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Ainda sobre a declaração ex officio da falta de um pressuposto processual

ou de uma condição da ação em agravo de instrumento

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01/04/2001 às 00:00
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Sumário: 1. A temática em foco – 2. A recorribilidade das decisões sobre os pressupostos processuais e as condições da ação – 3. O CPC, art. 267, § 3º e os recursos – 4. O CPC, art. 267, § 3º e o agravo de instrumento – 5. Conclusões – Bibliografia.


1.A temática em foco

Imaginemos a seguinte situação prática: o juiz, não declarando nula a citação, profere sentença de mérito; o réu, revel, ingressa no processo para apelar, alegando a nulidade da citação, mas seu recurso é julgado deserto; contra esta decisão o réu interpõe agravo de instrumento. Pergunta-se: o tribunal poderá conhecer da nulidade da citação no próprio agravo de instrumento?

Figuremos então outra hipótese: o juiz concede tutela antecipada; contra este julgado o réu interpõe agravo de instrumento. Pergunta-se: havendo ilegitimidade para a causa, o tribunal poderá, no agravo de instrumento, julgar extinto o processo sem julgamento do mérito?

À resolução de tais problemas – freqüentes na prática forense –, mister se faz, antes de tudo, responder ao seguinte questionamento prévio prejudicial: o tribunal poderá, agindo de ofício, declarar a ausência de algum pressuposto processual (v.g., citação válida) ou de alguma condição da ação (v.g, legitimidade para a causa) em agravo de instrumento que verse sobre matéria distinta? Em outras palavras, o disposto no CPC, art. 267, § 3º aplica-se integralmente ao agravo de instrumento?


2.A recorribilidade das decisões sobre os pressupostos processuais e as condições da ação(1)

Cumpre fundamentalmente ao magistrado, no exercício da função jurisdicional, julgar a questão de fundo do processo, fixada, como regra, no pedido formulado pelo autor(2).

Todavia, antes de se pronunciar a respeito da questão de fundo (mérito da causa), cabe ao juiz decidir questões atinentes à formação e ao desenvolvimento válido da relação jurídica processual (pressupostos processuais), bem como a exercício regular da ação (condições da ação).

Pressupostos processuais e condições da ação são questões preliminares, requisitos situados no plano da admissibilidade do meritum causae. Não influenciam o teor da decisão da lide, mas condicionam a apreciação desta.

Os pressupostos processuais, apesar de aglutinados numa única categoria jurídica, são requisitos heterogêneos e, pois, de difícil enumeração e classificação.

Tendo em vista aspectos que os assemelham – são indispensáveis à existência ou ao desenvolvimento válido da relação jurídica processual e a ausência ou presença de qualquer um deles pode ser pronunciada em qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive de ofício –, partimos da conhecida classificação proposta por Teresa Arruda Alvim Wambier, que julgamos de importância científica, mas sobretudo prática, para, assim, elencarmos os pressupostos processuais: 1. pressupostos processuais de existência (da relação jurídica processual): 1.1. petição inicial; 1.2. órgão investido de jurisdição; 1.3. citação; 2. pressupostos processuais de validade (da relação jurídica processual): 2.1. competência (não existência de incompetência absoluta); 2.2. imparcialidade (ausência de impedimento); 2.3. capacidade postulatória; 2.4. capacidade processual; 2.5. legitimidade processual; 2.6. petição inicial apta; 2.7. citação válida.

Cremos que os chamados pressupostos processuais negativos – litispendência, coisa julgada e, para alguns, perempção e cláusula compromissória – são impedimentos fático-jurídicos ao exercício regular da ação, absorvidos pelo largo conceito de interesse de agir, porquanto extrínsecos à relação jurídica processual.

A ausência de um pressuposto processual tem como conseqüência mais freqüente a extinção do processo (CPC, art. 267, IV).

Lembremo-nos, entretanto, que os pressupostos processuais são requisitos ontologicamente distintos e – repetimos – heterogêneos, diferentemente do que ocorre com as condições da ação.

