Artigo Destaque dos editores

A reparação por dano moral em favor do nascituro

Exibindo página 3 de 3
14/09/2011 às 15:33
Leia nesta página:

4. CONCLUSÃO

Diante da pouca recorrência do tema no cenário hodierno, o presente trabalho visou despertar a importância da discussão através de uma nova perspectiva do direito privado. O debate acerca da origem da vida, a identificação da "pessoa humana" e da pessoa "jusprivada" formaram os conceitos elementares e iniciais para o entendimento da ampla tutela jurídica dos direitos do nascituro.

A primeira vista, através da análise estritamente legalista, exclui-se discriminadamente o nascituro do rol dos sujeitos de direito. Não obstante, com a inclusão no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal brasileira, da dignidade humana como fundamento da República Federativa do Brasil, há a necessidade de reformulação dos institutos privados. Pela ótica principiológica e valorativa da dignidade, observa-se a extensão da proteção jurídica plena aos que estão por nascer, reconhecendo-os como pessoas humanas e dotadas de personalidade jurídica. A adoção da teoria concepcionista corrobora com a valorização do homem no contexto de sua dignificação.

Como pessoa humana digna, o concepto deve ter seus direitos tutelados, dentre os quais, seus direitos personalíssimos, que quando violados geram a obrigação ao agente ofensor de reparar o dano diante da existência dos requisitos gerais da responsabilidade civil, quais sejam, a conduta, o nexo e o dano. Assim, restará compensado o dano, punida a conduta ilícita e desmotivada a reiteração de novo ato danoso. Em se tratando especificamente do dano moral, deve ser lembrado que, com a elevação da dignidade da pessoa humana a fundamento do Estado Democrático de Direito, o dano extrapatrimonial consubstancia-se na violação da própria dignidade, que é base dos direitos da personalidade. A configuração do dano recai na presença dos requisitos gerais, prescindindo da existência de elementos como a dor ou sofrimento, por exemplo. Desta forma, é plenamente possível a concessão do dano moral em favor do nascituro.

A jurisprudência brasileira é retrógrada, na medida em que se mostra temerosa em adotar um entendimento consoante com o princípio da dignidade da pessoa humana, retirando, assim, a importância que o tema possui. A inércia presente nas normas civilistas é perpetuada pela jurisprudência majoritária, quando da adoção da teoria natalista.

Como concebe a melhor doutrina, o nascituro, como ser indefeso por si próprio, merece proteção jurídica ainda maior que entes já protegidos legalmente, como incapazes, idosos e deficientes físicos. A ausência de mecanismos próprios de defesa por aquele que ainda está por nascer confere a este maior necessidade de amparo legal, traduzido em uma especial tutela que alce a dignidade do nascituro a um nível de igualdade material em relação àqueles, garantido o pleno gozo dos direitos inerentes à pessoa humana.

Neste contexto, está inserida a proteção à moral do nascituro. Como reflexo da proteção da própria dignidade, é possível e necessária a reparação dos danos causados ao concepto de forma a garantir a dignificação do ser humano como um todo. Seu estado de consciência, onde se encontra ou seu desenvolvimento biológico não devem ser obstáculos para o deferimento da tutela. Importa, aqui, apenas a ocorrência do dano em face do ente protegido, conforme os requisitos gerais da responsabilidade civil.

Da mesma forma, a alegação da inexistência de dor ou sofrimento, em qualquer forma de dano moral, seja em face do nascituro ou não, não elide a obrigação de reparar. As consequências do dano não são quantificáveis, o que se avalia no caso concreto é a existência da conduta lesiva. Logo, havendo nexo causal entre a conduta e o dano, patente o dever de reparação.

Por tudo o que foi exposto, entender pela impossibilidade da reparação dos danos morais ao nascituro é ir de encontro ao fundamento basilar do próprio Estado Democrático de Direito, qual seja, a pessoa humana como ser digno e centro existencial de todo o ordenamento jurídico.


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Tutela jurídica do nascituro à luz da constituição federal. Salvador, mai. 2007. Disponível em <http://www.facs.br/revistajuridica/edicao_maio2007/docente/doc1.doc>. Acesso em 30 jan. 2010.

BARBOSA TERCEIRO, José Gil. É o nascituro sujeito de direitos? Um estudo à luz do ordenamento jurídico brasileiro. 2005. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/10815/e-o-nascituro-sujeito-de-direitos>. Acesso em 02 nov. 2010.

BRASIL. Código civil interpretado. Organização de Costa Machado e Coordenação de Silmara Juny Chinellato. São Paulo: Manole, 2008.

______. Lei nº. 11.804, de 05 de novembro de 2008. Disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11804.htm>. Acesso em 02 nov. 2010

______. Projeto de lei n.º 478/2007. Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências. Disponível em <http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=345103>. Acesso em 02 nov. 2010.

______. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Agravo de instrumento n.o 220333320108190000. Rio de Janeiro. J. em 14 de setembro de 2010. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17046293/agravo-de-instrumento-ai-220333320108190000-rj-0022033-3320108190000-tjrj>. Acesso em 02 nov. 2010.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

______. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação cível n.º : 101940403916670011. Belo Horizonte. J. em 15 de agosto de 2008. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5962467/101940403916670011-mg-1019404039166-7-001-1-tjmg>. Acesso em 02 nov. 2010.

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n.º 399028. Brasília. J. em 25 de fevereiro de 2002. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/293761/recurso-especial-resp-399028-sp-2001-0147319-0-stj>. Acesso em 02 nov. 2010.

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n.º 931556. Brasília. J. em 17 de junho de 2008. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7043073/recurso-especial-resp-931556-rs-2007-0048300-6-stj>. Acesso em 02 nov. 2010.

CORRÊA, Elídia Aparecida de Andrade; CONRADO, Marcelo. O embrião e seus direitos. In: CORRÊA, Elídia Aparecida de Andrade; GIACOIA, Gilberto; CONRADO, Marcelo (coord.). Biodireito e dignidade da pessoa humana. 3. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2010.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.8.ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GALVANI, Leonardo. Personalidade jurídica da pessoa humana: uma nova visão do conceito de pessoa no direito público e privado. 1. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2010.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. V. IV. São Paulo: Saraiva, 2008.

LIMA, Shirley Mitacoré de Souza e Souza. Tratamento jurídico do embrião. 2005. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/7221/tratamento-juridico-do-embriao>. Acesso em 02 nov. 2010.

PUSSI, William Artur. Personalidade jurídica do nascituro. 2. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2008.

REIS, Clayton. A dignidade do nascituro. In: CORRÊA, Elídia Aparecida de Andrade; GIACOIA, Gilberto; CONRADO, Marcelo (coord.). Biodireito e dignidade da pessoa humana. 3. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2010.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Erlayne Resende da Silva

Advogada. Pós graduanda em Direito e Processo Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Erlayne Resende. A reparação por dano moral em favor do nascituro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2996, 14 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19992. Acesso em: 18 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos