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Direito Penal do inimigo, esse desconhecido

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A teoria do Direito Penal do inimigo não seria a mais adequada para coibir o ímpeto criminoso. Seus efeitos na sistemática jurídica e conseqüente irradiação na esfera social podem desencadear a criminalidade adormecida em indivíduos com tendência a pratica de delitos de um modo geral.

SUMÁRIO: Introdução; 1 – Funcionalismo Penal; 2 – Direito Penal do Inimigo; 2.1 – Aspectos favoráveis; 2.2 – O modelo colombiano de combate ao narcotráfico - 2.3 - A critica de Zaffaroni; 2.4 – Em busca do inimigo; Considerações finais; Referencias bibliográficas; Notas.

"O maior estímulo para cometer faltas

é a esperança de impunidade."

(Cícero)


INTRODUÇÃO

Recentemente, a sociedade assistiu lamentáveis barbáries urbanas em grandes capitais brasileiras, promovidas por organizações criminosas essencialmente financiadas pelo tráfico de drogas. Como sempre, tais situações, despertam imediato clamor por leis penais mais severas, melhor aparelhamento policial, construção de novos presídios, etc.

Enquanto os meios de comunicação promovem debates acalorados, em dados momentos permeados pelo sensacionalismo, a comunidade jurídica coloca em xeque a sistemática penal brasileira sob um enfoque doutrinário deveras controvertido, quiçá tormentoso ad eternum, qual seja: garantismo versus direito penal do inimigo.

Tal discussão fomenta o interesse de muitos pela teoria formulada por Günther Jakobs, nos idos de 1985. Todavia, o debate mostra-se invariavelmente parcial, eis que estigmatizado por proposições preconcebidas sobre o Direito Penal do Inimigo, criando, de antemão, uma atmosfera desfavorável acerca desta construção doutrinária.

Antes de adentrar a análise do tema, imperioso advertir o intuito de promover reflexão acerca dos aspectos jurídico-normativos que envolvem a teoria de Jakobs, sem descuidar da casuística que a cerca. No entanto, sua escorreita compreensão resta condicionada à leitura desprovida de concepções de natureza puramente axiológica, priorizando, então, a dogmática jurídica.


1. FUNCIONALISMO PENAL

Inspirado na sociologia germânica, sobretudo nas doutrinas de Jürgen Habermas e Niklas Lühmann (teoria do consenso da verdade [1] e teoria sistêmica [2], respectivamente), o funcionalismo esboça seus primeiros traços na Alemanha dos anos 70. Como o próprio nome sugere, o objetivo é conhecer os porquês do Direito Penal, ou seja, perquirir os fins do Direito na sistemática jurídica, ora descobertos nos mecanismos de interação social.

Sob o enfoque funcionalista, a doutrina debruça-se sobre o finalismo de Welzel, de natureza ontológica, asseverando que "não lhe interessa primariamente até que ponto vai a estrutura lógico-real da finalidade; pois ainda que uma tal coisa exista e seja unicamente cognoscível, o problema que se tem à frente é um problema jurídico, normativo". [3]. Desta nova dimensão desdobram-se duas vertentes: o funcionalismo teleológico (Roxin) e o funcionalismo sistêmico (Jakobs).

O chamado funcionalismo teleológico, preconizado pelo doutrinador alemão Claus Roxin, apesar de conceber o fato típico, em seu aspecto objetivo, tal qual a teoria finalista (conjugando conduta, nexo de causalidade, resultado naturalístico e adequação típica), porém, introduziu importante modificação ao transmutar a culpa do aspecto subjetivo para o normativo (limite da pena), definindo crime como fato típico, antijurídico e reprovável.

A reprovabilidade da conduta condiciona a caracterização do crime à imputabilidade do agente, a exigência de conduta diversa, capacidade de entender o caráter ilícito da ação e a necessidade da pena. [4] Este último elemento impõe verdadeira limitação ao jus puniendi estatal, apregoando que "o fim da pena no Estado democrático de direito não pode ser outro que não a tutela necessária dos bens jurídicos." [5]

Consoante a regra-matriz do funcionalismo teleológico, resta evidente a quebra da dogmática pura, outrora dominante na sistemática penal. Segundo Roxin, "o direito penal é muito mais a forma através da qual as finalidades político-criminais podem ser transferidas para o modo da vigência jurídica. (..) Um divórcio entre construção dogmática e acertos político-criminais é de plano impossível." [6]

Noutros termos, inequívoco deduzir que Roxin flexibiliza a sistemática penal clássica, vez que afasta conceitos puramente ontológicos (causalidade, ação, etc.), vislumbrando o Direito Penal enquanto sistema aberto, fazendo repercutir os efeitos da política criminal.

