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As contratações da Administração Pública mediante adesão aos registros de preços realizados por órgãos ou entidades diversos do contratante

19/09/2011 às 10:07
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Considerando que há discordâncias doutrinárias acerca do tema. e que o e. TCU não vedou a “carona” de forma peremptória, constata-se que a Administração Pública tem a possibilidade de optar pela utilização do instituto criado pelo artigo 8º do Decreto n° 3.931/2001.

Resumo: O presente artigo analisa a possibilidade jurídica da celebração de contratos administrativos através do procedimento de adesão às atas de registros de preços, que passou a ser conhecido pela denominação de "carona".

Sumário: I – Introdução.II- Classificação dos usuários das atas de registros de preços. III- Controvérsia doutrinária acerca da juricidicidade da "carona" nas atas de registro de preços. IV – A posição do Tribunal de Contas da União. V- Conclusão. VI- Referências.


I.Introdução

O objeto do estudo do presente artigo consiste na análise da juridicidade da celebração de contratos administrativos através do procedimento de adesão às atas de registros de preços.

Um sistema de registro de preços decorre de licitação promovida por um ou mais órgãos administrativos determinados. A licitação é sempre disciplinada por um edital que fixa os quantitativos máximos que serão adquiridos, considerando as projeções das necessidades dos órgãos que integram aquele específico sistema de registro de preços. Diferentemente da licitação convencional, no sistema de registro de preços não se assume o compromisso de efetivar a contratação, nem mesmo se define quais são os quantitativos mínimos. Outrossim, a efetivação da contratação apenas ocorre se houver necessidade, a exclusivo critério da Administração. Destarte, o licitante se compromete a manter, durante o prazo definido no edital, a disponibilidade do produto nos quantitativos máximos pretendidos.

O Decreto nº. 3.931, de 19 de setembro de 2001, alterou a regulamentação do Sistema de Registro de Preços, e, em seu artigo 8º, instituiu a possibilidade da proposta mais vantajosa numa licitação ser aproveitada por outros órgãos e entidades. Esse procedimento passou a ser conhecido pela denominação de "carona", palavraque denota que se pretende aproveitar o veículo utilizado por outrem em benefício próprio, sem custos. Trago à colação o mencionado preceito legal, in verbis:

Art. 8º  A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem.

§ 1º  Os órgãos e entidades que não participaram do registro de preços, quando desejarem fazer uso da Ata de Registro de Preços, deverão manifestar seu interesse junto ao órgão gerenciador da Ata, para que este indique os possíveis fornecedores e respectivos preços a serem praticados, obedecida a ordem de classificação.

§ 2º  Caberá ao fornecedor beneficiário da Ata de Registro de Preços, observadas as condições nela estabelecidas, optar pela aceitação ou não do fornecimento, independentemente dos quantitativos registrados em Ata, desde que este fornecimento não prejudique as obrigações anteriormente assumidas.

§ 3o  As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços.(Incluído pelo Decreto nº 4.342, de 23.8.2002)


II- Classificação dos usuários das atas de registros de preços

De acordo com Jorge Ulisses Jacoby Fernandes², pode-se classificar os usuários das atas de registro de preços em dois grupos:

– órgãos participantes: são aqueles que, no momento da convocação do órgão gerenciador, comparecem e participam da implantação do SRP, informando os objetos pretendidos, qualidade e quantidade. Sua atuação é prevista no art. 1º, inc. IV, do Decreto nº 3.931/01; e

– órgãos não participantes (caronas): são aqueles que, não tendo participado na época oportuna, informando suas estimativas de consumo, requererem, posteriormente, ao órgão gerenciador, o uso da Ata de Registro de Preços.

Ainda segundo Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, a distinção entre órgãos participantes e meramente usuários não é só relativa ao tempo do ingresso no Sistema de Registro de Preços do órgão gerenciador. Os órgãos participantes têm as seguintes vantagens:

- têm suas expectativas de consumo previstas no ato convocatório;

- têm dos fornecedores o compromisso do fornecimento;

- têm direito de requisitar, automaticamente, todos os objetos previstos no SRP.

Já o atendimento dos pedidos dos órgãos meramente usuários(caronas) fica na dependência de:

- prévia consulta e anuência do órgão gerenciador(par. 1º do art. 8º do Dec. 3.931/2001);

- indicação pelo órgão gerenciador do fornecedor ou prestador de serviço(par. 1º do art. 8º do Dec. 3.931/2001);

- aceitação, pelo fornecedor, da contratação pretendida, condicionada esta à não gerar prejuízo aos compromissos assumidos na Ata de Registro de Preços(par. 2º do art. 8º do Dec. 3.931/2001).