Na prática, a falta de um pressuposto processual poderá determinar a extinção do processo, a inexistência jurídica ou a nulidade de alguns atos processuais ou, simplesmente, o envio dos autos do processo a outro juiz ou juízo.

Por conseguinte, o pronunciamento do órgão julgador que reconhecer a carência de um pressuposto processual poderá ter natureza jurídica de sentença processual (CPC, art. 162, § 1º c/c art. 267, IV) ou de decisão interlocutória (CPC, art. 162, § 2º)(3), cabendo, desta foma, apelação (CPC, art. 513) ou agravo (CPC, art. 522), conforme o caso.

Já as condições da ação, requisitos cuja presença viabiliza o exercício regular do direito de ação, conduzindo o juiz ao exame do mérito, são, no direito positivo brasileiro, basicamente três: a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade para a causa e o interesse de agir (CPC, arts. 3º; 267, VI; 295, II, III e parágrafo único, III; e 301, X).

O Código de Processo Civil adotou rigorosamente a posição de Enrico Tullio Liebman esposada na segunda edição de seu conhecido Manuale(4), pois, como as sabe, na edição seguinte, a possibilidade jurídica foi, por este autor, banida das condições da ação(5).

A possibilidade jurídica consiste na ausência de vedação normativa – explícita ou implícita – quanto ao pedido formulado pelo autor. Já a legitimação para a causa possuirá todo aquele que for titular da relação jurídica de direito material afirmada em juízo, havendo também a possibilidade de a lei atribuir legitimação a quem não é titular desta relação hipotética – legitimação extraordinária. Enquanto o interesse de agir caracteriza-se pela utilidade potencial da jurisdição, consistente na aptidão da jurisdição em produzir alguma vantagem ou benefício jurídico(6).

Autores defendem ainda a existência de condições específicas para determinadas ações, tal como o direito líquido e certo para o mandado de segurança. Pensamos, nesse particular, que, à semelhança do que ocorre com os chamados pressupostos processuais negativos, tais requisitos são absorvidos pelo genérico interesse de agir, embora a análise individual não seja desprovida de utilidade prática.

A constatação judicial a respeito da falta de uma condição da ação implicará na carência de condição da ação(7) e, desta forma, deverá o processo ser extinto sem o julgamento do mérito, por meio de sentença processual (CPC, art. 162, § 1º c/c art. 267, V e VI), podendo o autor, portanto, interpor o recurso de apelação (CPC, art. 513).

É possível, entretanto, que a sentença declaratória da ausência de um pressuposto processual ou de uma condição da ação, não gere a extinção do processo (como um todo), v.g., na exclusão de um litisconsorte do processo, por ilegitimidade para a causa, bem como no indeferimento da petição inicial da reconvenção, da ação declaratória incidental ou da oposição(8).

Nesse caso, apesar de o pronunciamento judicial ser uma sentença, na medida em que possui conteúdo determinado no CPC, art. 267, VI e I, o recurso cabível será o agravo de instrumento, por uma razão de ordem prática: se cabível fosse a apelação, haveria a inconveniência de os autos do processo serem enviados ao juízo ad quem.


3.O art. 267, § 3º do CPC e os recursos

Em todo e qualquer processo a admissibilidade, diz Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, "impõe-se como uma espécie de ‘mecanismo de filtragem’, separando, dentre os pedidos que batem às portas do Judiciário, aqueles que se apresentam como passíveis de exame substancial dos que podem, de pronto, ser descartados, já por questões respeitantes à existência e validade do processo, apenas, através do qual se desenvolve a ação, já por motivos que prenunciam ser esta mesma insuscetível de levar a uma decisão de fundo sobre o direito invocado"(9).

Tal aspecto confere aos requisitos de admissibilidade um caráter público, levando-se em conta os elevados custos do processo para as partes e, sobretudo, para o Estado, o que significa, em última análise, para toda a coletividade.