Neste diapasão, o iminente jurista Eugenio Raul Zafaroni define política criminal como "a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela". [7] A partir desta premissa, Roxin defende efetiva tutela de bens jurídicos indispensáveis ao ser humano, em sua concepção individual e coletiva, obtemperando, contudo, a necessária razoabilidade no emprego das ferramentas de prevenção e combate ao crime.

Destarte, depreende-se que o sistema penal não deve desdobrar efeitos sobre toda e qualquer conduta típica, devendo eleger ações de manifesta e efetiva lesão ou perigo a bem jurídico tutelado, isto se não houver outros meios de solução. É o chamado princípio da intervenção mínima, corolário do princípio da insignificância, cujo teor avoca à sistemática penal, apenas e tão somente, a tutela de bens jurídicos indispensáveis, condicionado a inexistência de outros mecanismos capazes de equacionar a ameaça (características da fragmentariedade e da subsidiariedade, respectivamente).

Na esteira desta premissa, defende-se o caráter preventivo do Direito Penal, cujo propósito é despertar na sociedade às conseqüências da prática delituosa, sem, contudo, fazer do Direito Penal um instrumento de intimidação. Em outras palavras, a retributividade penal advém do mundo fenomênico à realidade social com o fito de inibir delitos através da conscientização de seus efeitos. É o que se chama de prevenção geral limitadora.

Em suma, Roxin preconiza a flexibilização do sistema penal, pautado na ponderação dos valores permeados na norma penal, a fim de assegurar perfeita adequação do sistema à realidade social, tutelando, desta forma, apenas bens jurídicos relevantes.

Noutro vértice, a busca pelos fins do Direito Penal encontra corrente diametralmente oposta àquela delineada por Roxin. É o chamado Funcionalismo Sistêmico, cujo precursor é o jurista alemão Günther Jakobs.

Como o próprio nome sugere a corrente sistêmica parte do princípio que a sociedade é o núcleo do sistema, sendo o homem (sujeito de direitos e obrigações) conseqüência do meio. Segundo Jakobs, "o funcionalismo jurídico-penal se concebe como aquela teoria segundo a qual o Direito Penal está orientado a garantir a identidade normativa, a garantir a constituição da sociedade". [8]

Outrossim, a missão do Direito Penal resta, então, destinada a proteção da norma, sendo a sociedade o objeto da proteção do Estado. Disto infere-se que o funcionalismo sistêmico não contempla a proteção de um bem jurídico, mas, sim, das regras de conduta que devem nortear o convívio social.

Para esta corrente, a força coercitiva do Direito é a chave para a ordem social, ou seja, o jus imperii é pilar fundamental à estrutura da sociedade. Uma vez violada a norma, cabe ao Estado punir o indivíduo, fazendo valer sua autoridade, com o fito de preservar o sistema. Com isto, Jakobs projeta uma sistemática penal "isenta de ilusões, pois para qualquer outra atitude, o Direito, junto com sua ciência, tem sido comprometido com a política de modo demasiadamente evidente". [9]

Tais considerações demonstram de plano as diferenças doutrinárias no tocante à teoria de Roxin. Isto porque, o funcionalismo sistêmico reprova toda conduta que avilta a norma, que, por sua vez, deve ser prontamente combatida pelo Estado, evidenciando a inaplicabilidade da intervenção mínima.

Como exemplo, o furto de um objeto de mero deleite seria alvo de efetiva resposta estatal, eis que a conduta não se coaduna aos preceitos estabelecidos pela norma, de modo que uma vez subsumido o fato típico, antijurídico e culpável (substratos do crime, segundo Jakobs) à norma posta, deve o Estado punir o infrator.

Por conseqüência, o funcionalismo sistêmico adota a teoria preventiva positiva, cuja ferramenta é a intimidação. A intenção é incutir no intelecto a certeza de punição para condutas contrárias a norma jurídica, assumindo nítida coação psicológica no sentido de inibir delitos.

