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Métodos alternativos de resolução de conflitos sob a ótica do direito contemporâneo

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15/09/2011 às 08:15

Resumo:


  • O Poder Judiciário brasileiro enfrenta um momento de esgotamento, refletido na busca por métodos alternativos para a resolução de conflitos, visando superar a ineficiência e a insatisfação com o modelo jurisdicional tradicional.

  • Os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos (MARCs) surgem como aliados do sistema jurídico, promovendo o acesso à justiça de maneira mais humana e equânime, contribuindo para a efetiva satisfação das partes envolvidas em litígios.

  • As iniciativas de incentivo à conciliação, criação de Juizados Especiais e outras formas de resolução alternativa de conflitos representam uma resposta à sobrecarga do Judiciário e uma busca por efetividade nos direitos fundamentais, conforme previsto na Constituição Federal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5.POSSÍVEIS SOLUÇÕES E PERSPECTIVAS

Como já explanado, o Direito Contemporâneo vem paulatinamente abrindo espaço para o surgimento e institucionalização de vias menos ortodoxas de solução de conflitos, como forma de combate à crise do Judiciário. Instrumentos como os Termos de Ajustamento de Condutas, premiações de práticas forenses inovadoras [53], bem como a instauração de Procons, Justiças Itinerante e Restaurativa são exemplos de incentivos à práticas que não sejam estritamente de cunho técnico-jurídico. Neste sentido, o Conselho Nacional de Justiça, em consonância com as diretrizes de planejamento estratégico, proposição de políticas públicas judiciárias e ampliação do acesso à justiça, vem contribuindo substancialmente para a difusão dos Marcs no Brasil, eis que representam uma forma mais econômica, célere e eficiente de solução de litígios. Exemplo destas iniciativas ocorrem no Movimento pela Conciliação [54], bem como instituição de Políticas Públicas de Tratamento Adequado de Conflitos de interesses no âmbito do Judiciário.

Na tentativa de aprimorar a cultura jurídica e as instituições alternativas como forma de democratização da Justiça, os próprios Tribunais Superiores, estaduais e Regionais, incentivam este tipo de prática. A Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Fátima Nancy Andrighi, afirma que incumbe ao Estado popularizar o acesso à Justiça, aproximando do cidadão os meios alternativos de composição de conflitos, informando-o de suas vantagens e garantias. [55]

Neste diapasão, a Ministra Ellen Gracie [56] consignou que "os métodos alternativos de solução de litígio são melhores do que a solução judicial, que é imposta com a força do Estado, e que padece de uma série de percalços, como a longa duração do processo, como ocorre no Brasil e em outros países". Para a jurista as práticas alternativas de solução de litígio têm uma vantagem adicional, pois "possibilitam a presença de árbitros altamente especializados que trazem a sua expertise, portanto podem oferecer soluções muito mais adequadas do que o próprio Poder Judiciário faria".

Não obstante o grande alvoroço em torno dos Mecanismos Alternativos de Resolução de Conflitos na atualidade, José Carlos Barbosa Moreira aponta o surgimento de alguns mitos sobre o futuro da justiça [57]. Para o Autor, não há fórmula mágica capaz de resolver todos os problemas do Acesso à Justiça, ou seja, acreditar que o fenômeno da Alternative Dispute Resolution [58] resolveria a morosidade do Judiciário, não passaria de uma idéia ingênua, eis que a excessiva duração do processo é multissecular e assola vários países, até mesmo os que são considerados paradigmas em eficiência.

Acostumados a ver na sociedade norte-americana modelo onímodo de eficiência, e impressionados por sequências de algumas películas cinematográficas, inclinamo-nos a supor muito rápida a Justiça nos Estados Unidos. É suposição que não resiste à pesquisa em confiáveis. Basta consultar a literatura lá produzida na matéria. Informa obra prestigiosa é necessária a espera de quatro ou cinco anos para chegar ao julgamento, embora ressalve que isso acontece principalmente nos casos submetidos à juri – regime ainda bastante utilizado naquele país em matéria civil, ao arrepio da tendência dominante noutros ordenamentos do chamado common law. Em livros posteriores continuam a ver-se referências ao "delay of modern American litigation" e à consequente preferência de interessados por novos modelos de composição de conflitos, que costumam reunir sob a designação de Alternative Dispute Resolution (abreviadamente ADR)". (MOREIRA, 2007,p.371) [59]

O Autor considera, ainda, que a concepção da deficiência da legislação como causa primária da morosidade do judiciário é equivocada. Para ele, problemas gerados por outros fatores, como por exemplo, a escassez de órgãos jurisdicionais [60], desigualdade na divisão das comarcas em território nacional e o déficit de organização e modernização tecnológica do Judiciário são fatores preponderantes para a ocorrência da crise do Judiciário. Além disso, aponta que os valores da sociedade do Estado Democrático de Direito são garantidos mediante o devido processo legal, e que esses direitos constitucionalmente assegurados, irão inexoravelmente levar à uma menor celeridade no processo. Sendo assim, não seria correto hiperdimensionar a morosidade, diante de outros problemas graves do Judiciário, pois a solução rápida dos litígios não significa que a justiça será de qualidade. Por fim, o jurista destaca que, a supervalorização de modelos estrangeiros deve ser repensada, pois é necessário analisar as diferenças estruturais e culturais entre o país que exporta para o que importa o modelo jurídico.