Os pressupostos processuais e as condições da ação são requisitos de admissibilidade para o julgamento do mérito(10), razão pela qual as questões atinentes a estas duas categorias jurídicas são consideradas questões de ordem pública.

A questão de ordem pública, consoante Gleydson Kleber Lopes de Oliveira, "é toda matéria atinente aos requisitos de admissibilidade da tutela jurisdicional que, quando desatendida, tem o condão de viciar – nulidade absoluta ou inexistência jurídica – o processo. Em virtude da sua importância, dispõe o Código de Processo Civil, no seu art. 267, § 3º, que a questão de ordem não está afeta ao regime da preclusão" (11).

Com efeito, dispõe o CPC, art. 267, § 3º, primeira parte, que "O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante nos ns. IV, V e VI". O inciso IV trata da ausência de pressupostos processuais, o inciso V do acolhimento da alegação de perempção, litispendência ou coisa julgada (pressupostos processuais negativos, para alguns; outra face do interesse de agir, para outros), enquanto o inciso VI refere-se à ausência de uma das condições da ação, como a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade para a causa e o interesse de agir

Reforçando essa norma, encontra-se o disposto no CPC, art. 301, § 4º, segundo o qual "com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria enumerada neste artigo". O art. 301 trata exatamente das preliminares de contestação, entre elas a falta de pressuposto processual ou de condição da ação.

Assim, ainda que o juiz declare expressamente saneado o processo – com a presença de todos os pressupostos processuais e de todas as condições da ação –, não existirá preclusão pro judicato, pois o próprio magistrado poderá alterar a sua decisão, mesmo que não haja qualquer modificação no quadro fático e que o réu não interponha agravo de instrumento.

Aliás, não existe também preclusão para o réu, visto que o mesmo poderá alegar a ausência de um requisito de admissibilidade do mérito após o prazo para a contestação, por se tratar de matéria que o órgão jurisdicional pode conhecer de ofício (CPC, art. 303, II).

Galeno Lacerda, examinando a eficácia preclusiva da decisão de saneamento, ainda à luz do Código anterior, esquematizou as nulidades processuais em nulidades absolutas (infrações de normas imperativas que visam o interesse público) e nulidades relativas (infrações de normas dispositivas em relação à parte), para, depois, afirmar: "Ora, o problema da preclusão de decisões no curso do processo é substancialmente diverso do problema da preclusão das decisões terminativas. Enquanto nestas o magistrado esgota a jurisdição, extinguindo a relação processual, naquelas ele conserva a função jurisdicional, continua preso à relação do processo".

Em face desta premissa, conforme Galeno Lacerda, "a pergunta se impõe: pode o magistrado, que conserva jurisdição, fugir do mandamento de norma imperativa, que o obriga a agir de ofício, sob o pretexto de que a decisão interlocutória precluiu? Reconhecido o próprio erro, poderá a falta de impugnação da parte impedi-lo de retratar-se? Terá esta, com sua anuência, tal poder de disposição sobre a atividade ulterior do juiz?"

A resposta, no caso, consoante o autor, "deve ser negativa. Se o juiz conserva a jurisdição, para ele não preclui a faculdade de reexaminar a questão julgada, desde que ela escape à disposição da parte, por emanar de norma processual imperativa".

Dessa forma, conclui Galeno Lacerda que "o despacho saneador não terá efeito preclusivo sempre que der pela legitimidade de ato absolutamente nulo"(12).

José Rogério Cruz e Tucci adere inteiramente a Galeno Lacerda neste ponto, afirmando que o ensinamento deste autor continua, no aspecto fulcral, preciso e atual(13).

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E Teresa Arruda Alvim Wambier, seguindo igual ordem de idéias, vai mais além, afirmando que a preclusão não ocorre nem mesmo se a matéria for objeto de decisão, se desta decisão se recorrer e se houver decisão a respeito(14).

Por outro lado, consoante Arruda Alvim, "a dicção em qualquer tempo e grau de jurisdição (CPC, art. 267, § 3º) só pode referir-se à inocorrência de preclusão também para o segundo grau"(15).