Portanto, a pena, além de mecanismo de intimidação, objetiva o restabelecimento da ordem social preconizada pelo sistema, na certeza que o indivíduo sofrerá a conseqüência de seus atos, servindo a pena como paradigma de conduta não esperada no âmbito social.

Neste contexto, surge o Direito Penal do Inimigo, ora enraizado nas proposições que fundamentam o funcionalismo sistêmico.


2 – DIREITO PENAL DO INIMIGO

A teoria denominada Feindstrafrecht, construída por Jakobs, surgiu na década de 80, na Alemanha, propondo novo modelo de enfrentamento ao crime, subdividindo o sistema em Direito Penal do Inimigo (destinado aos criminosos que atentam contra o Estado) e Direito Penal do Cidadão (dirigido a sociedade em geral). Assim, ao romper o contrato social [10], o indivíduo implicitamente renuncia a condição de cidadão, sendo, então, um inimigo.

A doutrina em comento é deveras criticada e raramente explorada nos bancos acadêmicos, tornando-a pouco compreendida, obstaculizando ponderações acerca das ideias irradiadas por seu precursor. Para tal, faz-se mister considerar os pilares que a sustentam, de modo a desmistificar certos dogmas, bem como pré-concepções que a enlaçam.

Ante o proêmio, não é despiciendo refletir: quem são e como devem ser tratados os inimigos do Estado? Luiz Flávio Gomes, um dos maiores expoentes do Direito Penal brasileiro e exímio conhecedor das correntes funcionalistas, leciona, in verbis:

"é inimigo quem se afasta de modo permanente do Direito e não oferece garantias cognitivas de que vai continuar fiel à norma. (...) o indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania, não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa. O inimigo, por conseguinte, não é um sujeito processual, logo, não pode contar com direitos processuais, como por exemplo o de se comunicar com seu advogado constituído. Cabe ao Estado não reconhecer seus direitos, "ainda que de modo juridicamente ordenado – p. 45" (sic). Contra ele não se justifica um procedimento penal (legal), sim, um procedimento de guerra." [11]

Em termos práticos, os clientes do Direito Penal, considerados inimigos do Estado, são, a saber: estupradores, sonegadores fiscais, seqüestradores, gestores públicos corruptos, membros de organizações criminosas, terroristas, dentre outras figuras criminosas que exponham o Estado e, consequentemente, a sociedade a riscos.

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Assim, a definição e, conseqüente, punição daquele considerado inimigo é baseada na periculosidade, não na culpabilidade. Uma vez manifestadas características criminosas o Estado tem legitimidade, na fase inicial do itter criminis, para punir o agente com fulcro na potencial ameaça à sociedade (antecipa a punição dos atos preparatórios).

Tal característica denota a imposição de medida de segurança, não de pena. Devido à periculosidade externada, o inimigo sofrerá tal medida no intuito de resguardar a incolumidade social, coibindo a reiteração dos delitos cometidos pelo agente. A sanção penal assumiria a mesma característica preventiva daquela imposta a inimputáveis, todavia, o perigo, a ser contido pelo Estado, faria menção a imputáveis.

Nesta esteira, leciona Luciana Tramontim Bonho, in verbis:

"O trânsito do cidadão ao inimigo se dá pela integração em organizações criminosas bem estruturadas, mas, além disso, se dá também, pela importância de cada ato ilícito cometido, da habitualidade e da profissionalização criminosa, de forma a manifestar concretamente a perigosidade do agente. "O Direito do inimigo – poder-se-ia conjeturar – seria, então, sobretudo o Direito das medidas de segurança aplicáveis a imputáveis perigosos." [12]

A punição projeta o futuro, levando em conta o risco potencial do criminoso para a sociedade, funcionando a medida de segurança como instrumento de eliminação do perigo, já que "essas pessoas configuram uma ameaça para o Estado, submetendo-se, assim, a um tratamento diferenciado, com o fim de preservar o equilíbrio e a paz social". [13]

Como inimigo do Estado o indivíduo deixa, ainda, de gozar certos direitos, eis que se afasta dos preceitos estabelecidos pelo pacto social, deixando de ser considerado sujeito processual e de direitos, para ser um não-cidadão. É o que se chama Direito Penal de terceira velocidade (direito penal de guerra).

