão, muito embora a França só tenha abolido os suplícios em 1848 [04]. De igual modo, a revolução americana de 1776, que culminou com a independência dos Estados Unidos, também comungava dos ideais de afirmação da autonomia do indivíduo contra as formas de opressão.

No início do século XIX, sob as novas orientações dessas escolas do pensamento, os suplícios vão perdendo lugar nos sistemas punitivos, inspirados por ideias mais humanitárias. Aqueles espetáculos bizarros vão dando espaço a penas mais discretas, a um sofrimento velado, a justiça já não mais glorifica a violência, que passa a ser encarada como um elemento intrínseco que ela é obrigada a tolerar e que muito lhe custa impor [05].

No Brasil, ainda no Império, o código penal de 1830 já trazia inúmeros crimes apenados com prisão, normalmente cumulada com trabalho, embora tenha mantido a cominação de pena de morte para alguns delitos, cuja execução era realizada mediante forca. As penas cruéis, entretanto, já não eram mais aplicadas por orientação do Príncipe D. Pedro, que pelo Aviso de 28 de agosto de 1822 declarou aos juízes do crime que deviam regular-se pelas bases da legislação constitucional portuguesa porque, nelas, já se falava em necessidade para as leis; impunha-se haver proporcionalidade da pena para o delito; mandava-se respeitar a pessoalidade para a aplicação de sanção criminal e, finalmente, exigia-se a abolição de medidas punitivas cruéis e infamantes [06].

Não se pode olvidar ainda de uma das mais vergonhosas passagens da nossa história, a escravidão, que muito legou ao sistema punitivo atual. Como bem assevera Rodrigo Roig: "as normas penitenciárias brasileiras se valeram da experiência escravocrata para impor um regime extremamente rigoroso e útil aos fins do controle social [07]".

Verdadeira privatização das penas já ocorria naquela época. O senhor detinha autoridade legítima para aplicar as punições ao escravo pelas faltas por este praticadas no âmbito doméstico, bem como era verdadeiro auxiliar da justiça nos caso em que o negro fosse condenado por prática de crimes. Vide, nesta linha, o artigo 60 do Código Criminal do Império de 1830:

Art. 60. Se o réo fôr escravo, e incorrer em pena, que não seja a capital, ou de galés, será condemnado na de açoutes, e depois de os soffrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazel-o com um ferro, pelo tempo, e maneira que o Juiz designar.

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O numero de açoutes será fixado na sentença; e o escravo não poderá levar por dia mais de cincoenta.

Havia, contudo, algumas instruções do poder público destinadas a estabelecer parâmetros para o exercício do poder punitivo disciplinar dos senhores, a fim de se evitarem castigos imoderados e cruéis. Exemplo disso é o Aviso de 11.nov.1835, ordenando ao senhores que se abstivessem de castigos excessivos [08]. Sobre este amplo poder punitivo doméstico leciona o Professor Nilo Batista:

Na falta de regras jurídicas explícitas sobre a matéria, na falta de Código Negro, para que serve o segundo limite, que "a qualidade (do castigo) não seja contrária às leis em vigor"? O silêncio obsequioso do discurso penalístico diante da justificativa do castigo senhorial moderado, questão mil vezes mais importante naquela conjuntura do que o castigo familiar e o pedagógico, é a prova definitiva do sucesso que o poder punitivo privado escravista alcançou em resistir a ver-se regulamentado [09].

Avançando no tempo, chega-se à República velha, onde o código penal de 1890 (Decreto nº 847), que aboliu a pena de morte, [10] já previa diversas modalidades de prisão, como a prisão cautelar, a reclusão, a prisão com trabalho forçado e a prisão disciplinar, sendo que cada modalidade era cumprida em estabelecimento penal específico. A pena máxima também foi fixada em 30 anos.

