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Quem deve e quem vai pagar os expurgos no FGTS

01/04/2001 às 00:00
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Desde abril de 2000, venho me referindo, em vários textos, à questão do pagamento, ou crédito, da diferença das atualizações monetárias feitas a menor, relativamente aos saldos existentes nas contas vinculadas ao FGTS dos trabalhadores, em conseqüência dos expurgos mandado praticar, pela CEF, em desacordo com a legislação vigente. Tenho defendido que quem seguiu a orientação recebida (ilegal) errou, no mínimo, culposamente, beneficiando-se com a medida. Neste caso, incluem-se todos os empregadores que demitiram sem justa causa e pagaram a multa rescisória (Lei nº. 8.036/90, art. 18, § 1º.) considerando tais expurgos, que a jurisprudência pátria (STF, STJ e TRFs) já considerou que foram equivocados e devem ser compensados (janeiro de 1989 e abril de 1990).

Em recente pesquisa de opinião para a revista Veja, via internet, minha participação ficou "perdida", e não foi publicada. Quem deve pagar a diferença é a Caixa Econômica Federal, por ser ela, a gestora do Fundo, o único pólo passivo legitimamente reconhecido, e a única judicialmente condenada a pagar tal diferença.

Nem mesmo o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, suas reservas financeiras e sua arrecadação mensal foram, até hoje, condenados, judicialmente, a arcar com o ônus. A única ré é a Caixa. A União, expressamente, vem sendo excluída da lide como possível pólo passivo. Bem como os bancos depositários.

Veio o Presidente da República, em setembro de 2000, e declarou que, a exemplo da posição adotada ante as reiteradas condenações da Administração Direta a também pagar a seus servidores civis o famoso reajuste de 28,86% concedido aos militares em 1993, ia estender a todos o direito àquelas duas correções, pela via administrativa. A Justiça Federal "puxou o freio de mão", e as ações ajuizadas a partir de então levaram até dois meses para serem, sequer, distribuídas. Muitas delas "pararam" na possibilidade de resultarem em acordo extrajudicial. E a negociação demorou a ser concluída, conduzida pelo Ministro do Trabalho e Emprego, chegando a um dito "acordo" recusado e contestado por entidades patronais e de empregados (principalmente pela CUT, que acusa a Força Sindical e a CGT de estarem a serviço do governo neoliberal e globalizante iniciado em janeiro de 1995). E a propostas de lei e de lei complementar, que alteram, inclusive, os ADCT da CF/88, podem ser modificadas ou rejeitadas (talvez hipótese remota e descartável) na tramitação congressual.


A quantidade de informações equivocadas ou distorcidas é crescente. Elenquemos algumas delas.

  1. O reajuste será de 68,9% (sobre que base de cálculo?)
  2. A dívida, ou o desembolso, será da ordem de 40 bilhões de reais
  3. Cabe ao Tesouro Nacional arcar com o pagamento da correção dos expurgos perpetrados
  4. O país vai quebrar, sua economia vai pro beleléu ou o Plano Real vai pras cucuias, com essa correção

Primeiramente, cabe reajustar o saldo existente em dezembro de 1988 (ou o menor saldo existente no trimestre dez/88, jan.89, fev/89) em mais 16,65% (42,72 menos 26,06) e reajustar o saldo existente em abril/90 (corrigido naqueles 16,65%) em mais 44,80%, devidamente atualizados, com os juros (progressivos ou não) aplicáveis a cada conta vinculada. Apenas a partir de abril/90 incidiria o índice de 68.9%.

Cada caso é um caso e, como sempre, tudo depende. Se um trabalhador efetuou saques, certamente, a correção devida não vai contemplar integralmente seu saldo residual. Por exemplo, quem efetuou saques (para abater a prestação ou quitar a casa própria adquirida pelo SFH, ou outra hipótese autorizada) em dezembro de 1988, janeiro ou fevereiro de 1989 não fazia mais jus, em março/89, ao reajuste sobre os valores sacados; e quem efetuou saques depois de abril de 1990 não deve considerar que o percentual incidirá sobre o valor remanescente em conta.

Portanto, necessariamente, o valor a receber não é 68,9% do saldo existente, ou remanescente, em conta.

O desembolso imediato (?) será apenas em relação às contas daqueles que já sacaram o saldo tido por existente (aposentados, demitidos sem justa causa ou, ainda, outros pouquíssimos casos admitidos em lei). Quantos serão estes? Dos propalados 40 bilhões, com absoluta certeza, a maior parte corresponde a créditos (lançamentos contábeis) em contas ativas para saque futuro (alguns daqui a quinze ou vinte anos, quiçá mais). Quem haja começado a trabalhar no segundo semestre de 1988, terá direito aos dois reajustes expurgados para resgate em 2023, no mínimo!