É certo, porém, que no dispositivo legal invocado a expressão em qualquer tempo o grau de jurisdição precede à locução enquanto não proferida a sentença de mérito.

Quer nos parecer, todavia, que a limitação prevista na norma – enquanto não proferida a sentença de mérito – diz respeito exclusivamente ao órgão jurisdicional de primeiro grau.

Até mesmo em sede de recurso especial e de recurso extraordinário discute-se ainda sobre a possibilidade de o tribunal – STJ ou STF – conhecer de ofício da matéria de ordem pública.

Nelson Nery Junior leciona que "o efeito devolutivo do recurso tem sua gênese no princípio dispositivo, não podendo o órgão ad quem julgar além do que lhe foi pedido na esfera recursal. Aplicam-se na instância recursal os arts. 128 e 460 do CPC. Caso o órgão destinatário do recurso extrapole o pedido de nova decisão, constante das razões do recurso, estará julgado extra, ultra ou citra petita, conforme o grau e a qualidade do vício em que ocorrer"

"Há casos, entretanto, – continua Nelson Nery Junior – em que o sistema processual autoriza o órgão ad quem a julgar fora do que consta das razões ou contra-razões do recurso, ocasião em que não se pode falar em julgamento extra, ultra ou infra petita. Isto ocorre normalmente com as questões de ordem pública, que devem ser conhecidas de ofício pelo juiz, a cujo respeito não se opera a preclusão (por exemplo, arts. 267, § 3º, e 301, § 4º, ambos do CPC). A translação dessas questões ao juízo ad quem está autorizada nos arts. 515, §§ 1º e 2º, e 516, do CPC"(16).

Para Nelson Nery Junior, então, configura-se, nesta hipótese, o efeito translativo do recurso(17).

Parece-nos, todavia, que o efeito translativo constitui mera exceção legal à regra do efeito devolutivo, autorizada pelo CPC, art. 267, § 3º, primeira parte. Esta exceção ao efeito devolutivo – ou efeito translativo, se assim se preferir chamá-la – pode se fazer presente em todos os recursos, inclusive no recurso extraordinário e no recurso especial, mesmo que não exista o prequestionamento a respeito da carência de uma condição da ação ou de um pressuposto processual(18); nos embargos infringentes e nos embargos de divergência, mesmo que não haja divergência a respeito da ausência de uma condição da ação ou de um pressuposto processual; nos embargos de declaração, até porque, não sendo declarada a ausência da condição ou do pressuposto, haverá omissão (CPC, art. 535); no recurso ordinário constitucional(19); assim como nos diversos agravos (agravo de instrumento, agravo retido e agravos internos), mesmo que o agravo não verse sobre a ausência de alguma condição da ação ou de algum pressuposto processo. Os parágrafos do art. 515 e o art. 516 do CPC apenas reforçam a possibilidade da translação das questões de ordem pública na apelação, sem, contudo, excluir os demais recursos.

Nesse particular, Nelson Nery Junior ressalta que "opera-se o efeito translativo nos recurso ordinários (apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração e recurso ordinário constitucional)", com exclusão, tão-somente, dos "recursos excepcionais (recurso extraordinário, recurso especial e embargos de divergência)"(20).

Não vemos razão, entretanto, para que sejam excluídos do chamado efeito translativo (exceção legal ao efeito devolutivo) o recurso especial, o recurso extraordinário e os embargos de divergência, que nada ou quase-nada têm de excepcionais.

Que diferença existe entre a apelação e qualquer outro recurso, no que atine à aplicação do disposto no CPC, art. 267, §3º ?

As questões de ordem pública, sobre as quais não existe preclusão, podem ser apreciadas pelo tribunal, desde que o recurso – qualquer recurso – seja conhecido, preenchendo todos os requisitos para a sua admissibilidade (cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, tempestividade, regularidade formal, preparo e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer).