O referido diploma levou a efeito um endurecimento penal reclamado em virtude das maiores tensões sociais em parte oriundas da abolição da escravidão, e do aumento da miséria nas cidades. São exemplos deste momento histórico as famosas revoltas populares da república velha, com destaque para a Guerra de Canudos, na qual esta "cidade" - com cerca de 25 mil habitantes - foi inteiramente dizimada pelo exército republicano.

No Estado Novo, entra em vigor o Decreto-Lei 2848 de 1940, o nosso Código Penal, que ainda vigora atualmente. Nesta época, o descaso com que a situação prisional era tratada pelo Poder Público era evidente. O que se refletia em diversos problemas, como as superlotações das prisões, promiscuidade entre os detentos, desrespeito aos princípios de relacionamento humano, bem como a falta de aconselhamento e orientação do preso.

Com o novo código, as penas foram divididas em duas categorias: principais e acessórias. As primeiras sendo de três tipos: reclusão, detenção e multa. Enquanto que as segundas consistem na perda da função pública e nas interdições de direitos. A reclusão é a mais rigorosa, executando-se de acordo com o sistema progressivo, dividindo-se sua duração em quatro períodos.

Em 1984 houve uma reforma completa da parte geral. Com diversas alterações, buscou-se dar uma resposta ao excesso de encarceramento, através de uma série de institutos descarcerizantes. São exemplos disso a prescrição retroativa, e o tratamento diferenciado para os crimes de menor relevância, criando novas medidas como as penas alternativas, e evitando-se assim o encarceramento dos seus autores por curto lapso de tempo.

Entretanto, tais medidas não foram suficientes para solucionar os problemas do encarceramento. Tem-se observado um crescente aumento da população carcerária no Brasil, em especial por influência de movimentos de endurecimento penal, como o movimento de lei e ordem, que advogam o aumento das penas e o recrudescimento dos regimes de cumprimento, a exemplo da lei de crimes hediondos, e do regime disciplinar diferenciado, como meio de redução da criminalidade.

2.2 "Função social" da Prisão

A prisão no Brasil tem sido um eficaz meio de contenção social. São seus clientes toda uma massa de excluídos da estrutura socioeconômica vigente. São homens e mulheres que, selecionados pela criminalização da pobreza, são jogados como indigentes em locais sem as mínimas condições de abrigar um ser humano com dignidade.

Reza o art. 3º da lei de execução penal que serão assegurados ao preso todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. A realidade , entretanto, é diversa. Pode-se dizer a restrição da liberdade - que deveria ser o único castigo - acaba por tornar-se a parte mais tolerável do cárcere. Isto porque o indivíduo preso passa por todas as violações possíveis, sendo vítima de violência física, psíquica, e sexual, sendo ainda frequentemente contaminado pela mais diversa sorte de enfermidades, como a AIDS, hepatites, doenças de pele entre outras.

Os presos sofrem ainda com a superlotação carcerária, a falta de atendimento médico e assistência jurídica adequada. Outro problema é a atuação do crime organizado, que muitas vezes converte as prisões em verdadeiros centros de comando de onde gerenciam ações criminosas em vários pontos do país. De sorte que, os presos recém chegados, mesmo que fora do presídio não tivessem nenhum ligação com facções criminosas, uma vez encarcerados, passam a ser facilmente cooptados por esses grupos.

De modo que a primeira coisa retirada do preso - após a liberdade - é a sua própria dignidade, passando o indivíduo por um processo de animalização. Neste contexto não há que se falar em função ressocializadora ou educativa da pena. O único papel desempenhado - muito bem desempenhado - é o de infligir o maior sofrimento possível no apenado e, por consequência, deixá-lo cada vez mais revoltado, humilhado e, como não poderia ser diferente, menos sensível aos valores partilhados pela sociedade.