Ressalte-se, em conformidade com o par. 3º do art. 8º do Dec. 3.931/2001, acima colacionado, os órgãos não participantes (caronas) da ata de registro de preços apenas poderão contratar até o limite de 100% das quantidades registradas.


III- Controvérsia doutrinária acerca da juricidicidade da "carona" nas atas de registro de preços

A doutrina se controverte acerca do instituto ora analisado, Marçal Justen Filho³ sustenta que a utilização da ata de registro de preços por órgãos não participantes (caronas) é ofensiva aos princípios da legalidade, da vinculação ao edital, republicano e da isonomia e à disciplina da habilitação. Assevera também o citado jurista que tal utilização infringe a essência da sistemática constitucional e legislativa sobre licitações e contratações administrativas. Passa-se a citar o renomado autor, in verbis:

"Em síntese, "carona" consiste na contratação fundada num sistema de registro de preços em vigor, mas envolvendo uma entidade estatal dele não participou originalmente, com a peculiaridade de que os quantitativos contratados não serão computados para o exaurimento do limite máximo. De acordo com a prática, a única restrição admitida reside no limite de 100% do quantitativo máximo objeto do registro por entidade...

A solução desbordou os limites da lei e produziu resultado teratológico, especialmente porque propicia contratações ilimitadas com base em uma mesma e única licitação. A figura do "carona" é inquestionavelmente ilegal e eivada de uma série de vícios. Mas isso não impediu que fosse praticada no âmbito do próprio Tribunal de Contas da União.

(...)

A figura do "carona" configura uma infração ao princípio da vinculação ao edital. Promove-se licitação prevendo que o licitante vencedor poderá ser contratado para fornecer quantitativos determinados e limitados para a Administração Pública. Posteriormente, admite-se que sejam realizadas contratações que superam esse limite. Mais ainda, podem ser realizadas contratações em quantitativos ilimitados, eis que o montante máximo aplica-se por órgão administrativo adquirente.

Ademais disso, produz-se contratação com órgão não participante da licitação e do sistema original, o que também configura uma hipótese de infração às condições previstas no ato convocatório.

(....)

Ou seja, a sistemática do "carona" presta-se como instrumento de frustração dos requisitos de habilitação, o que significa infração tanto ao princípio da República como ao da isonomia. Basta dimensionar formalmente o registro de preços em quantidade compatível com a capacidade econômica e técnica de uma empresa, mesmo que se tenha ciência que os quantitativos reais serão muito superiores.

(....)

Depois, há ofensa ao princípio da obrigatoriedade de licitação, instituindo-se competência discricionária para a Administração promover contratação direta.

(...)

Por outro lado, a prática do carona dissimula a eliminação da vedação à vedação dos quantitativos originais além dos 25%, tal como prevista no art. 65, pars. 1º e 2º , da Lei nº 8.666...

(...)

Há um aspecto que não pode ser ignorado, relativo à corrupção.(...)

A consagração do "carona" favorece a prática da corrupção. Em primeiro lugar, envolve a realização de licitações destinadas ao fornecimento de quantitativos enormes, o que se constitui em incentivo a práticas reprováveis. Isso não significa afirmar que existem desvios éticos apenas nas licitações de grande porte. O que se afirma é que a grande dimensão econômica de uma licitação eleva os riscos de corrupção em vista do vulto dos valores envolvidos. Mais grave, consiste na criação de competências amplamente discricionárias. Ao assegurar ao ente administrativo a faculdade de escolher entre utilizar ou não utilizar um registro de preços, abre-se a oportunidade para a corrupção. Não significa que a existência do registro de preços seja um instrumento intrinsecamente propício à corrupção: a figura do carona é intrinsecamente propícia à corrupção. E o é porque uma entidade pode ou não se valer de um registro de preços, segundo uma escolha livre e incondicionada."(Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª edição, 2008, pgs.193/199)

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes(artigo "Carona em sistema de registro de preços: uma opção inteligente para redução de custos e controle") sustenta a juridicidade da utilização da ata de registro de preços por órgãos não participantes (caronas), aduzindo que:

"Depois de ressalvar os casos de contratação direta e impor, como regra, o princípio da licitação, a Constituição Federal define os limites desse procedimento, mas em nenhum momento obriga a vinculação de cada contrato a uma só licitação ou, ao revés, de uma licitação para cada contrato. Essa perspectiva procedimental fica ao alcance de formatações de modelos: no primeiro, é possível conceber mais de uma licitação para um só contrato, como na prática se vislumbra com o instituto da pré-qualificação em que a seleção dos licitantes segue os moldes da concorrência, para só depois licitar-se o objeto, entre os pré-qualificados; no segundo, a figura do carona para em registros de preços ou a previsão do art. 112 da Lei nº. 8.666/93. Desse modo, é juridicamente possível estender a proposta mais vantajosa conquistada pela Administração Pública como amparo a outros contratos.

O fornecedor do carona é uma empresa que assegurando ao órgão gerenciador a certeza da disponibilidade do objeto, ainda pode, se for da sua conveniência, suportar a demanda de outros órgãos, pelo mesmo preço declarado na licitação como proposta mais vantajosa.

O carona no processo de licitação é um órgão que antes de proceder à contratação direta sem licitação ou a licitação verifica já possuir, em outro órgão público, da mesma esfera ou de outra, o produto desejado em condições de vantagem de oferta sobre o mercado já comprovadas. Permite-se ao carona que diante da prévia licitação do objeto semelhante por outros órgãos, com acatamento das mesmas regras que aplicaria em seu procedimento, reduzir os custos operacionais de uma ação seletiva.

É precisamente nesse ponto que são olvidados pressupostos fundamentais da licitação enquanto processo: a finalidade não é servir aos licitantes, mas ao interesse público; a observância da isonomia não é para distribuir demandas uniformemente entre os fornecedores, mas para ampliar a competição visando a busca de proposta mais vantajosa.

(...)

Uma das vigas mestras da possibilidade de ser carona em outro processo licitatório é o dever do órgão interessado em demonstrar a vantagem da adesão sobre o sistema convencional. Logo, aderir como carona implica necessariamente em uma vantagem ainda superior a um novo processo.

Essa vantagem se confirma por pesquisa e pode até mesmo ser considerada, quando em igualdade de condições entre o preço registrado e o de mercado, pelo custo indireto da licitação.

A toda evidência o sistema de controle apresenta inequívocos parâmetros de aferição, pois à luz do art. 113 da Lei de Licitações Contratos e do próprio art. 8° transcrito em preâmbulo ao presente, compete ao carona evidenciar no processo a vantagem.

Aos que patrocinam interesses dos pretensos contratantes que com o Sistema de Registro de Preços e o procedimento carona se viram ameaçados, basta lembrar que qualquer pessoa pode impugnar a validade do registro de preços e até mesmo os próprios preços. Com essa finalidade o art. 12 do Decreto nº. 3.931, de 19 de setembro de 2001 prevê mecanismos para que diante de uma informação da variação de preços de mercado o gestor público atue mediante negociação para redução de preços.

Aliás, importa destacar que depoimentos colhidos de servidores integrantes de órgãos que sistematicamente têm sido carona em registro de preços revelam inclusive que o procedimento serve para desestimular a oferta de preços elevados, nas licitações convencionais. De fato se o órgão decide fazer uma licitação porque não tem certeza de que o Sistema de Registro de Preços de outro órgão é, de fato, a proposta mais vantajosa, a hipótese de poder ser carona inibe a pretensão de sobrevalorização de propostas.

O aprimoramento do Sistema de Registro de Preços e a intensificação do uso do carona levarão inevitavelmente ao expurgo dos preços abusivos, pois a publicidade de ofertas disponíveis será cada vez mais ampliada.

(...)

Os fundamentos de lógica que sustentam a validade do Sistema de Registro de Preços e do sistema de "carona" consistem na desnecessidade de repetição de um processo oneroso, lento e desgastante quando já alcançada a proposta mais vantajosa. Além disso, quando o carona adere a uma Ata de Registro de Preços, em vigor, normalmente já tem do órgão gerenciador – órgão que realizou a licitação para o Sistema de Registro de Preços – informações adequadas sobre o desempenho do contratado na execução do ajuste.

É importante não perder de vista que a licitação é um procedimento prévio a um contrato e quanto menos tempo e custo consumir mais eficiente é o processo.

Pela dinâmica do sistema "carona" o que se observa na prática é que muitos órgãos estão deixando de utilizar a dispensa e inexigibilidade de licitação para ser carona e, portanto, contratar objetos que já passaram pela depuração do procedimento licitatório.

