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Métodos alternativos de resolução de conflitos sob a ótica do direito contemporâneo

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15/09/2011 às 08:15

Resumo:


  • O Poder Judiciário brasileiro enfrenta um momento de esgotamento, refletido na busca por métodos alternativos para a resolução de conflitos, visando superar a ineficiência e a insatisfação com o modelo jurisdicional tradicional.

  • Os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos (MARCs) surgem como aliados do sistema jurídico, promovendo o acesso à justiça de maneira mais humana e equânime, contribuindo para a efetiva satisfação das partes envolvidas em litígios.

  • As iniciativas de incentivo à conciliação, criação de Juizados Especiais e outras formas de resolução alternativa de conflitos representam uma resposta à sobrecarga do Judiciário e uma busca por efetividade nos direitos fundamentais, conforme previsto na Constituição Federal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2.O ACESSO À JUSTIÇA COMO FUNDAMENTO DOS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

No período em que o Brasil era colônia de Portugal, a solução amigável dos conflitos esteve presente nas Ordenações Filipinas (Livro 3º, T. 20, § 1º). Após a independência do país, a figura do juiz de paz, arbitragem, reconciliação e mediação passaram a ser previstas nos arts.160 e 161 da Constituição do Império de 1824. Destarte, ao longo da história, estes institutos sofreram grandes transformações, e hoje, são amplamente previstos na Carta Magna de 1988, sobretudo no que tange à previsão do acesso à justiça, bem como a previsão de criação dos juizados especiais e justiça de paz, conforme art. 98.

Assim, passa a existir, formalmente, a figura do juiz de paz, que já existia antes, sendo consagrada pela Constituição. Ao longo da nossa história constitucional, percebemos que essa Instituição veio sendo mantida,mas perdendo cada vez mais as suas atribuições; até que, no Regime Militar, perdeu completamente a função jurisdicional. Juiz de paz passa a ser mero juiz de casamento. Com a Constituição de 1988, a Instituição recupera as atribuições anteriores, mas, ainda, não vemos efeito prático dessa modificação. (WATANABE,p.43-44) [16]

2.1) A CULTURA DO "JEITO" NO DIREITO BRASILEIRO

Para Keith S. Rosenn [17]o ordenamento jurídico brasileiro herdou cinco características dos portugueses: a) alta tolerância à corrupção, b) falta de responsabilidade cívica, c) profunda desigualde sócio econômica, d) sentimentalismo, e) disposição de chegar a um acordo.

Todos esses fatores contribuíram substancialmente para o surgimento da cultura do "jeito" no direito brasileiro, que segundo o sociólogo brasileiro Alberto Guerreiro Ramos (apud Rosenn,1998) [18], define-se como "genuíno processo de resolver dificuldades, a despeito do conteúdo das normas, códigos e leis". Para Rossen, a prática do "jeito" estaria intimamente relacionada à base formalista, legalista e paternalista do sistema jurídico pátrio.

A concepção paternalista, seria um reflexo da sociedade patriarcal influenciada pela monarquia portuguesa e Igreja Católica. O "patrão" do Brasil tradicional é um membro da elite local e projeta-se em um indivíduo protetor que intercede perante as autoridades em favor da classe baixa em troca de fidelidade e serviços. Sendo assim, as leis e constituições brasileiras acabariam por ser outorgadas pelas elites do país a fim de se evitar o fortalecimento da conscientização e mobilização populares.

A cultura jurídica brasileira estaria, ainda, excessivamente apegada ao legalismo, em razão da valorização da norma escrita e formal. Destarte, a abundante legislação regulamentar e pouca flexibilidade normativa reforçaria a política do "jeito" para a solução de conflitos no ordenamento jurídico pátrio. Ademais, o excesso de formalismo jurídico contribuiria para a idealização de padrões de comportamentos em razão da importação de modelos jurídicos estrangeiros, além da credibilidade de documentos, em detrimento da crença nas relações pessoais.

Diante destas elucidações, é possível vislumbrar que a dinâmica supracitada está presente na maneira como o ordenamento jurídico é conduzido, notadamente com relação aos Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos. Este entendimento ilustra-se pela difícil adaptação da arbitragem no Brasil ao longo da história, que apesar de amplamente regulamentada na Lei 9703/96, ainda é uma via alternativa que necessita de incentivos para se solidificar na cultura jurídica brasileira.