Analisando o cenário repressor como um todo, a contribuição do cárcere se alinha perfeitamente com a ação dos outros braços do poder punitivo do Estado. Isso porque, uma vez em liberdade o ex-detento muitas vezes se mostra determinado a não voltar para o sistema carcerário. De sorte que, uma vez que se encontre na iminência de ser preso, o sujeito fará de tudo ao seu alcance para evitar a prisão. Fornecendo assim a justificativa perfeita para legitimar a ação letal da polícia, que sob o manto do "auto de resistência", tem matado cada vez um número maior de pessoas. Para se ter ideia, no estado do Rio de Janeiro ocorrem 3 mortes por dia em autos de resistência [11].

A presente situação proporciona ao Brasil índices de fazer inveja a qualquer país em guerra. Segundo o recente estudo "Mapa da Violência 2011 – Os Jovens do Brasil" divulgado pelo Ministério da Justiça, o Brasil ocupa o sexto lugar no ranking (de cem países) de homicídios de jovens, com uma taxa de 52,9 homicídios por cem mil habitantes. [12]

Apenas a título ilustrativo, observe-se o que ocorreu em setembro de 2009, no Rio de Janeiro, quando um suspeito de assalto, fazendo uma refém com uma granada, recusou se entregar por não admitir voltar para a prisão, sendo baleado e morto em frente às câmeras, sob os aplausos da multidão [13]. Cenas como essa são comuns em todas as periferias brasileiras, onde a parcela economicamente excluída da população é vitimizada pelos mecanismos estatais de controle da pobreza.

Se a prisão falha no cumprimento de suas missões declaradas (reprovação e prevenção), ao que tudo indica, ela cumpre bem seu papel como parte integrante de um mecanismo de controle social. Isto é, no momento em que o encarcerado passa a preferir a morte ao cárcere, fica livre o caminho para a polícia (mediante os autos de resistência) contribuir com a sua parte para a "paz social", sendo cumprido desta forma o dever (implícito) do cárcere. Esses efeitos sociais da pena configuram uma verdadeira "missão secreta" do direito penal. [14]

Isto porque, ao se adotar uma definição ampla de pena, todas essas violências de que se vale o sistema penal, integram o conceito de pena na medida em que contribuem para a consecução desses fins secretos. Nesse sentido, "Todo esse exercício do poder punitivo é, sem dúvida, penal (são penas, ainda que ilícitas). Tal conceito implica em se adotar uma idéia ampla de pena, como categoria que permite ao direito penal distinguir entre penas lícitas e ilícitas."

Desta forma, o direito penal se apresenta como meio de controle trabalhando a serviço da manutenção do status quo dominante. Assim, o direito penal estará protegendo as relações sociais e os valores escolhidos pela classe dominante, ainda que ele tente aparentar um caráter de universalidade.

Na mesma linha é a lição de Juarez Cirino do Santos [15]:

Os objetivos declarados do Direito Penal produzem uma aparência de neutralidade do sistema da justiça criminal, promovida pela limitação da pesquisa jurídica ao nível da lei penal, única fonte formal do Direito Penal. Essa aparência de neutralidade do Direito Penal é dissolvida pelo estudo das fontes materiais do ordenamento jurídico, enraizadas no modo de produção da vida material, que fundamentam os interesses, necessidades e valores das classes sociais dominantes das relações de produção e hegemônicas do poder político do Estado, como indicam as teorias conflituais da Sociologia do Direito.

Historicamente, uma das principais ondas de encarceramento ocorreu no período pós revolução industrial, para conter os novos marginalizados da economia que foram expulsos do campo. Naquela época as prisões eram projetadas de forma parecida com as fábricas e os presos seguiam uma rotina rígida, como observamos no regulamento da Casa de jovens detentos de Paris, redigido por Léon Faucher, apresentado por Michel Foucault. O regulamento apresentava diversas atividades a serem praticadas em horários determinados, como por exemplo, oração, trabalho, escola, recreio, leitura etc. [16]

Claramente se observa uma tentativa de se disciplinar os presos à rotina de trabalho industrial, de modo a transformá-los em operários para a nova era industrial que surgia. Esse fenômeno fica claro nas magistrais linhas que seguem:

na segunda metade do século XIX, teve início um movimento para o disciplinamento sutil e pragmático, isento dos limites liberais, isto é, meramente funcional: recondicionou-se a distinção entre inimigos (já não do soberano mais da sociedade) e indisciplinados que remontava pelo menos à Carolina, com a perseguição aos vagabundos, agora empiricamente identificáveis nos pobres não incorporados ao modo de produção industrial [17].