(...)

Com o uso do Sistema de Registro de Preços e consulta aos órgãos gerenciadores, daqui a algum tempo, cada órgão vai proceder apenas licitações específicas, objetos não comuns, como obras, veículo de representação, serviços de informática. A racionalização dos procedimentos e o nível de especialização das comissões poderão ser bastante aprimorados.

(...)

Por fim, é importante assinalar que nenhum sistema está imune a desvios de finalidade, mas essa possibilidade não pode impedir o desenvolvimento de processos de modernização.

.Destarte, evidencia-se que o tema em análise não é pacífico entre os estudiosos do Direito Administrativo brasileiro, em especial das licitações e contratos administrativos.


IV – A posição do Tribunal de Contas da União.

O plenário do egrégio Tribunal de Contas da União enfrentou o tema da utilização da ata de registro de preços por órgãos não participantes (caronas) no acórdão nº 1.487/2007, da Relatoria do eminente Ministro Valmir Campelo, ao apreciar representação da 4ª Secex, acerca de possíveis irregularidades na ata de registro de preços do Pregão nº 16/2005, da Coordenação-Geral de Recursos Logísticos do Ministério da Saúde. Segundo a Secretaria de Controle Externo, a irregularidade consistiria no fato de vários órgãos terem aderido à ata, apesar de o Tribunal ter determinado à Coordenação-Geral de Recursos Logísticos do Ministério da Saúde que evitasse realizar licitações tais como a que resultou na ata então questionada, vez que poderiam advir prejuízos aos cofres públicos ante a possibilidade da prática de "jogo de planilha". Isso porque foram constatadas distorções nos preços unitários praticados na proposta vencedora do Pregão nº 16/2005. Considerando que a súmula 222 do e. TCU dispõe que "as Decisões do Tribunal de Contas da União, relativas à aplicação de normas gerais de licitação, sobre as quais cabe privativamente à União legislar, devem ser acatadas pelos administradores dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios", passo a citar o v. Acórdão nº 1.487/2007, in verbis:

Voto do Ministro Relator

De início, considero que a presente representação merece ser conhecida, por preencher os requisitos de admissibilidade.

2. Com relação aos pontos levantados inicialmente pela unidade técnica, acerca da situação específica da Ata de Registro de Preços relativa ao Pregão SRP/MS 16/2005, a questão resta prejudicada tendo em vista a expiração de sua validade ocorrida em 3 de maio do corrente.

3. Quanto às questões de fundo em discussão no que se refere às fragilidades identificadas na sistemática de registro de preços, tenho-as por pertinentes.

4. Entendo, na mesma linha defendida pelo Ministério Público, que o Decreto nº 3.931/2001 não se mostra incompatível com a Lei nº 8.666/93 no que tange à utilização do registro de preços tanto para serviços como para compras. Ademais, o art. 11 da Lei nº 10.520/2002 admite a utilização do sistema de registro de preços previsto no art. 15 da Lei de Licitações nas contratações de bens e serviços comuns.

5. O parecer do Parquet ilustra esse ponto com abalizada doutrina que interpreta o sistema normativo de modo a demonstrar a compatibilidade entre o registro de preços e os contratos de prestação de serviços, consoante transcrito no Relatório que antecede este Voto. Ademais, lembra o ilustre Procurador que em diversos julgados o Tribunal expediu determinações/recomendações com a finalidade de estimular a utilização da sistemática de registro de preços por parte dos órgãos da Administração Pública.

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6. Diferente é a situação da adesão ilimitada a atas por parte de outros órgãos. Quanto a essa possibilidade não regulamentada pelo Decreto nº 3.931/2001, comungo o entendimento da unidade técnica e do Ministério Público que essa fragilidade do sistema afronta os princípios da competição e da igualdade de condições entre os licitantes.

7. Refiro-me à regra inserta no art. 8º, § 3º, do Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, que permite a cada órgão que aderir à Ata, individualmente, contratar até 100% dos quantitativos ali registrados. No caso em concreto sob exame, a 4ª Secex faz um exercício de raciocínio em que demonstra a possibilidade real de a empresa vencedora do citado Pregão 16/2005 ter firmado contratos com os 62 órgãos que aderiram à ata, na ordem de aproximadamente 2 bilhões de reais, sendo que, inicialmente, sagrou-se vencedora de um único certame licitatório para prestação de serviços no valor de R$ 32,0 milhões. Está claro que essa situação é incompatível com a orientação constitucional que preconiza a competitividade e a observância da isonomia na realização das licitações públicas.