Isto posto, a simples análise destes obstáculos culturais não remete à exclusão de modelos inadaptados no plano fático. Se assim fosse, haveria um grande retrocesso à concepção sociológica da Constituição [19]. Na verdade, os princípios consagrados pela Carta Magna de 1988, sobretudo o acesso à justiça, apresentam força normativa que não só reproduz a condição fática da população brasileira, como também vinculam e dão diretrizes a todo o ordenamento jurídico. Desta maneira, os direitos fundamentais nela garantidos, dentre eles o acesso à justiça, tem aplicação direta e possuem o condão de alterar a realidade social brasileira.

2.2) O ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

O conceito teórico de acesso à justiça teve seu marco inicial com o Estado Liberal Burguês que valorizava, sobretudo, o direito individual e a igualdade meramente formal entre os particulares. A intervenção do Estado era limitada e o acesso à justiça restringia-se à verificação da aptidão dos particulares para litigar. Com o advento das Sociedades Laissez-faire, a evolução dos conceitos de direitos humanos e o caráter coletivo das "declarações de direitos" dos séculos XVIII e XIX, deram grande ênfase ao reconhecimento dos direitos sociais, bem como uma noção de efetividade destes através de uma atuação positiva do Estado. Por fim, com as reformas do Welfare States, a intervenção do Estado passou a ser ainda mais marcante na efetivação de direitos substantivos [20] dos indivíduos.

Nesse diapasão, a doutrina passou a se inclinar para a garantia constitucional de princípios aptos a ensejarem maior facilidade e instrumentalidade das demandas judiciais para a efetividade dos direitos.

Mauro Capelletti e Bryant Garth (1988, p.11) [21] asseveram que "o direito do acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de mecanismos para a sua efetiva reinvidicação".

O acesso à justiça trata, portanto, de um direito social fundamental, bem como ponto central da moderna processualística dos ordenamentos juridicos.

2.3) DELIMITAÇÃO DO OBJETO: O QUE SÃO OS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS.

A dificuldade de definição e delimitação do "Acesso à Justiça" apontados por Garth e Capelletti [22] remete à um dos maiores obstáculos à efetivação do acesso: a abstração do termo. Para amenizar esta inexatidão, foram estabelecidas as finalidades do "acesso", quais sejam, a possibilidade das pessoas reinvidicarem seus direitos e solucionarem seus litígios sob o auspício do Estado. Entretanto, para que estas finalidades sejam alcançadas, faz-se necessário a criação de um sistema igualmente acessível à todos, bem como persecussão de resultados socialmente justos.

Os Autores ressaltam que o enfoque do acesso à justiça possui um número substancial de aplicações e permeia a reforma de todo o aparelho judicial [23]. Sendo assim, a referida abordagem pode partir da análise da concessão da assistência judiciária gratuíta, eliminação de custas do processo, representação dos interesses difusos e individuais por entes públicos, atuação do Ministério Público e Defensoria Pública, ativismo judicial, reformas processuais, especialização por matérias, entre outras infindáveis possibilidades.

Dentre estas inúmeras hipóteses, destaca-se a criação de alternativas utilizando procedimentos mais simples e/ou julgadores mais informais [24], como ocorre no juízo arbitral e conciliação. Sendo assim, por exigirem abordagens menos complexas, os chamados "Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos" podem envolver litígios individuais que versam sobre direitos disponíveis até relacionamentos interpessoais continuados.

Garth e Capelletti propõem o aperfeiçoamento e ampliação não só destes métodos, mas também a preservação e reestruturação dos Tribunais. Isto significa dizer que o objetivo central das reformas não é substituir as cortes regulares, mas ampliar estas vias alternativas, uma vez que os litígios complexos carecem de formas tradicionais de solução de conflitos.

Apesar de serem apresentados em diversos contextos como opções subsidiárias e de menor confiabilidade, os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos tem demonstrado, atualmente, grande destaque na resolução de litígios das mais variadas naturezas. Entretanto, cabe salientar que os mesmos podem ou não ser obrigatórios, como ocorre por exemplo com a Conciliação na Justiça do Trabalho, em que a falta de sua proposição durante a audiência acarreta em nulidade absoluta do processo. Este assunto será abordado mais profundamente em cada método de resolução de conflito especificamente.