Este lado disciplinador que do cárcere que pretende transformar esses indivíduos em trabalhadores fabris, é ainda muito bem colocado por Melossi e Pavarini, quando denunciam: "a produção de sujeitos para uma sociedade industrial, isto é, a produção de proletários a partir de presos forçados a aprender a disciplina da fábrica" [18].

O Brasil, nesse período, de igual modo, fez uso do cárcere com meio de contenção dos marginalizados, especialmente após a abolição da escravidão, e com os crescentes conflitos sociais decorrentes da situação de miséria das massas populares. Vide o decreto 145 de 1893 que cominava pena prisão para reabilitação dos mendigos válidos, vagabundos ou vadios, capoeiras e desordeiros [19].

2.3 Atual Situação das Prisões

Diversos são os problemas que assolam as prisões brasileiras. O mais grave talvez seja a superpopulação, pois é dele que resultam muitos outros. Entre eles estão os maus tratos aos presos; a deficiência no atendimento médico e na assistência jurídica; a presença do crime organizado; as rebeliões, entre outros.

Quanto à superpopulação, em 2009 no Brasil, segundo estimativa do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), havia um déficit de 170 mil vagas no sistema prisional, sendo que a situação provavelmente seria pior haja vista que alguns Estados não repassavam os dados sobre os presos. De modo que, de acordo com o Depen, as 299 mil vagas eram ocupadas por 469 mil presos.

O tratamento dado aos presos é igualmente lamentável. A rotina de espancamentos, violência sexual, sofrimento psicológico vai destruindo por completo a dignidade do indivíduo. Essa situação gera um ambiente de revolta e ódio que só é capaz de deixar o indivíduo cada vez mais humilhado e bestializado.

A assistência médica (determinada pela LEP em seu art. 14) precária das cadeias é outra questão alarmante, faltam desde medicamentos até profissionais da saúde. A concentração de pessoas em condições insalubres de higiene, alimentação, ventilação etc., cria um cenário perfeito para a proliferação de moléstias entre os presos.

A maior parte das prisões também não conta com um programa de assistência jurídica (estipulada pelos artigos 15 e 16 da Lei 7.210/84 – LEP). Não é incomum encontrar casos de presos que já fazem jus a um regime de cumprimento de pena melhor, ou até mesmo de condenados com a pena expirada que continuam presos.

Essa conjugação de fatores faz da prisão um verdadeiro barril de pólvora. Frequentes são as rebeliões em presídios em que os presos fazem reivindicações básicas como o direito a visitas, banhos de sol, presença de defensores etc. Infelizmente também não são incomuns finais trágicos para esses motins como foi o caso do massacre do Carandiru em São Paulo, no qual 111 presos foram mortos após a intervenção da tropa de choque da polícia militar.

Por derradeiro, outro elemento que denuncia a falência do sistema prisional é o alto índice de reincidência. Segundo o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), os números da reincidência no Brasil variam de 70% e 85% entre condenados submetidos a penas restritivas de liberdade [20].

Pelo exposto, fica clara a gravidade do problema das nossas prisões. A incapacidade do sistema penal em apresentar resultados satisfatórios tanto no que diz respeito à redução da criminalidade quanto no tratamento dos presos é evidente. Não obstante, calcula-se que no Brasil, segundo dados do Ministério da Justiça, em 2000 o número de presos atingia 230 mil, já em 2010 este número saltou para quase 500 mil [21], revelando um assustador aumento do encarceramento.