8. Para além da temática principiológica que, por si só já reclamaria a adoção de providências corretivas, também não pode deixar de ser considerada que, num cenário desses, a Administração perde na economia de escala, na medida em que, se a licitação fosse destinada inicialmente à contratação de serviços em montante bem superior ao demandado pelo órgão inicial, certamente os licitantes teriam condições de oferecer maiores vantagens de preço em suas propostas.

9. A propósito do comentário acima, trago em reforço a lição do Prof. Marçal Justen Filho, (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª ed.) em que comenta a necessidade de se contar com uma precisa definição dos quantitativos mínimos e máximos das compras ou serviços a serem licitados, de modo a garantir estabilidade ao certame no que se refere à formação dos preços:

"É imperioso determinar os quantitativos máximos cuja aquisição se prevê no período de um ano. Mas, além disso, deverão estabelecer-se os quantitativos para cada aquisição individual. Por outro lado, não se pode admitir formulação genérica para os lotes. Não será válida previsão de que os quantitativos em cada aquisição serão fixados discricionariamente, sem qualquer limite, pela Administração. Será defeituoso, por exemplo, o edital que estabelecer que a Administração poderá requisitar o fornecimento de lotes entre um quilograma e dez toneladas. Ora, isso inviabiliza a formação de preços, atemoriza os fornecedores diligentes e estimula os imprudentes, além de ter outros efeitos como se verá abaixo. Em suma, a adoção de registro de preços não significa afastar a previsão de que os editais devem descrever de modo preciso o objeto da licitação.

Ou seja, o sistema de registro de preços não pode gerar a ampliação dos custos de transação para o particular. A incerteza sobre quantitativos mínimos e máximos se reflete no afastamento dos empresários sérios e na elevação dos preços ofertados à Administração. Basta um pequeno exemplo para evidenciar o problema. É possível formular um juízo aplicável a qualquer objeto, numa sociedade industrial razoavelmente desenvolvida. Trata-se do princípio da escala, que significa que quanto maior a quantidade comercializada tanto menor o preço unitário dos produtos fornecidos. Assim, o preço unitário não será o mesmo para fornecer um quilo de açúcar ou dez toneladas. Se não for estabelecido um lote mínimo para requisição, o particular se verá num dilema econômico invencível. Seus custos serão diversos em função das quantidades. O resultado será a formulação de preços médios. Logo, sempre que a Administração formular requisição de lotes de maior dimensão, acabará pagando valor superior ao que poderia ter obtido - se o licitante dispusesse da informação sobre a dimensão dos lotes.

Dito de outro modo, a Administração deve aproveitar o sistema de registro de preços para obter preços por atacado, evitando os preços de retalho. Para tanto, tem de estabelecer lotes mínimos que permitam aos potenciais interessados formular a proposta mais vantajosa.

Por outro lado, a fixação de quantitativos máximos é imposição essencial, derivada das normas orçamentárias, do princípio da isonomia e da economicidade."

10. Vê-se, portanto, que a questão reclama providência corretiva por parte do órgão central do sistema de serviços gerais do Governo Federal, no caso, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, razão pela qual, acompanhando os pareceres emitidos nos autos, firmo a conclusão de que o Tribunal deva emitir as determinações preconizadas pela 4ª Secex, no intuito de aperfeiçoar a sistemática de registro de preços, que vem se mostrando eficaz método de aquisição de produtos e serviços, de modo a prevenir aberrações tais como a narrada neste processo.

11. Faço pequeno acréscimo para incluir a Casa Civil da Presidência da República entre os destinatários da deliberação que vier a ser adotada, visto que compete ao Chefe do Executivo Federal a expedição do Decreto regulamentador.

Ante o exposto, Voto no sentido de que o Tribunal adote a deliberação que ora submeto a este Plenário.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 1º de agosto de 2007.