Humberto Dalla Bernardina Pinho, por sua vez, afirma que expoentes do Direito Processual Internacional criticam os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos ao considerar que seriam formas de privatização do processo, levando consequentemente, à exclusão de garantias processuais básicas ao atender interesses individualistas das partes, sobretudo da vencedora. Entretanto, Barbosa Moreira (apud MEIRELLES, 2007) [61] ressalta que a utilização dos meios alternativos de solução extrajudicial de conflitos não se confunde com a privatização do processo, mas representam, na verdade, a publicização da função exercida pelo particular, ou seja, as atividades dos particulares é que são revestidas de caráter público. Em uma posição diametralmente oposta, Delton R. S. Meirelles defende que não só as vias alternativas seriam formas de privatização do processo, destacando-se o princípio da autonomia das partes, como também exerceriam uma saudável competição ao Judiciário.

Não obstante estas breves considerações, faz-se necessário repensar a forma como os Meios Alternativos de Resolução de Conflitos são aplicados no ordenamento jurídico pátrio, a fim de se evitar "expectativas demasiado otimísticas" [62]. Como já fora dito, Barbosa Moreira não prevê uma solução "mágica" para a crise do judiciário. Para o jurista, o simplismo é inimigo do traçado de uma estratégia eficaz e a eficiência do acesso à justiça perpassa pela combinação de estratégias e táticas que sejam mais adequadas ao caso concreto

(...) cumpre que sejamos modestos e nos conformemos com a necessidade de experiências menos ambiciosas, combiando, em prudente dosagem, ingredientes variáveis, escolhidos à vista das peculiaridades de cada ordenamento processual e de cada momento histórico, e sobretudo abstendo-nos de alimentar expectativas demasiado otimísticas.

Tenhamos em mente a advertência do autor norte americano: construir um sistema de justiça é como construir uma estrada; quanto melhor for a estrada, maior será o tráfego; e quanto maior o tráfego, mais depressa a estrada acusará o inevitável desgaste. Nem é outra lição que aprendemos com a vida dos chamados Juizados Especiais, previstos na Constituição de 1988 (art.98, n°I) e disciplinados pela lei 9.099, de 26-9-1995, no âmbito estadual, e 10.250, de 12-7-2001, para a Justiça Federal. A rapidez no processamento das causas, notável nos primeiros tempos de funcionamento, atuou como chamariz para grande leva de interessados na solução de problemas (...) (MOREIRA, 2007, p.376)

Pode-se observar, portanto, que os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos não podem ser a única solução da crise judicial da pós-modernidade, mas sem dúvida, já representam um avanço no acesso à justiça. Sendo assim, imperiosa se faz a integração destes instrumentos com a criação de políticas públicas capazes de ampliar o alcance e conscientização da população e operadores do direito quanto a importância dessas vias alternativas.

A este respeito, o jurista Kazuo Watanabe (2010, p. 2-4) [63] defende a implantação de uma política nacional abrangente para os meios alternativos de resolução de conflitos, bem como a implementação soluções mais adequadas para cada tipo de litígio

É decorrente a crise mencionada, também, da falta de uma política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses que ocorrem na sociedade. Afora os esforços que vem sendo adotados pelo Conselho Nacional de Justiça, pelos Tribunais de Justiça de grande maioria dos Estados da Federação Brasileira e pelos Tribunais Regionais Federais, no sentido da utilização dos chamados Meios Alternativos de Solução de Conflitos, em especial da conciliação e da mediação, não há uma política nacional abrangente, de observância obrigatória por todo o Judiciário Nacional, de tratamento adequado dos conflitos de interesses.

(...) o objetivo primordial que se busca com a instituição de semelhante política pública, é a solução mais adequada dos conflitos de interesses, pela participação decisiva de ambas as partes na busca do resultado que satisfaça seus interesses, o quepreservará o relacionamento delas, propiciando a justiça coexistencial. A redução do volume de serviços do Judiciário é uma conseqüência importante desse resultado social, mas não seu escopo fundamental. (...)