Em toda a América, a população carcerária brasileira, só é ultrapassada, em números absolutos, pela dos Estados Unidos. Números que fazem do Brasil um dos maiores encarceradores do mundo com cerca de 259 presos para cada 100 mil habitantes, neste índice, o campeão do encarceramento (EUA) ostenta os seus surpreendentes 731 presos por 100 mil habitantes.

Nesse contexto de crise, surgiu no Brasil ainda nos anos 90 a proposta de abrir para a iniciativa privada algumas funções no sistema prisional, como será visto adiante.

2.4 O Movimento de Lei e Ordem

Segundo Wacquant [22], o movimento de Lei e Ordem surgiu nos Estados Unidos por volta da década de 70 em meio a crises sociais, como o crescimento vertiginoso de desigualdades, precariedade, pobreza, devido à forte redução com gastos sociais, como forma encontrada para "aquietar", oprimir, a massa insatisfeita.

Logo, de acordo com o citado autor, está sendo observada a transição de um Estado-providência para um Estado-penitência, ou seja, a atrofia deliberada do Estado social, que agrava os problemas sociais da população mais pobre, resulta numa hipertrofia do Estado penal, que precisa conter aqueles indivíduos que o Estado não mais tem condição (ou vontade política) de assistir.

Wacquant ainda assevera que: "traduz o abandono do ideal de reabilitação (...) e de sua substituição por uma ‘nova penalogia’, cujo objetivo não é mais nem prevenir o crime, nem tratar os delinquentes visando seu eventual retorno à sociedade uma vez sua pena cumprida, mas isolar grupos considerados perigosos e neutralizar seus membros mais disruptivos (...) [23]"

Como se percebe, a ideologia central desse movimento é a repressão, baseada no velho regime punitivo-retributivo, com o abandono do ideal de reabilitação envolvido no encarceramento.

Os partidários dessa política advogam a ideia de que a criminalidade e a violência urbana somente poderão ser controladas através de leis severas, que imponham tanto a pena capital quanto longas penas privativas de liberdade. Estes seriam os únicos meios eficazes para intimidar e neutralizar os criminosos e, além disso, capazes de fazer justiça às vítimas e aos homens de bem, ou seja, aos que não delinquem.

O clamor popular reclama, sem muita racionalidade, a busca por uma solução imediata para o angustiante problema da segurança pública. Por outro lado, as estatísticas informam que os tratamentos de ressocialização não alcançam os resultados desejados, uma vez que os índices de reincidência a cada dia estão mais altos. Como é sabido, este fracasso do tratamento da criminalidade deixa um espaço que está sendo ocupado pelos movimentos de lei e ordem. A Política Criminal ditada por este movimento é assim descrita por João Marcello de Araújo Junior:

a)a pena se justifica como castigo e retribuição, no velho sentido, não devendo a expressão ser confundida com o que hoje denominamos retribuição jurídica;

b) os chamados crimes atrozes sejam punidos com penas severas e duradouras (morte e privação de liberdade de longa duração);

c)as penas privativas de liberdade impostas por crimes violentos sejam cumpridas em estabelecimentos penais de segurança máxima e o condenado deve ser submetido a um excepcional regime de severidade, diverso daquele destinados aos demais condenados;

d)a prisão provisória deve ser ampliada, de maneira a representar uma resposta imediata ao crime;

e)que haja diminuição dos poderes do juiz e menor controle judicial da execução, que deverá ficar a cargo, quase exclusivamente, das autoridades penitenciárias [24].

