4. CONCLUSÃO
Diante da pouca recorrência do tema no cenário hodierno, o presente trabalho visou despertar a importância da discussão através de uma nova perspectiva do direito privado. O debate acerca da origem da vida, a identificação da "pessoa humana" e da pessoa "jusprivada" formaram os conceitos elementares e iniciais para o entendimento da ampla tutela jurídica dos direitos do nascituro.
A primeira vista, através da análise estritamente legalista, exclui-se discriminadamente o nascituro do rol dos sujeitos de direito. Não obstante, com a inclusão no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal brasileira, da dignidade humana como fundamento da República Federativa do Brasil, há a necessidade de reformulação dos institutos privados. Pela ótica principiológica e valorativa da dignidade, observa-se a extensão da proteção jurídica plena aos que estão por nascer, reconhecendo-os como pessoas humanas e dotadas de personalidade jurídica. A adoção da teoria concepcionista corrobora com a valorização do homem no contexto de sua dignificação.
Como pessoa humana digna, o concepto deve ter seus direitos tutelados, dentre os quais, seus direitos personalíssimos, que quando violados geram a obrigação ao agente ofensor de reparar o dano diante da existência dos requisitos gerais da responsabilidade civil, quais sejam, a conduta, o nexo e o dano. Assim, restará compensado o dano, punida a conduta ilícita e desmotivada a reiteração de novo ato danoso. Em se tratando especificamente do dano moral, deve ser lembrado que, com a elevação da dignidade da pessoa humana a fundamento do Estado Democrático de Direito, o dano extrapatrimonial consubstancia-se na violação da própria dignidade, que é base dos direitos da personalidade. A configuração do dano recai na presença dos requisitos gerais, prescindindo da existência de elementos como a dor ou sofrimento, por exemplo. Desta forma, é plenamente possível a concessão do dano moral em favor do nascituro.
A jurisprudência brasileira é retrógrada, na medida em que se mostra temerosa em adotar um entendimento consoante com o princípio da dignidade da pessoa humana, retirando, assim, a importância que o tema possui. A inércia presente nas normas civilistas é perpetuada pela jurisprudência majoritária, quando da adoção da teoria natalista.
Como concebe a melhor doutrina, o nascituro, como ser indefeso por si próprio, merece proteção jurídica ainda maior que entes já protegidos legalmente, como incapazes, idosos e deficientes físicos. A ausência de mecanismos próprios de defesa por aquele que ainda está por nascer confere a este maior necessidade de amparo legal, traduzido em uma especial tutela que alce a dignidade do nascituro a um nível de igualdade material em relação àqueles, garantido o pleno gozo dos direitos inerentes à pessoa humana.
Neste contexto, está inserida a proteção à moral do nascituro. Como reflexo da proteção da própria dignidade, é possível e necessária a reparação dos danos causados ao concepto de forma a garantir a dignificação do ser humano como um todo. Seu estado de consciência, onde se encontra ou seu desenvolvimento biológico não devem ser obstáculos para o deferimento da tutela. Importa, aqui, apenas a ocorrência do dano em face do ente protegido, conforme os requisitos gerais da responsabilidade civil.
Da mesma forma, a alegação da inexistência de dor ou sofrimento, em qualquer forma de dano moral, seja em face do nascituro ou não, não elide a obrigação de reparar. As consequências do dano não são quantificáveis, o que se avalia no caso concreto é a existência da conduta lesiva. Logo, havendo nexo causal entre a conduta e o dano, patente o dever de reparação.
Por tudo o que foi exposto, entender pela impossibilidade da reparação dos danos morais ao nascituro é ir de encontro ao fundamento basilar do próprio Estado Democrático de Direito, qual seja, a pessoa humana como ser digno e centro existencial de todo o ordenamento jurídico.
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