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A possibilidade de utilização de etilômetro pelo empregador

12/09/2011 às 13:10
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Analisa-se a possibilidade de utilização de etilômetros, comumente conhecidos como “bafômetros”, por empregador para verificação de consumo ou não de bebidas alcoólicas por parte de seus empregados.

Resumo: O presente parecer versa sobre a possibilidade de utilização de etilômetros, comumente conhecidos como "bafômetros", por empregador para verificação de consumo ou não de bebidas alcoólicas por parte de seus empregados, de modo a averiguar as condições de trabalho com que esses se apresentam.

Abstract: This report talks about the possibilit of using breathalyzer by the employeer on his employees to verify the consumption of alcohol drink to identify the conditions that those employees get presented to work.


Instados a nos manifestar sobre a possibilidade e as repercussões da adoção por empresa privada de etilômetro para a medição do grau alcoólico de seus funcionários em horário de serviço, eis o nosso parecer sobre o tema:

A utilização do etilômetro dentro do ambiente privado envolve aspectos relevantes e polêmicos os quais abordaremos em linhas mais detidas. Primeiramente, cumpre ressaltar a falta de legislação própria a respeito do tema, o que nos leva a discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Aspecto relevante ainda diz respeito às medidas que devem ser adotadas antes da implementação de tal artifício. Outro ponto importante e polêmico que abordaremos, diz respeito à obrigatoriedade da submissão ao exame pelo funcionário e, por fim, às conseqüências desse uso.

A utilização do bafômetro nas empresas surge como uma alternativa desenvolvida pelos gestores com o intuito de controle do processo produtivo e ainda como técnica de prevenção de acidentes de trabalho, sob a justificativa do poder diretivo do empregador consagrado na Consolidação das Leis do Trabalho no artigo 2º, pelo qual ao empregador cumpre estabelecer as diretrizes e as normas a serem seguidas pelos seus empregados. Inegáveis as conseqüências nocivas do álcool no ser humano. Atuando diretamente no cerebelo, afetando, por isso, a percepção de espaço e ainda o equilíbrio, a ingestão de álcool ocasiona distração e perda de foco por parte do trabalhador e essa desídia, inevitável, por vezes, provoca acidentes de trabalho [01], um dos grandes males da ciência do trabalho que é estudado com destreza pelos cientistas em busca de alternativas para, senão erradicar, reduzir o número de acidentes de trabalho nas empresas, tendo em vista suas repercussões nefastas tanto para o acidentado quanto para sua família quanto para toda a sociedade. Aliás, nesse sentido é a Carta Européia do Álcool, na qual constam as conclusões das lideranças da Organização Mundial da Saúde que reduziram a termo suas preocupações e determinaram ser direito da pessoa humana exercer sua profissão protegido de acidentes, violências e outras conseqüências advindas do consumo do álcool. [02]

Não há, na legislação pátria, disposição específica a respeito da utilização de etilômetros dentro das empresas para atestar o nível de álcool presente em seus trabalhadores no horário de serviço. Pela precariedade das informações existentes algumas considerações devem ser feitas.

O empregado sob a influência dos efeitos do álcool está mais propenso a ocasionar acidentes de trabalho, assim, a cometer danos a sua própria vida, à de terceiros e ao patrimônio da empresa em razão da falta de concentração, desatenção na utilização dos equipamentos de segurança, alteração do estado de humor e o prejuízo dos reflexos ocasionados pelo consumo do álcool.

Para o uso do bafômetro, caso assim o empregador deseje, recomenda-se que se formule um regulamento interno que faça a sua previsão, visando ao conhecimento de todos os empregados, dando ciência dos critérios a serem estabelecidos para a escolha dos funcionários a serem submetidos ao exame e das sanções aplicadas ao trabalhador caso apure-se elevado teor alcoólico no período de labor.

Interessante destacar ainda que a utilização do bafômetro nos funcionários para a medição não deve ser feita na presença dos outros funcionários, para não criar uma situação vexatória, expondo aquele que se submeteu ao exame a uma possível situação de zombaria e chacota pelos demais funcionários, até mesmo porque essa pode ser uma questão de saúde pública, já que a embriaguez crônica está impregnada na sociedade moderna como um dos grandes males sociais. A aferição do grau etílico deve ser realizada em local separado, distante do ambiente comum de trabalho do funcionário e dos outros funcionários, como uma enfermaria. No entanto, necessário que haja testemunhas para a comprovação do exame, atestando a realização do procedimento para as posteriores conseqüências a serem adotadas.

Importante destacar que o empregado não é obrigado, nem o pode ser, a realizar o teste, uma vez que a obrigatoriedade seria uma invasão do recanto íntimo do ser humano, atingindo assim a sua intimidade, mas, nesse caso, haverá indícios de que se encontra em estado de embriaguez, devendo ser tomada outras medidas cabíveis, bem como proceder ao registro de todos os atos praticados, inclusive com prova testemunhal, a fim de comprovar o real estado do funcionário, advertindo-o do ato praticado. Importante frisar também, que esses indícios não serão necessariamente prova cabal de que o funcionário encontrava-se embriagado, torna-se conveniente outras provas do real estado do funcionário.

A partir do momento em que o funcionário consente com a realização do exame não pode alegar qualquer violação a garantia individual sua, ou mesmo requerer danos morais por uma suposta lesão a sua incolumidade, invasão do seu recanto íntimo [03].