Segundo a doutrina, o direito penal de terceira velocidade reflete o atual momento da humanidade, pelo qual a supressão ou relativização de garantias do indivíduo é determinante para a manutenção da ordem social. A condição de não-cidadão mitiga a abrangência dos princípios, bem como garantias processuais e penais (como contraditório, ampla defesa, acesso a peça de inquérito, etc.), visando preservar a sociedade.

O não enquadramento do inimigo à condição de sujeito processual e a submissão a um direito penal de guerra ocorre porque o agente "não oferece segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não deve esperar ser tratado como pessoa, senão que o Estado não deve tratá-lo como pessoa (pois do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas) [14]

A relativização das garantias resta assegurada através de instrumentos legislativos, ora denominadas leis de luta ou de combate. Como exemplo, Damásio [15] cita a lei dos crimes hediondos, a lei dos crimes organizados, a incomunicabilidade de presos, o Regime Disciplinar Diferenciado – RDD, dentre outras normas que, de algum modo, mitigam dados princípios e garantias.

As referidas leis são comumente observadas em situações pós-traumáticas experimentadas pela sociedade. É que devido à comoção e o inevitável clamor público, o legislativo edita normas rigorosas visando atacar um delito em especial, razão pela qual, alguns doutrinadores chamam de "leis de ocasião".

Com efeito, cabe, também, consignar o apego aos tipos de perigo abstrato (aquele cujo perigo é presumido pela norma)e mera conduta (desprovido de resultado naturalístico).

Assim, traz-se à baila o caráter preventivo-punitivo da doutrina de Jakobs, afastando a ofensividade da conduta. Tome-se, por exemplo, os crimes de porte ilegal de arma e omissão de socorro, ambos tipificados na legislação penal brasileira, cujo dispor afasta o iminente risco à sociedade, presumindo a periculosidade.

Desta feita, uma vez delineados os substratos da tese formulada por Jakobs, imprescindível analisar seus aspectos favoráveis e as críticas dirigidas ao Direito Penal do Inimigo.

2.1 – Aspectos favoráveis

Ab initio, faz-se necessário desmistificar a premissa que remete o Direito Penal do Inimigo às bases do nazismo, de Adolf Hittler. Como é cediço, o regime nazista perdurou, na Alemanha, de 1933 a 1945, sendo marcado pela intolerância racial, infundado apego a raça ariana, propagação do ódio às diferenças, etc. Por sua vez, a doutrina de Jakobs surgiu em meados dos anos oitenta, portanto, aproximados 40 anos após o término do nazismo.

Não bastasse a impropriedade cronológica, a tentativa de associar o nazismo ao Direito Penal do Inimigo alcança os pilares que sustentam a tese de Jakobs. É certo que ambos adotam o direito penal do autor como fundamento para punição daqueles que perseguem, no entanto, a aparente congruência logo é desfeita se levada a efeito as filosofias correspondentes.

É que a adoção do direito penal do autor, pelos nazistas, era fundada na chamada comunidade do povo (Volksgemeinschaft), designando a conhecida "comunidade de sangue e solo",baseada na doentia perseguição às minorias religiosas, homossexuais, etnias e até portadores de deficiência física. Ao revés, o Direito Penal do Inimigotoma por baliza a periculosidade do agente e tem legítimo objeto de proteção (o Estado/sociedade), daí porque são inimigos: terroristas, traficantes, criminosos organizados, estupradores, etc.

Feitas as considerações introdutórias, vale destacar a relevância da doutrina de Jakobs para a realidade brasileira. Há tempos o país assiste inerte o aumento progressivo da violência urbana, alto índice de reincidência criminal, falência das políticas de ressocialização, organização e especialização da criminalidade, bem como imotivada ampliação de garantias.

O histórico descaso pela educação e o abandono das políticas de segurança pública refletem os índices de criminalidade no país. Daí porque o Direito Penal do Inimigo surge como alternativa para o problema da violência urbana, eis que muitos delinqüentes mostram-se absolutamente corrompidos pelo tráfico, sem quaisquer perspectivas de recuperação.