Entendimento diverso pode gerar grave distorção, pois, não sendo possível a análise sobre a ausência de uma condição da ação ou de um pressuposto processual em sede recursal, mesmo que o entendimento do tribunal esteja pacificado a respeito da carência deste requisito em situações análogas, a parte terá que aguardar o trânsito em julgado para promover uma ação rescisória, alegando violação literal ao disposto no CPC, art. 267, IV, V ou VI.

Sabendo-se que o tribunal poderá apreciar a matéria em ação rescisória, porque não precipitar uma decisão do próprio tribunal, em atenção ao princípio da economia processual, evitando-se, desta maneira, o prosseguimento de uma dispendiosa e inútil atividade estatal?

Neste sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADICIONAL AO FRETE PARA RENOVAÇÃO DA MARINHA MERCANTE. ISENÇÃO. DDLL N.S 2404/87 E 2414/88 – APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE (ART. 257, RISTJ). CONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DAS MATÉRIAS ATINENTES ÁS CONDIÇÕES DA AÇÃO E AOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. AUTORIDADE COATORA. ILEGITIMIDADE. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO (ART. 267, VI, DO CPC). PRECEDENTE"(21).

"PROCESSUAL E ADMINISTRATIVO. FGTS. CORREÇÃO DO DEPÓSITO. ILEGITIMIDADE DA UNIÃO FEDERAL.

1. A ILEGITIMIDADE E PARTE É UMA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO E SUA INEXISTÊNCIA PODE SER DECRETADA, DE OFÍCIO, EM QUALQUER GRAU DE JURISDIÇÃO.

2. A UNIÃO NÃO TEM LEGITIMIDADE PARA RESPONDER ÀS AÇÕES RELATIVAS A CORREÇÃO DOS SALDOS DO FGTS. ENTENDIMENTO CONSAGRADO PELA EG. PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ.

3. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO PARA DECRETAR A EXTIÇÃO DO PROCESSO, NOS TERMOS DO ART. 267, VI, DO CPC."(22)

"PROCESSUAL – AÇÃO RESCISÓRIA – LEI 7.689/88 – CONSTITUCIONALIDADE – CONTROVÉRSIA JURISPRUDENCIAL – SÚMULA 343 DO STF – NÃO INCIDÊNCIA.

I – AO TOMAR CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL, O STJ DEVE APRECIAR DE OFÍCIO, NULIDADES RELACIONADAS COM OS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E AS CONDIÇÕES DA AÇÃO. NÃO É RAZOÁVEL QUE – MESMO ENXERGANDO VÍCIO FUNDAMENTAL DO ACÓRDÃO RECORRIDO – O STJ NELE OPERE MODIFICAÇÃO COSMÉTICA, PERPETUANDO-SE A NULIDADE.

II – SE A PETIÇÃO INICIAL, EMBORA SINTÉTICA E DESACOMPANHADA DE DOCUMENTO QUE A COMPLETARIA, PERMITIU O SEGURO ENTENDIMENTO DA PRETENSÃO QUE ANIMA O PEDIDO, NÃO É LÍCITO CONSIDERÁ-LA INEPTA (STJ – 1ª TURMA/ RESP 87.292/SP).

III – SE O ACÓRDÃO DEIXOU DE APLICAR A LEI 7.689/88, AFIRMANDO SUA INCONSTITUCIONALIDADE, É POSSÍVEL DESCONSTITUÍ-LO EM AÇÃO RESCISÓRIA. NADA IMPORTA A CIRCUNSTÂNCIA DE TER SIDO CONTROVERTIDA PELOS TRIBUNAIS A COMPATIBILIDADE ENTRE A CONSTITUIÇÃO E A LEI: A RESTRIÇÃO CONTIDA NA SÚMULA 343 DO STF INCIDE SOMENTE, QUANDO O ACÓRDÃO ENVEREDOU PELA INTERPRETAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL."(23)

Há, entretanto, inúmeras decisões do próprio Superior Tribunal de Justiça contrárias ao conhecimento ex officio da falta de condição da ação ou de pressuposto processual em sede de recurso especial. Vejamos algumas:

"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. No âmbito do recurso especial só se decide a respeito dos temas que, prequestionados no Tribuna a quo, foram atacados nas razões do recurso especial; dessa regra não se excluem as condições da ação e os pressupostos processuais."(24)

"AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – CONDIÇÕES DA AÇÃO – MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA – PREQUESTIONAMENTO – NECESSIDADE – SÚMULA 211 DO STJ.