A adoção desse mecanismo, no entanto, apesar de não ser obrigatório, é de grande valia social, uma vez que impõe ao trabalhador um caráter inibidor ao consumo de álcool, uma vez que a possibilidade de fazer o teste e a desconfiança a recair sobre ele tanto do empregador quanto dos outros funcionários, em caso de negativa de submissão ao exame, faz com que o indivíduo crie um mecanismo repressivo de seu animus de consumir bebida alcoólica quando em serviço ou mesmo de laborar sob os efeitos do álcool.

O artigo 482, "f", CLT [04] afirma que é justa causa para a rescisão contratual a embriaguez em serviço. Fazendo uma interpretação meramente literal desse dispositivo, teríamos que a constatação de embriaguez no horário de labor é motivo idôneo para a demissão do funcionário, bastando uma única constatação de que o empregado encontra-se em estado de embriaguez para que o funcionário seja demitido por justa causa. No entanto, a exegese desse dispositivo não deve ser concebida de forma literal. Deve ser levado em conta, para a interpretação do mencionado dispositivo, não só o sentido literal das palavras, mas também o contexto significativo da lei; a intenção reguladora, fins e idéias do legislador teleologia da lei; os aspectos teleológico–objetivos na criação da norma e o preceito da interpretação conforme a Constituição, o que faz com que a interpretação seja um aspecto dos mais complexos do Direito. [05] Deve-se, assim, ponderar as circunstâncias do caso, tais como profundo desgosto ou problemas particulares sérios, e o histórico comportamental do funcionário na empresa, bem como se essa embriaguez é uma doença ou um comportamento irresponsável e intolerável do trabalhador. Por ser a demissão por justa causa medida extrema de nosso ordenamento jurídico, os Tribunais Superiores Trabalhistas tem entendido que no caso de embriaguez patológica ou mesmo a embriaguez crônica não cabe justa causa, como determina o dispositivo retrocitado, haja vista tratar-se de doença, devendo sim ser suspenso o contrato de trabalho e o empregado ser encaminhado para tratamento. Somente nos casos em que ficar evidenciado que não há a embriaguez como patologia do trabalhador é que poderá ter aplicação o artigo 482, alínea f da Consolidação das Leis Trabalhistas sendo necessária a robustez de provas do estado de embriaguez do funcionário e de que não se trata de doença, o que nos leva a concluir pela relevância da utilização do etilômetro para a averiguação do grau alcoólico do funcionário quando em horário de serviço, o que não retira a importância dos outros meios de prova tais como o testemunhal.

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Cumpre destacar que o aparelho do bafômetro a ser utilizado na medição deve seguir algumas especificações. O artigo 277 do Código de Trânsito Brasileiro [06] determina que o aparelho deve ter a homologação pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) para que seja atestada a fidedignidade dos seus dados, o que não significa que os dados auferidos pelos aparelhos sem a referida homologação são inverídicos, porém, na falta de outra regulação que determine entidade reguladora diversa, para que os resultados obtidos com os etilômetros sirvam como meio de prova mister se faz essa homologação.

Por todo o exposto, nosso parecer é no sentido da possibilidade da adoção do etilômetro nas empresas privadas para averiguar o teor alcoólico dos funcionários em horário de serviço, desde que o funcionário tenha prévio conhecimento da possibilidade da realização do exame. No entanto devemos reforçar que, pelas garantias constitucionais reconhecidas ao indivíduo, não pode o funcionário ser obrigado a realizar o exame, uma vez que sua intimidade deve ser preservada, devendo, portanto, a empresa atuar com a máxima cautela, pautando-se sempre na prudência e observando as garantias individuais assim como o devido procedimento a ser estabelecido.

Isto posto, com base nos fundamentos acima delineados, este é o parecer.


Notas

01 Nos EUA, estima-se que 65% desses acidentes estejam ligados ao uso de drogas ilícitas ou de álcool.

02 Carta Européia do Álcool, OMS, Paris, 1995.

TODAS as pessoas têm o direito a uma família, comunidade e trabalho protegido contra o risco de acidentes, violência e outras consequências negativas do consumo de álcool.

(...)

Estratégias de Acção:

Promover ambientes privados e profissionais protegidos, dos acidentes, da violência e doutras consequências nefastas do consumo do álcool.

Disponível em: http://www.cruzazul.pt/Fils/028Carta.htm. Acesso em 29, Dezembro de 2010.

03 DANO MORAL - PROGRAMA DE PREVENÇÃO AO USO INDEVIDO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS. Para que se configure o direito à indenização por dano moral torna-se necessária a presença do dano, vinculado à culpa ou dolo do empregador, externada por uma conduta ilícita omissiva ou comissiva, e também a existência do nexo de causalidade entre o dano e os atos do acionado. A adesão voluntária do empregado ao Programa de Prevenção ao Uso Indevido de Álcool e outras Drogas, instituído no âmbito da empresa, com expressa concordância do empregado em se submeter aos testes propostos, inclusive o teste com etilômetro (bafômetro), não tem o condão de configurar dano moral de qualquer espécie. Louvável é a iniciativa da empresa, merecedora de incentivo, pois visa zelar pela saúde de seus empregados, na prevenção de doenças e acidentes. (Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, RO 651.2006.055.03.00-5, Sexta Turma, Relator Fernando Antônio Veigas Peixoto, DJ 09/10/2008.

04 Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

a) ato de improbidade;

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;

e) desídia no desempenho das respectivas funções;

f) embriaguez habitual ou em serviço;

(...)

05 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1997.

06 Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

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Sobre o autor
João Vitor Sias Franco

Graduando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, João Vitor Sias. A possibilidade de utilização de etilômetro pelo empregador . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2994, 12 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19970. Acesso em: 26 abr. 2024.

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