Humberto Dalla Bernardina Pinho [64] defende a mudança da mentalidade dos operadores de direito quanto a cultura da pacificação social mediante os Marcs, partindo-se da discussão e fomento da matéria no ensino das faculdades de Direito e Escritórios Escola. Sob a ótica da racionalidade de prestação jurisdicional, o autor considera, ainda, que o Judiciário deveria ser a última ratio para a solução de conflitos. Sendo assim, o conceito processual de interesse de agir deveria ser ampliado, no que tange à comprovação nos autos pelas partes de que, de alguma forma, tentaram compor o litígio extrajudicialmente [65]. Através dessas ponderações, é possível reconhecer o caráter preventivo das vias alternativas de resolução de conflitos. Destarte, a noção constitucional do papel do Judiciário,não se restringiria à obrigação de intervir em qualquer conflito, mas sim, observar formas mais precisas de se equacionar o problema extrajudicialmente.

Cabe salientar, que estão em voga políticas públicas para o acesso à justiça que se utilizam paralelamente de vias alternativas, como por exemplo, o movimento da Justiça Itinerante, que tem por escopo ampliar o acesso à justiça às pessoas que residem em municípios ou em locais afastados da sede da comarca, mediante a realização de audiências e outras funções da atividade jurisdicional. Consoante Pietro de Jésus Alarcón Lora, para haver a descentralização do Poder Judiciário, faz-se necessário o envolvimento do poder público com a comunidade.

A intenção é, então, promover o acesso das pessoas ao Judiciário, evitando limites odiosos. Contudo, é importante anotar que o tema da descentralização das instancias do Judiciário ou de juízes e tribunais que transitam ou se deslocam não compreende apenas a realização de audiências, ou o processamento ritual das lides em novas regiões, senão que aqui devem ser, por evidentes, implementadas ações integradas de ordem estadual e municipal, que contemplem a conjugação da prestação de serviços essenciais à comunidade nas esferas administrativas, de uma legislação estadual e municipal, que facilite a instalação das instâncias jurisdicionais nos respectivos territórios, que se combine com o oferecimento dos serviços judiciários" (ALARCÓN,2005, p.44) [66]

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Isto significa dizer que a cultura da pacificação [67] através dos Marcs, passa, ainda, pelo incentivo à órgãos como os Procons, Centros de Mediação [68] e tipos informais de Jurisdição, como os Juizados Especiais e a Justiça Itinerante. Entretanto, é necessário ressaltar que as políticas públicas para a difusão das vias alternativas de resolução de conflito, estão sendo promovidas, em maior parte, pelo próprio Poder Judiciário. Isto acaba por gerar uma certa "judicialização do acesso à justiça" e pode trazer efeitos negativos à efetividade de direitos. Primeiramente, porque o acesso à justiça, como direito fundamental, deve ser promovido por todos os segmentos da sociedade, não se resumindo à prática e incentivo do Poder Judiciário. Em segundo lugar, porque as políticas públicas de vias alternativas nos tribunais, apesar de legítimas, acabam por acarretar gastos públicos desnecessários com a movimentação do Judiciário.

Se, desde o início, fica claro que o cerne da controvérsia não é jurídico, ou seja, não está relacionado à aplicação de uma regra jurídica, de nada adianta iniciar a relação processual, para então sobrestá-la em busca de uma solução consensual. Isto leva ao desnecessário movimento da máquina judicial, custa dinheiro aos cofres públicos, sobrecarrega juízes, promotores e defensores, e não traz qualquer consequencia benéfica.

É preciso amadurecer, diante da realidade brasileira, formas eficazes de fazer essa filtragem de modo a obter uma solução que se mostre equilibrada entre os Princípios do Acesso à Justiça e da Duração Razoável do Processo". (PINHO, p.10-11) [69]

Posto isto, o prestígio pela utilização dos Marcs através das vias judiciais, desvirtua uma das principais vantagens deste instituto que, ao possuir escopo extrajudicial, evita gastos desnecessários com o Judiciário. No entanto, isto não significa dizer que as iniciativas do Superior Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça estejam erradas ao promover, por exemplo, o Movimento pela Conciliação. A questão que se critica é o fato de outros Poderes serem omissos quanto à sua difusão, como ocorre, por exemplo, na demora do Poder Legislativo em aprovar a Lei de Mediação que dura mais de 10 anos.

Por fim, é necessário relembrar que as vias alternativas não substituem a jurisdição tradicional, mas na verdade são formas complementares de resolução de litígios. Destarte, o acesso à justiça será garantido, efetivamente, através da conjugação de iniciativas que envolvem soluções de conflitos tanto judicialmente como extrajudicialmente de maneira eficiente. Para isso, além do incentivo dos Marcs, faz-se necessária a reestruturação do próprio Poder Judiciário, mediante a desburocratização do setor, investimentos tecnológicos e de aumento do número de Juízes, promotores, entre outros.

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Sobre a autora
Larissa Affonso Mayer

Advogada graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com aproveitamento de créditos pelas faculdades de Direito e Criminologia da Universidade do Porto - Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAYER, Larissa Affonso. Métodos alternativos de resolução de conflitos sob a ótica do direito contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2997, 15 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19994. Acesso em: 23 dez. 2024.

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