Os efeitos dos Movimentos de Lei e Ordem já se fazem sentir na esfera legislativa de diversos países. Exemplificando, há nos Estados Unidos o movimento Tolerância Zero, na Itália a Operação Mãos Limpas e, no Brasil servem de exemplo a Lei nº 8.072/90 (Crimes Hediondos), bem como a Lei nº 10.792/02 (Regime Disciplinar Diferenciado – RDD). Observa-se que na Itália há uma tendência de retorno a algumas práticas do sistema penal da época de Mussolini, no qual vigorava um Direito Penal do horror, que é ovacionado pela opinião pública.

García-Pablos de Molina [25] chama atenção para a política criminal do medo que está umbilicalmente ligada aos Movimentos de Lei e Ordem. O autor assinala que os poderosos estados de opinião têm grande relevância nas decisões dos poderes públicos. Trata-se do preocupante problema do medo do delito que altera os estilos de vida, gera comportamentos indiferentes para outras vítimas, enfim, explica políticas criminais de inusitado rigor.

Com muita propriedade, o autor defende que a política criminal deve tomar por respaldo a razão, não a paixão, e que o medo só gera medo. O autor aponta que estudos empíricos sobre o medo têm demonstrado o seguinte: nem sempre as pessoas que mais temem o delito são, de fato, as mais vitimizadas, nem as pessoas mais temidas costumam ser as mais perigosas, nem os fatos mais temidos são os que acontecem. O jovem, por exemplo, que é associado à figura do delinquente, é percentualmente muito mais vítima do delito que o adulto.

Observa-se o clamor popular do "olho por olho" e a manipulação de uma opinião pública amedrontada com a total incapacidade do Estado em apresentar resultados satisfatórios no combate ao crime organizado que, hoje, faz parte do cotidiano. O resultado é a aprovação de uma política criminal que defende o endurecimento das leis, encarceramento em massa, a indiferença com relação ao extermínio de jovens pertencentes a comunidades carentes. Jovens esses totalmente excluídos, principalmente, pela falta de escolaridade e pelo desemprego.

Aliás, a população, de modo geral, não tem plena consciência do papel das agências repressoras. Consequentemente, aceitam e aplaudem a invasão das favelas, a depredação de barracos miseráveis, a detenção ilegal dos pobres para averiguações, o espancamento dos presos no interior dos institutos penais, enfim, o desrespeito à dignidade humana dos que se encontram do lado mais fraco.

A opinião pública alienada é fortemente manipulada pela mídia que trabalha diariamente para informar fatos e dados, muitas vezes sem nenhuma reflexão crítica, sobre o problema da miséria e da opressão aos excluídos. A mídia, desse modo, se encarrega de incutir na sociedade o sentimento de medo, além de reduzir a questão a um maniqueísmo simplista e alienante no qual as classes excluídas aparecem como as vilãs do enredo. Vende-se como verdade o mito de que leis e ações mais severas e em maior número são o caminho através do qual se alcança segurança e bem estar.

A esse respeito, já há estudos mostrando esse papel da imprensa na formação de uma sociedade amedrontada. Exemplo disso é o estudo "O Corpo de Delito. Representações e Narrativas Midiáticas da (In) Segurança Cidadã", sob a coordenação do jornalista colombiano Omar Rincón (Centro de Competência em Comunicação para a América Latina). O trabalho é baseado em uma análise feita com quatorze jornais do Brasil, Argentina, Colômbia, Costa Rica, Chile, El Salvador, México, Peru e Venezuela. Segundo a pesquisa, identificou-se ainda uma tendência de estigmatizar certos estratos sociais: "Há setores da sociedade que são apontados como perigosos e violentos, aos quais os meios de comunicação costumam colocar no imaginário delitivo" [26].

É justamente esse cenário que fornece o ambiente perfeito para o surgimento de propostas de endurecimento penal que, sem o mínimo de debate e amadurecimento, são aceitas como solução rápida do problema. Leis mais duras são constantemente aprovadas, aumentando as penas e criando novos delitos, sob os aplausos de uma sociedade amedrontada.