Dentre as vias alternativas, serão expostos, por questões didáticas, os meios com maior destaque no Brasil, quais sejam, arbitragem, conciliação, mediação. Contudo, antes de adentrar nesse mérito, é importante elucidar possíveis conflitos que possam eventualmente levantar a hipótese de inconstitucionalidade dos MARCs, notadamente, o princípio da inafastabilidade da jurisdição.


3.CONFLITO APARENTE ENTRE OS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO:

Ada Pelegrini Grinover, Cândido Dinamarco e Antônio Cintra (Grinover,2007, p.145) [25] conceituam Jurisdição como "uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça". O escopo jurídico do exercício do direito remete à atuação do Estado, que age sempre através do processo para garantir as normas de direito substancial. Em outras palavras, o objetivo da Jurisdição é a aplicação do direito material no caso concreto.

O Estado Democrático de Direito possibilita a ascenção à Jurisdição mediante a efetividade da cláusula do Devido Processo Legal prevista no art. 5º, LIV, da Constituição Federal de 1988. Trata-se de uma "norma-mãe" que gera as demais regras constucionais do processo [26], destacando-se os princípios da justicialidade e inafastabilidade da tutela jurisdicional previstas no inciso XXXV da Carta Magna [27]. Este dispositivo confere não só o reconhecimento ou declaração do direito das decisões judiciais, como também reflete a legitimidade de quem profere a sentença, bem como o processo pelo qual se deduz a solução da lide e a sua eficácia real.

Sendo assim, a interpretação literal destes postulados poderia levar ao entendimento de que nada escapa, nem a lesão nem a ameaça de lesão, à possibilidade de exame do Judiciário. Entretanto, essa noção foi modificada pela Emenda Constitucional 45/2004, que trouxe uma releitura do princípio do acesso à jurisdição, principalmente no que tange ao monopólio da administração da Justiça pelo Estado-juiz.

Tal entendimento se coaduna com a criação de meios alternativos de solução de conflitos, não se restringindo, portanto, à dependência de ampliação do aparelho jurisdicional. Desta maneira, o Judiciário passaria a desempenhar um papel subsidiário na estrutura Estatal, na medida em que seria acionado quando outros meios de resolução de conflitos não atinjam a utilidade desejada para satisfazer as partes.

Nesta seara, Fredie Didier Júnior (2009, p.77-78) [28] destaca a autotutela, autocomposição, mediação e o julgamento de conflito por tribunais administrativos como equivalentes jurisdicionais. Tratam-se de formas não jurisdicionais de solução de conflitos, que apesar de não ensejarem soluções definitivas, em razão da possibilidade de serem submetidas ao controle jurisdicional, representam um avanço no sentido de acabar com o dogma da exclusividade estatal para a solução dos conflitos de interesse.

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Neste sentido, o Superior Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) em homologação de sentença estrangeira SE 5.206-7, em 12/12/2001. O Tribunal entendeu que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória no momento da celebração do contrato não ofende o princípio da inafastabilidade da jurisdição, uma vez que os envolvidos podem optar entre a arbitragem e a jurisdição livremente.

"(...)3.Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte - incluído o do relator - que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória - dada a indeterminação de seu objeto - e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, conseqüentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade - aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31).(...)" (Superior Tribunal Federal -

SE 5206 AgR– Tribunal Pleno - Rel. Sepúlveda Pertence – DJ 12.12.2001) [29]

Através destas breves ponderações, é possível concluir, preliminarmente, que o conflito entre os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos e o princípio da inafastabilidade da jurisdição é aparente, eis que a Justiça não mais se restringe à administração do Estado-juiz, abrangendo outros meios que possibilitem a resolução de conflitos frente à difícil realidade brasileira.

Vislumbrando que as vias alternativas não são antagônicas ao Poder Judiciário, mas sim auxiliares do mesmo, o Direito Contemporâneo, tem cada vez mais atribuído importância e institucionalizado esses meios como forma de pacificação social, e sobretudo, uma maneira de fomentar a dignidade humana em alto grau.

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Sobre a autora
Larissa Affonso Mayer

Advogada graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com aproveitamento de créditos pelas faculdades de Direito e Criminologia da Universidade do Porto - Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAYER, Larissa Affonso. Métodos alternativos de resolução de conflitos sob a ótica do direito contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2997, 15 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19994. Acesso em: 22 dez. 2024.

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