Não é aceitável, por exemplo, que um criminoso (estuprador, seqüestrador ou traficante) disponha de tantos recursos processuais que, por sua vez, podem conduzir a persecução penal aos dissabores da prescrição, por consequência, perpetuando a impunidade. A eliminação destes criminosos (do meio social) é conditio sine qua non para uma sociedade harmônica e livre de perigos, uma vez que livremente optaram por ficar à margem da lei e, como tal, representam risco à sociedade.

Vale citar o problema da reincidência criminal. O absoluto abandono do Estado aliado à certeza da impunidade reflete o elevado número de reincidentes, como ocorre, a título de exemplo, no Estado do Pará, cuja população carcerária atinge 8.592 presos, e alarmante índice de reincidência, na casa dos 58,43%. [16]

Tendo em vista as bases do Direito Penal do Inimigo, bem como a realidade político-social brasileira, não seria absurdo considerar o elemento "periculosidade" uma ferramenta eficaz para coibir a reiteração e a própria reincidência criminal. Ora, enquanto perdurar a periculosidade do agente, este deve permanecer encarcerado a fim de evitar novas ações em desfavor da sociedade.

A própria literatura criminal brasileira oferece exemplos de criminosos irrecuperáveis, como o "bandido da Luz Vermelha", que após cumprir 30 anos de prisão (tempo máximo de sanção penal, no país), ainda manifestava periculosidade, sendo morto, em legítima defesa, após 4 meses de liberdade. Se levada a efeito as bases da teoria de Jakobs, o criminoso permaneceria encarcerado, eis que latente sua periculosidade, independentemente da constatação ou não de sua inimputabilidade.

Nada obstante, cumpre ressaltar que os posicionamentos supracitados encontram amparo constitucional, mais precisamente no Princípio da Isonomia, já que não se afigura razoável submeter criminosos aos mesmos direitos e garantias do cidadão. Isto não significa, contudo, relativizar direitos e garantias de todos os criminosos indiscriminadamente, mas, tão somente, a clientela penal citada anteriormente, jamais aqueles sem manifesta periculosidade, como furtadores.

Citando Jakobs, Alexandre Rocha Almeida de Moraes faz importante advertência, in verbis:

"Aceitar um "Direito Penal do Inimigo", é importante reprisar, não implica, todavia, que tudo esteja permitido; "antes é possível que se reconheça no indivíduo uma personalidade potencial, de tal modo que na luta contra ele não se possa ultrapassar a medida do necessário" [17]

Do mesmo modo, imperioso salientar que a relativização de garantias não pressupõe uma campanha contra os direitos humanos, na verdade, o que se busca é ajustá-lo. Neste sentido, nada melhor do que a leitura das palavras de Jakobs, in verbis:

"Como é evidente, não me dirijo contra os direitos humanos com vigência universal, porém seu estabelecimento é algo distinto de sua garantia. Servindo ao estabelecimento de uma constituição mundial (comunitário-legal), deverá castigar aos que vulnerem os direitos humanos; porém, isso não é uma pena contra pessoas culpáveis, mas contra inimigos perigosos, e por isso deveria chamar-se a coisa pelo seu nome: Direito penal do inimigo" [18]

Estas proposições afastam a "demonização" atribuída ao Direito Penal do Inimigo, vez que rechaça a tese de rompimento com os preceitos estatuídos pelos Direitos Humanos. O que se busca, na verdade, é o emprego de meios adequados à punição de criminosos perigosos, de modo a não permitir que a sociedade fique refém desses indivíduos, notadamente desvinculados de quaisquer preceitos humanísticos.

Por derradeiro, é possível abstrair os seguintes argumentos favoráveis a tese de Jakobs: (i) endurecimento das leis contra criminosos de notável periculosidade; (ii) serve o Direito Penal do Inimigo como eficaz instrumento de intimidação e repressão, sobretudo em países dominados pelo tráfico de entorpecentes; (iii) adequada e proporcional aplicação do Direito Penal, assegurando a proteção dos direitos humanos, principalmente, aos cidadãos; (iv) a caracterização da periculosidade do agente evita ou, ao menos, minimiza a reiteração e a própria reincidência criminal, impedindo sua liberdade até que cessada em definitivo. (v) endurecimento da execução penal, possibilitando o isolamento de presos considerados de alto risco, de modo a evitar qualquer persuasão aos demais presos, tampouco permitir a gestão de atos criminosos externos. [19]

2.2 – O modelo colombiano de combate ao narcotráfico

O modelo colombiano de combate ao narcotráfico é, sem dúvida, um exemplo bem sucedido da teoria insculpida por Jakobs.