Mal comparando, podemos traçar um paralelo com a doutrina do choque [27], da canadense Naomi Klein, que nos informa que o melhor momento para o Estado implementar suas políticas mais duras é justamente logo após o advento de algum fato traumático. Isto porque, como consequência de episódios violentos, se instala nos indivíduos um estado de desorientação e vulnerabilidade que os torna mais suscetíveis a aceitar uma determinada situação sem questionar ou refletir sobre o assunto. Quando questionada sobre o que é a doutrina no choque, mais especificamente no que concerne à sua utilização nas políticas econômicas, nos esclarece a autora:

A doutrina do choque como todas as doutrinas é uma filosofia de poder. É uma filosofia sobre como conseguir seus próprios objetivos políticos e econômicos. É uma filosofia que sustenta que a melhor maneira, a melhor oportunidade para impor as idéias radicais do livre-mercado é no período subseqüente ao de um grande choque. Esse choque poder ser uma catástrofe econômica. Pode ser um desastre natural. Pode ser um ataque terrorista. Pode ser uma guerra. Mas, a idéia é que essas crises, esses desastres, esses choques abrandam a sociedades inteiras. Deslocam-nas. Desorientam as pessoas. E abre-se uma ‘janela’ e a partir dessa janela se pode introduzir o que os economistas chamam de ‘terapia do choque econômico [28].

Sendo assim, não nos parece teratológica a comparação com o que se observa nas populações das grandes cidades atualmente. Verificamos que estas estão cada vez mais atemorizadas com a violência urbana, e, em especial, com os conflitos que se convencionou chamar de "guerra do tráfico", conquanto, a nós nos parece estar mais para um massacre, mas que, de qualquer forma, cumpre seu papal traumático nos cidadãos. A partir daí, estabelece-se a janela para implantar o que seria uma, com licença da comparação, "terapia do choque policial".

Esse fenômeno reflete diretamente na questão carcerária. As cadeias já abarrotadas não param de receber cada vez um número maior de presos. E, como não poderia ser diferente, tal situação só faz aumentar os problemas das prisões, que vão se convertendo em verdadeiros depósitos de pessoas muitas vezes vivendo sem as mínimas condições de dignidade. Nas palavras de Laurindo Minhoto:

Altas taxas de criminalidade, sensação generalizada de insegurança, a ideologia do "cidadão ultrajado", midiaticamente espetacularizada, uma guinada teórica em direção a um renovado "fez por merecer",justdeserves, práticas de sentenciamento mais rigorosas, a nova figura jurídica do "criminoso contumaz", o aperto na reincidência a partir do admirável three strikes and you are out (bordão do beisebol, que significa algo como três falhas seguidas no rebatimento da bola e o rebatedor está fora do time), truth in sentencing (estratégia de restrição ao regime de progressão das penas), proliferação de presídios de segurança máxima (the supermax option), programas de encarceramento de alto impacto para os jovens, mais conhecidos como boot camps, toque de recolher, limitações crescentes à prática da barganha judicial (plea bargain), à remição e ao livramento condicional, tolerância zero, enfim, estes são alguns dos ingredientes do caldeirão penitenciário contemporâneo, que, muito mais do que a improvável combinação de eficiência, produtividade e humanitarismo presente na pregação dos ideólogos, parecem estar de fato azeitando a máquina dos negócios correcionais do novo milênio [29].

Nesse contexto de altas taxas de criminalidade, que, em verdade, não refletem outra coisa senão as altas taxas de criminalização, a entrega progressiva da questão prisional, agora vista também como um negócio, aos cuidados da iniciativa privada parece algo natural. Afinal de contas quem mais poderia gerir com eficiência um sistema prisional tão problemático? É o que argumentam os defensores da ideia.

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Sobre o autor
João Peixoto Garani

Advogado. Bacharel pela pela UFRJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARANI, João Peixoto. Privatização de prisões no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2989, 7 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19945. Acesso em: 24 nov. 2024.

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