Entendimento assentado em ambas as Turmas de Direito Privado deste Tribunal no sentido de exigir-se o prequestionamento viabilizador da via especial, ainda que se trate de matéria apreciável de ofício nas instâncias ordinárias.

Agravo a que se nega provimento."(25)

"PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO – QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA – NECESSIDADE DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA N. 211/STJ – AGRAVO IMPROVIDO.

1.Ausência de prequestionamento dos artigos indicados no especial.

2. Segundo esta Corte, mesmo as questões de ordem pública carecem de prequestionamento para serem analisadas em sede de recurso especial.

3. Agravo improvido."(26)

Discordamos data venia de tais decisões. É preciso, no entanto, para que se aplique o denominado efeito translativo, que o recurso seja conhecido. Exemplificando: interposto o recurso extraordinário, faz-se necessário que seja alegado um dos itens previstos no art. 102, III, da CF, para admissibilidade do recurso. Estando caracterizado o cabimento, poderá então o tribunal, agindo ex officio, não apreciar, no mérito (mérito recursal), a matéria que é objeto do recurso e determinar a extinção do processo sem o julgamento do mérito (meritum causae), em face da ausência de uma condição da ação ou de um pressuposto processual (CPC, arts. 267, § 3.º, e 301, § 4.º). Da mesma forma, no recurso especial, é preciso haver o prequestionamento sobre um dos assuntos previstos no art. 105, III, da CF, o qual pode ser a própria carência de uma condição da ação ou de um pressuposto processual (decisão contraria a Lei Federal – CPC, art. 267, IV, V ou VI) ou outra matéria qualquer. Igualmente, opostos os embargos infringentes, é essencial que o julgado proferido em apelação ou ação rescisória não tenha sido unânime, mesmo que o ponto de divergência não diga respeito à falta de uma condição da ação ou de um pressuposto processual. E, da mesma forma, opostos os embargos de divergência, necessário se faz que haja a divergência entre órgãos fracionários internos do STJ ou do STF, na forma do CPC, art. 546, ainda que esta divergência não diga respeito à falta de condição da ação ou de pressuposto processual.

Neste sentido, Gleydson Kleber Lopes de Oliveira, apesar de reconhecer que a doutrina e a jurisprudência majoritárias posicionam-se contrariamente ao seu pensar, conclui: "Nas hipóteses dos recursos excepcionais (...) a questão de ordem pública pode ser analisada de ofício pelo tribunal superior, desde que o recurso seja conhecido, porquanto ‘é exigência indeclinável, hoje, em todo processo, que o magistrado, antes de apreciar o mérito, pronuncie-se sobre a validade do processo"(27).

Portanto, em princípio, não há preclusão quanto aos pressupostos processuais e às condições da ação (art. 267, § 3º) e isto serve a qualquer recurso, inclusive os chamados "constitucionais".

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Sobre o autor
Rodrigo da Cunha Lima Freire

Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Professor dos Cursos Preparatórios e da Pós-Graduação da Rede de Ensino LFG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREIRE, Rodrigo Cunha Lima. Ainda sobre a declaração ex officio da falta de um pressuposto processual: ou de uma condição da ação em agravo de instrumento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 50, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2007. Acesso em: 2 nov. 2024.

Mais informações

Continuação do artigo "Falta de pressuposto processual ou de condição da ação – declaração ex officio em agravo de instrumento", de nossa autoria, publicado na obra Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais, coordenada pelos Professores Nelson Nery Jr e Teresa Arruda Alvim Wambier e publicada pela Editora Revista dos Tribunais.

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