Há alguns anos a Colômbia era dominada pelos cartéis de Cali e Medellín, ambos representantes das maiores redes do tráfico de entorpecentes do país, constituindo grupos bem organizados, com faturamento, aproximado, de 50 bilhões de dólares por ano.

No intuito de combater tais criminosos, o governo daquele país alterou leis, legitimou intervenções enérgicas por parte do Exército e da polícia, bem como ações voltadas ao enfraquecimento financeiro de seus cofres, sufocando as principais fontes de abastecimento do tráfico.

Para tal, o país contou com o apoio do governo americano, ora administrado por Bill Clinton, que se tornou parceiro do chamado "Plano Colômbia", destinado repressão às organizações criminosas. Assim, as operações engendradas pelas forças de segurança resultaram na morte dos principais líderes dos cartéis do tráfico, culminando na apreensão de grande número de armas, dinheiro e entorpecentes, bem como representou a retomada territorial de diversas comunidades dominadas pelos criminosos.

No tocante a violência urbana, os números impressionam. As cidades de Bogotá e Medellín, antes dominadas por criminosos, "conseguiram reduzir, respectivamente, suas taxas de homicídio em 79% e 90%" [20]. A abrupta queda dos índices de violência está intimamente relacionada à política de guerra imposta às referidas organizações criminosas, refletindo, ainda que indiretamente, a diminuição de crimes que estão na órbita do tráfico.

Especificamente falando, a edição de leis severas contra o narcotráfico, considerando os criminosos inimigos do Estado colombiano, reduziu severamente o poderio destes grupos, servindo, inclusive, de paradigma para diversos países europeus, que hodiernamente consultam a cúpula do governo sobre o modelo de segurança pública implantado.

Ratificando a afirmação supra, em março deste ano, a Organização das Nações Unidas – ONU, através de sua Comissão de Controle Internacional de Narcóticos – INCB, não só elogiou a luta colombiana antidrogas, como também excluiu o país de sua lista de observação especial. Em seu relatório, a ONU "indica que 165.000 hectares de plantações de drogas ilícitas foram erradicados na Colômbia em 2009, (...) O cultivo da coca no país andino caiu 58% entre 2000 e 2009, (...) O documento também informa que a Colômbia confiscou mais narcóticos que qualquer outro país do mundo na última década." (grifo nosso) [21]

É, por óbvio, incontestável o sucesso do modelo de segurança adotado na Colômbia, cujas bases remetem às características imanentes ao Direito Penal do Inimigo. O sucesso só não é maior devido à descentralização do narcotráfico, que impede sua imediata extirpação.

2.2 - A critica de Zaffaroni

Crítico voraz da teoria de Jakobs, Zaffaroni chama atenção para o que convencionou chamar de Direito Penal de Periculosidade, cujo núcleo não visa punir a conduta em si, mas o indivíduo enquanto pessoa.

A teoria de Jakobs privilegia o entendimento de que o homem que pratica delitos não age conforme o livre arbítrio, o faz de forma pré-determinada, não havendo qualquer possibilidade de escolha. Assim, o direito penal do inimigo adere a política do direito penal 100% preventivo.

A teoria de Jakobs afasta do infrator qualquer garantia inerente ao devido processo legal, eis que substanciada na tese de que o homem ao cometer uma determinada infração quebra o pacto social, ficando, portanto, à margem das garantias penais e processuais.

Deveras, insta salientar que o homem não deve ser visto como um ser desprovido do direito de escolha, pois, por óbvio, a racionalidade é o elemento que o difere dos demais seres. Assim, a doutrina de Jakobs propugna o entendimento de que o homem, ao não possuir capacidade de escolha, age por instinto, não por consciência e vontade própria. Logo, evidencia-se o regresso do indivíduo ao estado de natureza, mais especificamenteao status de homem das cavernas.