VALMIR CAMPELO

Ministro-Relator

Acórdão

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Representação da 4ª Secex, apresentada com base no art. 237, inciso VI, do Regimento Interno, acerca de possíveis irregularidades na ata de registro de preços do Pregão nº 16/2005, da Coordenação-Geral de Recursos Logísticos do Ministério da Saúde, consoante o decidido no Acórdão nº 1927/2006-1ª Câmara.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante das razões expostas pelo Relator, em:

9.1. conhecer da presente representação por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no art. 237, inciso VI, do Regimento Interno/TCU, e considerá-la parcialmente procedente;

9.2. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que:

9.2.1. oriente os órgãos e entidades da Administração Federal para que, quando forem detectadas falhas na licitação para registro de preços que possam comprometer a regular execução dos contratos advindos, abstenham-se de autorizar adesões à respectiva ata;

9.2.2. adote providências com vistas à reavaliação das regras atualmente estabelecidas para o registro de preços no Decreto n.º 3.931/2001, de forma a estabelecer limites para a adesão a registros de preços realizados por outros órgãos e entidades, visando preservar os princípios da competição, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para a Administração Pública, tendo em vista que as regras atuais permitem a indesejável situação de adesão ilimitada a atas em vigor, desvirtuando as finalidades buscadas por essa sistemática, tal como a hipótese mencionada no Relatório e Voto que fundamentam este Acórdão;

9.2.3. dê ciência a este Tribunal, no prazo de 60 (sessenta) dias, das medidas adotadas para cumprimento das determinações de que tratam os itens anteriores;

9.3. determinar à 4ª Secex que monitore o cumprimento deste Acórdão;

9.4. dar ciência deste Acórdão, Relatório e Voto, ao Ministério da Saúde, à Controladoria Geral da União e à Casa Civil da Presidência da República.

Diante da decisão acima transcrita, constata-se que o egrégio Tribunal de Contas da União não vedou peremptoriamente a utilização da ata de registro de preços por órgãos não participantes (caronas). Todavia, deflui-se do venerando acórdão nº 1.487/2007 que tal sistemática pode vulnerar princípios fundamentais que norteiam as contratações pela Administração Pública, quais sejam, os princípios da competição, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para a Administração Pública, desvirtuando as finalidades buscadas pelo sistema adesão às atas de registros de preços, como ocorreu no caso analisado pelo e. TCU, em que a empresa vencedora do Pregão 16/2005 do Ministério da Saúde sagrou-se vencedora de uma licitação para a prestação de serviços no valor de R$ 32 milhões e firmou contratos com 62 órgãos que aderiram à ata, na ordem de aproximadamente 2 bilhões de reais.

De acordo com Marçal Justen Filho(artigo "TCU restringe a utilização de "carona" no sistema de registro de preços"), o acórdão nº 1487/2007 demonstra que a contratação adicional, não prevista originalmente, é potencialmente danosa aos cofres públicos. Ademais, a sua adoção envolve a assunção do administrador público do risco de produzir uma contratação equivocada. Aduz também o mencionado jurista que a comprovação de que a prática da "carona" produziu enriquecimento injusto e indevido para o fornecedor privado deve conduzir à severa responsabilização dos agentes estatais que a adotaram.

Em decorrência da orientação do e. TCU através do v. Acórdão nº 1487/2007, os participantes do 3º Encontro Nacional de Pregoeiros, promovido pela editora Zênite, em Brasília/DF, no período de 27 a 29 de maio de 2008, concluíram que "é recomendável que não se realize a adesão a registros de preços realizados por outros órgãos e entidades ("carona") até que haja uma definição final sobre o tema. Se realizada a adesão, é prudente, então, que seja limitada à quantidade total do objeto efetivamente licitado".


V- Conclusão

Pelo exposto, considerando que há discordâncias doutrinárias acerca do tema. e que o e. TCU não vedou a "carona" de forma peremptória, constata-se que a Administração Pública tem a possibilidade de optar pela utilização do instituto criado pelo artigo 8º do Decreto n° 3.931/2001.


VI - Referências

1.Brasil. Decreto n° 3.931/2001. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/D3931htm.htm

2.Fernandes, Jorge Ulisses Jacoby. Artigo "Carona em sistema de registro de preços: uma opção inteligente para redução de custos e controle", disponível em: http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/BDS.nsf/95A4B255758B1B8D832574C60073E8D2/$File/NT00038E62.pdf

3.Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Ed. Dialética, 12ª edição, 2008.

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Sobre o autor
José Arteiro Vieira de Melo

Procurador Federal. Especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Especialista em gestão pública e controle externo pela Universidade de Pernambuco. Graduado em Direito pela UFPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, José Arteiro Vieira. As contratações da Administração Pública mediante adesão aos registros de preços realizados por órgãos ou entidades diversos do contratante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3001, 19 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20017. Acesso em: 23 abr. 2024.

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