Como já foi dito, a ré, condenada a pagar a diferença, é a Caixa Econômica Federal. A responsabilidade do Tesouro Nacional quanto a essa diferença somente ocorrerá se o Gestor (sucessor do BNH, após a extinção deste) "quebrar", falir, tornar-se insolvente. Probabilidade, convenhamos, um tanto remota. E isto não por condenação judicial, mas porque o Governo garantiria aquela sua entidade (empresa pública de direito privado) paraestatal, como o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste, o Banco da Amazônia, o BNDES e outros tantos.

Teria sido o Presidente da República mal assessorado? "Competência" é uma palavra que tem quatro significados, apud o "Aurélio", dos quais dois são bastante distintos:

  1. Faculdade concedida por lei a um funcionário, juiz ou tribunal para apreciar e julgar certos pleitos ou questões.
  2. Qualidade de quem é capaz de apreciar e resolver certo assunto, fazer determinada coisa; capacidade, habilidade, aptidão, idoneidade.

No "popular", este segundo é o mais comum. Quando se diz que alguém é "incompetente", geralmente, quer-se dizer que ele não sabe o que faz, é inábil, despreparado, incapaz. Em termos jurídicos, está-se dizendo que ele não pode (não tem autoridade) para praticar determinado ato ou tomar determinada decisão. Um Diretor de Departamento ou um Presidente de Autarquia não tem competência (1) para autorizar o afastamento do país de seu servidor, porque quem é competente para dar essa autorização é o Presidente da República ou, por delegação deste, o Ministro de Estado a quem aquele Diretor ou aquela Autarquia esteja subordinado. Pode-se afirmar que o Ministro Dorneles tinha a competência "1" (delegada pelo Presidente da República) para conduzir a negociação, embora talvez não tenha tido a competência "2" (habilidade, aptidão, capacidade) de levá-la a bom termo. Prova disso é que desagradou a gregos e troianos, CUT, FIESP, CNI, ....., sociedade civil e, também, aos trabalhadores "tungados" nos Governos Sarney e Collor.

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Infelizmente, não basta a boa intenção. Requer-se um pouco mais. Aliás, muito mais. Os antigos já diziam "de boas intenções o inferno está cheio". A sociedade está sendo chamada a pagar uma conta que o Judiciário não lhe condenou a pagar. Ou teria condenado? Pelo "acordo" do Governo, estamos todos os trabalhadores, que um dia tivemos contas vinculadas ao FGTS, contribuindo para nos ser paga a diferença que a justiça disse que a CEF deveria nos pagar, porque ela foi quem errou.

Os bancos depositários estão rindo à-toa. Beneficiaram-se por pelo menos dois anos, quase três (somente em novembro/91 transferiram as contas vinculadas para a CEF) e foram isentados, pelo Poder Judiciário, de arcarem com qualquer espécie de ônus (simplesmente receberam, e cumpriram, a orientação do gestor do FGTS relativamente a em quanto corrigir/atualizar os saldos das contas ali depositadas). Desse enriquecimento não cogitou o Poder Executivo.

E os empregadores que demitiram sem justa causa? Também estão, por enquanto, enriquecidos ilicitamente ao calcularem as multas devidas utilizando os saldos e os índices considerados pela CEF (aqueles mesmos que o Judiciário vem dizendo, há quase dez anos, terem sido ilegalmente estabelecidos, ao arrepio da lei). E vão continuar beneficiados pela inércia e indolência dos empregados demitidos (e de seus Sindicatos) que deixaram prescrever o direito de reclamar, perante a Justiça do Trabalho, passados dois anos da extinção do vínculo laboral (CF/88, art. 7º., inciso XXIX, alínea b) e Enunciado 362 do TST, de novembro/99). A Súmula 181 do antigo Tribunal Federal de Recursos dispõe ser atribuição do empregador (e não do gestor ou do órgão fiscal, à época, respectivamente, BNH e IAPAS) cuidar da "individualização" das contas vinculadas de seus empregados. Quanto a esse "erro" (por culpa ou dolo?) a única via de escape é a prescrição do direito de postular, perdendo o empregado demitido sem justa causa, e que recebeu sua multa com expurgos, o prazo para ajuizar sua Reclamação Trabalhista.

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Sobre o autor
João Celso Neto

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CELSO NETO, João. Quem deve e quem vai pagar os expurgos no FGTS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 50, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2005. Acesso em: 2 nov. 2024.

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