Neste sentido, assim discorre Zaffaroni, in verbis:

"o direito penal que parte de uma concepção antropológica que considera o homem incapaz de autodeterminação (sem autonomia moral, isto é, sem capacidade para escolher entre o bem e o mal), só pode ser um direito penal de autor: o ato é o sintoma de uma personalidade perigosa, que deve ser corrigida do mesmo modo que se conserta uma máquina que funciona mal." [22]

Ademais, a teoria de Jakobs, segundo Zaffaroni, defende que "um sujeito não é quem pode produzir ou impedir um fato, mas quem pode se apresentar como competente para isso". [23] Disto, infere-se que a teoria de Jakobs leva a efeito o grau de periculosidade do indivíduo, sendo este, portanto, elemento determinante para reprimir a conduta antes da execução do delito, razão pela qual deve ser combatido já na fase de preparação do ilícito penal.

Em suma, tratar o indivíduo como um objeto, e não como um sujeito de direito, em razão da potencial realização de um crime, significa ferir de modo incongruente a proporcionalidade e a razoabilidade da pena, pois, o indivíduo que comete um ilícito penal não deve ter afastada sua condição de ser humano.

Em outras linhas, não há punição mais rigorosa do que retirar do indivíduo tal condição, sem, sequer, lhe conferir resquícios de respeito a sua existência. A coisificação da pessoa e da pena, seja qual for à situação, deve ser abolida, eis que inequívoco reconhecer que a teoria do direito penal do inimigo em nada coibirá ou auxiliará na ressocialização do indivíduo. Pelo contrário, o indivíduo, antes com potencial periculosidade passará a ser um sujeito de efetivo risco a sociedade.

Por conclusão, a teoria do direito penal do inimigo não seria a mais adequada para coibir o ímpeto criminoso. Ademais, seus efeitos na sistemática jurídica e, conseqüente, irradiação na esfera social podem desencadear a criminalidade adormecida em indivíduos com tendência a pratica de delitos de um modo geral.

2.3 – EM BUSCA DO INIMIGO

Nos últimos tempos, observa-se que o Estado, por vezes, justifica suas ações na eterna e obsessiva busca de seus inimigos, não medindo esforços na persecução penal até a efetiva captura e promoção da justiça.

Com esta afirmativa, o Estado americano legitima suas invasões, cometendo diversas arbitrariedades que contrariam os Direitos Humanos e a soberania destes Estados.

Observando as duas últimas invasões americanas ao Iraque, bem como ao Afeganistão, consolida-se o entendimento de que por trás de um discurso democrático, há, em verdade, incessante busca a um inimigo declarado.

No Iraque, os Estados Unidos adotou discurso de que a invasão se justificaria em razão do governo ditatorial de Saddam Hussein, vigente há mais de 30 anos, para consumar a invasão ao território iraquiano e, conseqüentemente, explorar o potencial petrolífero daquele país, deixando-o completamente devastado, sem liderança, tampouco recurso financeiro para se reerguer após intensa ofensiva militar.

Já no Afeganistão, o inimigo era Osama Bin Laden. Movido pelo sentimento de orgulho e vingança, despertado nos atentados de "11 de setembro", os Estados Unidos iniciaram caça ao saudita Bin Laden, promovendo diversos ataques a capital Cabul, sem, sequer, ter certeza de sua permanência na região.

Conseqüentemente, a busca pelo líder da Al Qaeda resultou em milhares de mortos, um país arrasado pela guerra, cuja ação só trouxe frutos quase dez anos após o início da ofensiva militar americana. Os mais de 800 bilhões de dólares gastos pelos Estados Unidos durante estes 10 anos tinham um único objetivo: aniquilar aquele considerado inimigo n° 1 da nação estadunidense.

A incessante busca pelo inimigo penal, demonstrada nos ataques ao Iraque e ao Afeganistão, leva a seguinte reflexão: não se pode justificar um ato arbitrário com fundamentos que ensejam legalidade. O discurso legalista americano acerca dos ataques mascara veementemente a verdadeira intenção dos EUA em reaver o status de nação mais poderosa do mundo.

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Sobre os autores
Lincoln Almeida Rodrigues

bacharelando de Direito na PUC/MINAS-Campus Arcos-MG

Richard Paes Lyra Júnior

Advogado em São Paulo. Especialista em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito - EPD. Articulista em diversos sítios eletrônicos e revistas especializadas. Editor do blog voxadvocatus.blogspot.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Lincoln Almeida ; LYRA JÚNIOR, Richard Paes. Direito Penal do inimigo, esse desconhecido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2998, 16 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20003. Acesso em: 17 nov. 2024.

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